JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVERES DO TRABALHADOR
Sumário

Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que:
- despoletou e manteve durante várias horas um incidente ou problema, consubstanciado na ameaça ou desafio de desobedecer a uma ordem legítima e de primordial importância para os interesses económicos da empregadora, que demandou, desnecessariamente, a atenção, o tempo e uma extrema preocupação dos superiores hierárquicos;
- três dias depois, por brincadeira com um colega, desligou de modo insidioso e dissimulado a energia eléctrica e, consequentemente, as câmaras de videovigilância dum parque da empregadora onde se encontravam estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis, e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão sem possibilidade de serem detectados a tempo de os evitar, prevenir e socorrer em tempo útil.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Valtrans – Sociedade Transportadora, Lda., juntando decisão proferida no processo disciplinar contra si instaurado pela Ré, onde lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa.
A Ré apresentou articulado em que alegou os fundamentos da decisão de despedimento, tendo também juntado o processo disciplinar.
O Autor apresentou contestação, peticionando que o despedimento seja considerado ilícito e que a Ré seja condenada na reintegração do Autor e no pagamento das retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o 30.º dia anterior ao da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão. Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais e a quantia de 330,09 € por danos patrimoniais sofridos em consequência do despedimento ilícito.
A Ré respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência.
Oportunamente, procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento procedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
6.1. - Declaro a ilicitude do despedimento do Autor AA promovido pela Valtrans – Sociedade Transportadora, Lda com efeitos reportados a 2.8.2025;
6.2.- Condeno a Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria profissional, direitos, regalias e antiguidade, após o trânsito em julgado da decisão;
6.3. – Condeno a Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão ou outra que a confirme, e que ascendem, à data de hoje, à quantia de € 12.326,60 (doze mil trezentos e vinte e seis euros e sessenta cêntimos), deduzidas as quantias recebidas pela autora a título de subsídio de desemprego – à data de hoje € 7.511,58 (sete mil quinhentos e onze euros e cinquenta e oito cêntimos) e aquelas que ainda irá receber até ao trânsito em julgado da decisão, as quais deverão ser entregues pela ré ao Instituto da Segurança Social, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado desta decisão ou de outra que condene a ré no pagamento das retribuições intercalares, até integral pagamento;
6.4. - Condena-se a ré a pagar ao autor as despesas com uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da presente sentença, até integral pagamento;
6.5. - Condena-se a ré a pagar ao autor que o Autor teve de suportar com as consultas de psicologia e com compra de medicação no montante de € 330,09 (trezentos e trinta euros e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, a contar de 21.10.2024 até integral pagamento;
6.6. - Absolvo a Ré do mais peticionado pelo Autor;
Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas do processo na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixa respetivamente em 17,14% e 82,86%.
Fixo o valor da causa em € 21.873,64 (vinte e um mil euros e oitocentos e setenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos).»
A Ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«a) A Sentença em crise comete um claro erro na apreciação das provas trazidas ao processo, argumentando, no essencial, que não houve prejuízo para Ré ou para terceiros, o que tornaria ilícito o despedimento do A., não bem interpretando, omitindo ou desvalorizando no seu essencial, os depoimentos, da Testemunhas, Dr. BB, Eng.º CC e Sr. DD, pelo menos, no que resulta, como já se disse, num claro erro na apreciação das provas trazidas ao processo.
b) – Quanto aos factos ocorridos no dia 15/04/2024, e depois de reapreciada na sua parte aqui útil a prova gravada e, constatando os concretos factos dados como provados e não provados na Sentença recorrida, nomeadamente quanto à não existência de prejuízo para a Ré, resultante da conduta do A., a tais factos provados terão ainda de ser adicionados alguns outros, já que, este concreto ponto está incorretamente julgado e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, são os depoimentos das Testemunhas, CC, BB e DD.
c) – O Autor, motorista profissional, bem sabia que aquele serviço do dia 15/04/2025, como aliás todos eles, são programados, mas, mesmo assim, afirmou claramente à R., sua Entidade Patronal, que não iria fazer o serviço se não recebesse um pagamento extra, que também sabia não lhe ser devido [ matéria provada: 4.1.7; 4.1.8; 4.1.9) ].
d) - O Autor conscientemente criou e persistiu em toda esta situação, ( e já não seria a primeira vez que o fazia) e nas circunstâncias de incumprimento do serviço para o qual estava a ser pago, bem sabendo não lhe ser devido o chamado pagamento por prevenção que bem conhecia e sabia não lhe ser devido por aquele serviço, envolvendo nesta sua atividade e atitude várias pessoas da R., nomeadamente, o gestor de tráfego, Sr. EE, e o sócio da Valtrans, Dr. BB que, para “convencer” o A. a fazer o serviço para o qual estava contratado e a ser pago, esteve com ele entre 30 e 40 minutos ao telefone, o que, inevitavelmente perturbou sobremaneira o serviço e a organização da Ré, consumindo recursos e tempo, num autêntico e consciente assédio psicológico e bullying por parte do Trabalhador para com a sua Entidade Patronal e Trabalhadores da mesma, assim como o respetivo sócio, o que acrescentou todo um stresse completamente desnecessário e evitável, que representa o concreto prejuízo da Ré, consequência da consciente conduta do Autor.
e) - As consequências da conduta do A., e que este se propunha desencadear, ao afirmar, repetidamente, durante quase toda a jornada de trabalho que ia parar o serviço e não fazer o abastecimento do cliente do dia seguinte, seriam muito severas, consubstanciando um “beliscar” (“beliscar bastante” segundo a testemunha, BB) da imagem da R. e um incumprimento contratual da Entidade Patronal do A. para com a Linde, o que poderia levar a uma repreensão da concessionária Linde, podendo mesmo provocar a rescisão do contrato que a R. com ela mantém, sendo que, a criação consciente desta ameaça para a R., por parte do Autor, representa um verdadeiro prejuízo para a Valtrans, Lda.
f) - E isto, para um negócio que para a R. representa 80% da sua atividade, movimenta anualmente quatro milhões de euros e em que trabalham 44 motoristas, colegas do Autor, e com certeza muitos outros trabalhadores desde a gestão de tráfego a administrativos, etc.
g) - O Autor foi, com o seu consciente e culposo comportamento, um elemento muito desestabilizador da normal atividade da Ré e da sua organização, o que consubstancia um sério prejuízo para a Ré, o que teve causa direta e necessária na ilícita conduta e atividade do Autor.
h) – E assim, a singela cândida afirmação feita na douta Sentença recorrida, e quanto a este concreto facto, de que não houve prejuízos para a Ré, não é realista, não corresponde ao que realmente aconteceu, não analisa objetiva e corretamente a prova produzida e todo a situação em causa, tanto mais que, é própria decisão recorrida que constata que [4.1.9)]: “O carregamento da cisterna só foi efetuado pelo Trabalhador, após intervenção direta do Dr. BB ( sócio e diretor comercial responsável da Valtrans, Lda, para a operativa LINDE Portugal) que, cerca das 20:00 H (portuguesas) do dia 15, lhe pediu e explicou, uma vez mais, que se não fizesse o carregamento da cisterna naquele dia, o mesmo iria com outro motorista fazer o serviço por não deixar de poder ser feito, porquanto não seria possível abastecer o cliente “Roler Extremadura” previsto para o dia 16, seguinte, o que acarretaria graves inconvenientes e prejuízos, situação que o Trabalhador bem conhecia. (4.1.9)”, (ver fls. 31 da Sentença), querendo com isso significar que, se não fosse a intervenção direta do sócio da Entidade Patronal do A., este não teria efetuado o serviço para o qual foi contratado e estava a ser pago, com todas as consequências acima descritas.
Existe, pois, um claro erro na apreciação das provas trazidas ao processo e produzida em audiência de julgamento.
i) – Deste modo, e depois de reapreciada na sua parte aqui útil a prova gravada e, constatando os concretos factos dados como provados e não provados na Sentença recorrida, a tais factos provados terão ainda de ser adicionados alguns outros, já que, este concreto ponto está incorretamente julgado e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, são os depoimentos das Testemunhas, CC, BB e DD.
j) - Na verdade, e em especial do depoimento do Dr. BB, entre outros, resultou provado, e por isso deverá ser acrescida à discriminação dos factos que se consideram provados (4.1. ), os seguintes:
4.1.10.a) - Ao longo de 4 anos e meio a Ré e os seus motoristas tiveram 6 ou 7 reuniões onde falaram, em algumas delas, sobre os serviços de prevenção e suas condições e onde o Autor esteve presente.
4.1.10.b) – Caso o Autor não tivesse feito a carga, não seria possível no dia seguinte fazer o serviço já programado e a R. iria falhar com o compromisso contratual que tem com a Linde, o que resultaria num incumprimento contratual, que, para além da repreensão, poderia até levar a terminar com o contrato.
4.1.10.c) – A atividade resultante do contrato existente entre a R. e a Linde representa quatro milhões e meio de euros anuais e cerca de 80% da atividade da Valtrans. Lda.
4.1.10.d) - Atualmente, existem 44 motoristas da R. a trabalhar para o negócio que a Linde mantém com a Ré.
4.1.10.e) - A Ré é avaliada pela Linde e em referência a esta atividade e negócio, todos os trimestres.
k) - Também no que diz respeito aos factos ocorridos no dia 18/04/2024, de que os anteriores factos de 15/04/2025 funcionam como uma agravante devido à existência de um ilícito comportamento anterior, e do que se extrai do depoimento do Dr. BB, mas em especial do depoimento do Engº. CC, Trabalhador da Linde, resultou provado, e deverá ser acrescentado à discriminação dos factos que se consideram provados ( 4.1.), os seguintes novos factos:
4.1.29.a) – A Ré mantém com a Linde uma relação contratual em que a Valtrans, Lda. se compromete a fornecer os meios de reboque e toda a tração para as cisternas propriedade da Linde, as quais se encontram à guarda da Ré, assim como se obriga a disponibilizar os motoristas para o efeito.
4.1.29.b) – Cada cisterna propriedade da Linde e que está à guarda da Ré, aos dias de hoje e já equipada, custa cerca de 300 mil euros
4.1.29.c) – Contratualmente, a Linde obriga a Ré a ter câmaras de videovigilância no parque do Carregado onde guarda as cisternas.
4.1.29.d) – Contratualmente, a Ré está obrigada a comunicar à Linde qualquer incidente ou evento fora do normal.
4.1.29.e) – A Ré comunicou à Linde, na pessoa do Eng.º CC, que o A. e seu motorista AA, tinha desligado as câmaras de segurança e vigilância no parque do Carregado onde estão estacionadas as suas cisternas.
4.1.29.f) – Por isso, à Linde suscitam-lhe dúvidas sobre a capacidade da R. em conseguir garantir a segurança do património que lhe está entregue e que lhe foi confiado.
4.1.29.g) – Em termos contratuais se acontecesse alguma coisa e se se chegasse à conclusão de que a Ré não tem capacidade para garantir a segurança dos bens que lhe foram confiados, poderia haver direto a terminar o contrato que existe.
4.1.29.h) – Daqui a três anos é lançado pela Linde um novo concurso para renovação deste contrato e, todos estes incidentes vão pesar na tomada de decisão para a renovação, ou não, do contrato.
4.1.29.i) – Neste concurso o preço é obviamente importante, mas a componente de segurança tem um peso muito importante.
