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ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Sumário
I. À luz do regime presuntivo inscrito no actual art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a prova dos factos que preencham pelo menos duas das alíneas ali previstas faz operar a presunção da existência de um contrato de trabalho, prescindindo o legislador, nessa fase, da ponderação da natureza da actividade na qual se insere a prestação. II. Na presença de dois dos factos base integradores da presunção da existência de contrato de trabalho – a determinação do local de trabalho pela beneficiária da actividade e também a pertença, a esta, dos instrumentos e equipamentos de trabalho – e provada, ainda, factualidade que evidencia a inserção do trabalhador na organização da beneficiária da actividade e a sua sujeição à sua autoridade, o que tem por reverso a ausência de prova de factos dos quais derive a existência de qualquer traço de autonomia na prestação, será de qualificar como laboral a relação jurídica que assim se caracterize.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
1. O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo do Trabalho de Loures, intentou a presente acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho contra “XX & XX, Lda.”1 peticionando que fosse declarada a existência de contrato de trabalho entre a ré e AA desde 2 de Dezembro de 2022.
Alegou, em síntese, que: (i) a ré tem actualmente por objecto social a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros, transporte de mercadorias, distribuição e logística, desenvolvendo a sua actividade em regime de prestação de serviços a entidades terceiras, em concreto para o Centro Operacional dos CTT Expresso- Serviços Postais e Logística, S.A., para prestação de serviços no “Ponto CTT – MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa); (ii) entre a ré e os “CTT” foi celebrado um “contrato de prestação de serviços, de transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e outsourcing”; (iii) no dia 12 de Dezembro, naquele local, AA executava a sua actividade de distribuição/recolha de correspondência/objectos no citado local, actividade que vinha desempenhando desde 2 de Dezembro de 2022; (iv) de segunda a sexta-feira, o trabalhador inicia a sua actividade, em regra, pelas 7h00; (v) no exercício da sua actividade, o trabalhador faz uso de equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe são disponibilizados pela ré e pelos “CTT”; (vi) no exercício da sua actividade, o trabalhador recebe instruções e ordens de serviço de BB e CC, ambos trabalhadores da ré.
2. Citada a ré, foi por ela contestada a acção.
Por excepção, invocou a ré que AA deixou de lhe prestar serviços em 19 de Outubro de 2023.
No mais, alegou, em síntese, como segue: (i) o prestador de serviços em causa é um trabalhador independente com quem celebrou um contrato de prestação de serviços para prestar a sua actividade de distribuidor de correspondência de objectos a Clientes, no caso aos CTT Expresso; (ii) os serviços prestados pelo prestador dependem, unicamente, da carga diária de objectos postais a distribuir/recolher, cuja divisão é decidida por todos os distribuidores, limitando-se a ré a coordenar este procedimento; (iii) para esse efeito, é apenas necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição, regressando quando terminam as suas entregas e recolhas diárias pré-definidas e pontuais, estas indicadas pelos CTT Expresso directamente ao distribuidor, para fecho de contas; (iv) os distribuidores têm autonomia para decidirem qual a sua carga horária e volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes asseguradas as efectivas entregas de todos os objectos; (v) os distribuidores podem prestar o seu serviço de segunda a domingo, podendo livremente escolher quantos dias por semana pretendem fazê-lo; (vi) o distribuidor em causa é pago de acordo os serviços de distribuição que efectua mensalmente; (vii) BB e CC limitam-se a coordenar a operação no Centro de Operações dos CTT Expresso, assegurando que toda a carga é expedida, sendo, ainda, os interlocutores da ré junto do CTT Expresso.
Concluiu a ré no sentido da procedência da matéria exceptiva por si invocada, com a sua consequente absolvição do pedido. Assim não se entendendo, pugna pela improcedência da acção, devendo, em conformidade, ser absolvida do pedido.
3. AA, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 186.º-L, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, nenhuma pretensão ajuizou nos autos.
4. Foi proferido despacho que determinou a apensação dos presentes autos à acção n.º 3222/24.5T8LRS2..
5. Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença3 que julgou improcedente a matéria exceptiva invocada pela ré, culminando, a final, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, vistas as normas e os princípios jurídicos enunciados, decide-se julgar procedente a presente ação e, em consequência:
1. Declarar que entre AA e XX & XX, LD.ª foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2. Declarar que o referido contrato de trabalho teve início em outubro de 2020;
3. Condenar a Ré XX & XX, LD.ª a reconhecer a vigência do contrato de trabalho nos termos referidos em 1.º e 2.º».
6. Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a ré, rematando as respectivas alegações de recurso com a seguinte síntese conclusiva:
«a) Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e contrariamente ao defendido pela sentença ora recorrida, não se poderá considerar que a relação entre recorrente e o prestador em causa se desenvolvesse num quadro de subordinação jurídica;
b) Não resultando demonstrados nos presentes autos quaisquer dos elementos típicos contrato de trabalho;
c) Quanto ao alegado horário de trabalho definido pela recorrente não resulta da prova produzida que fosse a recorrente a determinar um horário de entrada do(a) prestador(a);
d) Pelo contrário, dos depoimentos das testemunhas DD, CC e das declarações de parte do legal representante da recorrente, EE, resulta demonstrado que a recorrente não determinou qualquer horário de trabalho, quer quanto a hora de entrada, quer quanto a hora de saída do(a) prestador(a) em apreço;
e) Sendo, unicamente, indicado pela recorrente aos distribuidores que podem dirigir-se às instalações dos CTT Expresso no MARL a partir das 7h00 - altura em que os que esta entidade começa a disponibilizar os objetos destinados a entrega - para organizarem o seu serviço, da forma que entenderem ser-lhes mais conveniente;
f) Podendo os distribuidores, mormente o(a) prestador(a) em apreço, adequar a hora de início da prestação de atividade de entrada conforme o serviço de entregas que se dispõem a fazer;
g) Devendo, como tal, o ponto 9. dos factos provados (do requerimento inicial) ser dado como não provado;
h) Os distribuidores não têm uma hora de fecho de atividade definida, estando unicamente dependentes da carga que se comprometem a distribuir e das recolhas que aceitam fazer, bem como, das janelas horárias determinados em função de compromissos assumidos pelos CTT expresso com os seus clientes.
i) E não de uma imposição da recorrente;
j) Inexistindo, como tal, um horário de trabalho definido pela recorrente, mas sim um período que decorre entre as 7h00 e as 22h00, durante o qual os distribuidores, mormente o(a) prestador(a) em causa, podem gerir com grande autonomia o período de duração diária do seu serviço;
k) Quanto à alegada subordinação a ordens, diretrizes e instruções da entidade empregadora, resulta provado que muito embora o trabalhador da recorrente CC tivesse a seu cargo a efetiva coordenação operação de distribuição em causa nos autos, não dava quaisquer ordens de serviço ao prestador em apreço;
l) Mormente quanto ao volume de encomendas a distribuir e recolher, através de PDA, ou efetuando correções em caso de deficiente execução do serviço por parte dos distribuidores;
m) Sendo unicamente a função de CC dar apoio aos prestadores de serviço de forma que toda os objetos colocados para entrega pelos CTT Expresso fossem, efetivamente, expedidos, funcionando, igualmente, como interlocutor da recorrente junto dos CTT Expresso.
n) Não era imposto pelo Sr. CC ao(à) prestador(a) em apreço, qualquer limite máximo ou mínimo de objetos a carregar, designadamente através do instrumento designado por PDA.
o) Tendo os prestadores autonomia para selecionar os objetos que entendem poder distribuir;
p) Quanto ao instrumento designado por PDA, na altura em que foi efetuada a ação inspetiva do ACT, eram os próprios distribuidores, nomeadamente o(a) trabalhador (a) em apreço nos presentes autos, que efetuavam o carregamento deste aparelho, com os objetos que pretendiam distribuir;
q) Não tendo o Sr. CC qualquer intervenção neste processo de seleção;
r) O Sr. CC não tem qualquer intervenção no processo de atribuição ou redistribuição dos vários percursos atribuídos aos distribuidores, dentro de cada código postal (designados por giros);
s) Os distribuidores, incluindo a(a) prestador(a) em causa nos presentes autos estes têm autonomia para alterarem os giros inicialmente atribuídos, redistribuindo, entre si, os objetos a entregar.
