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ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Sumário
I - A lei, ante a extrema variabilidade das situações da vida, e reconhecendo a manifesta dificuldade em surpreender em muitos casos os elementos que permitam a subsunção jurídica a uma realidade laboral, criou uma presunção de laboralidade a partir de indícios reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como integrando essa realidade, devendo o julgador começar por aferir se se encontram preenchidos os factos índice que fazem accionar a presunção . II – A presunção da existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do CT basta-se com o preenchimento de duas das características ali previstas (“se verifiquem algumas das seguintes características”). III – Estando provados factos que preenchem as alíneas a) a d) do n.º 1 do referido artigo 12.º, presume-se a existência de um contrato de trabalho. IV – Cabe à entidade beneficiária da actividade ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, o que não acontece se não conseguir demonstrar que o colaborador age com autonomia ou que não está sujeito ao seu poder de direcção.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
O Ministério Público instaurou a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a seguir a forma de processo especial, contra XX & YY, Ld.ª, com a denominação social de XX & YY - Trabalho Temporário, Ld.ª, peticionando seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho sem termo, celebrado entre a ora Ré e AA, desde, pelo menos, 26 de Julho de 2023.
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Regularmente citada, a Ré contestou, impugnando parcialmente os factos e pugnando pelo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho temporário a termo certo entre a si e o trabalhador.
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Por despacho de 31.01.2025 foi determinada a apensação das seguintes acções, tendo por objeto os colaboradores que prestavam a sua atividade no âmbito da operação de logística de armazém (proc. nº 2563/24.6T8LRS 2574/24.1T8LRS 2583/24.0T8LRS 2593/24.8T8LRS 2598/24.9T8LRS 2602/24.0T8LRS 2617/24.9T8LRS 2628/24.4T8LRS 2631/24.4T8LRS 2650/24.0T8LRS 2993/24.3T8LRS 2997/24.6T8LRS 3004/24.4T8LRS 3006/24.0T8LRS 3007/24.9T8LRS 3018/24.4T8LRS 3020/24.6T8LRS 3027/24.3T8LRS 3028/24.1T8LRS 3032/24.0T8LRS 3037/24.0T8LRS 3039/24.7T8LRS 3226/24.8T8LRS 3228/24.4T8LRS 3240/24.3T8LRS 3249/24.7T8LRS).
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 186º-L nº 4 do CPT, o(a) trabalhador(a) não deduziu qualquer pretensão, nem interveio por qualquer forma nos autos.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo. ***
A sentença decidiu julgar “procedente a presente ação e, em consequência:
1. Declarar que entre AA e XX & YY, LD.ª foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2. Declarar que o referido contrato de trabalho teve início em 26 de julho de 2023; 3. Condenar a Ré XX & YY, LD.ª a reconhecer a vigência do contrato de trabalho nos termos referidos em 1.º e 2.º.”
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Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que:
“a) Tendo a recorrente requerido o reconhecimento de um contrato de trabalho temporário a termo certo celebrado entre si e o(a) prestador de atividade, tal nunca seria impeditivo do aferimento pelo Tribunal a quo das concretas condições em que a atividade foi por este(a), efetivamente, exercida- daí extraindo as necessárias conclusões quanto ao vínculo contratual, efetivamente, existente.
b) O facto da recorrida ter pugnado pelo reconhecimento de contrato de trabalho entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, não limita o tribunal a quo, aferidos os factos índices de laboralidade, de, em homenagem ao princípio extra vel ultra petitum, previsto no art.º 74.º do Código do Trabalho, a condenar em objeto diverso do pedido formulado;
c) Quer dos depoimentos das testemunhas da recorrida, a Sr.ª Inspetora do a ACT, o ex funcionário dos CTT Expresso e os respetivos prestadores de atividade, quer das testemunhas da recorrente, BB e CC e, bem assim, depoimento de parte do seu legal representante, DD, contrariamente ao defendido pela sentença ora recorrida, não se poderão considerar verificados dois dos factos-índice de presunção de laboralidade entre a recorrente e o(a) trabalhador(a);
d) Quanto à propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados, atribuída pelo tribunal a quo à recorrente;
e) Quanto à determinação das horas de início e de termo da prestação determinada pela recorrente.
f) No que concerne aos equipamentos e instrumentos de trabalho, a sentença, no seu ponto 16. dos factos provados (Do requerimento Inicial), dá como provados que os equipamentos utilizados e instrumentos de trabalho tanto são fornecidos pela entidade com quem a recorrente celebrou contrato de prestação de serviços, CTT-Expresso, como pela recorrente.
g) Feita a necessária ponderação do universo de equipamentos e instrumentos fundamentais à execução da atividade de operador de armazém, não poderia a sentença recorrida ter deixado de considerar que todos os equipamentos e instrumentos de trabalho fundamentais para o desempenho da atividade não pertenciam à recorrente mas sim aos CTT Expresso;
h) Não resultando demonstrado que a recorrente faculte quaisquer instrumentos de trabalho ao colaborador(a);
i) Não poderia, assim, a sentença recorrida, no ponto 16. dos factos provados (do requerimento inicial), dar como provado que “no exercício das suas funções, o(a referido(a) colaborador(a) utiliza instrumentos de trabalho fornecidos pela recorrente.