4.1.29.j) - Devido ao desligamento das câmaras, se se chegar à conclusão de que a Ré não tem capacidade para garantir os ativos da Linde que lhe estão confiados, isso vai, obrigatoriamente, pesar na tomada de decisão quando for a concurso para a renovação do contrato.
l) - Por outro lado, e como já se tem escrito em obras conceituadas e na dominante jurisprudência, com sublinhado nosso:
“O dever de lealdade inclui um dever de honestidade, que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento susceptível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com o empregador, enquanto corolário da boa-fé contratual;”
m) - Ora, na verdade o A., conscientemente, esforçou-se, e conseguiu, provocar e criar e provocar a ameaça constante do contrato entre a sua Entidade Patronal e a Linde, poder vir a não ser renovado, ou, em eventual concurso a Valtrans, Lda. partir em situação de desvantagem, pois que, como afirmou o representante da Linde, que com a Valtrans mantém um contrato para transporte dos gases que produz, Eng.º. CC:
n) - A imagem comercial e contratual da R., assim como o seu bom nome, já estão irremediavelmente prejudicados, havendo, isso sim, e ao contrário do que se afirma na Sentença, um relevante e sério prejuízo para a Valtrans, Lda.
o) Ora, é a própria concessionária Linde que diz ( através do seu Trabalhador e aqui Testemunha, Eng.º CC), suscitarem-lhe dúvidas sobre a capacidade da Valtrans em manter a segurança dos seus bens e que tal evento foi comunicado e registado, e, tudo isto, criado pelo culposos e consciente comportamento do A., agravado por um outro comportamento que, três dias antes, já tinha sido pelo mesmo Trabalhador, aqui Autor, perpetrado.
p) Pondo assim o A. em causa a imagem e a idoneidade da sua Entidade Patronal, para a manutenção, renovação ou condições de apresentação a um novo concurso (conforme a Linde explicou neste autos), num negócio que representa 80% da atividade da Ré, movimente 4,5 milhões de euros por ano e emprega, só em motoristas colegas do A., cerca de 44 pessoas.
q) - E como foi referido no Articulado da R. e corroborado pelo sócio da mesma, Dr. BB, (00:44:46 ), o comportamento consciente e culposo do Trabalhador, aqui A., completamente contrário à vontade, ordens e instruções da sua Entidade Patronal, pôs definitiva e seriamente em causa a manutenção e subsistência do contrato de trabalho entre ambos existente, por perda total, absoluta e irremediável da confiança que entre ambos teria de existir, tornando inexigível a continuação da relação de trabalho e, também por ter havido lesão dos interesses patrimoniais e morais sérios da Empresa ( artº 351º, nº 2, alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho), que não têm necessariamente de se exprimir imediatamente de uma forma pecuniária.
r) – Alega-se ainda a nulidade da douta Sentença recorrida, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, alínea c), do CPC, aplicável por força do artº 77º, do CPT, pois que, entende-se que a Sentença dá como provado e fundamenta a sua decisão no facto de, o A., ao ter procedido ao desligamento das câmaras de videovigilância ter criado um perigo efetivo, público e notório para pessoas e bens, o que, no entender da Ré representa um seu concreto prejuízo, para depois se decidir pela ausência de prejuízo o que, no entender do Tribunal recorrido, inviabiliza a existência de justa causa para o despedimento perpetrado.
s) – Na verdade, é a própria Sentença que, em contradição com sua tese de que não houve prejuízo par a Entidade Patronal, considerou provado que:
“28) - Como causa direta e necessária da conduta do Trabalhador, AA, as Câmaras de videovigilância da Valtrans, Lda., sua Entidade Patronal, estiveram desligadas e inoperacionais por cerca de 18 (dezoito) minutos consecutivos, no período de tempo compreendido entre as 19:32 e as 19:50 horas do dia 18/04/2024, período em que o Parque do Carregado onde se encontravam estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão sem possibilidade de ser detetado a tempo de os evitar, prevenir e socorrer em tempo útil, riscos estes públicos e notórios que a descrita situação e conduta do Trabalhador, efetiva e objetivamente provocou e representou para pessoas e bens.”.
t) – Mas por outro lado, concluiu, em contradição, que, não obstante, este perigo concreto e real, público e notório criado voluntária e intencionalmente pelo A., afinal nenhum perigo ou prejuízo criou para a R., isto porque, o A. esteve durante o período de desligamento das câmaras de videovigilância no parque e foi-se embora já com a eletricidade ligada, mas omitindo que não foi o A. que ligou a eletricidade, nem teve conhecimento que a mesma já tinha sido religada, e assim, quando o A. abandonou o parque e se foi embora não sabia que a mesma já tinha sido religada, não se importando minimamente coma a situação.
u) - Esclarece-se desde já, e conforme os depoimentos das testemunhas, BB, CC e DD, que o período em que as câmaras estiveram desligadas ficou a dever-se a um período transitório e plenamente acordado entre a Linda e a Valtrans, Lda., o que representa decisões de gestão interna das Empresas em causa, cuja apreciação sobre a sua correção está vedada aos tribunais.
v) Existe assim uma clara contradição na Sentença recorrida que conduz à sua nulidade, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, alínea c), do CPC, aplicável por força do artº 77º do CPT., já que os fundamentos e factos provados [4.1.28)] na Sentença, estão em oposição com o que ali se veio a decidir.
w) - Sobre a existência de prejuízo, assente é, que não é precisa a ocorrência de um resultado, vindo de uma ação tão grave como a que o A. praticou para se constatar que, efetivamente, houve ameaça e perigo concreto, os quais consubstanciam por si só um prejuízo para a Entidade Patronal, pois, para tanto bastou que o A., Trabalhador, tivesse de forma consciente e culposa, como o fez, criado a situação e circunstâncias de ameaça e perigo real para que o “desastre” pudesse acontecer com pessoas e bens, bens que até em grande parte pertencem a terceiros, à Linde, ou, no dizer da douta Sentença, que o A. tivesse, com a sua conduta, criado riscos, “…riscos estes públicos e notórios que a descrita situação e conduta do Trabalhador, efetiva e objetivamente provocou e representou para pessoas e bens.”, o que efetivamente aconteceu.
x) - A posição expendida na douta Sentença, quanto à não existência de prejuízos para a Ré é inaceitável, não se podendo esquecer que o A. procedeu ao desligamento das câmaras de videovigilância, e, segundo o próprio, por uma brincadeira com um colega e, é esse mesmo colega, o Sr. FF, que no seu depoimento afirmou que o A., pelo menos no dia do desligamento das câmaras, nem sequer lhe disse que o tinha feito, e que o tinha feito por brincadeira para consigo.
y) - O desligamento foi executado tendo como causa um motivo fútil, uma brincadeira, o que ainda agrava mais a sua conduta, já que não existiu qualquer causa aceitável e justificável para o fazer (segundo diz a jurisprudência, “motivo fútil”, é um motivo de importância mínima, não atendível ou justificador de uma ação grave, uma ninharia “…que é notoriamente desproporcionado ou inadequado aos olhos do homem médio, denotando o agente egoísmo, intolerância, prepotência e mesquinhez, sendo, pois, fútil o motivo frívolo, leviano, o que revela uma inteira desproporção entre o motivo” (in acórdão do TRP de 19/01/2022), e o ato praticado, no caso o corte da energia elétrica e consequente desligamento das câmaras de videovigilância.).
z) - O Trabalhador não só procedeu à interrupção do fornecimento da energia elétrica às instalações da sua Entidade Patronal e consequente desligamento das câmaras de vigilância por uma brincadeira, um motivo fútil, o qual foi em si mesmo “desproporcionado ou inadequado aos olhos do homem médio, denotando o agente egoísmo, intolerância, prepotência, - in acórdão do TRP de 19/01/2022”, como ainda usou para o efeito um meio enganoso ou insidioso ( “meio insidioso será todo aquele que assuma um carácter enganador, dissimulado, oculto, sub-reptícios. Em suma, meios traiçoeiros” – in Ac. T. R. Porto, de 25/11/2020 ), com o fim de perpetuar a ilícita situação por si criada e o perigo público e notório por si criado para pessoas e bens [ factos provados: 28)].
aa) – E assim, quando a Sentença recorrida diz a fs. 35 da mesma, que: ”Do mesmo modo, o Autor não abandonou o parque sem que a eletricidade estivesse ligada.”, tal entendimento não tem qualquer relevância abonatória para com o A., pois, na verdade, quando este abandonou o parque de estacionamento do Carregado, não sabia que a eletricidade já tinha sido ligada, com isso, aliás, não se importando e mesmo assim abandonando o parque, o que também vem ao encontro da forma enganadora e insidiosa como procedeu ao desligamento, com o fim de tal desligamento se manter no tempo.
bb) - Constata-se assim que o A. sabia que tinha desligado a electricidade e as câmaras de videovigilância e, quando abandonou o parque, não sabia que a eletricidade já tinha sido restabelecida e as câmaras novamente ligadas ( ver artº. 37 da contestação do A. ), mas, mesmo assim abandonou o parque sem as ligar, demonstrando com isso um total desprezo pelo que de mal pudesse vir a acontecer, não se podendo acreditar no seu escrito, mas não provado, arrependimento e pedido de desculpa.
cc) - E assim, e ao contrário do que faz a douta Sentença ora em crise, a conduta do Autor criou na verdade sérios prejuízos à R. e com isso afecta intoleravelmente a confiança que o empregador no A. depositava, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e integrando, por isso, justa causa de despedimento, não podendo tal ser afastado pela inexistência de antecedentes disciplinares, ou por o A. ter escrito que estava arrependido e pedia desculpa, o que, já se viu não estar provado, não é sério e não corresponder à verdade dos factos.
dd) - Afirma-se na matéria provada: 4.1.48) – O Autor encontra-se arrependido do sucedido, tendo assegurado na resposta à nota de culpa que não teria repetição futura.”
ee) - A Ré, no seu Relatório Final do procedimento disciplinar que instaurou ao A. e reproduzido posteriormente no seu ARTICULADO constante dos presentes autos, nos factos provados, entendeu que: “30 – O Trabalhador diz no artº 27º da sua Resposta à NC, estar arrependido” - (Volume II do procedimento disciplinar, fls. 135, junto aos autos).
ff) - Tal afirmação (“diz estar arrependido”), funciona como uma autêntica impugnação da afirmação do A., quando, no artº. 39º da sua contestação afirma estar arrependido, pelo que, para se dar como provado que o A. estava na realidade arrependido (factos provados: 48) – O Autor encontra-se arrependido do sucedido…), teria este que ter produzido prova nesse sentido, o que não o fez.
gg) - Deste modo, o facto 4.1.48) (O Autor encontra-se arrependido do sucedido… ), deverá ser eliminado, passando esse facto a ter a seguinte nova redação:
- 4.1.48) - O Autor assegurou na resposta à nota de culpa que o sucedido não teria repetição futura.
hh) - Pelo exposto, conclui-se que a douta Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições legais contidas nos artigos 330º, nº 1 e 357º, nº 4, do CT, os quais foram interpretados de forma a não darem provimento aos pedidos formulados pela R., quando deveriam ter sido interpretados, no seu conjunto, no sentido da total absolvição R./Recorrente relativamente a todos os pedidos formulados pelo A./recorrido, nomeadamente, a verificação de justa causa para o despedimento.»
O Autor não apresentou resposta ao recurso da Ré.