t) Resulta, igualmente demonstrado nos presentes autos que o trabalhador da recorrente, BB é o chefe de frota, assegurando a gestão das viaturas quer a nível da sua afetação aos distribuidores quer a nível da sua manutenção;
u) Não dando quaisquer ordens de serviço aos distribuidores, mormente, quanto a quanto às encomendas a distribuir e recolher.
v) Devendo, como tal, os pontos 20. e 21. dos factos provados (do requerimento inicial) ser considerado como não provado.
w) Mantendo-se, apenas, como provado, neste último ponto que CC, coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.
x) Ficou, assim, demonstrada a efetiva autonomia por parte do(a) prestador(a) quer relativamente ao seu período diário de prestação de atividade quer quanto à gestão da execução da mesma, mormente quanto ao volume de objetos a entregar.
y) Caso entendessem que a carga de objetos a entregar no seu código postal assim o justificava, os distribuidores podiam sugerir à recorrente a entrada de novos colaboradores;
z) Criando verdadeiras subequipes cuja atividade coordenavam diretamente.
aa) Devendo, assim, o ponto 1 dos factos não provados (da contestação), da sentença ora recorrida, ser considerado como provado.
bb) Contrariamente ao defendido pela sentença ora recorrida, a recorrente logrou apresentar prova no sentido de afastar os factos índices de laboralidade em apreço nos presentes autos.
cc) Quanto à atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, muito embora a prestação de atividade do(a) colaborador(a) em apreço se inicia nas instalações da CTT Expresso, tal não decorre de determinação da recorrente, mas sim pela natureza do serviço a prestar;
dd) Os objetos a carregar começavam a ser disponibilizados pelos CTT Expresso, nas suas instalações, a partir das 7h30 da manhã.
ee) O(a) prestador(a) em apreço dispunha de grande autonomia para alterar os percursos a efetuar no âmbito da distribuição dos objetos por si assumida - mesmo que anteriormente definidos;
ff) Nem a recorrente, nem os CTT têm qualquer intervenção na alteração destes percursos.
gg) Para além da viatura, principal instrumento de trabalho dos distribuidores, a utilização de todos os demais equipamentos de trabalho não resulta de qualquer imposição da recorrente, mas sim, de normas de segurança e de identificação dos prestadores junto dos clientes dos CTT Expresso, inerentes à prestação do serviço de distribuição;
hh) O(a) distribuidor em apreço tinha a possibilidade, caso assim entendesse de adquirir a viatura que lhe estava afeta;
ii) Sendo ele a suportar o custo do combustível despendido com a utilização da viatura por si utilizada na prestação da atividade em causa;
jj) Não poderá deixar de se considerar como não verificado este facto-índice de laboralidade;
kk) Não foram demonstrados nos presentes autos os elementos típicos do contrato de trabalho, como sendo, a existência de um local e horário de trabalho determinados pela ora recorrente, pagamento de remuneração certa, exercício de poder disciplinar e subordinação a ordens, diretrizes e instruções.
ll) Tendo, por seu lado, a recorrente logrado demostrar que toda a atividade do(a) prestador(a) em apreço nos presentes autos se desenvolvia num quadro de autonomia, não estando sujeito(a) ao poder de direção e autoridade da recorrente;
mm) Face a todo o supra exposto deveria a sentença recorrida ter considerado como não verificado o vínculo laboral entre a recorrente e o(a) prestador(a) de atividade em apreço.
nn) Mas outrossim reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre o(a) prestador(a) de atividade e os CTT Expresso.
oo) Ao não ter decidido conforme supra exposto, a sentença ora recorrida viola o disposto no art.º 11.º e 12.º do Código do Trabalho e 1154.º do Código de Processo Civil».
Termina a ré no sentido de dever julgar-se «procedente o presente recurso, revogando a sentença do Tribunal a quo, substituindo-a por outra que: a) declare não existir contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, desde a data indicada, absolvendo a recorrente do respetivo reconhecimento; b) declar[e] a existência de contrato de prestação de serviços entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, desde a data indicada».
7. O Ministério Público contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a manutenção da sentença provinda do tribunal a quo.
8. O recurso foi admitido por despacho datado de 11 de Julho de 2025.
9. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil (CPC4), aplicável ex vi do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT5), e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do Recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a conhecer, pela seguinte ordem de precedência lógica que entre elas intercede: (i) da impugnação da matéria de facto; (ii) da natureza jurídica da relação estabelecida entre a recorrente e AA.
Na alínea nn), das suas conclusões, alude a apelante ao reconhecimento da «existência de contrato de trabalho sem termo entre o(a) prestador(a) de atividade e os CTT Expresso». Trata-se essa, no entanto, de questão que não indica e, por isso, não fundamenta, na sua alegação de recurso. Nesta medida e uma vez que a indicada questão não encontra, no corpo das alegações, qualquer respaldo, dela não se conhecerá.
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III. Fundamentação de Facto
III.1. Impugnação da matéria de facto
1. A apelante indica, nas suas conclusões, a decisão de facto que impugna e que, no caso, se circunscreve aos factos dados como provados sob os pontos 9., 20. e 21., bem como ao facto não provado sob o ponto 1..
Pretende a apelante que sobre os pontos 9. e 20. venha a recair o juízo de «não provados» e que o ponto 21. acolha apenas a seguinte redacção: «CC, coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré»; pretende, por fim, que o ponto 1., dos factos não provados, transite para o elenco dos factos provados.
1.1. Do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos perante o tribunal a quo6; a apelante, por sua vez, cumpriu de modo suficiente os ónus de impugnação prescritos no art. 640.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil, pois indicou os factos de cuja decisão discorda, bem como os concretos meios de prova que, na sua perspectiva, sustentam diferente decisão e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nesta conformidade, conhecer-se-á, nesta parte, do recurso interposto, apreciando-se a argumentação da apelante no sentido de ser alterada a decisão que ficou a constar dos identificados pontos da matéria de facto, o que terá por base a análise de todos os meios de prova produzidos que o tribunal repute relevantes – de entre eles, naturalmente, os indicados pela apelante e os que se prevaleceu a Mm.ª Juiz a quo na sua decisão de facto –, pois só assim se logra uma ponderação global e em harmonia com a prova produzida a propósito de cada um dos pontos de facto impugnados.
2. O ponto 9., dos factos provados, tem a seguinte redacção:
«9. Por determinação da Ré, o colaborador devia comparecer diariamente, cerca das 07:30h nas instalações do seu cliente CTT Expresso, sitas no Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa)».
2.1. A Mm.ª Juiz a quo, sustentando a matéria de facto que, assim, julgou provada, ponderou como segue:
«(“Por determinação da Ré, o colaborador devia comparecer diariamente, cerca das 07:30h nas instalações do seu cliente CTT Expresso, sitas no Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa chegando, todavia, o colaborador, habitualmente pelas 08:10h”) encontra-se parcialmente assente por acordo das partes (quanto ao local e hora de início da prestação da atividade – cf. art. 14.º da contestação “Sendo, apenas necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição” – obrigação que é um reflexo da obrigação contratualmente assumida pela Ré perante os CTT na cláusula 22ª, al. b) e 23.º, nº 6, do contrato junto como documento nº 1 com a contestação)».
2.2. O dissenso em presença situa-se, de sobremaneira, na expressão «por determinação da ré», já que o local do comparecimento, assim como o cliente da apelante, serão factos cuja realidade se afirma em muitos outros dos provados, sendo, de resto, uma realidade inequívoca no contexto da actividade em presença. Aliás, a própria apelante salienta, na sua contestação, como nota a Mm.ª Juiz a quo, a necessidade de comparecimento dos distribuidores no Centro Operacional dos CTT Expresso na janela horária das 07h00 e 07h30 (artigo 20.º, da contestação, e não 14.º, desta peça processual), donde a prova do facto, no que respeita a estas duas realidades – local e cliente –, com fundamento no acordo das partes e que a apelante não pode, agora, com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, pretender reverter.