j) Não podendo, consequentemente, como fez, no ponto 4.6, al. b) da Fundamentação de direito, considerar estar verificado para com a recorrente este facto-índice de laboralidade com base no facto da recorrente, pontualmente, facultar colete refletor e uma biqueira;
k) Equipamentos esses manifestamente secundários face ao universo de instrumentos e equipamentos necessários à execução das funções de operador de armazém que eram, efetivamente, disponibilizados pelos CCT Expresso;
l) Sendo que, dos depoimentos testemunhais produzidos em sede de audiência e discussão e julgamento supra transcritos, resulta provado que todos os instrumentos de trabalho necessários à prossecução da atividade do colaborador(a) pertenciam aos CTT Expresso- o que deveria ter sido dado como provado pela sentença recorrida;
m) Relativamente à determinação das horas de início e de termo da prestação pela recorrente resulta provado que os períodos de funcionamento dos armazéns dos CTT Expresso, quer a nível de turnos quer de horários de trabalho nos quais o(a) prestador(a) de atividade se inseriria, são estipulados por esta entidade e não pela recorrente;
n) Resultou, igualmente, provado dos depoimentos do legal representante da recorrente, da responsável de recursos humanos da recorrente, do funcionário da recorrente e do antigo funcionário dos CTT Expresso, que, tanto as alterações de turnos como dos horários de trabalho ocorrem em função de solicitações desta entidade aos prestadores da atividade ou por solicitação destes aos CTT Expresso;
o) Contrariamente ao decidido pela sentença recorrida dos elementos probatórios carreados para os autos não resulta que era a recorrente a definir os horários a cumprir pelo(a) prestador(a) de atividade;
p) Não poderia, assim, a sentença recorrida ter dado como provado o ponto 20 factos provados (do requerimento inicial) na parte “O colaborador/a cumpre tempos de trabalho de 8 horas diárias em cinco dias por semana, conforme definido pela Ré (…);
q) Para além dos contraindícios que conduzem a uma descaracterização da relação laboral entre o(a) prestador(a) da atividade e a recorrente supra referidos, resulta, igualmente provado que o(a) prestador(a) em apreço desenvolvia a sua atividade estando sujeito(a) à organização e autoridade dos CTT Expresso e não da recorrente;
r) Não estando sujeito(a) à subordinação jurídica da recorrente mas sim daquela entidade.
s) A própria sentença recorrida, no seu ponto 26 dos factos provados, considera que o(a) prestador(a) de atividade, “(…) cumpre as instruções emitidas pelos supervisores dos CTT quanto às concretas funções e modo como devem ser exercidas no armazém onde a atividade é prestada.”
t) O que resultou cabalmente demonstrado dos depoimentos das testemunhas quer da recorrente quer da recorrida, mormente do antigo funcionário dos CTT Expresso e da Sr.ª Inspetora da ACT;
u) Resultando provado que, para além de dois dos indícios tipificados no art.º 12.º do Código do Trabalho como fatos índice de laboralidade não se verificarem relativamente à recorrente mas sim aos CTT Expresso, existia uma manifesta relação de subordinação jurídica do(a) prestador(a) de atividade para com esta entidade;
v) Pelo que, a mera verificação de dois factos índices de laboralidade em relação à recorrente não se poderiam sobrepor a tais elementos caraterizadores de uma relação laboral, os quais assumem incontestável preponderância na caraterização de um contrato de trabalho.
w) Não poderia, assim, o tribunal a quo, contrariamente ao que fez, ter deixado de fazer a justa ponderação dos factos indícios de laboralidade em apreço, afastando a existência de elementos identificadores de contrato de trabalho entre a recorrente e o(a) prestador(a) de atividade em causa.
x) A sentença recorrida sustenta que a verificada fragmentação da posição jurídica do empregador, no caso concreto, não desvirtua o vínculo supostamente existente com a recorrente, porquanto é um traço típico, nomeadamente, de contrato de trabalho temporário;
y) Sendo que, por outro lado, afirma não lhe competir a qualificação do contrato em apreço;
z) O que não deixa de ser contraditório;
aa) Efetivamente, para que a alegada fragmentação da posição jurídica do empregador pudesse operar como defende o Tribunal a quo sempre teria este de aferir se efetivamente existiria um contrato de trabalho temporário válido e eficaz entre a recorrente e os CTT Expresso - o que não fez;
bb) Porquanto a invalidade de tal contrato anularia qualquer transferência de poder de direção da recorrente para os CTT Expresso;
cc) Contrariamente ao disposto pela sentença recorrida (ponto 4. Dos factos não provados), resulta, quer dos documentos juntos pela recorrente aos presentes autos, quer, nomeadamente, das declarações de parte do legal representante da recorrente, que estava, efetivamente, a ser negociado contrato de utilização entre a recorrente e os CTT Expresso.
dd) Pelo que, o facto constante do ponto 4. dos factos não provados (Da contestação), da sentença recorrida deveria ter sido dado como provado.
ee) Não poderia, assim, o tribunal a quo ter deixado de considerar, neste seu juízo, que, in casu, não havia sido celebrado contrato de utilização escrito com a entidade utilizadora- a despeito das inúmeras insistências da recorrente;
ff) O que nos termos do n.º 5 do art.º 177.º do Código do Trabalho que, determinaria, necessariamente, a nulidade do contrato de utilização;
gg) E consequentemente, nos termos do n.º 6 desse mesmo normativo à consideração de que o trabalho era prestado pelo(a) trabalhador(a) ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo. hh)Face a todo o supra exposto deveria a sentença recorrida ter considerado como não verificado o vínculo laboral entre a recorrente e o(a) prestador(a) de atividade em apreço.
ii) Mas outrossim reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre o(a) prestador(a) de atividade e os CTT Expresso.
jj) Ao não ter decidido conforme supra exposto, a sentença ora recorrida violou o disposto no art.º 12.º e art.º 177.º, nos seus números 5 e 6, ambos do Código do Trabalho.