Observado o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Atento o teor das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem lógica de precedência:
- nulidade da sentença;
- impugnação da matéria de facto;
- existência de justa causa de despedimento.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1) – O Autor AA foi trabalhador da Ré, Valtrans, Lda., desde o dia 01 de Julho de 2020, altura em que foi admitido ao serviço da Ré por contrato de trabalho sem termo, com a categoria Motorista de Pesados, até ao dia 02 de Agosto de 2024.
2) – O Autor auferia ultimamente ao serviço da Valtrans uma remuneração base ilíquida de 935,00 € mensais, acrescida do subsídio nocturno, diuturnidades, subsídio de risco, complemento salarial, prestação pecuniária, subsídio de cisternas, subsídio de risco, ajudas de custo TIR e ainda 711,83 € de ajudas de custo de Maio a Julho de 2024 e 47,45 € em Agosto de 2024, numa remuneração total em Maio de 2024 correspondente a 2.653,13 € ilíquidos e 2.141,59 € líquidos, em Junho de 2024 correspondente a 2.645,63 € ilíquidos e 2.137,91 € líquidos, em Julho de 2024 correspondente a 2.675,63 € ilíquidos e 2.154,61 € líquidos.
3) – No dia 22 de Abril de 2024 foi decidido instaurar processo disciplinar ao Trabalhador, com intenção de despedimento, procedendo-se ainda e fundamentadamente à suspensão preventiva do trabalhador, sem perda de quaisquer dos seus direitos, incluindo o direito à normal retribuição e contagem de todo o tempo de serviço, o que lhe foi comunicado por carta registada em 22/04/2024 com aviso de receção (AR ) e e-mail enviado para o Autor ...), e-mail recebido de imediato pelo Autor, e a referida carta também por este recebida no dia 23/04/2024, nos seguintes termos:
“Tendo em conta que a sua presença na empresa se torna inconveniente, nomeadamente, para a averiguação da ocorrência de tais factos e não tendo ainda sido possível elaborar a nota de culpa, determina-se a sua suspensão preventiva, nos termos do estabelecido no nº 2, do artº 354º, do Código do Trabalho, sem perda de quaisquer dos seus direitos, entre os quais se incluem o direito à normal remuneração e contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de antiguidade e outros”.
4) – Em 16 de Maio de 2024, é elaborada uma nota de culpa com intenção de proceder ao despedimento, enviada nessa data por e-mail recebido imediatamente pelo Autor e carta registada e enviada nesse mesmo dia 16/05/2024 com AR, recebida pelo Trabalhador em 24 de Maio do mesmo ano, e a qual se reproduz nos seguintes termos:
“Exmo. Senhor
AA
Rua 1
... VIALONGA
Setúbal, 16 de Maio de 2024
(Registada com A. R. e via e-mail: ...)
Exmo. Senhor:
Na sequência dos acontecimentos graves, com elevado grau de culpa, que lhe são imputáveis, junto se remete a inclusa “Nota de Culpa”, com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa ( artº 351º e seguintes do Código do Trabalho ).
Mais se esclarece que poderá, querendo, apresentar a sua defesa escrita no prazo de dez dias úteis, contados a partir do momento de recepção da presente “Nota de Culpa“, oferecendo logo testemunhas, juntando documentos e requerendo outras diligências probatórias pertinentes para o esclarecimento da verdade, tudo nos termos do artº. 355º do Código do Trabalho, mais informando que o processo disciplinar poderá ser consultado nas instalações da Valtrans, Lda., em Setúbal.
Com os melhores cumprimentos,
A Gerência:
* NOTA DE CULPA *
VALTRANS – Sociedade Transportadora, Lda., com sede em Setúbal, na Rua 2, registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, sob o nº..., Pessoa Colectiva nº 502472987, em processo disciplinar que move contra o seu Trabalhador, Sr. AA, residente na Rua 1, com intenção de proceder ao seu despedimento, deduz a presente nota de culpa, com os seguintes fins e fundamentos:
1º O Sr. AA (adiante designado por “Trabalhador“), foi desde o dia 01/07/2020 Trabalhador da Valtrans, Lda. (adiante designada por Entidade Patronal, com a abreviatura “ET“), altura em que por esta foi contratado por contrato sem termo, com a categoria de Motorista de Pesados.
2º Foi aberto inquérito prévio em 22/04/2024, uma vez que os factos ocorridos e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados não estavam suficientemente esclarecidos, de forma a fundamentar a nota de culpa, que agora se deduz.
I - Factos ocorridos no dia 15/04/2024:
3º No dia 10 de Abril de 2024, o Trabalhador comunicou à Valtrans, Lda, sua Entidade Patronal (ET), que dia 15 de Abril de 2024, iria fazer análises clínicas (não solicitadas pela ET) entre o período das 8:00 H ás 11:00 H, sendo que o Trabalhador, por norma, costuma iniciar o seu normal período normal de trabalho cerca das 07:30H, mas, e pelos motivos indicados e devidamente justificados, apenas o iniciou nesse dia, pelas 11:00 horas.
4º O Trabalhador executou nesse dia 15/04/2024 o trabalho referente ao 1º Cliente, EPAL em Asseiceira (Tomar), e deveria nesse mesmo dia dirigir-se para Salamanca - Espanha, a fim de proceder à carga do seu camião-cisterna com CO2, conforme lhe estava destinado e lhe tinha sido comunicado pelos meios habituais na sexta-feira anterior, dia 12/04/2024, para no dia seguinte, dia 16, poder abastecer o cliente “Roler Extremadura”.
5º No entanto, o Trabalhador comunicou cerca das 14:07 H desse dia, ao Sr. EE, gestor de tráfego da Valtrans, Lda,, que não iria fazer a carga em Salamanca, a não ser que recebesse um valor extra de prevenção ( 65,00 € que só são devidos por serviços de prevenção, não previstos e de emergência, solicitados pelos Serviços de telemetria da concessionária LINDE Portugal ), o que obviamente não era o caso, acrescentando ainda que, caso não lhe fosse paga a “prevenção”, pararia às 20:30 H e só voltaria a trabalhar no dia seguinte.
6º Comunicou ainda o Trabalhador, alegando que, e segundo ele, pelas 20:00 H desse dia atingiria 12 horas de trabalho e, “não trabalharia nem mais um minuto”.
7º Várias vezes, nesse dia, o Trabalhador comunicou com o gestor de tráfego da Valtrans, Lda., verbalizando e reafirmando que não faria o serviço de carga da cisterna nesse dia 15, e que também não poderia iniciar o serviço do dia seguinte a tempo de carregar o camião-cisterna, pois só iria iniciar a jornada de trabalho pelas 7:30 H, bem sabendo, porque lhe foi expressamente explicado e comunicado, que por volta das 08:00 H, a fábrica onde deveria ser feito o carregamento de CO2 no camião cisterna, iria estar parada por falta de energia devido a serviços de manutenção, o que inviabilizaria quer o carregamento, quer ainda a fornecimento posterior do cliente “Roler Extremadura”.
8º O carregamento da cisterna só foi efectuado, a muito custo pelo Trabalhador, após intervenção direta e muita insistência do Dr. BB ( sócio e diretor comercial responsável da Valtrans, Lda, para a operativa LINDE Portugal) que, cerca das 20:00 H (portuguesas) do referido dia 15, lhe pediu e explicou, uma vez mais, que se não fizesse o carregamento da cisterna naquele dia, não seria possível abastecer o cliente “Roler Extremadura” previsto para o dia 16, seguinte, o que acarretaria graves inconvenientes e prejuízos, situação que o Trabalhador bem conhecia.
9º O Trabalhador argumentava e insistia que não iria executar o carregamento da cisterna, pois o BB estava a obrigá-lo a trabalhar 15 horas ( a Lei permite que, duas vezes por semana, os motoristas possam trabalhar até 15 horas, o que ainda não se registava com o Trabalhador), sendo que, a final desse dia, o Trabalhador “fechou” o seu dia de trabalho com apenas 12:00 horas de serviço prestado.
10º O certo é que o Trabalhador, sem qualquer razão válida, negava-se ostensiva e repetidamente a fazer o trabalho normal para o qual fora contratado e estava a ser pago, e negava-se a cumprir as ordens diretas da sua ET, pondo em causa de forma deliberada consciente o poder de direção da Valtrans, Lda., assim como os compromissos contratuais e comerciais que esta mantém coma LINDE Portugal e com os clientes a quem distribui oxigénio, CO2, hidrogénio, etc., com eventuais e imprevisíveis consequências.
II - Factos ocorridos no dia 18/04/2024:
11º No dia 18 de Abril de 2024, o Trabalhador chegou cerca das 19:15 H com o camião-cisterna que conduzia, ao Parque da Valtrans, Lda. situado no Carregado, onde o estacionou.
12º Nesse Parque, onde são estacionados camiões-cisterna, muitas vezes carregados com matérias perigosas e altamente inflamáveis (hidrogénio) e/ou comburentes, (oxigénio),facilitadoras de ignição e combustão, encontra-se instalado um sistema de videovigilância com a finalidade única e exclusiva de proteção e segurança de pessoas e bens, aliás, sistema de vigilância obrigatório nestas situações e exigido pela concessionária LINDE Portugal, ante as descritas particularidades do Parque em questão, sistema devidamente autorizado pelas entidades competentes e com informação bem visível sobre a existência de videovigilância, afixada em diversos locais, o que o Trabalhador bem sabe e conhece (ver fotografias anexas).
13º O Senhorio e proprietário do aludido Parque, tem, também ele, precisamente contíguo com o Parque da Valtrans, um sistema de segurança por videovigilância das suas instalações, exclusivamente para proteção e segurança de pessoas e bens, devidamente legalizado, autorizado e com anúncios afixados dando conta da sua existência, o qual se encontra a funcionar ininterruptamente, assim como possui em permanência no local, um guarda vigilante.
14º Nesse dia 18/04/2022, aproximadamente cerca das 19:32 H, as câmaras de vigilância da Valtrans, Lda. existentes no identificado Parque, interromperam a captação de imagens e deixaram de funcionar.
15º Este desligamento das câmaras, perfeitamente inédito e anormal e que nunca antes tinha acontecido, foi detetado pelo Dr. BB, que é também a pessoa responsável na Valtrans, Lda. pelo tratamento de dados.
16º Ante o perigo real que a situação naquele momento representava, de imediato aquele responsável telefonou ao motorista, Sr. FF, também ele Trabalhador da Valtrans, Lda.. que por aquela altura se encontrava no Parque, para tentar saber o que se teria passado.
17º O referido motorista informou que estava naquele momento no interior do contentor/escritório e que a luz ( leia-se: energia elétrica ) tinha faltado e o motorista AA ( Trabalhador), estava a segurar-lhe a porta do escritório a fim de entrar luz, e nada mais adiantou, nem se dispôs a averiguar as causas e o porquê da situação.
18º Achando estranho a falha de energia elétrica que nunca antes se tinha verificado, e o aparente desinteresse do motorista FF, o Dr. BB telefonou a um outro motorista, o Sr. GG, que por acaso estava a chegar ao Parque, a fim de este indagar sobre o que na realidade se estava a passar.
19º De imediato este motorista confirmou que a alimentação de energia ao escritório e às câmaras de vigilância, se encontrava, na realidade, interrompida.