Os documentos que se socorre a Mm.ª Juiz a quo dão nota que, no âmbito da obrigação que assumiu junto dos CTT, a apelante tem que dotar a sua operação dos meios humanos a isso imprescindíveis, estipulando-se nas ditas cláusulas do contrato que:
i. cláusula 22.ª, al. b), com a epígrafe «obrigações da segunda contraente» (sendo a segunda contraente a apelante): «No que diz respeito ao cumprimento do objeto do presente Contrato e de forma assegurar a sua operacionalidade, constituem obrigações da Segunda Contraente: (…) b) assegurar operações de carga, transporte e entregas domiciliárias bem como recolha nos clientes e lojas e/ou CDP’s (Centros de Distribuição Postal) e descarga no Centro de Operações e/ou noutro local indicado pela CTT Expresso dentro dos códigos postais no âmbito deste Concurso;
ii. cláusula 23.ª, n.º 6, com a epígrafe «distribuidores»: «devem ser sempre asseguradas pelos distribuidores todas as operações de carga e descarga nas instalações da CTT Expresso, ou nos locais por ela indicados, devendo, ainda, preencher toda a documentação associada à execução das diferentes tarefas».
A questão estará, pois, em saber se o facto alegado pela apelante e os documentos a que recorre a Mm.ª Juiz a quo são, só por si, suficientes para que se conclua que a apelante determina, efectivamente, a hora de início da prestação de AA.
2.3. Reapreciada a prova e, em particular, as declarações de parte da apelante e os depoimentos das testemunhas CC, FF, DD e GG afigura-se-nos que da sua conjunta valoração não é possível dar como provado, com a certeza e concludência necessárias, que a apelante imponha ou determine a hora de início da prestação de AA. Não o referiu o legal representante da apelante, do mesmo passo que não o referiram as testemunhas, em especial AA que, neste conspecto, referiu que fazia mais o seu horário, sem prejuízo de, segundo disse, ter que estar no centro operacional, para fecho de contas, cerca das 17h30 porque efectuava uma recolha que ia para Espanha pelas 18h00.
Sem prejuízo do que vem de ser exposto e resulta da conjunta valoração da prova, está também provado, sem que a isso se hajam oposto as partes, em particular a apelante, que esta mantém, como consta do facto provado constante do ponto 26., vários trabalhadores a si vinculados por contrato de trabalho cujas funções são idênticas às de AA, embora, conforme unanimemente referido pelas testemunhas, estejam aquelas de sobremaneira vocacionadas à distribuição dos objectos que os distribuidores – entenda-se, os não vinculados por contrato de trabalho – não conseguem carregar para distribuir ou outras situações excepcionais que ocorram (por exemplo, pedidos de recolha de objectos).
As testemunhas CC e DD referiram que aqueles trabalhadores – que, no fundo, ficam com as sobras – chegam mais tarde que os demais distribuidores, concretizando a testemunha DD que chegam cerca das 8h00. Ficando estes trabalhadores com o remanescente dos objectos para distribuição, na medida em que os distribuidores já assumiram, antes, o grosso das encomendas a distribuir, não custa concluir que a hora de entrada destes últimos situar-se-á em momento anterior àquelas 08h00.
Esta realidade não é, contudo, à míngua de prova concludente e segura, apta a suportar um juízo minimamente fundado quanto à imposição ou determinação, pela apelante, de um horário de entrada dos distribuidores e, em particular, de AA, já que a forma como é organizada a actividade e a sucessão de tarefas que demos nota não nos parecem ser suficientes para que assim se conclua (embora também não consinta se conclua em sentido oposto, note-se).
Nesta medida, procede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, embora não nos exactos termos defendidos pela apelante. Com efeito, ponderando a realidade por si afirmada no artigo 20.º, da sua contestação – e que, aliás, resulta evidenciada pela prova produzida –, é pelo menos possível dar como provado o que ali consta. E dizemos evidenciada por ser o que de forma essencialmente homogénea resulta dos meios de prova supra enunciados e que, nesta matéria, se nos afiguram credíveis. Isto é, é necessário, conveniente, que os distribuidores compareçam na citada janela horária por ser essa a hora em que são disponibilizados os objectos a distribuir, para isso concorrendo a tipologia da actividade em presença e sendo também sugerido pela organização que lhe preside.
Assim, o facto 9., dos factos provados, ficará com a seguinte redacção:
«9. É necessário apenas que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição».
3. Insurge-se a apelante contra a factualidade inscrita nos factos provados constantes dos pontos 20. e 21., sendo sua pretensão que sobre o primeiro recaia o juízo de «não provado» e que ao segundo seja dada a seguinte redacção: «CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré».
Fundamenta a sua pretensão nas declarações de parte da apelante e no depoimento da testemunha CC.
3.1. Os citados factos têm a seguinte redacção, tal como consta da sentença recorrida:
«20. O colaborador AA e os restantes colaboradores da XX & XX, recebem ordens concretas de serviço transmitidas pelo trabalhador da Ré CC (com contrato de trabalho) e da CTT Expresso, quanto às encomendas a distribuir e a recolher no cliente, através do PDA.
21. CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, determina a eventual alteração do giro, com o acordo da CTT Expresso, determina as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, e impõe o uso de equipamentos de protecção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da ré».
3.2. A Mm.ª Juiz a quo suportou os factos assim provados com base na seguinte fundamentação:
«Os factos descritos em 20.º, 21.º e 23.º (sendo o art. 20.º, in fine, o art. 21.º, e o art. 23 in fine factos instrumentais apurados no decurso do julgamento da causa e incluídos nos factos provados ao abrigo do disposto no art. 5.º, nº 2, a), do C. de Processo Civil tratando-se de factos concretizadores da matéria alegada na petição inicial) resultaram provados com base nos seguintes meios de prova:
- Declarações da testemunha AA, que referiu que CC que lhe indicou e ensinou a sua rota e o advertiu que era obrigatório o uso de colete e biqueira no exercício da atividade no Marl. Era ainda CC que tirava quaisquer dúvidas que surgissem no decurso da atividade.
- Declarações da testemunha CC, que referiu que a sua função era coordenar os distribuidores contratados pela Ré NPL, garantindo “que o armazém ficasse sem objetos; que toda a carga saia para a rua”, se necessário recorrendo a uma equipa de apoio; confirmou que é ele próprio que transmite a obrigatoriedade de usar colete e botas, os quais faculta aos distribuidores; referiu que as rotas atribuídas aos distribuidores, por vezes, são reajustadas, nomeadamente por determinação sua (como sucedeu por força da ausência prolongada de um distribuidor, que depois regressou e a quem atribuiu uma nova rota), ou quando é necessário reorganizar o esquema da distribuição em virtude do acréscimo do serviço; confirmou ainda que, em determinado dia, quando o sistema informático do PDA não estava a funcionar, deu ordens aos distribuidores para prosseguirem com as entregas, anotando numa folha ou tirando uma fotografia (no seguimento das indicações dadas pelos supervisores dos CTT), tendo na sequência da recusa de um distribuidor transmitido que este estava dispensado (definitivamente); de relevante, referiu ainda que as faltas lhe são comunicadas pelos distribuidores a si, pois é ele que coordena o serviço.
- Declarações da testemunha FF, Engenheiro industrial, que desempenhou funções na empresa CTT, de 2022 até início de 2024, tendo sido «responsável máximo» pela operação dos CTT MARL, que referiu que o Centro Operacional do MARL tinha duas grandes atividades: uma atividade de tratamento de encomendas (receção de encomendas e divisão de encomendas de acordo com o Código Postal) e uma atividade de distribuição de encomendas ao cliente final. Mais referiu que “Todo o modelo de entrega dos CTT é digitalizado, implica um registo feito através de um equipamento que está atribuído a uma determinada pessoa, que permite não só ter visibilidade dos resultados, mas assegura a rastreabilidade da encomenda; Pertence aos CTT e é cedido como parte do contrato às empresas que trabalham consigo. O PDA é um equipamento que está em stock e o distribuidor usa um código para efetuar o login”. Do PDA consta ainda as atividades de recolha de objetos junto dos clientes (informação que era disponibilizada no início do dia no PDA, ou ao longo do dia se houvesse mais pedidos). Como explicitou ainda, a atividade começa no início da manhã com a recolha da mercadoria. Os CTT organizavam-se para colocar a mercadoria à disposição das empresas. Têm horários de abertura e de fecho. Antes das 07h não se levantavam encomendas porque chegavam camiões de Espanha. E no fim do dia, no limite, podia-se regressar ao Centro até às 23h. A responsabilidade dos supervisores era a de que as mercadorias fossem entregues. No fim da distribuição era obrigatório regressar ao MARL para entregar o PDA e carregar o fecho do dia e devolver a mercadoria não entregue. Mais referiu que, por força do contrato celebrado entre a NPL e os CTT, os distribuidores usavam um equipamento para identificação junto dos clientes (colete com logótipo dos CTT) e no Centro Operacional do Marl, um colete com a designação NPL (por indicação da equipa de segurança).