Nestes termos e nos demais de direito deverão V. Exas. Julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença do Tribunal a quo, substituindo-a por outra que:
a) declare não existir contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, desde a data indicada, absolvendo a recorrente do respetivo reconhecimento; b) declare existir contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o(a) prestador(a) de atividade e os CTT Expresso, nos termos do disposto no art.º 177.º, nos seus números 5 e 6 do Código do Trabalho.”
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O Ministério Público contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
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Os Autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre decidir
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto quanto aos factos impugnados;
- se se deve presumir a existência de um vínculo contratual de natureza laboral entre o prestador de actividade AA e a Ré e, em caso afirmativo, se a indicada presunção se mostra ilidida;
- se deverá reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho sem termo entre AA e a CTT-Expresso, S.A.
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III – Fundamentação de Facto
A – Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância (expurgados de referências aos artigos dos articulados e aos meios de prova):
1. Pela Ap. 105/20100727, foi registada na Conservatória do Registo Comercial competente a constituição da sociedade comercial XX E YY, LDA, com o objeto social de transporte de mercadorias e logística.
2. XX & YY, Ld.ª, passou a ter a denominação social de XX & YY -TRABALHO TEMPORÁRIO, Ld.ª, a partir de 7 de Dezembro de 2023 e tem atualmente por objeto social “Cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros, transporte de mercadorias, distribuição e logística”, sendo seus sócios gerentes DD, com o NIF ..., e BB, NIF ..., ambos residentes na Rua 1.
3. XX & YY, Ld.ª desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços a entidades terceiras, tendo celebrado um “Contrato de prestação de Serviços, de Transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e Outsourcing” com CTT Expresso-Serviços Postais e Logística, S.A., para prestação de serviços no “Ponto CTT – MARL” (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa) nos termos que constam do documento nº 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Em serviços de inspeção realizados pela ACT, no dia 10 de Novembro de 2023, entre as 10 horas e as 14:00 horas, no Centro Operacional da CTT Expresso – Serviços Postais e Logística, S.A., designado de “Ponto CTT – MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa)”, sito em Lugar do Quintanilho, 2660-998 São Julião do Tojal, foi verificado que AA, com o NISS ..., NIF316965138, se encontrava ali a prestar a atividade no âmbito da operação logística de armazém.
5. Entre XX & YY, Ld.ª e o(a) referido(a) colaborador(a) foi celebrado, verbalmente, um contrato que denominaram de contrato de prestação de serviços, em 26 de Julho de 2023.
6. O local de trabalho do(a) colaborador(a) situa-se nas instalações que constituem o Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa).
7. Este Centro Operacional funciona em todos os dias da semana, 24 horas por dia, com
interregno entre as 00:00 horas de sábado e as 16 horas de domingo.
8. Existem três turnos de trabalho, sendo que um se inicia de manhã, outro à tarde e outro à noite.
9. O(a) colaborador(a) iniciou funções, tendo passado a emitir recibos.
10. O colaborador da Ré aufere uma remuneração mensal que atinge em média 998 euros mensais, sendo-lhe paga a quantia de 5,00 Euros por hora.
11. Em contrapartida pelas importâncias recebidas, o(a) referido(a) colaborador(a) emitiu recibos eletrónicos, vulgo “recibos verdes”, à razão de 1 recibo por cada mês de trabalho (respeitando cada um ao trabalho do mês anterior), dirigidos à ora Ré.
12. O trabalho executado pelos colaboradores da Ré, incluindo o/a acima identificado/a, abrange as tarefas realizadas no setor da indução (local onde são colocados caixas/pacotes/encomendas num tapete rolante), no setor das “tulhas” (zona onde caem as ditas caixas/pacotes).
13. Todos os colaboradores da Ré, incluindo o acima identificado, são detentores de um cartão de identificação que foi fornecido pela CTT Expresso, onde consta o nome, foto e número de trabalhador, o qual inicia com as letras SC, seguidas de 5 algarismos, tendo o/a colaborador/a o n.º SC27160.
14. No exercício das suas funções, os colaboradores, incluindo o colaborador em causa, utilizam em equipamento eletrónico (“PDA”) do qual não são proprietários e com o qual executam a triagem das encomendas em função do código postal de destino, para efeito de posterior entrega.
15. Os colaboradores da Ré, incluindo o colaborador em questão, envergam um colete de trabalho de cor amarela, fluorescente, distinguindo-se dos trabalhadores próprios da CTT.
16. No exercício das suas funções, o(a) referido(a) colaborador(a) utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade com quem a Ré celebrou contrato de prestação de serviços. i.e., fornecidos pelos CTT-Correios de Portugal, S.A., quer pela Ré.
17. O colaborador vem, portanto, exercendo atividade ao serviço da Ré desde 26 de Julho de 2023.
18. Também exercem atividade no local, executando o mesmo tipo de tarefas, trabalhadores diretamente contratados, com contrato de trabalho, pela CTT.
19. Desde o ano de 2005, exerce funções como trabalhador da Ré CC, exercendo funções como motorista, tendo também a seu cargo as tarefas de recrutar/selecionar trabalhadores.
20. CC é visto como um supervisor desses trabalhadores pelas chefias da CTT Expresso.
21. O/A colaborador/a cumpre tempos de trabalho de 8 horas diárias, em cinco dias por
semana, conforme definido pela Ré, sendo o turno definido com base nas necessidades comunicadas pela CTT Expresso.
22. Por vezes, o(a) colaborador(a) presta ainda a sua atividade aos domingos.
23. Perfazendo uma média de 199 horas por mês.
24. À data da visita inspetiva, o/a colaborador/a praticava o turno das 07h às 15:00h.
25. O/A referido colaborador/a, e os outros colaboradores da Ré, integram um grupo na
aplicação Whatsapp, criado pela Ré, no qual são transmitidas informações pertinentes
para o exercício da atividade pelos colaboradores.