20º A pedido do Dr. BB, este motorista dirigiu-se à parte de trás e ao lado “contentor” que serve de escritório, por onde existe um fosso cavado no chão pelo qual passa o cabo de alimentação elétrico para o escritório e câmaras ( ver fotografias anexas) e, constatou, que alguém tinha puxado a ficha do cabo elétrico da tomada, o suficiente para esta não estabelecer contacto mas continuando na posição normal e inserida na tomada, dando assim a sensação de se encontrar normalmente ligada, dissimulando e não permitindo ser detetada com facilidade a falta de contacto, mantendo-se deste modo a interrupção do fornecimento de energia elétrica ao escritório e às câmaras de vigilância.
21º As câmaras de vigilância da Valtrans, Lda. não captam imagens da parte de trás/lado do contentor, onde estão instalados o quadro e as ligações da ficha à tomada elétrica que alimenta o escritório, e não captam imagens daquela área do Parque porque estão direcionadas para as zonas de estacionamento dos veículos camiões-cisterna.
22º No entanto, as câmaras das instalações contíguas, propriedade do Senhorio que arrendou o Parque em causa à Valtrans, Lda. captam esses ângulos e áreas de imagens.
23º Conhecedor desses pormenores, a Valtrans dirigiu ao Senhorio proprietário daquelas câmaras de vigilância um pedido de informação sobre se as suas câmaras teriam captado, no dia e hora em causa, imagens da zona do lado, traseira ao contentor/escritório, onde se situa o quadro, tomada e ficha do cabo elétrico que alimenta, quer o escritório quer as câmaras de videovigilância da Valtrans.
24º Foi então informado que, no dia e hora em causa, tinham sido gravadas imagens de um Senhor calvo, de pêra, que aparentava ter cerca de 50 anos e vestia uma t-shirt azul-escura com a marca “Puma” escrita e desenhada na parte da frente, descrição que correspondia exatamente à figura do Trabalhador, AA, e também ao vestuário que nesse dia e àquela hora envergava.
25º Esse Senhor, no dia e horário referidos, falava ao telemóvel ao mesmo tempo que olhava para as câmaras de vigilância da Valtrans e deslocava-se, acompanhando o cabo de alimentação elétrica que se encontra no “fosso” a céu aberto ( ver fotografia anexas), já antes descrito e, caminhando em passo rápido, dirigiu-se para o quadro de ligações onde a tomada e a ficha do cabo se encontram, sendo possível observar a projeção da sua sombra a baixar-se em direção ao quadro, tomada e ficha elétrica, isto pelas 19:32 H, fazendo depois o caminho inverso, falando ao telemóvel.
26º Exactamente pelas 19:32 H do dia 18/04/2024, as câmaras de videovigilância da Valtrans, Lda. desligaram-se por falta de alimentação elétrica.
27º No dia 18/04/2024, pelas 19:32 H, altura em que as câmaras de videovigilância foram desligadas, as únicas pessoas que se encontravam no identificado Parque da Valtrans Lda. no Carregado, eram os trabalhadores: AA e FF, sendo que este último, segundo as informações prestadas, não aparece nas imagens captadas pela videovigilância.
28º Não podem subsistir quaisquer dúvidas que, quem quis de forma livre e executou conscientemente o ato de desligamento da ficha da tomada elétrica que provocou o desligamento das câmaras de videovigilância, pela forma ardilosa já antes descrita em “20º” desta nota de culpa, bem sabendo que o não podia fazer e que tal conduta lhe estava vedada e era proibido por Lei, foi o Trabalhador, AA.
29º Como causa direta e necessária da conduta do Trabalhador, AA, as Câmaras de videovigilância da Valtrans, Lda., sua Entidade Patronal, estiveram desligadas e inoperacionais por cerca de 18 (dezoito) minutos consecutivos, no período de tempo compreendido entre as 19:32 e as 19:50 horas do dia 18/04/2024, período em que o Parque do Carregado onde se encontravam estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão sem possibilidade de ser detetado a tempo de os evitar, prevenir e socorrer em tempo útil, riscos estes públicos e notórios que a descrita situação e conduta do Trabalhador, efetiva e objetivamente provocou e representou para pessoas e bens.
30º Os factos em causa e aqui relatados, têm relevância criminal, consubstanciando a prática de um crime de perigo comum (ou abstrato), ponderando a Valtrans, Lda. a possibilidade de apresentar, em tempo e pelos alegados factos, junto das Entidades competentes, queixa-crime contra o Trabalhador, AA.
31º Com data de 28/11/2022, foi tirado por unanimidade o acórdão do Tribunal da Relação do Porto ( Proc. 6337/21.8T8VNG.P1 ), que decidiu o seguinte:
“I - O art.º 28º da Lei da Proteção de Dados Pessoais não exige que exista procedimento criminal, sendo a ideia subjacente esta: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal.
II - A mútua honestidade da relação laboral não é suscetível de gradações, violando a trabalhadora que leva a sua supervisora a não registar um livro juntamente com compras alegando já o ter pago, independentemente do valor do livro, o dever de lealdade de modo tão grave que quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes, tornando insubsistente a relação laboral, não sendo a duração da relação laboral sem registo de infrações disciplinares anteriores que afasta o juízo que se formula que é de crer que a Ré passasse a ter a dúvida sobre idoneidade futura da conduta da Autora.
III - Uma coisa é o direito abstrato de ação, outra coisa o direito concreto de exercer atividade processual, podendo ser responsabilizado como litigante de má-fé aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade.
IV - Ainda que o tribunal deva fixar, em caso de litigância de má-fé, a indemnização segundo critérios de equidade, tem de partir de alguma base racional e objetiva, que explicitará.
Recurso de apelação n.º 6337/21.8T8VNG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J3”.
32º Deste modo, e segundo jurisprudência dominante e já firmada, e com as condições e particularidades que também se verificam na presente situação, as imagens captadas por os meios de videovigilância, poderão ser utilizadas como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se:
i. não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e
ii. caso os factos possam ter relevância criminal, independentemente de existir procedimento criminal.
33º Mas também o Trabalhador tem toda a legitimidade para ser, também ele, e no sentido de dissipar quaisquer improváveis dúvidas, a requisitar ao Senhorio da Valtrans Lda., nas instalações contíguas ao Parque desta no Carregado, cópia das imagens que naquele dia e hora as respetivas câmaras de videovigilância captaram e gravaram.
34º Pelos factos vertidos na nota de culpa, é obvio que a ET, Valtrans, Lda. perdeu total confiança no seu Trabalhador, Sr. AA, o que torna completa e definitivamente inviável a manutenção do contrato de trabalho que com ele mantinha.
35º Mas qual a Entidade Patronal que manteria a confiança num seu Trabalhador que, de forma livre e consciente, mas sem qualquer fundamento válido, põe em causa as ordens diretas da sua ET, com o inerente risco de incumprimento de compromissos comerciais e outros, pede pagamentos que sabe não poderem ser feitos e ainda provoca, contra a vontade da ET a interrupção do fornecimento de energia elétrica sabendo e querendo que com essa sua ilegal conduta iria provocar o desligamento das câmaras de videovigilância ali existente para segurança e proteção de pessoas e bens, em local onde se encontram estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão, sem possibilidade de o detetar, evitar, prevenir e socorrer em tempo útil? A resposta só pode ser uma:
NENHUMA Entidade patronal!
36º O comportamento consciente e culposo do Trabalhador, completamente contrário à vontade, ordens e às instruções da sua Entidade Patronal, pôs definitiva e seriamente em causa a manutenção e subsistência do contrato de trabalho entre ambos existente, lesando interesses patrimoniais e morais sérios da Empresa (artº 351º, nº 2, alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho).
37º Em virtude dos acontecimentos supra relatados, a Entidade Patronal, volta a repetir-se, perdeu totalmente a confiança no Trabalhador e, face ao seu comportamento, muito grave e culposo, torna-se imediata e praticamente impossível a subsistência do seu contrato de trabalho.
38º Pela livre e consciente acção do Trabalhador, foi a Valtrans, Lda., sua Entidade Patronal, involuntariamente envolvida em atitudes, situações e práticas de risco anormalmente graves para a sua própria segurança e de terceiros, de pessoas e bens, o que nunca desejou e sempre as proibiu.
39º Os descritos comportamento do Trabalhador/Arguido, foram conscientes e intencionais e, como já se afirmou, pela gravidade de que se revestem, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento, sendo intenção da Entidade Patronal, proceder ao seu despedimento com justa causa.
40º Na verdade, há uma evidente falta de respeito do Trabalhador pela sua Entidade Patronal e práticas ilícitas potencialmente perigosas e proibidas, contra a vontade da Valtrans, Lda,, o que também demonstra desinteresse pelo cumprimento com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício das funções de Motorista de Pesado que o Trabalhador desempenha.
41º Tais práticas, culposas e disciplinarmente ilícitas, levadas a cabo pelo Trabalhador no âmbito da Empresa e da sua actividade, lesam os interesses patrimoniais e morais sérios desta e constituem mesmo atos ofensivos com relevância criminal, o que viola o princípio da honestidade e leal colaboração imposto pela Lei e pela boa fé, e consequentemente quebra irremediavelmente a base de confiança inerente à manutenção do contrato de trabalho
42º O Trabalhador, Sr. AA, cometeu infrações disciplinares com relevância criminal muito graves, pois que:
a) – Opôs-se e pôs em causa ilegitimamente, de forma reiterada e com vontade de incumprir as legitimas ordens da sua Entidade Patronal, pois sabia desde há vários dias os trabalhos que tinha de executar, não podendo exigir pagamentos indevidos para cumprir as ordens, as tarefas e os trabalhos para as quais tinha sido contratado e estava a ser pago enquanto ao serviço desta, ( art. 351º, nº 2 - a), da Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro - Código do Trabalho -C. T. );
b) - Praticou, no âmbito da sua Entidade Patronal e sua actividade, os factos supra descritos que lesam gravemente os interesses patrimoniais e morais da sua Entidade Patronal, os quais puseram em causa a boa imagem da Empresa, (art. 351º nº 2 - e) do C. T. );
c) - Praticou e demonstrou o Trabalhador, no âmbito da empresa, sua Entidade Patronal, desinteresse, pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício das funções que desempenha (art. 351,º nº 2, alínea d), do C. T.).
43º O Trabalhador pôs ainda, ilicitamente em risco, a segurança de pessoas e bens da sua Entidade Patronal e de terceiros, de forma consciente e voluntária, o que também constitui justa causa de despedimento, nos termos das disposições legais supra referidas, nomeadamente, das contidas no art. 351º, nº1, nº 2 - alíneas: a ), b) d), e) e h), todas do Código do Trabalho.
44º á data da ocorrência dos factos, dias 15 e 18 de Abril de 2024, não existia na Valtrans Lda., comissão sindical, nem o Trabalhador era representante sindical ou membro de comissão de trabalhadores ( art. 353º, nº 2, do C. do Trabalho ).
Nestes termos, deve promover-se, a final, o despedimento com justa causa do Trabalhador/Arguido, Sr. AA, devendo este, querendo, apresentar a sua defesa escrita no prazo de dez dias úteis contados a partir do momento de recepção da presente “Nota de Culpa“, oferecendo testemunhas, juntando documentos e requerendo outras diligências probatórias, pertinentes para o esclarecimento da verdade, tudo nos termos do art. 355º do Código do Trabalho, informando-se que o processo disciplinar poderá ser consultado nas instalações da Valtrans, Lda., em Setúbal.
- Vai com sete fotografias anexas.