- Declarações da testemunha DD, que referiu que CC tem a seu cargo a tarefa de coordenação, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição (conforme obrigação contratual estabelecida com a CTT Expresso), e BB estava afeto à gestão de frota (avarias, manutenções, assistência, efetuar a afetação das viaturas ao grupo de contratados), ajudando ainda o CC a verificar no armazém, do período da manhã, se a carga estava toda distribuída ou escoada, esclarecendo alguma dúvida necessária (ex. objeto danificado). Com relevância esclareceu ainda que alguns clientes têm janelas de horário contratadas, sendo essa informação transmitida aos distribuidores no PDA (que estes têm que cumprir). Em termos de instruções, referiu que “passam aos prestadores as regras básicas; ex. quando há uma alteração de procedimentos”.
- Contrato de prestação de Serviços, de Transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e Outsourcing junto como documento nº 1, do qual decorre para a Ré a obrigação de garantir que os distribuidores cumprem um conjunto de obrigações inerentes à atividade que exercem, designadamente, obrigação de proteção de dados, confidencialidade, segurança no transporte, fardamento, obrigações de guarda de objetos, comunicação de reclamações dos clientes, obrigação de estarem contactáveis por telemóvel, cumprimento de normas de segurança rodoviárias – vide cláusula 23ª – entre outras. A Ré obrigou-se ainda contratualmente a elaborar o índice de qualificação de subcontratados, mantendo um índice semestral de objetos não entregues, incumprimento do padrão de entrega, cobranças não efetuadas, falta de recolha, entrega errada ou extravio, não utilização de fardamento, não comparência para a execução do circuito, atraso na partida/chegada do circuito – cláusula 27ª. Do contrato decorre ainda para a Ré – e correlativamente para os prestadores de serviço – um conjunto de penalidades descritas no Anexo II do Contrato, que têm subjacentes um conjunto de obrigações aplicáveis a estes colaboradores, designadamente, comparecer ao serviço; entregar, recolher e efetuar as cobranças; transportar apenas os objetos mencionados na lista de entregas; entregar os objetos no horário previsto; recolher as assinaturas dos clientes e fazer constar a hora de entrega; utilizar o vestuário de serviço CTT Expresso; utilizar cartão de identificação; manter a viatura em bom estado; efetuar carga e descarga de objetos unicamente nas instalações CTT Expresso; utilizar a plataforma de otimização de rotas ou outra exigida pela CTT Expresso; usar cartão de cidadão; reportar reclamações; manter uma boa conduta e uma condução cuidadosa, entre outras obrigações previstas – sob pena de serem aplicadas penalizações.
- DECLARAÇÕES DE PARTE do legal representante da Ré, EE, que referiu que a atribuição do código postal a cada distribuidor compete à NPL, sendo que, dentro do Código Postal indicado, é atribuído pela CTT Expresso um giro específico que o colaborador executa diariamente (identificado pelo CP7 e por uma letra; cada letra corresponde a um giro, e cada giro corresponde a uma zona ou conjunto de ruas). Esclareceu ainda que a CTT Expresso dispõe de um mapa de giros, dividindo os códigos postais por zonas, a que correspondem letras, que a NPL pode alterar em concordância com aquela empresa. De relevante, referiu ainda que os distribuidores podem receber pedidos de recolha de mercadoria ao longo do dia (para além das recolhas previstas no início do dia e que constam do PDA), sendo para o efeito contactados via PDA (que funciona igualmente como telemóvel) e que no final da distribuição têm que regressar ao MARL, mas não o podem fazer antes das 15h, pois não estará ninguém para os receber. Os pedidos de recolha podem ser efetuados até às 16h.
De tudo o exposto resulta que: i) quer pela imposição de ordens de serviço pelo supervisor da Ré CC (a quem incumbia coordenar a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria saía do armazém para distribuição, alocar recursos onde era necessário, determinar a eventual alteração do giro, com o acordo da CTT Expresso, determinar as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, tirar dúvidas e resolver problemas) ii) quer pela atribuição das rotas/giros aos distribuidores efetuada pela CTT Expresso (cliente da Ré, por conta e no interesse de quem esta efetua o transporte de objetos, e que gere a operação logística do CTT Marl) iii) quer pela gestão das encomendas efetuada informaticamente pelo PDA disponibilizado pela CTT Expresso, que condensava diariamente a lista de encomendas a distribuir por zonas ou códigos postais (substituindo uma ordem diretamente emanada de um superior hierárquico), determinando assim o local de desempenho do trabalho dentro das rotas ou zonas predefinidas e o tempo de trabalho, iv) quer pela definição do cumprimento de janelas de horário concretas relativamente a determinadas encomendas, com impacto no tempo de trabalho do colaborador v) quer pela necessidade de informar o supervisor da Ré da impossibilidade de comparência (ainda que não lhe fosse exigida a apresentação de justificação), vi) quer pela necessidade de usar os equipamentos de proteção individual e instrumentos de trabalho determinados quer pela Ré, quer pela CTT Expresso, vii) quer, finalmente, pela obrigação de cumprimento de um conjunto amplo de obrigações inerentes à atividade melhor descritas no contrato celebrado entre a Ré e a CTT Expresso (visando especificamente os distribuidores), verifica-se que, efetivamente, o(a) colaborador(a) em causa cumpria as instruções e ordens de serviço diretamente emitidas pela Ré – sobretudo no início da relação contratual, mas igualmente no seu decurso – e instruções quanto às específicas tarefas a realizar pela CTT Expresso, via PDA (sendo que tal sucedia com a concordância da Ré NPL e por força do contrato celebrado entre estas entidades)».
3.3. No que respeita ao ponto 20., dos factos provados, há que reconhecer que a realidade nele retratada está vocacionada muito precisamente para as tarefas da distribuição e da recolha no cliente, isto é, para a actividade que, depois da carga dos veículos, é subsequentemente desenvolvida pelos distribuidores.
Toda essa actividade é, por assim dizer, traçada em função da informação que é carregada no PDA, nos termos que, aliás, estão expressos no ponto 16., dos factos provados, daí que a alusão a ordens de serviço provindas de CC ou dos CTT, ainda que por intermédio do referido instrumento, para além da carga conclusiva que se lhe associa, se nos afigure excessiva quando situada no elenco do quadro de facto. Isto para dizer que se de facto a actividade dos distribuidores, naquelas concretas tarefas, é, ou não, modelada em função do que é carregado no PDA será realidade a extrair dos factos provados, não podendo deles constar realidade que se refira a ordens de serviço por ele veiculadas.
Seja como for, há factos que, em função da prova que foi produzida, são incontornáveis: é no PDA que se concentram todas as informações acerca das entregas e das recolhas que, em cada dia, o distribuidor tem a seu cargo e, no que respeita a estas últimas, situações há em que o pedido da sua realização é carregado no PDA ao longo do dia. Tanto foi referido pela testemunha FF e também pela apelante nas suas declarações de parte. O primeiro referiu que a tarefa de recolha de objectos constitui uma tarefa adicional e assume duas modalidades: ou surge carregada no PDA logo no início do dia ou pode surgir no equipamento ao longo do dia. A apelante, nas suas declarações de parte, referiu que as recolhas podem estar inseridas no PDA, logo no início da prestação, ou podem surgir durante o dia, sendo feito contacto directo com o distribuidor por intermédio do dito equipamento.
Nesta medida e embora a impugnação do concreto ponto provado não mereça, em função da prova produzida, inteiro acolhimento por este tribunal, há que reconhecer que as específicas tarefas de entrega e recolha eram traçadas pela informação contida no PDA, devendo ser esta a realidade retratada nos factos provados, mais devendo a mesma referir-se apenas ao distribuidor a que se reporta a presente acção, sendo inócua a referência a outros.
Desta feita, ao ponto 20., dos factos provados, confere-se a seguinte redacção:
«20. AA procedia à distribuição e à recolha de objectos/encomendas com base na informação carregada no equipamento electrónico “PDA”.
3.4. No que respeita ao ponto 21., dos factos provados, há que dizer que, reapreciados os meios de prova indicados pela apelante e, bem assim, os demais que concorreram para a convicção formada pela Mm.ª Juiz a quo e confrontando o que resulta de uns e de outros e o que, a esse propósito, foi referido pela Mm.ª Juiz a quo, conforme teve oportunidade de se transcrever no ponto 3.2., apenas se nos oferece dizer nada haver a alterar ao facto em apreço, tal a profundidade, minúcia e análise crítica que da prova foi feita.