26. Na execução da sua atividade, AA observa as
informações transmitidas pela Ré, nos termos referidos em 25.º, e as instruções emitidas pelos supervisores dos CTT quanto às concretas funções e modo como devem ser exercidas no armazém onde a atividade é prestada.
27. Foi a Ré quem determinou o local onde (a) referido(a) colaborador(a) deveria comparecer a fim de prestar o seu trabalho.
28. Esperando a Ré deste a sua disponibilidade, e não tanto o resultado da atividade
prestada.
29. Em caso de extravio ou furto de objetos, os colaboradores da Ré eram impedidos, pelos supervisores da CTT, de voltar a entrar nas instalações desta e de executar a sua atividade, sendo logo após dispensados pela Ré.
30. A Ré foi notificada pela ACT para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do/a colaborador/a suprarreferida ou pronunciar-se sobre o que entendesse por conveniente.
31. A Ré pediu sucessivas prorrogações de prazos, que lhe foram concedidas, tendo remetido em 23/02/2024 uma exposição à ACT de que resultou, em suma, que: “Antes desta ação inspetiva esta empresa atuava com a convicção de que, face à natureza ocasional e inconstante do serviço prestado e a execução de objetivos concretamente definidos pela CTT Expresso, a relação com os seus colaboradores se inseria no âmbito de uma prestação de serviços. O recurso à contratação temporária de recursos humanos, dentro do regime jurídico que lhe é aplicável, surge, assim, como via para regularização da atividade da empresa e como melhor forma de adequação da sua atividade à legislação laboral aplicável, em respeito pelos direitos dos seus trabalhadores”.
32. Após a realização da suprarreferida inspeção, a Ré alterou o seu objeto social de forma a incluir “cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros”.
33. Na sequência da constatação de tais factos foi levantado o respetivo auto de notícia pela prática de contraordenação, com base na utilização indevida, em relação ao aludido colaborador, do contrato de prestação de serviços.
34. Na data da visita inspetiva o/a trabalhador/a não se encontrava com admissão declarada aos serviços da Segurança Social, ao serviço da Ré.
35. O colaborador suprarreferido presta a sua atividade no CTT Marl por acordo de cedência de trabalhadores celebrado entre a Ré e CTT Expresso, SA a fim de serem executadas tarefas compreendidas na operação logística de armazém, nomeadamente, as tarefas inerentes a carga/descarga, movimentação, tratamento manual/mecanizado e indução em sistema mecanizado de objetos postais e respetivo acondicionamento, bem como, introdução de elementos em sistema informático.
36. Ao colaborador/a cabem tarefas inerentes ao tratamento de objetos postais, bem como, introdução de elementos em sistema informático.
37. A Ré efetua o pagamento da retribuição ao(à) colaborador(a), de acordo com a informação que recebe por parte dos CTT Expresso.
38. A R. requereu junto do IEFP a emissão de alvará de trabalho temporário, o qual foi deferido (Alvará nº 985/24).
39. O PDA pertencia à empresa CTT Expresso, SA.
40. Durante todo o período em que prestou atividade ao abrigo do acordo celebrado com a Ré, (a) referido(a) colaborador(a) não desempenhou qualquer outra atividade profissional.
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B – Matéria de Facto Não Provada
São os seguintes os factos considerados não provados pela 1ª instância:
1. Os horários de trabalho do(a) trabalhador(a), assim como de todos os operadores de
logística de armazém, não são fixos, sendo definidos diariamente pelo CTT Expresso de
acordo com o fluxo de atividade desta empresa.
2. No âmbito da sua atividade, os CTT – Expresso têm necessidade de executar tarefas
precisamente definidas e não duradouras, tais como, tarefas de apoio ao setor de serviços postais e logística, que a obrigam à implementação de planos de gestão transitórios.
3. Não dispondo de meios suficientes no seu quadro, para assegurar o reforço do respetivo serviço e pelo seu carácter irregular e ocasional, recorreu à ora R. para suprir as suas necessidades temporárias, que ali colocou o(a) trabalhador(a) para desempenhar as funções de operador(a) logística de armazém.
4. O contrato de utilização d e t r a b a l h a d o r entre a R. e a CTT Expresso, está em fase de negociações e prestes a ser outorgado.
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IV – Apreciação do Recurso
1.Da Impugnação da Decisão de Facto
A Apelante expressa impugnar os factos 16 e 20 dos provados e 4 dos não provados.
Cumpriu os ónus a que alude o artigo 640º do CPC.
Cumpre decidir
O facto 16 tem a seguinte redacção: No exercício das suas funções, o(a) referido(a) colaborador(a) utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade com quem a Ré celebrou contrato de prestação de serviços. i.e., fornecidos pelos CTT-Correios de Portugal, S.A., quer pela Ré.
É a seguinte a fundamentação do facto pela 1ª instância referente ao facto em causa: “O facto descrito em 16.º (instrumentos de trabalho) encontra-se assente por acordo das partes, sendo certo que a sócia da Ré, BB, confirmou em sede de audiência de julgamento que a Ré adquiriu equipamento a fim de ser disponibilizado aos trabalhadores, apenas sucedendo que, para evitar furtos e extravios, solicitava o pagamento de uma caução que era devolvida no final do contrato.” E, na realidade, tal facto foi alegado no artigo 20º da p.i. e a Ré, no artigo 7º da contestação, declarou expressamente aceitar o facto “por corresponder à verdade”.
Dispõe 574º do CPC1, dedicado à contestação, que “1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior. 3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.”
Arvora-se tal preceito em corolário dos princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e do contraditório, significando que o réu fica constituído no ónus de contestar ou de responder, o mesmo acontecendo com o autor aos articulados do réu. Não o fazendo, existem consequências que derivam do referido princípio da auto-responsabilidade das partes.