Setúbal, 16 de Abril de 2024
A Entidade Patronal:
( Sócio-gerente )”
5) – No dia 10 de Abril de 2024, o Trabalhador comunicou à Valtrans, Lda., sua Entidade Patronal (EP), que dia 15 de Abril de 2024 iria fazer análises clínicas (não solicitadas pela EP) entre o período das 8:00 H às 11:00 H, sendo que o Trabalhador, por norma, costuma iniciar o seu período normal de trabalho cerca das 07:30H, mas, e pelos motivos indicados e devidamente justificados, apenas o iniciou nesse dia pelas 11:00 horas.
6) – O Trabalhador executou nesse dia 15/04/2024 o trabalho referente ao 1.º Cliente, EPAL, em Asseiceira (Tomar), e deveria nesse mesmo dia dirigir-se para Salamanca - Espanha, a fim de proceder à carga do seu camião-cisterna com CO2, conforme lhe estava destinado e lhe tinha sido comunicado telefonicamente na sexta-feira anterior, dia 12/04/2024, para no dia seguinte, dia 16, poder abastecer o cliente “Roler Extremadura”.
7) - No entanto, o Trabalhador comunicou no início da tarde desse dia ao Sr. EE, gestor de tráfego da Valtrans, Lda,, que não iria fazer a carga em Salamanca, a não ser que recebesse um valor extra de prevenção (65,00 € que só são devidos por serviços de prevenção, não previstos e de emergência, solicitados pelos serviços de telemetria da concessionária LINDE Portugal, o que não era o caso), acrescentando ainda que, caso não lhe fosse paga a “prevenção”, pararia às 20:30 H e só voltaria a trabalhar no dia seguinte.
8) – Várias vezes, nesse dia, o Trabalhador comunicou com o gestor de tráfego da Valtrans, Lda., verbalizando e reafirmando que não faria o serviço de carga da cisterna nesse dia 15, e que também não poderia iniciar o serviço do dia seguinte a tempo de carregar o camião-cisterna, pois só iria iniciar a jornada de trabalho pelas 7:30 H, bem sabendo, porque lhe foi expressamente explicado e comunicado, que por volta das 08:00 H, a fábrica onde deveria ser feito o carregamento de CO2 no camião cisterna, iria estar parada por falta de energia devido a serviços de manutenção, o que inviabilizaria, quer o carregamento, quer ainda o fornecimento posterior do cliente “Roler Extremadura”.
9) - O carregamento da cisterna só foi efectuado pelo Trabalhador após intervenção directa do Dr. BB (sócio e director comercial responsável da Valtrans, Lda. para a operativa LINDE Portugal), que, cerca das 20:00 H (portuguesas) do dia 15, lhe pediu e explicou, uma vez mais, que se não fizesse o carregamento da cisterna naquele dia, o mesmo iria com outro motorista fazer o serviço por não deixar de poder ser feito, porquanto não seria possível abastecer o cliente “Roler Extremadura” previsto para o dia 16, seguinte, o que acarretaria graves inconvenientes e prejuízos, situação que o Trabalhador bem conhecia.
10) - O Trabalhador ainda argumentou que o BB estava a obrigá-lo a trabalhar 15 horas (por estar a contabilizar o tempo em que foi ao médico), sendo que, a final desse dia, o Trabalhador “fechou” o seu dia de trabalho com apenas 12:00 horas de serviço prestado.
11) – No dia 18 de Abril de 2024, o Trabalhador chegou cerca das 19:15 H com o camião-cisterna que conduzia, ao Parque da Valtrans, Lda. situado no Carregado, onde o estacionou.
12) – Nesse Parque, onde são estacionados camiões-cisterna, muitas vezes carregados com matérias perigosas e altamente inflamáveis (hidrogénio) e/ou comburentes (oxigénio), facilitadoras de ignição e combustão, encontra-se instalado um sistema de videovigilância com a finalidade única e exclusiva de protecção e segurança de pessoas e bens, aliás, sistema de vigilância obrigatório nestas situações e exigido pela concessionária LINDE Portugal, ante as descritas particularidades do Parque em questão, sistema devidamente autorizado pelas entidades competentes e com informação bem visível sobre a existência de videovigilância, afixada em diversos locais, o que o Trabalhador bem sabe e conhece.
13) – O senhorio e proprietário do aludido Parque tem, também ele, precisamente contíguo com o Parque da Valtrans, um sistema de segurança por videovigilância das suas instalações, exclusivamente para protecção e segurança de pessoas e bens, devidamente legalizado, autorizado e com anúncios afixados dando conta da sua existência, o qual se encontra a funcionar ininterruptamente, assim como possui em permanência no local um guarda vigilante.
14) – Nesse dia 18/04/2022, aproximadamente cerca das 19:32 H, as câmaras de vigilância da Valtrans, Lda. existentes no identificado Parque interromperam a captação de imagens e deixaram de funcionar.
15) - Este desligamento das câmaras, perfeitamente inédito e anormal e que nunca tinha acontecido, foi detetado pelo Dr. BB, que é também a pessoa responsável na Valtrans, Lda. pelo tratamento de dados.
16) – Ante o perigo real que a situação naquele momento representava, de imediato aquele responsável telefonou ao motorista, Sr. FF, também ele Trabalhador da Valtrans, Lda., que por aquela altura se encontrava no Parque, para tentar saber o que se teria passado.
17) - O referido motorista informou que estava naquele momento no interior do contentor/escritório e que a luz (leia-se: energia elétrica) tinha faltado e o motorista AA (Trabalhador) estava a segurar-lhe a porta do escritório a fim de entrar luz, e nada mais adiantou, nem se dispôs a averiguar as causas e o porquê da situação.
18) - Achando estranha a falha de energia eléctrica que nunca antes se tinha verificado, e o aparente desinteresse do motorista FF, o Dr. BB telefonou a um outro motorista, o Sr. GG, que por acaso estava a chegar ao Parque, a fim de este indagar sobre o que na realidade se estava a passar.
19) - De imediato este motorista confirmou que a alimentação de energia ao escritório e às câmaras de vigilância se encontrava, na realidade, interrompida.
20) - A pedido do Dr. BB, este motorista dirigiu-se à parte de trás e ao lado do “contentor” que serve de escritório, por onde existe um fosso cavado no chão pelo qual passa o cabo de alimentação eléctrico para o escritório e câmaras, e constatou que alguém tinha puxado a ficha do cabo eléctrico da tomada, o suficiente para esta não estabelecer contacto mas continuando na posição normal e inserida na tomada, dando assim a sensação de se encontrar normalmente ligada, dissimulando e não permitindo ser detectada com facilidade a falta de contacto, mantendo-se deste modo a interrupção do fornecimento de energia eléctrica ao escritório e às câmaras de vigilância.
21) - As câmaras de vigilância da Valtrans, Lda. não captam imagens da parte de trás/lado do contentor, onde estão instalados o quadro e as ligações da ficha à tomada eléctrica que alimenta o escritório, e não captam imagens daquela área do Parque porque estão direccionadas para as zonas de estacionamento dos veículos camiões-cisterna.
22) – No entanto, as câmaras das instalações contíguas, propriedade do senhorio que arrendou o Parque em causa à Valtrans, Lda., captam esses ângulos e áreas de imagens.
23) – Conhecedora desses pormenores, a Valtrans dirigiu ao senhorio proprietário daquelas câmaras de vigilância um pedido de informação sobre se as suas câmaras teriam captado, no dia e hora em causa, imagens da zona do lado, traseira, ao contentor/escritório, onde se situa o quadro, tomada e ficha do cabo eléctrico que alimenta, quer o escritório quer as câmaras de videovigilância da Valtrans.
24) – Foi então informado pelo segurança do senhorio que, no dia e hora em causa, tinham sido gravadas imagens de um senhor calvo, de pêra, que aparentava ter cerca de 50 anos e vestia uma t-shirt azul-escura com a marca “Puma” escrita e desenhada na parte da frente, descrição que correspondia exatamente à figura do Trabalhador, AA, e também ao vestuário que nesse dia e àquela hora envergava.
25) - Esse senhor, no dia e horário referidos, falava ao telemóvel ao mesmo tempo que olhava para as câmaras de vigilância da Valtrans e deslocava-se, acompanhando o cabo de alimentação eléctrica que se encontra no “fosso” a céu aberto, e, caminhando em passo rápido, dirigiu-se para o quadro de ligações onde a tomada e a ficha do cabo se encontram, sendo possível observar a projecção da sua sombra a baixar-se em direcção ao quadro, tomada e ficha eléctrica, isto pelas 19:32 H, fazendo depois o caminho inverso, falando ao telemóvel.
26) - Exactamente pelas 19:32 H do dia 18/04/2024, as câmaras de videovigilância da Valtrans, Lda. desligaram-se por falta de alimentação eléctrica.
27) - No dia 18/04/2024, pelas 19:32 H, altura em que as câmaras de videovigilância foram desligadas, as únicas pessoas que se encontravam no identificado Parque da Valtrans Lda. no Carregado eram os trabalhadores AA e FF.
28) – Por causa directa e necessária da conduta do Trabalhador, AA, as câmaras de videovigilância da Valtrans, Lda., sua Entidade Patronal, estiveram desligadas e inoperacionais por cerca de 18 (dezoito) minutos consecutivos, no período de tempo compreendido entre as 19:32 e as 19:50 horas do dia 18/04/2024, período em que o Parque do Carregado onde se encontravam estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão sem possibilidade de serem detectados a tempo de os evitar, prevenir e socorrer em tempo útil, riscos estes públicos e notórios que a descrita situação e conduta do Trabalhador, efectiva e objectivamente provocou e representou para pessoas e bens.
29) – Ao Autor foi-lhe transmitido em reuniões, nomeadamente em reunião realizada em 23-01-2023, que as câmaras de videovigilância iam ser instaladas no parque do Carregado e, efectivamente, lá foram instaladas em cima do contentor, sendo visíveis, tendo ainda sido colocados avisos escritos a informar da sua existência.
30) - O Trabalhador não tem, ao serviço da Valtrans, Lda. quaisquer antecedentes disciplinares.
31) - À data da ocorrência dos factos, dias 15 e 18 de Abril de 2024, não existia na Valtrans, Lda. comissão sindical, nem o Trabalhador era representante sindical ou membro de comissão de trabalhadores.
32) – No dia 26 de Julho de 2024, a Entidade Patronal do Autor, Valtrans, Lda., acolheu e deu como reproduzido o relatório final do Instrutor e proferiu a sanção disciplinar de despedimento com justa causa do A., AA, nos seguintes termos:
“- DECISÃO -
Pelos factos e fundamentos constantes do relatório e proposta de decisão do Sr. Instrutor do presente processo disciplinar, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que junto segue, VALTRANS – Sociedade Transportadora, Lda., com sede em Setúbal, na Rua 2, registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, sob o nº 2620/901214, Pessoa Colectiva nº 502472987, aqui representada pelo seu Sócio-Gerente, Sr. HH, com poderes para este acto, decide aplicar ao seu Trabalhador, Sr. AA, a sanção disciplinar de despedimento com justa causa [artº 328º nº 1 alínea f) e artº 351º,, nº 1 e nº 2, alíneas a), b), d), e) e h), do Código do Trabalho], com efeitos imediatos ao recebimento por carta registada com A.R., da presente decisão e relatório final do Instrutor.