Os pequenos trechos que se prevalece a apelante no seu recurso com vista a suportar a sua tese, para além de não consentirem a visão abrangente imposta pela prova, estão descontextualizados e apenas se traduzem em pequenas alterações de significado puramente semântico. Substituir ordens por meras indicações ou coordenação pela verdadeira organização da prestação é, na verdade, em face de todo o contexto probatório, insignificante e, nessa medida, insusceptível de conduzir a qualquer convicção que se afaste significativamente da provinda da 1.ª instância, até pelo factor da imediação que se lhe associa. Tudo quanto a Mm.ª Juiz a quo refere na fundamentação do ponto de facto impugnado traduz o que resultou da conjugação e valoração conjunta da prova, sendo que na verdade a única autonomia que se perspectiva poderem ter os distribuidores, e em particular o trabalhador AA, será, quanto muito, a da condução e porventura os trajectos que entendam seguir com vista à entrega dos objectos (embora com condicionantes muito relevantes quando existam janelas horárias pré-definidas para entregas ou quando surjam pedidos de recolha ao longo do dia). Tudo o mais, desde as operações de picagem, conferência de objectos, modo como efectua a carga, os locais a que tem que ir, alguns deles com tempos definidos, os locais que, a qualquer momento tem que se deslocar com vista à recolha de objectos, os momentos que estão definidos para “fecho do dia”, os momentos até aos quais podem fazer entregas, tudo isso escapa a qualquer intervenção ou modelação sua, antes sendo definido pela apelante e, em particular, pelo seu trabalhador CC. A circunstância de, pelos menos directamente, não ser imposto aos prestadores um número mínimo ou máximo de objectos para distribuir é, no mínimo, reconduzir ao que acaba por ser o menos relevante, na economia da sua prestação, a sua autonomia, para além de encontrar forte mitigação na circunstância de a cada distribuidor estar alocado um determinado giro no qual tem que proceder à distribuição/recolha das encomendas que previamente foram carregadas no PDA. Qualquer alteração à informação contida no PDA tinha, aliás, que passar por CC, conforme explicitado pelo próprio. Segundo referiu, o seu PDA estava, por assim dizer, “limpo”, sendo que se por qualquer razão o distribuidor não pudesse proceder à entrega/recolha de qualquer encomenda carregada no PDA que lhe fora atribuído, competia a CC retirá-la, carregá-la no seu e, depois, proceder à sua atribuição a outro distribuidor, carregando-a no respectivo equipamento (PDA).
Neste particular acabou por ser esclarecedor e credível o depoimento de AA. Referiu ter sido CC quem, no início da sua prestação, lhe explicou as tarefas a ela inerentes, do mesmo passo que era a quem recorria quando tinha dúvidas, sendo também a pessoa incumbida de resolver os problemas porventura surgidos no decurso da execução das suas tarefas. A testemunha em apreço referiu, aliás, ter sido incumbida da execução de uma recolha diária que impunha a necessidade de estar no centro operacional até às 17h30, para o fecho de contas, já que essa recolha consistia numa carga que, às 18h00, saía para Espanha. Trata-se, pois, de tarefa que não escolheu e cuja execução estava definida e regrada. Referiu, também, que foi CC quem o advertiu da obrigatoriedade de uso dos equipamentos de protecção (biqueira e colete).
Acresce referir, em função do depoimento de CC e da própria apelante, que a sua função se não traduzia na mera coordenação, antes passando por uma panóplia de outras funções que justamente se espelham no ponto provado 21., tais como a atribuição de rotas/giros, no sentido do respectivo ajustamento em função das necessidades e alocação de distribuidores, sendo associado, como acabou por referir FF, a um interlocutor da apelante junto dos CTT e, no fundo, como um “gestor” da operação da apelante nas instalações dos CTT, o que apelante também não contraria, em bom rigor. CC, aliás, descreveu, no seu depoimento, incidente ocorrido por virtude da avaria do PDA e as instruções que, em face disso, deu aos distribuidores: entregar, ainda assim, as encomendas/objectos.
Ante o exposto e em função da reapreciação da prova entende-se que o ponto 21. deverá manter a sua redacção, tal como provinda da 1.ª instância, improcedendo, pois, nesta parte, a pretensão da apelante.
4. Por fim, pretende a apelante que o ponto 1., dos factos não provados, transite para o elenco dos factos provados, sustentando a sua pretensão nas suas declarações de parte e no depoimento da testemunha DD.
4.1. É a seguinte a redacção do ponto 1., dos factos não provados:
«1. Todos os distribuidores têm autonomia para decidirem qual a sua carga horária e volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes assegurado as efetivas entregas de todos os objetos, não dependendo de quaisquer instruções por parte da R.».
4.2. Uma nota se impõe antes de proceder à reapreciação do ponto impugnado em referência e que se justifica por nele constarem expressões que, com todo o respeito, não integram o conceito de facto que, como tal, é o único cabível no elenco a que se há-de reportar a aplicação do direito.
Referimo-nos às expressões “autonomia para decidir” e “não dependendo de quaisquer instruções por parte da ré”. Para além da carga conceptual que se lhes associa, contraposta ao conceito de facto, há a notar também que na acção em presença, em que se discute justamente a existência ou não de autonomia ou a sujeição a instruções, não devem, de todo, constar no elenco de facto expressões que directamente as reflictam, por a isso obstar o art. 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável in casu por via do disposto no art. 663.º, n.º 2, do CPC.
Desta feita e independentemente da sorte da impugnação do ponto em apreço, dele se expurgarão, em qualquer caso, as enunciadas expressões, ainda que estejamos em presença de ponto de facto que se inscreve no elenco dos não provados.
Resta assim reapreciar se dos factos provados deverá passar a constar que «os distribuidores determinam sua carga horária e o volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes asseguradas as efectivas entregas de todos os objectos».
4.3. Reapreciada a prova estamos em crer pouco mais ser de acrescentar ao que, antes, expusemos, seja no que respeita à definição da carga horária, seja no que respeita ao volume de objectos a entregar, sendo que no que se refere à garantia de entrega dos objectos, até por ser o desiderato a que se propõe a prestação em presença, será redundante a sua reafirmação, por ser o que já resulta dos factos provados sob os pontos 5., 6., 10., 35. e 36..
No mais e conforme teve o ensejo de esclarecer-se, é certo não ter sido produzida prova concludente ou suficientemente segura no que respeita à definição, pela apelante, da carga horária dos distribuidores e, em particular, de AA. Esta inconcludência probatória não determina ou impõe, contudo, a prova do facto contrário, isto é, que estivesse inteiramente na disponibilidade dos distribuidores a definição dos horários da sua prestação. Aliás, o modo como a actividade se mostra organizada pela apelante, traduzida nas sucessivas tarefas que atribui aos distribuidores e aos seus trabalhadores com funções idênticas e os fluxos horários que se lhes associam, impede-nos de concluir nos moldes pretendidos pela apelante. Mais, a testemunha AA referiu, no seu depoimento, diversas condicionantes que fortemente abalam essa pretensão. Desde logo, a rota que tinha definida, em função do código postal que lhe estava atribuído, e, daí, a necessidade de proceder às entregas e recolhas que aí se inscrevessem; depois, a recolha que diariamente tinha que efectuar, a hora certa, com hora certa, também, de chegada ao centro operacional para fecho de contas e a fim de permitir que a carga que antes recolhera seguisse, pelas 18h00, para o seu destino. Aliás, quanto ao fecho de contas, a apelante, nas suas declarações de parte, referiu que se tratava de uma actividade obrigatória, isto é, no termo da sua prestação, os distribuidores tinham sempre que regressar ao “Ponto CTT – MARL” e o fecho de contas não poderia ocorrer antes das 15h00 por só a partir desta hora os serviços administrativos dos “CTT” estarem disponíveis. Do exposto resulta, pois, que também o facto de serem os distribuidores a determinar a sua carga horária é realidade que de todo tem apoio na prova produzida, daí que nenhuma censura nos mereça, neste conspecto, a convicção da Mm.ª Juiz a quo.