Refere Lebre de Freitas2, “Trata-se, portanto de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os art. 352 CC e ss.); de facto, fala-se tradicionalmente, de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária (por todos, mas preferindo a denominação confissão presumida: Antunes Varela, Manual cit, ps. 543-545), seja mediante a pura omissão de contestação, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado (com inobservância do ónus da…)”.
A confissão, porém, como se sabe, “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (artº 352º do C.Civ). É um acto jurídico. Uma declaração de ciência que emana da parte e que lhe é desfavorável. É diferente da simples admissão do facto. Antunes Varela explica que “(…) a parte não confessa, mas apenas admite determinado facto, apenas condescende em aceitá-lo como tal (…) Enquanto, porém, a confissão traduz uma declaração de ciência de sentido positivo (de reconhecimento da realidade do facto), a admissão do facto consiste num acto de vontade, de sentido neutro no plano da realidade ou da verdade do evento. A parte, ao admitir o facto, limita-se a aceitá-lo como provado (independentemente da sua convicção acerca da realidade dele), libertando a parte contrária do ónus de prová-lo ”3
No caso, uma vez que estamos em presença de facto que pode ser provado por qualquer meio de prova é de considerar que a recorrente o confessou nos termos do artigo 352º do Código Civil, mostrando-se plenamente provado, em conformidade com o artigo 358º nº 1, do Código Civil (e não simplesmente admitido por acordo nos termos do artigo 574º nº 2 do Código de Processo Civil).
De acordo com o artigo 663º nº 2 do CPC aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607º nº 5 do mesmo diploma, segundo o qual “[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Assim, uma vez que que o facto em causa se mostra plenamente provado por confissão, não pode ser reapreciado nesta instância.
Quanto ao facto 20 dos provados, entendemos que a referência ao mesmo se trata de lapso e que a Apelante pretende impugnar o facto 21, pois o facto 20. tem a seguinte redacção: “CC é visto como um supervisor desses trabalhadores pelas chefias da CTT Expresso.”E a Ré declara que pretende impugnar o facto “O colaborador/a cumpre tempos de trabalho de 8 horas diárias em cinco dias por semana, conforme definido pela Ré (…), que corresponde ao facto 21, que tem a seguinte redacção: “O/A colaborador/a cumpre tempos de trabalho de 8 horas diárias, em cinco dias por semana, conforme definido pela Ré, sendo o turno definido com base nas necessidades comunicadas pela CTT Expresso.”
É a seguinte a fundamentação da 1ª instância: “Os factos descritos em 21.º a 24.º do elenco de factos provados (com a especificação constante da parte final do art. 20.º e art. 23.º - factos instrumentais apurados no decurso do julgamento da causa e incluídos na matéria de facto provada ao abrigo do disposto no art. 5.º, nº 1, a), do C. de Processo Civil) resultaram provados com base no teor das declarações da testemunha AA, que referiu que, por indicação de CC (que a Ré assume como seu interlocutor), prestava atividade no CTT do Marl de segunda a sexta, oito horas por dia, no turno (horário) por este indicado (07h – 15h); por vezes trabalhava aos domingos;
Ponderou-se ainda o teor do depoimento da testemunha EE, que referiu que o Centro do CTT MARL operava de forma contínua seis dias e meio por semana, 24h por dia (começavam domingo às 16h e só suspendiam sábado às 00h) e que os horários dos trabalhadores eram combinados entre estes e a NPL, mediante nas necessidades comunicadas pela CTT Expresso.
Esta circunstância foi também corroborada pela testemunha CC que confirmou que os colaboradores da Ré eram contratados para exercerem a sua atividade em determinados turnos (com duração de oito horas), mediante a necessidade dos CTT e a disponibilidade do colaborador.
Por último, foi ponderado o teor do documento nº 2 junto com a petição inicial (informação remetida pelos CTT), do qual consta a lista de trabalhadores e numero de horas trabalhadas por mês.”
Como se referiu supra, a Apelante pretende se considere não provado que “O colaborador/a cumpre tempos de trabalho de 8 horas diárias em cinco dias por semana, conforme definido pela Ré”. Fá-lo invocando as declarações do representante legal da Ré, DD, e das testemunhas, BB, CC e EE.
Este Tribunal ouviu toda a prova indicada, e ainda a referida na fundamentação da matéria de facto pela 1ª instância.
Desde logo dizer que da prova produzida não restam duvidas em como era a empresa CTT-Expresso que organizava o trabalho no seu Centro de Operações de MARL .
É o que resulta das declarações de CC, trabalhador da Ré que, entre outras funções, recrutava pessoas para exercerem funções junto dos CTT-Expresso no MARL. Declarou que os CTT-Expresso pediam à Ré pessoas para laborarem em horários específicos, ele arranjava as pessoas através dos seus contactos e as mesmas eram colocadas naquela empresa através da Ré. Quando precisavam de trabalhadores para os sábados ou domingos perguntavam, ou directamente aos colaboradores ou através de um grupo de WhatsApp criado para o efeito, se estavam disponíveis para assegurar essas necessidades. Podia acontecer que, não havendo serviço suficiente num determinado dia para ocupar um trabalhador, o mesmo podia sair mais cedo.
BB, sócia da Ré e sua trabalhadora (Directora de Recursos Humanos), que também já foi gerente da Ré , declarou que, em 2018, a CTT-Expresso pediu-lhes para colocarem recursos humanos no seu armazém, o que a Ré passou a fazer, recrutando e contratando as pessoas que enviava para aquela empresa. Declarou que muitas vezes nem sabiam quem estava a trabalhar no cliente, e apenas sabiam as horas laboradas quando recebiam as folhas com essas horas no fim do mês para procederem ao seu pagamento, pois não tinham forma de saber quantas horas as pessoas trabalhavam, nem sabiam se as folhas que lhes eram apresentadas estavam certas ou não. Em caso de reclamação por parte do trabalhador, a Ré tinha de perguntar à CTT-Expresso .