Setúbal, 26 de Julho de 2024
A Entidade Patronal:
( Sócio-gerente )”.
33) – A decisão de despedimento do Autor, proferida pela Ré e acompanhada do Relatório Final do Instrutor, foi enviada no dia 26 de Julho de 2024 ao Autor, AA, por e-mail por este recebido de imediato, e carta registada com AR por este recebida no dia 02 de Agosto de 2024.
34) – A decisão de despedimento com justa causa do Autor, proferida pela Ré e acompanhada do Relatório Final do Instrutor, foi também enviada, no dia 26 de Julho de 2024, à Estrutura Sindical do Autor (STRUP), mediante carta registada com AR, por esta recebida no dia 29 de Julho de 2024.
35) – O Autor entregou à Ré a justificação da realização no dia 15.04.2024 das análises clínicas.
36) – Tendo iniciado o seu período de trabalho pelas 11h04 e terminado o mesmo às 23h05.
37) – Era do seu conhecimento, desde sexta-feira dia 12/04/2024, que a fábrica em Salamanca iria estar parada por falta de energia devido a serviços de manutenção no dia 16/04/2024, o que se manteria até às 16h00 do dia 17/04/2024.
38) – O sr. EE transmitiu ao Autor que, na sua opinião, não haveria direito a tal pagamento, mas para o mesmo falar com o BB por ser o responsável pelas questões contratuais e de pagamentos.
39) – O Autor, tendo sido informado pelo sr. EE que provavelmente não existiria pagamento do valor extra de prevenção, iniciou normalmente o percurso em direcção a Salamanca.
40) – Quando recebeu a chamada do Dr. BB, o Autor já estava a cerca de ½ hora da fábrica de Salamanca.
41) - O cliente Linde não pretende que os motoristas façam mais de 12 horas de trabalho diário (excepcionalmente podem realizar 14 horas).
42) – O Autor, não obstante ter chegado à fábrica antes do colega II, permitiu que este trabalhador passasse à sua frente na carga, pois estava em risco de ultrapassar a amplitude de 15 horas.
43) – À data da reunião (23/01/2023), o Autor prestava funções em outro local de trabalho (parque da Autodiesel sito em Alenquer) tendo apenas mudado para o actual local de trabalho em meados de Abril de 2023.
44) – No dia 18/04/2024, pelas 19h30m, quando o Autor estava no parque da Ré juntamente com o colega FF, este a dado momento dirigiu-se ao interior do contentor e o Autor apercebendo-se de tal factualidade, por brincadeira para com o colega, desligou a ficha de electricidade que alimenta o contentor.
45) – Seguidamente dirigiu-se à porta deste.
46) – O Autor nunca foi contactado pela Ré para saber ou averiguar a causa da falta de energia, não obstante saber que o Autor se encontrava no local.
47) – A electricidade foi ligada, ainda com o Autor presente nas instalações, pelo colega GG, que nada referiu ao Autor sobre a situação.
48) – O Autor assegurou na resposta à nota de culpa que estava arrependido e o sucedido não teria repetição futura. (alterado nos termos do ponto 3.3. infra)
49) - O contentor onde foi desligada a corrente funciona como mero depósito de mercadorias, não tendo o corte de corrente causado qualquer dano à Ré ou a terceiro nos bens que aí se encontravam, nomeadamente, nos camiões-cisterna estacionados no parque da Ré, sendo o acesso às instalações do mesmo restrito.
50) - A Ré utiliza o referido parque desde Abril de 2023 e apenas instalou as câmaras de vigilância em Fevereiro/Março de 2024.
51) – O procedimento disciplinar instaurado pela Ré, que culminou com o despedimento com justa causa do Autor, precedido da sua suspensão preventiva, causou ao Autor sintomas de inquietação, incapacidade de relaxar, perturbações no sono (insónias), irritabilidade, agitação, angústia, ansiedade, preocupação pelo seu futuro, dificuldades de concentração, apreensão, com grande probabilidade do quadro ansiogénico evoluir para uma depressão ou para outra forma organizada de ansiedade e consequente receio de incumprimento das suas obrigações, nomeadamente pagamento da habitação, alimentação, água, luz, gás entre outras.
52) – Tendo por tal facto o Autor necessitado de ter acompanhamento médico, e consultas de psicologia, a partir de 18/06/2024, mantendo-se estas últimas.
53) - Necessitando de toma de medicação para conseguir dormir.
54) – O Autor despendeu a quantia de 330,09 €, correspondente às despesas que o Autor teve de suportar com as consultas de psicologia e com compra de medicação.
55) – O Autor encontra-se a auferir actualmente subsídio de desemprego, com início a 21/08/2024, tendo sido concedidos 720 dias, salvo futuras interrupções, com o montante pecuniário diário de 42,4383 € (1.273,15 € mensais), tendo recebido 424,38 € em Agosto de 2024 e 1273,15 € em Setembro de 2024, e encontram-se declaradas como retribuições, em Maio de 2024, 1.941,30 €, 1933,80 € em Junho de 2024 e 1963,80 € em Julho de 2024.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
1 - Comunicou ainda o Trabalhador ao EE, alegando que, e segundo ele, pelas 20:00 H desse dia atingiria 12 horas de trabalho e “não trabalharia nem mais um minuto”.
2 – Que o Autor apenas tomou conhecimento dos serviços a realizar no dia 15/04/2024 após ter chegado ao camião e ligado o tablet de serviço.
3 – Que pelas 14h07m, encontrando-se em Asseiceira, Tomar, depois de realizar uma descarga de mercadoria, o Autor retomou uma chamada telefónica não atendida, recebida do sr. EE, tendo sido questionado como estava de horário para realizar uma carga em Salamanca, ao que o Autor transmitiu que dificilmente conseguiria chegar à fábrica e realizar a carga em Salamanca antes de esta fechar.
4 – Que informou que iria falar com o sr. JJ, responsável da fábrica Linde, para apurar o que seria possível fazer.
5 – Que, da conversa mantida com o sr. JJ, o Autor obteve uma autorização extraordinária para poder realizar a carga após as 22h00 do dia 15/04/2024.
6 – Que informação que o Autor transmitiu ao sr. EE, e questionou se, face à emergência do serviço e extraordinária autorização de carga após as 22h00, teria direito a auferir o valor extra de prevenção, no valor de 65,00 €.
7 – Que o Sr. EE referiu que iria questionar superiormente e depois voltaria ao contacto, ou seja, nem o sr. EE tinha certeza se o Autor teria direito a auferir o valor extra de prevenção.
8 – Que o referido valor extra não possui regras fixadas na Ré para ser pago, desconhecendo integralmente os trabalhadores em que condições é liquidado.
9- Que o Autor não se apercebeu, igualmente, de o colega FF ter recebido uma chamada telefónica do Dr. BB para saber a causa da falta de energia, caso contrário teria mencionado o sucedido.
3.3. A Apelante arguiu a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, na medida em que a mesma reconhece na fundamentação que o Autor, ao desligar as câmaras de videovigilância, criou um perigo efectivo, público e notório para pessoas e bens, o que representa um concreto prejuízo para a Ré, e depois decide que não ocorre prejuízo e, por tal razão, não existe justa causa para o despedimento.
Vejamos.
Está em causa o art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC na parte em que prevê que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Ora, é pacífico que a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas ocorre quando, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a extrair, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Trata-se duma contradição lógica, que se distingue do erro de julgamento, o qual se reporta a uma apreciação desadequada da matéria de facto ou a uma errada subsunção desta ao direito aplicável. Quando o entendimento do juiz, embora errado, é expresso na fundamentação, ou dela decorre, e do mesmo é retirada uma conclusão conforme, não ocorre a oposição lógica geradora de nulidade da sentença, mas sim erro de julgamento1.
No despacho em que admitiu o recurso, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a arguição, na parte que importa, da seguinte forma:
«Apreciando sumariamente o alegado dir-se-á, salvo melhor opinião, inexiste o vício apontado pela recorrente à sentença, porquanto, aí se refere que tendo sido dado por provado o perigo que poderia decorrer das câmaras de vigilância do parque da recorrente terem ficado desligadas, o que considerou é que “Acontece que, sendo censurável o comportamento do Autor e constituindo uma infração disciplinar com gravidade, o certo é que o período em que a eletricidade esteve desligada foi de 18 minutos, aí permanecendo o Autor, o FF e tendo estado também o trabalhador KK, o que implicou que o parque permaneceu com a presença dos trabalhadores da Ré e o acesso ao parque era restrito (4.1.49), bem como, não ocorreram quaisquer danos ou prejuízos em nenhum dos bens da Ré ou da Linde que estavam sob a responsabilidade da Ré (4.1.49), nem ocorreu em concreto um incidente com a segurança de algum dos bens que aí se encontrava.
No período dos 18 minutos não foram alegados que algum dos bens que aí estavam depositados tivesse sofrido um perigo real, sendo certo que, embora, tal não desculpe o Autor da censurabilidade da sua conduta, as câmaras apenas estavam no parque há cerca de 2 meses (4.1.50) e os bens, quer camiões, quer as cisternas da Linde chegaram a estar vários meses nesse parque sem vigilância das câmaras por ainda não estarem ligadas (4.1.50), o que atenua a gravidade dos riscos dos prejuízos que pudessem ocorrer, porquanto, os bens já haviam estado vários meses sem vigilância, a que acresce que o Autor e mais 2 trabalhadores estiveram no parque na totalidade ou em parte do período (18 minutos) em que as câmaras estiveram desligadas.”.
Ora, a sentença não refere que não houve perigo para os bens, o que refere é que não ocorreram danos ou prejuízos em nenhum dos bens, nem em concreto ocorreu um incidente com a segurança de algum dos bens que aí se encontrava, e é nesse sentido que após se usa a expressão “não foram alegados que algum dos bens que aí estavam depositados tivesse sofrido um perigo real”.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, consideramos que não se verifica a suscitada nulidade.»
Ora, esta súmula corresponde ao que, efectivamente, se extrai da adequada interpretação da fundamentação de facto e de direito da sentença, mormente na parte que ali se transcreve, e é manifesto que a conclusão lógica para que a mesma aponta é a da não verificação de justa causa de despedimento por falta de demonstração de todos os pressupostos legais, designadamente ocorrência de danos ou prejuízos efectivos, independentemente do acerto de tal entendimento, que não releva aqui mas apenas em sede de reapreciação do seu mérito.
Assim, é de concluir que não ocorre contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença, o que é quanto basta para que não se verifique a nulidade em causa.
Improcede, pois, a arguição de nulidade da sentença.
3.4. Cumpre agora apreciar a impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do CPC, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Desde logo, a Apelante sustenta que, para demonstração de que as condutas do Autor lhe causaram prejuízos, devem ser aditados vários factos à factualidade considerada provada, a saber:
- no que respeita à situação ocorrida em 15/04/2024:
10.a) - Ao longo de 4 anos e meio a Ré e os seus motoristas tiveram 6 ou 7 reuniões onde falaram, em algumas delas, sobre os serviços de prevenção e suas condições e onde o Autor esteve presente.
10.b) – Caso o Autor não tivesse feito a carga, não seria possível no dia seguinte fazer o serviço já programado e a Ré iria falhar com o compromisso contratual que tem com a Linde, o que resultaria num incumprimento contratual, que, para além da repreensão, poderia até levar a terminar com o contrato.
10.c) – A actividade resultante do contrato existente entre a Ré e a Linde representa quatro milhões e meio de euros anuais e cerca de 80% da actividade da Valtrans, Lda..