O mesmo se aplica ao volume de objectos a entregar, já que, conforme resulta da conjugação da prova produzida, esse volume é de sobremaneira ditado pelos dados carregados no PDA e pelos que, ao longo do dia, ali são vertidos. É certo que, como dissemos supra, não há prova concludente e donde directamente derive a imposição, aos prestadores, de um número mínimo ou máximo de objectos para distribuir. Mas o inverso também se não prova, pelas sobreditas razões, em especial a circunstância da nula possibilidade de influência dos distribuidores no número/volume de objectos carregados no PDA.
Ponderando o exposto, julga-se improcedente a impugnação do facto em apreço, sem prejuízo da alteração da redacção deste concreto ponto nos moldes explicitados.
O ponto 1., dos factos não provados ficará, assim, com a seguinte redacção:
«1. Os distribuidores determinam sua carga horária e o volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes asseguradas as efetivas entregas de todos os objetos».
III.2. Os factos provados são, assim, os seguintes7:
1. Pela Ap. 105/20100727, foi registada na Conservatória do Registo Comercial competente a constituição da sociedade comercial XX E XX, LDA, com o objeto social de transporte de mercadorias e logística.
2. XX & XX, Ld.ª, passou a ter a denominação social de XX & XX -TRABALHO TEMPORÁRIO, Ld.ª, a partir de 7 de dezembro de 2023 e tem atualmente por objeto social “Cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros, transporte de mercadorias, distribuição e logística”, sendo seus sócios gerentes EE, com o NIF ..., e DD, NIF ..., ambos residentes na Rua 1.
3. XX & XX, Ld.ª desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços a entidades terceiras, tendo celebrado com CTT Expresso- Serviços Postais e Logística, S.A. um “Contrato de prestação de Serviços, de Transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e Outsourcing”, para prestação de serviços no “Ponto CTT – MARL” (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa) nos termos que constam do documento nº 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Este Centro Operacional funciona em todos os dias da semana, 24 horas por dia, com interregno entre as 16 horas de sábado e as 16 horas de domingo.
5. Nele são efetuadas a divisão e receção de encomendas e também é efetuada a distribuição de encomendas a partir deste local.
6. A distribuição funciona entre as 7h e as 17:30h, podendo as entregas ser efetuadas no domicílio dos clientes até às 21h.
7. Em serviços de inspeção realizadas pela ACT, no dia 12 de dezembro de 2023 (entre as 15h30 e as 19h), no Centro Operacional da CTT Expresso - Serviços Postais e Logística, S.A. designado de “Ponto CTT - MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa)”, sito em Lugar do Quintanilho, 2660-998 São Julião do Tojal, foi verificado que AA, com o NISS ..., se encontrava a prestara sua atividade de distribuidor/recolha de objetos.
8. Entre XX & XX, Ld.ª e o(a) referido(a) colaborador(a) foi celebrado, verbalmente, em outubro de 2020, um contrato que denominaram de contrato de prestação de serviços.
9. É necessário apenas que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição. (facto alterado por via da decisão constante do ponto III.1.2.3.).
10. O colaborador iniciava a sua atividade, começando por selecionar as encomendas correspondentes ao seu giro (zona de entrega), seguidamente carregava a carrinha com as encomendas e, cerca das 09h, partia para a respetiva distribuição no destino final.
11. A atribuição do giro era efetuada pela CTT Expresso, que associava cada prestador a um Código Postal e uma letra.
12. Para além das tarefas de distribuição de encomendas, a atividade do colaborador abrangia as tarefas de recolha que consistiam em levantar encomendas junto de clientes da CTT Expresso (que vendem on line), as quais transportavam nas ditas viaturas até ao Centro Operacional do MARL onde se seguia o procedimento normal para posterior distribuição.
13. Em regra, o colaborador findava a jornada de trabalho cerca das 17:30h.
14. O colaborador exercia a sua atividade de segunda a sexta.
15. No exercício das suas funções, o/a trabalhador/a em causa utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade com quem a Ré celebrou contrato de prestação de serviços (i.é. fornecidos pelos CTT – Correios de Portugal, S.A.), quer pela Ré.
16. O colaborador utilizava, nomeadamente, um equipamento eletrónico (“PDA”) do qual é proprietária a CTT Expresso, SA e com o qual executa o registo das encomendas que entrega e verifica os giros das entregas e recolhas de encomendas.
17. As viaturas conduzidas pelos colaboradores da Ré são idênticas às da CTT Expresso nas marcas, modelos e tamanho e ostentam, tal como as dos CTT Expresso, o logótipo da CTT muito embora pertençam à Ré XX & XX.
18. Os colaboradores da XX & XX, incluindo o/a acima identificado/a, são detentores de um cartão de identificação que foi fornecido pela CTT Expresso, onde consta o nome, foto e número de trabalhador, o qual inicia com as letras SC, seguidas de 5 algarismos, tendo o/a trabalhador/a o n.º SC26421.
19. Pela prestação de atividade, o colaborador recebia um valor variável, por ponto de entrega.
20. AA procedia à distribuição e à recolha de objectos/encomendas com base na informação carregada no equipamento electrónico “PDA”. (facto alterado por via da decisão constante do ponto III.1.3.3.).
21. CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, determina a eventual alteração do giro, com o acordo da CTT Expresso, determina as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, e impõe o uso de equipamentos de proteção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.
22. CC tem ainda a seu cargo as tarefas de recrutar/selecionar trabalhadores.
23. BB, trabalhador da Ré, assume funções de “chefe de frota”, tratando dos assuntos relacionados com os veículos, designadamente, a manutenção.
24. Em caso de entrega do objeto fora da janela horária determinada pelos CTT, recolha não efetuada, cobrança não executada, entrega errada, extravio, furto ou dano, transporte de objetos não mencionados na lista de entrega, entrega de objetos Banca e Outsourcing fora do horário estabelecido, inexistência de assinatura do cliente na lista de entrega, não utilização do PDA, ou outros desvios descritos no Anexo II do Caderno de Encargos, os distribuidores sofriam uma penalização, aplicada no final do mês.
25. Para a Ré era relevante quer a disponibilidade dos distribuidores, quer o resultado da atividade prestada.
26. A Ré tem trabalhadores por si contratados com contrato de trabalho para o exercício de funções como distribuidores, ou seja, as mesmas que o/a colaborador/a identificado exerce.
27. Para os seus colaboradores, a Ré tem vários modelos de contratação e respetivos montantes de pagamento, designadamente:
a. 6,50€ por dia correspondentes ao designado “arranque de carrinha” + 0,70€ (nuns casos) e 0,90€ (noutros casos) por dia, por cada encomenda/objeto entregue + pelo menos 0,80€ relativos a encomendas de entrega a partir das 19 horas
b. 50€ por dia de trabalho;
c. 900€ por mês.
28. A Ré foi notificada pela ACT para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do colaborador suprarreferido ou pronunciar-se sobre o que entendesse por conveniente.
29. A Ré pediu sucessivas prorrogações de prazos, que lhe foram concedidos, tendo remetido em 23/02/2024 uma exposição à ACT de que resultou, em suma, que: “Antes desta ação inspetiva esta empresa atuava com a convicção de que, face à natureza ocasional e inconstante do serviço prestado e a execução de objetivos concretamente definidos pela CTT Expresso, a relação com os seus colaboradores se inseria no âmbito de uma prestação de serviços. O recurso à contratação temporária de recursos humanos, dentro do regime jurídico que lhe é aplicável, surge, assim, como via para regularização da atividade da empresa e como melhor forma de adequação da sua atividade à legislação laboral aplicável, em respeito pelos direitos dos seus trabalhadores”.
30. Após a realização da suprarreferida inspeção, a Ré alterou o seu objeto social de forma incluir “Cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiro”.
31. Na sequência da constatação de tais factos foi levantado o respetivo auto de notícia pela prática de contraordenação, com base na utilização indevida, emrelação ao/à aludido/a trabalhador/a, do contrato de prestação de serviços.
32. O colaborador iniciou atividade como trabalhador independente, tendo passado a emitir recibos.
33. Os colaboradores tinham que observar, ao longo do dia, horários de entrega de encomendas, nos casos em que os clientes da CTT Expresso tivessem comprado janelas horárias para a entrega de objetos postais.
34. Quando terminavam as suas entregas e recolhas diárias pré-definidas, estas indicadas pela CTT Expresso diretamente ao distribuidor, os colaboradores da Ré regressavam ao CTT Marl para entrega do PDA e fecho de contas.