DD, representante legal da Ré, declarou que não tinham grande conexão com as pessoas que recrutavam para trabalharem nos CTT-Expresso, limitando-se a fornecê-las. Essas pessoas eram livres de trabalharem todos os dias e as horas que entendessem. A Ré nunca lhes fez exigências de horas, nem sabiam que horas aquelas prestavam nos CTT. Apenas sabiam no final do mês quando precisavam de proceder aos pagamentos. Declarou que a Ré tinha um grupo de WhatsApp, onde basicamente eram reencaminhadas mensagens da empresa CTT-Expresso quanto às necessidades que esta empresa tinha de trabalhadores para trabalhar aos fins-de-semana. Assim, para trabalhos aos domingos e feriados, publicavam no grupo de WhatsApp essas necessidades, ou então o supervisor abordava as pessoas para o efeito, e as pessoas interessadas iam trabalhar, mas a Ré nunca lhes deu instruções nesse sentido, assim como acontecia haver pessoas que queriam fazer horas a mais e pediam para trabalhar.
Também não eram informados sobre quem faltava, ou sobre quem era dispensado, o que só sabiam igualmente no fim do mês. Não era do seu conhecimento se as pessoas que recrutavam e colocavam nos CTT-Expresso estavam a fazer um horário fixo.
EE, engenheiro industrial, trabalhou para os CTT-Expresso entre 2022 e Janeiro de 2024, sendo o responsável pela operação logística de distribuição e tratamento no Centro Operacional, no armazém de MARL. Referiu que o Armazém trabalhava entre o domingo às 16 horas e o sábado. Declarou que os CTT-Expresso organizavam os turnos e comunicavam quantas pessoas precisavam em cada horário, mas não determinavam quem iria trabalhar para cada horário. Para domingos e feriados, os CTT ou contactavam com a Ré ou diretamente com os colaboradores. Havia um registo de comparência que depois era comunicado à Ré.
AA declarou que exerceu funções para os CTT-Expresso, armazém de MARL entre Junho de 2023 e Março de 2024. Que quem o recrutou foi o Sr DD, supra identificado, que lhe disse que era para trabalhar entre as 07.00 horas e as 15.00 horas, de segunda a sexta-feira, e que ia trabalhar no armazém, na parte da distribuição. O referido DD deixou-o no armazém no MARL e depois os supervisores dos CTT é que lhe disseram o que fazer concretamente. Disseram-lhe que CC era o responsável pelos trabalhadores da Ré, e foi ele quem lhe pagou nos primeiros meses. Se havia um problema com os pagamentos era com ele que falavam.
Analisada a prova produzida não restam dúvidas em como a questão do horário de trabalho tem de ser analisada à luz do interesse organizativo dos CTT-Expresso, empresa que estipulava os turnos de que necessitava para a prossecução da sua actividade no armazém em causa nestes autos. No entanto, o que resulta da prova é que quem destinava os trabalhadores que recrutava para horários específicos era a Ré. Não mereceram credibilidade a este tribunal os depoimentos do legal representante da Ré, DD e da testemunha BB, sócia da Ré, quando afirmam que a Ré desconhece os horários de cada trabalhador, e até quais as horas que as pessoas que recrutam e colocam nos CTT-Expresso laboram nesta empresa. Na verdade, não é verosímil que a Ré, cujo objectivo é o lucro – veja-se, aliás, o depoimento de DD que declarou que a proposta de negócio dos CTT-Expresso foi vista como uma oportunidade para aumentarem o lucro da empresa – não se interesse pelos custos das pessoas que coloca noutra empresa, mormente se desinteresse do número de horas que laboram e que terá de pagar. Acresce que estas declarações colidem com as declarações de EE e de AA, que afirmaram que era a Ré quem decidia quem era afecto a determinado horário. Também CC afirmou que os CTT-Expresso lhe pedia pessoas para determinados turnos e ele, através da Ré, encaminhava as pessoas que recrutava para os horários em causa. Este trabalhador tinha como função o recrutamento de trabalhadores para a Recorrente pelo que as suas indicações não podem deixar de a vincular. Cumpre também não esquecer a existência de um grupo de whatsapp, por todos referido, que se destinava a alocar os trabalhadores às necessidades de trabalho dos CTT-Expresso.
Em face do exposto, e considerando, não só a inverosimilhança dos depoimentos do legal representante da Ré e da sua sócia, BB, que, ademais, têm uma relação de grande proximidade com a Ré e um interesse manifesto no desfecho da acção, mas também a contradição das suas declarações com as das referidas testemunhas, cujos depoimentos mereceram credibilidade ao tribunal, por serem ajustados à normalidade da vida e por não terem interesse na causa, caso das testemunhas EE e CC, sendo que a testemunha AA prestou um depoimento espontâneo e sincero, cumpre concluir que nenhuma censura merece a resposta à matéria de facto em causa pela 1ª instância, pois a prova produzida não impõe decisão diferente.
Finalmente, a Apelante pretende se considere provado o facto 4 dos não provados, a saber que “O contrato de utilização d e t r a b a l h a d o r entre a R. e a CTT Expresso, está em fase de negociações e prestes a ser outorgado.”
Em causa nos presentes autos está saber se entre a Ré e AA vigora ou não um contrato de trabalho, pelo que não se alcança a relevância do facto em causa para a decisão do mérito da causa.