10.d) - Actualmente, existem 44 motoristas da Ré a trabalhar para o negócio que a Linde mantém com a Ré.
10.e) - A Ré é avaliada pela Linde e em referência a esta actividade e negócio, todos os trimestres.
- no que respeita à situação ocorrida em 18/04/2024:
29.a) – A Ré mantém com a Linde uma relação contratual em que a Valtrans, Lda. se compromete a fornecer os meios de reboque e toda a tracção para as cisternas propriedade da Linde, as quais se encontram à guarda da Ré, assim como se obriga a disponibilizar os motoristas para o efeito.
29.b) – Cada cisterna propriedade da Linde e que está à guarda da Ré, aos dias de hoje e já equipada, custa cerca de 300 mil euros.
29.c) – Contratualmente, a Linde obriga a Ré a ter câmaras de videovigilância no parque do Carregado onde guarda as cisternas.
29.d) – Contratualmente, a Ré está obrigada a comunicar à Linde qualquer incidente ou evento fora do normal.
29.e) – A Ré comunicou à Linde, na pessoa do Eng.º CC, que o Autor e seu motorista AA tinha desligado as câmaras de segurança e vigilância no parque do Carregado onde estão estacionadas as suas cisternas.
29.f) – Por isso, à Linde suscitam-lhe dúvidas sobre a capacidade da Ré em conseguir garantir a segurança do património que lhe está entregue e que lhe foi confiado.
29.g) – Em termos contratuais, se acontecesse alguma coisa e se se chegasse à conclusão de que a Ré não tem capacidade para garantir a segurança dos bens que lhe foram confiados, poderia haver direito a terminar o contrato que existe.
29.h) – Daqui a três anos é lançado pela Linde um novo concurso para renovação deste contrato e todos estes incidentes vão pesar na tomada de decisão para a renovação, ou não, do contrato.
29.i) – Neste concurso o preço é obviamente importante mas a componente de segurança tem um peso muito importante.
29.j) - Devido ao desligamento das câmaras, se se chegar à conclusão de que a Ré não tem capacidade para garantir os activos da Linde que lhe estão confiados, isso vai, obrigatoriamente, pesar na tomada de decisão quando for a concurso para a renovação do contrato.
Vejamos.
Estabelece o art. 130.º do CPC, com a epígrafe “Princípio da limitação dos actos”, que não é lícito realizar no processo actos inúteis.
Assim, como se refere no sumário do Acórdão desta Relação de 11-07-20242, “[é] inadmissível a impugnação de decisão sobre matéria de facto que seja irrelevante para a solução do litígio, atenta a proibição do art. 130.º do CPC”.
Ora, nos termos do art. 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho, no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados. De acordo com o art. 357.º, n.º 4 do mesmo diploma, na decisão de despedimento não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade. E, nos termos dos arts. 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho e 98.º-J, n.º 1 do CPT, na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
O regime em apreço é uma das manifestações do princípio do contraditório que estrutura qualquer procedimento disciplinar laboral, conforme se alcança do disposto no art. 329.º, n.º 6 do Código do Trabalho, e dele resulta que a nota de culpa fixa o objecto do procedimento disciplinar3. Exige-se, pois, uma vinculação temática ao objecto da nota de culpa tendo em conta os elementos que esta deve conter, a saber, a indicação dos factos imputados ao trabalhador, delimitados pela descrição das circunstâncias de modo, tempo e lugar necessárias a que o mesmo possa compreender do que está a ser acusado e defender-se de tal acusação4, nessa medida se proibindo a imputação subsequente de infracções novas ou distintas ou o aditamento de circunstâncias agravantes de infracções já imputadas5.
Ora, a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido espelha na sua essência toda a factualidade que a Ré imputou ao Autor na nota de culpa, na decisão de despedimento e no articulado de motivação do despedimento, conforme, aliás, a mesma reconhece na sua alegação e, por outro lado, se alcança do confronto com o provado sob os n.ºs 4) e 32) e com a generalidade da factualidade considerada como não provada. Os aditamentos que a Recorrente reclama reportam-se a matéria de facto inovatória, que não constituiu objecto de pronúncia pelo tribunal recorrido no sentido de a dar como provada ou não provada precisamente porque não estava imputada ao Autor. Dito de outro modo: toda a factualidade considerada como não provada provém da contestação do trabalhador, na medida em que aquela que lhe foi imputada no processo disciplinar e nos presentes autos foi, no geral, dada como provada.
Trata-se, pois, de matéria de facto irrelevante para a solução do litígio, atento o princípio da vinculação temática a que se aludiu, razão pela qual se rejeitam os aditamentos pretendidos.
Por outro lado, a Apelante sustenta que, por falta de outra prova que não seja a mera afirmação do trabalhador na resposta à nota de culpa, se altere a redacção do enunciado constante do n.º 48) (O Autor encontra-se arrependido do sucedido, tendo assegurado na resposta à nota de culpa que não teria repetição futura) para a seguinte: O Autor assegurou na resposta à nota de culpa que o sucedido não teria repetição futura.
O tribunal a quo motivou a decisão quanto ao facto em apreço do seguinte modo:
«Finalmente, o Autor na resposta à nota de culpa refere estar arrependido e que não haverá repetição futura, ora, resultando do depoimento de BB que após o sucedido a Ré não confrontou o Autor com o sucedido, quando o mesmo é confrontado com a nota de culpa assume os factos e refere estar arrependido, aliás, o mesmo não tomou uma posição de confronto para com a Ré antes sofreu de inquietação, ansiedade, preocupação pelo futuro, insónias, o que nos leva dar por provado esse arrependimento.»
Posto isto, porque a mera alegação do próprio trabalhador não redunda em prova da mesma, é de entender que não foi produzido qualquer meio de prova do alegado arrependimento. Acresce que este também não pode inferir-se do reconhecimento da autoria do facto, por si só, nem da «inquietação, ansiedade, preocupação pelo futuro, insónias» que o Autor alegou e provou que sofreu como consequência, apenas, da reacção disciplinar da Ré, conforme consta do ponto 51) dos factos provados, e não como estado anímico demonstrativo do seu arrependimento.
Assim, defere-se a pretensão da Recorrente no sentido de o facto em apreço passar a ter a seguinte redacção: O Autor assegurou na resposta à nota de culpa que estava arrependido e o sucedido não teria repetição futura.
3.4. Cabe, então, decidir se, em face da factualidade apurada, se verifica a licitude do despedimento do Autor, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido.
Nos termos do art. 351.º do CT, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento (n.º 1). Acrescenta o n.º 2, a título exemplificativo, alguns comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento. Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (n.º 3).
Deste modo, são requisitos de justa causa de despedimento:
- um comportamento culposo e ilícito (activo ou passivo) do trabalhador, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- a imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com o empregador;
- e o nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade de manutenção do contrato.
Assim, em última análise, o que é preciso saber é se os factos imputados ao trabalhador e que se tenham provado e sejam relevantes são aptos para criar uma situação de inexigibilidade para o empregador, no sentido de não ser aceitável para o concreto incumprimento do contrato por aquele outra consequência jurídica que não seja a resolução pelo empregador. Mais: é preciso que tal inexigibilidade e adequação do despedimento sejam apreciadas objectivamente, isto é, do ponto de vista dum empregador normal com características idênticas a nível do quadro de gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses, do carácter das relações com o trabalhador ou entre este e os seus companheiros, etc..
Deste modo, “[c]erta infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo. Como se vê, este enunciado reproduz a ideia de inexigibilidade que está subjacente ao conceito de justa causa, só que o refere aos instrumentos de defesa da conservação do contrato que são, no terreno disciplinar, as sanções de repreensão, multa e suspensão.”6
Salienta ainda a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a noção de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais, pelo que, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, existirá justa causa para o despedimento.
Assim, a título exemplificativo, veja-se o Acórdão do STJ de 22-09-20107, em que se refere que “[n]o âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.”
Finalmente, não oferece qualquer controvérsia que é ao empregador que cabe o ónus da prova dos requisitos da justa causa de despedimento. Como se sintetiza no sumário do Acórdão do STJ de 22-02-20178, “[n]a ação de reconhecimento da regularidade e licitude do despedimento cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador, como factos constitutivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), e ao empregador compete alegar e provar os factos por si integrados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).”
De notar, porém, que se presume a culpa do trabalhador, atento o disposto no art. 799.º do Código Civil, posto que está em causa o incumprimento dos seus deveres contratuais.
No que respeita a saber quais são os deveres contratuais que impendem sobre o trabalhador, o art. 126.º do Código do Trabalho estabelece, desde logo, que o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações e que, na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.
Acrescenta o art. 128.º:
Deveres do trabalhador
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
Retornando ao caso em apreço, constatamos que a Ré imputou ao Autor duas condutas que em seu entender constituem infracções disciplinares graves, uma verificada no dia 15 de Abril e outra no dia 18 de Abril de 2024.
No que concerne ao dia 15 de Abril, provou-se que o Autor executou um serviço no cliente EPAL, em Asseiceira (Tomar), e seguidamente devia dirigir-se para Salamanca - Espanha, a fim de proceder à carga do seu camião-cisterna com CO2, para no dia seguinte, dia 16, poder abastecer o cliente “Roler Extremadura”, conforme lhe tinha sido comunicado na sexta-feira anterior, dia 12/04/2024. O Autor comunicou no início da tarde ao Sr. EE, gestor de tráfego da Ré, que não iria fazer a carga em Salamanca, a não ser que recebesse um valor extra de prevenção (65,00 €, que só são devidos por serviços de prevenção, não previstos e de emergência, solicitados pelos serviços de telemetria da concessionária LINDE Portugal, o que não era o caso), acrescentando ainda que, caso não lhe fosse paga a “prevenção”, pararia às 20:30H e só voltaria a trabalhar no dia seguinte. Várias vezes, nesse dia, o trabalhador comunicou com o gestor de tráfego da Ré, verbalizando e reafirmando que não faria o serviço de carga da cisterna nesse dia 15, e que também não poderia iniciar o serviço do dia seguinte a tempo de carregar o camião-cisterna, pois só iria iniciar a jornada de trabalho pelas 7:30H, bem sabendo, porque lhe foi expressamente explicado e comunicado, que por volta das 08:00H a fábrica onde deveria ser feito o carregamento de CO2 no camião cisterna iria estar parada por falta de energia devido a serviços de manutenção, o que inviabilizaria, quer o carregamento, quer ainda o fornecimento posterior do cliente “Roler Extremadura”. O carregamento da cisterna só foi efectuado pelo trabalhador após intervenção directa do Dr. BB (sócio e director comercial responsável da Ré para a operativa LINDE Portugal), que, cerca das 20:00 H (portuguesas) do dia 15, lhe pediu e explicou, uma vez mais, que se não fizesse o carregamento da cisterna naquele dia, o mesmo iria com outro motorista fazer o serviço por não deixar de poder ser feito, porquanto não seria possível abastecer o cliente “Roler Extremadura” previsto para o dia 16, o que acarretaria graves inconvenientes e prejuízos, situação que o trabalhador bem conhecia. O trabalhador ainda argumentou que o BB estava a obrigá-lo a trabalhar 15 horas (por estar a contabilizar o tempo em que foi ao médico), sendo que o trabalhador “fechou” o seu dia de trabalho com apenas 12 horas de serviço prestado (entre as 11h04 e as 23h05). Mais se provou com interesse que o mencionado Sr. EE transmitiu ao Autor que, na sua opinião, não haveria direito ao pagamento da “prevenção”, mas para o mesmo falar com o BB, por ser o responsável pelas questões contratuais e de pagamentos. O Autor, tendo sido informado pelo sr. EE que provavelmente não existiria pagamento do valor extra de prevenção, iniciou normalmente o percurso em direcção a Salamanca, e, quando recebeu a chamada do Dr. BB, já estava a cerca de ½ hora da fábrica de Salamanca.