*
IV. Fundamentação de Direito
1. A questão, pois, que cumpre enfrentar no presente capítulo prende-se com a caracterização do vínculo jurídico estabelecido entre a recorrente e AA, vínculo esse que, ponderando a data do seu início – Outubro de 2020 (cfr., facto provado sob o ponto 8.) – convoca a aplicação do Código do Trabalho de 2009, sendo, pois, à luz deste diploma que deverá ser resolvido o presente litígio (artigos 7.º e 14.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e artigo 12.º, do Código do Trabalho8).
2. Na presente acção peticionou o Ministério Público fosse reconhecida natureza laboral à relação jurídica encetada entre a apelante e AA já que se perspectivava na sua execução a existência de vários dos traços caracterizadores do vínculo laboral.
3. O contrato de trabalho, definido no art. 11.º, do Código do Trabalho, «é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas».
Avultam, pois, como traços distintivos e relevantes do contrato de trabalho a sua natureza necessariamente onerosa, a preponderância da prestação sobre o seu resultado e a inserção do trabalhador num determinado contexto organizativo, sujeito à autoridade da ou das pessoas a favor das quais presta a sua actividade.
Não encerrando a definição de contrato de trabalho consideráveis dúvidas ou dificuldades interpretativas relativamente aos elementos que a compõem, já idêntica facilidade não se estende à sua aplicação a relações jurídicas – mais ou menos complexas – que reclamam nela a sua subsunção e cujo reconhecimento pelo beneficiário da actividade é recusado.
Durante largas décadas e com vista a chamar à tutela juslaboral relações jurídicas que, indevida ou desadequadamente, eram subsumidas noutras figuras contratuais afins do contrato de trabalho, designadamente a prestação de serviço, recorreu-se ao denominado modelo indiciário. Nele avultavam, como indícios da existência de subordinação jurídica, vários elementos que habitualmente se surpreendiam nas relações laborais típicas, competindo ao trabalhador o ónus da sua alegação e da sua prova, à luz do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil.
O modelo presuntivo introduzido na nossa ordem jurídica pelo Código do Trabalho de 2003, actualmente consolidado no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, alterou radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho9, obviando, assim, às dificuldades probatórias que não raro a ele se associavam, permitindo, ainda, facilitar a tarefa de qualificação jurídica de relações em que avultavam, a par de elementos típicos do contrato de trabalho, outros nos quais se surpreendiam traços de alguma autonomia. À luz do regime presuntivo inscrito no actual art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o autor fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, abrangidos pelo conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho (arts. 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil), passando a incumbir ao réu a prova dos factos destinados à ilisão da presunção de laboralidade, ou seja, factos donde decorra não terem as partes celebrado um contrato de trabalho (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Diz-nos, pois, o art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
«1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa».
Assim, e tal como decorre deste preceito, desde que se demonstre a existência de alguns – pelo menos dois – dos índices discriminados nas suas várias alíneas, na relação entre a pessoa que presta a actividade e a outra ou outras que dela beneficiam, presume-se a existência de contrato de trabalho, que, sendo uma presunção iuris tantum, consente à parte contra quem é a mesma oposta a sua ilisão mediante a prova em contrário.
4. A Mm.ª Juiz a quo, depois de convocar pertinente e adequada doutrina e jurisprudência, concluiu que, no caso, a relação jurídica estabelecida entre a apelante e AA se reconduzia a um vínculo jus-laboral, com efeitos desde Outubro de 2020. E assim concluiu lançando mão da presunção contida no art. 12.º, do Código do Trabalho, e por considerar estarem reunidos dois dos factos base presuntivos ali previstos, sabendo-se, como se sabe, que para que opere a presunção basta a verificação de, pelo menos, dois deles.
Considerou a Mm.ª Juiz a quo estarem suficientemente demonstrados factos integradores dos índices presuntivos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 12.º, mais tendo concluído que a apelante não logrou a prova de factos aptos a ilidir a presunção, muito em particular, a prova de factos donde resultasse evidenciada a autonomia do trabalhador, em contraposição com a subordinação ou a sujeição à autoridade, típicas do vínculo laboral.
5. No recurso que interpôs visou a apelante não apenas a reversão do facto que, em bom rigor, seria susceptível de, pelo menos em parte, integrar o facto base presuntivo previsto na al. c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, embora a 1.ª instância dele se não haja prevalecido na sua decisão, do mesmo passo que procurou reverter a factualidade vocacionada à inserção do trabalhador no seu contexto organizativo e a que denotava a sua sujeição à sua autoridade. Deixou, por isso, intocados dois dos factos base presuntivos – o local da actividade e a pertença ou disponibilização dos equipamentos e instrumentos de trabalho –, o que só por si seria já suficiente para que operasse a presunção.
Seja como for, logrou a apelante reverter o que constava do ponto 9., dos factos provados provindos da 1.ª instância, donde a ausência de prova, pelo menos directa, da imposição ou determinação das horas de início da prestação (cfr., o actual ponto 9., dos factos provados), do mesmo passo que logrou fosse alterada a matéria que constava do facto 20., dele se suprimindo a referência a ordens de serviço.
6. Entende, pois, a apelante, que os factos aptos a integrar a presunção de laboralidade, quando não afastados – já que seja o local da prestação sejam os instrumentos e equipamentos de trabalho têm a sua razão de ser, respectivamente, no que lhe é imposto pelo cliente “CTT” e por normas de segurança e de identificação dos prestadores junto dos clientes dos CTT Expresso –, encontram forte mitigação em função da tipologia da actividade em presença, não merecendo, por isso, o enfâse que se lhes empresta, considerando, por isso, que a ponderação global dos factos é apta à ilisão da presunção.
6.1. À luz do regime presuntivo inscrito no actual art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a prova dos factos que preencham pelo menos duas das alíneas ali previstas faz operar a presunção da existência de um contrato de trabalho, prescindindo o legislador, nessa fase, da ponderação da natureza da actividade na qual se insere a prestação. É, assim, inútil que, do ponto de vista do preenchimento dos indícios presuntivos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, a apelante chame à colação justamente a natureza da actividade para os afastar posto que a lei apenas atenta se os factos neles se integram, desinteressando-se, nesse momento, da causa que porventura lhes esteja implícita.
Seja como for, se a própria natureza da actividade dita, no caso que nos ocupa, locais inalteráveis em função da recolha e da distribuição, já que o distribuidor não pode escolher onde recolhe os objectos e onde os entrega, e se na execução da actividade o trabalhador utiliza instrumentos propriedade da beneficiária da actividade ou por esta disponibilizados, parece-nos evidente que a apelante não pode desconhecer serem esses indícios muito relevantes do ponto de vista das consequências que a uns e outros se associam no que se reporta à operação da qualificação da relação jurídica.
Nesta conformidade e estando inequivocamente provados factos que integram as apontadas als. a) e b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, é irrelevante a importância por cada um deles revelada enquanto elementos indiciadores da existência de subordinação jurídica10.
6.2. A ilisão da presunção contida no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, estava na dependência da prova de factos que evidenciassem, não obstante a verificação da determinação do local de trabalho e da disponibilização dos instrumentos e dos equipamentos de trabalho, que a prestação de AA se integrava num quadro de elevada e relevante autonomia.