O artigo 130º do CPC, proíbe a realização no processo de actos inúteis, pelo que não é possível a este Tribunal reapreciar a matéria de facto em causa, ainda que se venha a entender ter sido incorrectamente julgada pela 1ª instancia, porquanto a mesma não releva para a decisão jurídica da causa.
E assim sendo, não se conhecerá do recurso, nesta parte.
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2. Da qualificação do contrato entre AA e a Ré
A questão a decidir é da qualificação do vínculo jurídico estabelecido entre AA e a Ré, XX & YY, Ld.ª, cumprindo aquilatar se o mesmo reveste as necessárias características de laboralidade para ser definido como um contrato de trabalho à luz do CT.
Nos termos da lei, o contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” (sic art. 11º do CT e art.1152º do C.Civil).
Estaremos perante um contrato de trabalho se:
- quanto ao objecto: uma das partes se obrigar a prestar a sua actividade à outra;
- relativamente à retribuição: se existir retribuição;
- relativamente à forma de prestação do trabalho: se existir um vínculo de subordinação jurídica.
A demonstração da subordinação jurídica pode ser feita através da prova directa de factos que a atestem, a saber, da existência de ordens, directivas e instruções, ou, dado que a prova directa não é fácil, é, quase sempre, através de prova indirecta ou indiciária, que se apura a existência do vínculo. Trata-se nestes casos, que são a maioria, de recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios, sendo que nenhum deles é absolutamente decisivo, revestindo-se, de per se, de patente relatividade dado que cada um pode assumir um valor significante, diverso de caso para caso, para além de que alguns dos indícios aparecem tanto em contratos de trabalho como em contratos em que o pendor é a autonomia da prestação, exigindo-se sempre um juízo global de valoração relativamente ao tipo de contrato enunciado.
Muitas vezes, só mesmo a execução efectiva do contrato permite determinar a vontade das partes que o celebraram, prevalecendo a qualificação jurídica dos factos efectivamente acontecidos.
Tendo presentes as regras de repartição do ónus da prova, é ao trabalhador, ou, no caso, ao Ministério Público, que compete alegar e provar a existência do contrato de trabalho, caso assente nesse pressuposto a sua pretensão, como acontece no caso sub judice (cfr. art. 342º nº1 do C.Civil).
A lei, ante a extrema variabilidade das situações da vida, e reconhecendo a manifesta dificuldade em surpreender em muitos casos os elementos que permitam a subsunção jurídica a uma realidade laboral, criou uma presunção de laboralidade a partir de indícios reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como integrando essa realidade.
Assim, o CT/2009 estabelece uma presunção de laboralidade, a saber, “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350º do Código Civil).
A Apelante pugna pela não verificação em relação a si dos dois indicies de laboralidade enunciados na sentença recorrida, a saber a propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho e a observância de horário de trabalho.
Essa pretensão dependia da procedência do recurso da matéria de facto que incidiu sobre os factos 16 e 21 dos provados, recurso no qual, no entanto, a Apelante decaiu.
A 1ª instância considerou verificados os factos índice a que aludem as alíneas a) a d) do referido artigo 12º do CT, e considerou ainda que a Ré não logrou ilidir tal presunção.
Em sede recursiva, a Apelante apenas impugna a existência dos factos índice da presunção a que se referem as alíneas b) e c) do artigo 12º, e não também os previstos nas alíneas a) e d), os quais, só por si, e não sendo ilidida a presunção, são suficientes para concluir pela laboralidade do contrato. Seja como for, e como referimos, estão também presentes os factos índice a que aludem as impugnadas alíneas b) e c).
Quanto aos instrumentos de trabalho, defende a Apelante que a sentença não poderia ter “deixado de considerar que todos os equipamentos e instrumentos de trabalho fundamentais para o desempenho da atividade não pertenciam à recorrente mas sim aos CTT Expresso”. No entanto, a lei não distingue nem hierarquiza os instrumentos de trabalho por importância, bastando que a Ré forneça instrumentos de trabalho, como acontece no presente caso, em que resulta provado que os mesmos eram fornecidos quer pela Ré, quer pelos CTT-Expresso. De atentar também, com interesse para o preenchimento do facto presuntivo, que, quer a Apelante quer a CTT-Expresso eram beneficiárias da actividade de AA. A primeira por força do contrato de prestação de serviços que tem com a segunda, e para cuja execução contava com a prestação do referido AA (factos 3 e 35 dos factos provados), e os CTT-Expresso para cujo negócio contam também com a actividade prestada pelo colaborador em causa, recrutado pela Ré (factos 17 e 35 dos provados.).
Quanto aos tempos de trabalho, não restam dúvidas em como são os CTT-Expresso que organizam e gerem o negócio que desenvolvem, e nesse conspecto é esta empresa que, de acordo com as suas necessidades, determina os turnos que lhe convém (factos 7, 8 dos provados), mas foi a Ré quem destinou o horário de trabalho do ora indigitado trabalhador (facto 21). E, como se afirma na sentença recorrida, “A circunstância de a definição dos horários se efetuar em conformidade com necessidades sugeridas pelos CTT não retira valor ao facto índice apurado, resultando da própria natureza das coisas que assim seja, pois os trabalhadores são colocados nas instalações de um cliente da Ré e inseridos na sua organização, a qual está totalmente a cargo dos supervisores desta empresa e respetiva chefia, não tendo a Ré qualquer interferência a este nível. O que releva para este efeito é que os tempos de trabalho (horas de início e fim) eram definidos/impostos pela Ré (ou pelo cliente desta, com o seu consentimento, ainda que tácito), sem que o(a) colaborador(a) tivesse autonomia para executar a atividade num horário por si exclusivamente definido.”