Resulta do exposto, em suma, que, depois de executar o serviço no cliente EPAL, em Asseiceira (Tomar), o Autor falou com o gestor de tráfego Sr. EE e seguidamente iniciou o percurso em direcção a Salamanca, tendo falado com o Dr. BB cerca das 20:00 H (portuguesas), quando estava a cerca de ½ hora da fábrica, após o que procedeu nesta ao carregamento de CO2 no camião cisterna, como lhe estava determinado desde a sexta-feira anterior, dia 12/04/2024. Assim, o Autor realizou todas as tarefas que lhe estavam atribuídas, de acordo com a sua cadência normal, mas desde o termo do primeiro serviço até à conversa com o Dr. BB, quando estava a cerca de ½ hora da fábrica onde devia proceder ao carregamento de CO2 no seu camião cisterna, foi reiteradamente comunicando “ameaças” de que não iria proceder a este quando chegasse ao destino e que no dia seguinte só iniciaria o trabalho pelas 7:30H, o que inviabilizaria, quer o carregamento (porque a fábrica ia fechar pelas 8:00H), quer o fornecimento posterior do cliente “Roler Extremadura”, previsto para esse dia 16, como o trabalhador bem sabia. O Autor acedeu, finalmente, a executar o carregamento de CO2 no camião cisterna apenas porque o próprio director comercial interveio e pediu e explicou ao trabalhador o que ao mesmo já estava exaustivamente determinado e explicado desde sexta-feira anterior, chegando a ter de dizer que teria de ir ele próprio com outro motorista fazer o serviço se o Autor insistisse no seu propósito, e tendo este replicado ainda que o estavam a obrigar a trabalhar 15 horas, quando bem sabia que, naquele momento, estava a trabalhar apenas há 9 horas.
Não ocorre, pois, infracção consumada do dever de obediência, mas afiguram-se violados, com dolo directo, os deveres de respeitar e tratar o empregador e os superiores hierárquicos com rectidão e lisura e de realizar o trabalho de boa fé de modo a promover a produtividade, na medida em que o Autor despoletou e manteve durante várias horas um incidente ou problema, consubstanciado na ameaça ou desafio de desobedecer a uma ordem legítima e de primordial importância para os interesses económicos da empregadora, que demandou, desnecessariamente, a atenção, o tempo e uma extrema preocupação dos superiores hierárquicos.
No que toca ao dia 18 de Abril, provou-se que no Parque da Ré situado no Carregado são estacionados camiões-cisterna, muitas vezes carregados com matérias perigosas e altamente inflamáveis (hidrogénio) e/ou comburentes (oxigénio), facilitadoras de ignição e combustão. Aí se encontra instalado um sistema de videovigilância com a finalidade única e exclusiva de protecção e segurança de pessoas e bens, aliás, sistema de vigilância obrigatório nestas situações e exigido pela concessionária LINDE Portugal, ante as descritas particularidades do Parque, o que o trabalhador bem sabe e conhece. Nesse dia 18/04/2022, aproximadamente cerca das 19:32 H, as câmaras de vigilância da Ré existentes no identificado Parque interromperam a captação de imagens e deixaram de funcionar. Este desligamento das câmaras, anormal e que nunca tinha acontecido, foi detectado pelo Dr. BB, que é também a pessoa responsável na Ré pelo tratamento de dados. Ante o perigo real que a situação naquele momento representava, de imediato aquele responsável telefonou ao motorista, Sr. FF, para tentar saber o que se teria passado. O referido motorista informou que estava naquele momento no interior do contentor/escritório e que a luz (leia-se: energia elétrica) tinha faltado e o Autor estava a segurar-lhe a porta do escritório a fim de entrar luz. O Dr. BB telefonou a um outro motorista, o Sr. GG, que por acaso estava a chegar ao Parque, a fim de este indagar sobre o que na realidade se estava a passar. De imediato este motorista confirmou que a alimentação de energia ao escritório e às câmaras de vigilância se encontrava interrompida, e, a pedido do Dr. BB, dirigiu-se à parte de trás e ao lado do “contentor” que serve de escritório, por onde existe um fosso cavado no chão pelo qual passa o cabo de alimentação eléctrico para o escritório e câmaras, e constatou que alguém tinha puxado a ficha do cabo eléctrico da tomada, o suficiente para esta não estabelecer contacto mas continuando na posição normal e inserida na tomada, dando assim a sensação de se encontrar normalmente ligada, dissimulando e não permitindo ser detectada com facilidade a falta de contacto. As câmaras de vigilância da Ré não captam imagens da parte de trás/lado do contentor, onde estão instalados o quadro e as ligações da ficha à tomada eléctrica que alimenta o escritório, porque estão direccionadas para as zonas de estacionamento dos veículos camiões-cisterna. No entanto, as câmaras das instalações contíguas, propriedade do senhorio que arrendou o Parque em causa à Ré, captam esses ângulos e áreas de imagens. Veio a apurar-se que foi o Autor que, no dia e horário referidos, falando ao telemóvel ao mesmo tempo que olhava para as câmaras de vigilância da Ré, se deslocou acompanhando o cabo de alimentação eléctrica que se encontra no “fosso” a céu aberto, e, caminhando em passo rápido, dirigiu-se para o quadro de ligações onde a tomada e a ficha do cabo se encontram, baixando-se em direcção ao quadro, tomada e ficha eléctrica, fazendo depois o caminho inverso, falando ao telemóvel. Por causa directa e necessária da conduta do Autor, as câmaras de videovigilância da Ré estiveram desligadas e inoperacionais por cerca de 18 (dezoito) minutos consecutivos, entre as 19:32 e as 19:50, período em que no Parque do Carregado se encontravam estacionados vários camiões-cisterna, alguns carregados de matérias perigosas, inflamáveis, e outros com matérias comburentes, com os inerentes riscos de incêndio e/ou explosão sem possibilidade de serem detectados a tempo de os evitar, prevenir e socorrer em tempo útil. Mais se provou com interesse que, quando o referido FF se dirigiu ao interior do contentor, o Autor, por brincadeira para com o colega, desligou a ficha de electricidade que alimenta o contentor e seguidamente dirigiu-se à porta deste. A electricidade foi ligada, ainda com o Autor presente nas instalações, pelo colega GG, que nada referiu ao Autor sobre a situação. O contentor onde foi desligada a corrente funciona como mero depósito de mercadorias, não tendo o corte de corrente causado qualquer dano à Ré ou a terceiro nos bens que aí se encontravam, nomeadamente, nos camiões-cisterna estacionados no parque da Ré, sendo o acesso às instalações do mesmo restrito. A Ré utiliza o referido parque desde Abril de 2023 e apenas instalou as câmaras de vigilância em Fevereiro/Março de 2024.
A situação acabada de descrever representa uma inequívoca violação do dever de lealdade, do dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens do empregador e do dever de cumprir as prescrições sobre segurança no trabalho, na medida em que a conduta do Autor aumentou o risco de os bens da Ré e de terceiros e de as pessoas presentes ou próximas serem atingidos por explosão ou incêndio pelo facto de estes perigos não serem detectados a tempo de serem evitados ou minimizados. Acresce que o Autor actuou de modo insidioso, com o cuidado de não ser visualizado nas câmaras de vigilância da Ré e de puxar a ficha do cabo eléctrico da tomada apenas o suficiente para não estabelecer contacto, dissimulando uma ligação normal. Ademais, a sua motivação é passível de qualificação como fútil, infantil, imatura e irresponsável, posto que se provou que a empreendeu por brincadeira com um colega. Outra agravante é o facto de em nada ter contribuído para desfazer e reparar a situação, nomeadamente quando presenciou a preocupação do Director BB em telefonema ao tal colega FF a indagar sobre o sucedido. Acresce que o Autor não alegou nem provou qualquer tomada de atitude para com a Ré ou um estado psicológico que o acometesse que demonstrem a interiorização da gravidade e consequências do seu acto e da sua própria culpa (sendo irrelevantes o reconhecimento da autoria, já provada, e a mera declaração de arrependimento, em sede de resposta à nota de culpa). Na verdade, a imputação à recção disciplinar da Ré, e não a si mesmo, dum quadro ansiogénico passível de evoluir para depressão, e dos inerentes custos de tratamento, com pedido de indemnização, é bem sintomática da ausência dum rebate de consciência e dum sério propósito de “arrepiar caminho” por parte do Autor.
Neste quadro, é despiciendo que o aumento do risco de os perigos de explosão ou incêndio não serem detectados a tempo de serem evitados ou minimizados tenha durado apenas 18 minutos, nem que que o corte de corrente não tenha causado qualquer dano à Ré ou a terceiro nos bens que se encontravam no contentor ou nos camiões-cisterna estacionados no parque, posto que não foi por intervenção do Autor que tal sucedeu. O que é certo é que o Autor actuou com dolo directo na criação dum aumento de risco de ocorrência de danos gravíssimos para pessoas e bens, por brincadeira infantil e irresponsável, e, seguidamente, permaneceu alheio e indiferente às preocupações do Director Comercial e ao desenvolvimento da situação.
Acresce que a proximidade entre as duas condutas, ambas dolosas, ambas demonstrativas de irresponsabilidade e inconsciência da gravidade das consequências que delas poderiam advir, revela uma atitude geral do Autor de desprezo e desdém pelos interesses patrimoniais, imagem e responsabilidades da empregadora perante terceiros, o Estado e a sociedade, bem como pelo trabalho dos colegas e dos superiores hierárquicos, evidenciando que o Autor se mostra desinserido e desintegrado da organização e disciplina da empresa e inviabilizando um prognóstico positivo no que se refere à sua conduta laboral futura.
Em face do exposto, sendo inequívoco que os comportamentos do Autor importam violação dos seus deveres contratuais, nos termos acima mencionados, e, por conseguinte, são passíveis de aplicação de sanções disciplinares, afigura-se-nos que também se mostra preenchida a previsão do n.º 1 do art. 351.º do Código do Trabalho, segundo a qual – relembra-se – constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, dado que o suporte psicológico mínimo que o contrato de trabalho supõe se mostra irremediavelmente comprometido, não sendo exigível que a Ré aplicasse uma sanção conservatória do vínculo.
Procede, pois, o recurso.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.
Custas pelo Apelado em ambas as instâncias.

Lisboa, 5 de Novembro de 2025
Alda Martins
Maria José Costa Pinto
Manuela Fialho
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1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, pp. 736-737.
2. Proferido no processo n.º 3637/23.6T8FNC.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.
3. Cfr. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 385.
4. V. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª ed., p. 503.
5. V. Ac. RC de 19-03-2021, proc. 954/20.0T8CTB.C1, in www.dgsi.pt.
6. Monteiro Fernandes, Op. Cit., p. 496.
7. Proferido no processo n.º 217/2002.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
8. Proferido no processo n.º 992/15.5T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.