O que se prova, contudo, é que:
- é necessário que os distribuidores, entre eles AA, compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição (facto provado sob o ponto 9.);
- AA iniciava a sua atividade necessariamente antes das 09h00, já que essa era a hora que partia para proceder à distribuição dos objectos/encomendas, começando por selecionar as encomendas correspondentes ao seu giro (zona de entrega) após o que procedia ao seu carregamento na carrinha (facto provado sob o ponto 10.);
- a AA não era consentida a escolha do giro a observar, sendo o mesmo efetuado pela CTT Expresso, tendo o trabalhador a si associado um Código Postal e uma letra (facto provado sob o ponto 11.);
- para além das tarefas de distribuição de encomendas, a atividade do trabalhador abrangia as tarefas de recolha, que consistiam em levantar encomendas junto de clientes da CTT Expresso (que vendem on line), as quais transportavam nas ditas viaturas até ao Centro Operacional do MARL onde se seguia o procedimento normal para posterior distribuição (facto provado sob o ponto 12.);
- AA, fruto dos objectos que diariamente tinha que distribuir, terminava a sua jornada de trabalho, de segunda a sexta-feira, cerca das 17h30 (factos provados sob os pontos 13. e 14.);
- era com o equipamento eletrónico (“PDA”), do qual é proprietária a CTT Expresso, SA, que AA executava o registo das encomendas que entregava e verificava os giros das entregas e recolhas de encomendas, sendo também por via desse equipamento e da informação que nele era carregada que procedia à distribuição e à recolha de objectos/encomendas (factos provados sob os pontos 16. e 20.);
- a AA era pago, pela ré, um valor mensal variável por cada ponto de entrega de encomendas (facto provado sob o ponto 19.);
- a prestação do trabalhador era de sobremaneira coordenada pela ré, por via do seu trabalhador CC, competindo a este último garantir que toda a mercadoria saía do armazém para distribuição, alocar recursos onde era necessário, determinar a eventual alteração do giro, com o acordo da CTT Expresso, determinar as medidas a adoptar em caso de avaria do PDA, impondo, ainda, o uso de equipamentos de protecção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da ré. Era também a CC que estavam atribuídas as tarefas de recrutamento e selecção de trabalhadores (factos provados constantes dos pontos 21. e 22.);
- os trabalhadores, neles se incluindo AA, tinham que observar, ao longo do dia, horários de entrega de encomendas, nos casos em que os clientes da CTT Expresso tivessem comprado janelas horárias para a entrega de objetos postais (facto provado sob o ponto 33.);
- e, quando terminavam as suas entregas e recolhas diárias pré-definidas, regressavam ao CTT Marl para entrega do PDA e fecho de contas (facto provado sob o ponto 34.).
Ora, perante o acervo factual em presença confessa o tribunal extrema dificuldade em perspectivar a actividade de AA num quadro de elevada ou relevante autonomia, tal como pretendido pela apelante. A par da dependência económica que se evidencia nos factos provados – AA prestava a sua actividade todos os dias úteis da semana, compreendendo a sua prestação um horário que poderia ser superior a 9 horas diárias, auferindo, em contrapartida, um valor aferido em função das entregas que efectuasse –, toda a sua prestação é modelada em função das entregas e recolhas que tem que diariamente efectuar e cuja indicação consta do PDA, tendo obrigação de se apresentar, diariamente, no Centro Operacional dos CTT no início e no fim da sua prestação. É certo que se não prova a determinação, pela apelante, das horas de início e termo da prestação. De todo o modo, a forma como se estrutura e organiza a actividade em que AA se insere sugere que muito pouca margem terá para, por assim dizer, “escolher” as janelas horárias da sua actividade. O carregamento dos objectos tem horas definidas e o termo da prestação apenas ocorre com o fecho de contas e após realizadas as entregas e as recolhas, inclusive as que vão surgindo ao longo do dia, daí que a possibilidade de “escolha” de um horário surja francamente mitigada ou seja mesmo praticamente inexistente.
A nítida conformação da prestação de AA e a sua inserção num quadro organizativo impressivo que, de entre o mais, se evidencia pela presença diária de CC, cujas funções assumem um relevo claro no esquema operacional, e pela chefia, na parte dos veículos, de BB, ditam que a qualificação jurídica da relação encetada e executada entre aquele trabalhador e a apelante haja que ser inscrita e regulada à luz do regime jurídico-laboral.
A tanto não obsta, com todo o respeito, a longa ordem de razões exposta pela apelante na presente fase recursória. Para além de se prevalecer de factos sem qualquer respaldo no elenco dos que estão provados – como sejam, por exemplo, a autonomia dos distribuidores para alterar os percursos a efectuar na distribuição dos objectos ou a possibilidade de adquirirem a viatura que lhes estava afecta – também nos parece que a natureza da actividade de todo obvia à conclusão a que chegámos. Não sendo embora a natureza do serviço a prestar inócua, concedendo-se que a actividade associada à recolha dos objectos, com vista à sua subsequente distribuição, deva estar, por razões de racionalidade e organização, concentrada num determinado local, do mesmo passo que a sua entrega não pode revestir-se de aleatoriedade, não são esses elementos que, com todo o respeito, revistam aptidão para, só por si, afastar o que resulta dos demais, uma vez que a apelante não prova a sua imprescindibilidade no contexto da prestação e essa característica não se presume. O mesmo se diga no que respeita aos instrumentos e equipamento de trabalho, uma vez que a apelante não provou que só com recurso a eles pudesse o trabalhador executar a sua prestação. Acresce dizer, neste conspecto, que a natureza da actividade é muito intensamente determinada ou conformada pelo contrato de prestação de serviço que a apelante celebrou com os “CTT” e que, como nota a Mm.ª Juiz a quo, contém uma regulação extensa e minuciosa do serviço a prestar. Ora, os distribuidores não tiveram qualquer intervenção nesse convénio e toda a sua prestação é, em elevada medida, por ele imposta e conformada, daí que, no nosso modesto entendimento, não possa a apelante prevalecer-se das características que lhe subjazem para mitigar o relevo dos factos integradores dos indícios previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho.
Em presença, pois, de dois dos factos índices integradores da presunção da existência de contrato de trabalho e provada, a jusante, factualidade que evidencia a inserção de AA na organização da apelante, sujeito à sua autoridade, o que tem por reverso a ausência de prova, pela apelante, de factos dos quais derivasse ter o trabalhador autonomia para reger a sua prestação, é para nós claro que, como bem se decidiu na 1.ª instância, será de reconhecer a existência de vínculo da natureza laboral entre a apelante e o identificado trabalhador, assim improcedendo a apelação.
7. Porque ficou vencida no recurso, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (art. 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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V. Decisão
Em face do exposto:
a. julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, alterando-se os pontos provados 9. e 20., conferindo-lhes a seguinte redacção:
i. «9. É necessário apenas que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição»;
ii. «20. AA procedia à distribuição e à recolha de objectos/encomendas com base na informação carregada no equipamento electrónico “PDA”»;
b. altera-se oficiosamente o ponto 1., dos factos não provados, ficando o mesmo com a seguinte redacção: «1. Os distribuidores determinam sua carga horária e o volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes asseguradas as efetivas entregas de todos os objetos»;
c. julga-se, no mais, improcedente o recurso interposto, confirmando-se, na integra, a douta sentença recorrida.
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Custas pela apelante.
Lisboa, 5 de Novembro de 2025
Susana Martins da Silveira
Alda Martins
Carmencita Quadrado
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1. Com a actual denominação social de “XX & XX – Trabalho Temporário, Lda.”.
2. Acção a que também foram apensas as acções com os números 3227/24.6T8LRS, 3229/24.2T8LRS, 3232/24.2T8LRS, 3238/24.1T8LRS, 3489/24.9T8LRS, 3492/24.9T8LRS, 3494/24.5T8LRS, 3500/24.3T8LRS, 3503/24.8T8LRS, 3509/24.7T8LRS, 3510/24.0T8LRS, 3514/24.3T8LRS, 3518/24.6T8LRS, 3519/24.4T8LRS, 3224/24.1T8LRS, 3231/24.4T8LRS, 3233/24.0T8LRS, 3235/24.7T8LRS, 3237/24.3T8LRS, 3243/24.8T8LRS, 3247/24.0T8LRS, 3484/24.8T8LRS, 3490/24.2T8LRS, 3493/24.7T8LRS, 3501/24.1T8LRS, 3502/24.0T8LRS, 3507/24.0T8LRS, 3511/24.0T8LRS, 3512/24.7T8LRS, 3515/24.1T8LRS e 3520/24.8T8LRS.
3. Restrita à presente acção.
4. De ora em diante assim identificado.
5. De ora em diante assim identificado.
6. Embora no presente apenso apenas conste o depoimento da testemunha GG, sendo que o registo dos demais meios de prova consta da acção a que a presente foi apensa.
7. Com supressão da menção ao meio de prova em que assentam e da menção à sua origem.
8. Diploma a que nos referiremos de ora em diante sem outra menção de origem.
9. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2015, proferido no Processo n.º 182/14.4TTGRD.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
10. Cfr., os Acórdãos da Relação de Lisboa de 11 de Abril de 2018, Processo n.º 465/17.1T8LSB.L1, e de 27 de Fevereiro de 2019, Processo n.º 1358/16.5T8CSC.L2, ao que se supõe não publicados, e nos quais se afirma que «não cabe apurar a consistência indiciária de cada uma das circunstâncias elencadas na lei, mas tão só averiguar se as mesmas ocorrem».