Ou seja, não há dúvidas acerca do preenchimento destes índices de laboralidade.
A Ré, como referimos, não põe em causa os demais factos índices descritos nas alíneas a) e d) do artigo 12º do CT, que efectivamente estão preenchidos (vejam-se factos 6 e 10).
Do exposto resulta que operou a presunção de laboralidade a que se refere o artigo 12º do CT, que exige que apenas “algumas” das referidas características, a saber, índices de laboralidade estejam preenchidos, ou seja, basta o preenchimento de dois desses índices.
Defende a Apelante que, ainda a considerar-se a existência da presunção, a mesma está ilidida porquanto “Para além dos contraindícios que conduzem a uma descaracterização da relação laboral entre o(a) prestador(a) da atividade e a recorrente supra referidos, resulta, igualmente provado que o(a) prestador(a) em apreço desenvolvia a sua atividade estando sujeito(a) à organização e autoridade dos CTT Expresso e não da recorrente; Não estando sujeito(a) à subordinação jurídica da recorrente mas sim daquela entidade. A própria sentença recorrida, no seu ponto 26 dos factos provados, considera que o(a) prestador(a) de atividade, “(…) cumpre as instruções emitidas pelos supervisores dos CTT quanto às concretas funções e modo como devem ser exercidas no armazém onde a atividade é prestada.” Argumenta ainda que “a propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho fundamentais para que o prestador desempenhe a sua atividade é dos CTT Expresso, sendo, igualmente, esta entidade a determinar as horas de início e de termo da prestação.”
Quanto aos instrumentos de trabalho, já nos pronunciamos sobre a questão, nada mais havendo a referir acerca da mesma.
Quanto à inserção na organização dos CTT-Expresso, é certo que AA observa as instruções emitidas pelos supervisores dos CTT-Expresso quanto às concretas funções e modo como devem ser exercidas no armazém onde a actividade é prestada (facto 26), no entanto, o mesmo insere-se num contexto onde pauta o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e os CTT-Expresso, de acordo com o qual aquela coloca trabalhadores naquela outra empresa que necessita desses trabalhadores para a prossecução das funções inerentes à operação logística de armazém a que alude o ponto 4 dos factos provados (vide ainda pontos 2 e 3 e 35 dos factos provados). É no âmbito desta relação triangular que se explica que o trabalhador exerça funções para uma entidade que não o contratou e que é quem efectivamente destina as funções a exercer e orienta o trabalhador, na prossecução dos fins que preconiza, e que não coincidam na mesma relação bidirecional o poder de subordinação jurídica em espelho com a prestação da actividade. No entanto, não restam dúvidas em como o vínculo de subordinação jurídica é ainda a Apelante que o exerce: foi a Ré quem determinou, ao abrigo do contrato de cedência, que AA prestasse serviço no armazém da Ré no MARL (ponto 27 dos factos provados), é a Ré quem paga a retribuição ao colaborador (ponto 10 dos factos provados), este vem “exercendo actividade ao serviço da Ré” (facto 17), o mesmo observa as instruções transmitidas pela Ré, nomeadamente através do grupo de whatsapp que esta criou, e que se destina a transmitir informações pertinentes para o exercício da actividade pelos colaboradores (pontos 25 e 26 dos factos provados), a Ré espera do colaborador a sua disponibilidade para exercer funções nos CTT-Expresso (ponto 28 dos factos provados), no caso de extravio ou furto de objectos, é a Ré quem dispensa os colaboradores . Portanto, no contexto desta relação contratual triangular, não se mostra ilidida a presunção de laboralidade a que alude o artigo 12º do CT, donde dever-se concluir pela existência entre AA e a Ré de um cotrato de trabalho desde 26 de Julho de 2023.
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3. Da existência de um contrato de trabalho sem termo entre AA e a CTT-Expresso, S.A.
Pretende a Apelante se considere que entre AA e os CTT-Expresso existe um contrato de trabalho. Esta questão não foi invocada nos articulados, e, portanto, trata-se de uma questão nova.
O tribunal de recurso apenas pode substituir-se ao tribunal recorrido nos casos expressamente previstos. É o que resulta do disposto nos art. 608º nº 2, in fine, e 665º nº 2, ambos do CPC, e constitui doutrina e jurisprudência dominantes.
De facto, como afirma António Abrantes Geraldes, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha todos os elementos imprescindíveis».4 Também a jurisprudência vem decidindo nesse sentido. Assim, entre outros, vide Acórdão do STJ de 21-03-20125, nos termos do qual “a função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. E o Acórdão desta Relação de 11-09-20126, “III - Os recursos destinam-se a permitir a reapreciação de decisões tomadas com base no acervo dos factos alegados pelas partes e não a alegar factos novos nem a suscitar questões novas. IV - As questões não colocadas pelas partes em momento processualmente adequado só podem ser apreciadas em fase de recurso na exacta medida em que delas o Tribunal possa ainda conhecer oficiosamente.”(sic)
Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não se conhece da questão trazida à apreciação deste tribunal, mantendo-se a decisão recorrida.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto por XX & YY, Ld.ª, mantendo integralmente a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Francisca Mendes
Alves Duarte
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1. Os citados preceitos do CPC são aplicáveis ao caso ex vi do artigo 87º nº 1 do CPT.
2. Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2001, pág. 266-267, a propósito dos efeitos da revelia, outro efeito da ficta confessio.
3. Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 538.
4. Cfr Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição, pág. 94 e Recursos no Processo do Trabalho – Novo Regime, 2010, pág. 65.
5. Proc 130/10.0JAFAR.F1.S1, 3º Secção, disponível in www.dgsi.pt.
6. Proc 4336/07.1TVLSB.L2-1, disponível in www.dgsi.pt.