RECONVENÇÃO
INCUMPRIMENTO DOS DEVERES PELO TRABALHADOR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
FACTO JURÍDICO
CONEXÃO POR COMPLEMENTARIDADE
Sumário

I. Em processo do trabalho, a reconvenção é admissível quando (i) o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, (ii) o pedido do réu está relacionado com a ação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência ou (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
II. Ao invés da relação de dependência, na relação de complementaridade o pedido reconvencional subsiste desligado do pedido principal, mas, por com ele estar interligado, é convertido, por vontade da(s) parte(s), em complemento deste.
III. A existência de um contrato de trabalho e o incumprimento do dever de prestar a atividade, como e para o qual o trabalhador foi contratado, enquadra-se na responsabilidade contatual, e não satisfaz, só por si, as exigências de conexão relevante.
IV. Inexiste tal conexão se, por um lado, os pedidos indemnizatórios formulados pelo autor têm por base a resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho, fundada em assédio, danos não patrimoniais, falta de pagamento de créditos [férias, trabalho suplementar, diferenças na retribuição-base] e indemnização pela resolução, e, do outro, o pedido reconvencional se alicerça no cumprimento defeituoso da prestação laboral por parte do autor [trabalhador].

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. AA intentou contra In pressionante, Lda. ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe «a quantia de € 84 093,03 (oitenta e quatro mil, noventa e três euros e três cêntimos), sendo € 34 094,03 (trinta e quatro mil e noventa e quatro euros), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, e a quantia de 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida
de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos».
Fundamentou a sua pretensão na alegação de que:
1.1. Manteve com a ré um contrato de trabalho, mediante salário inicial de € 750, ulteriormente alterado para € 1000, por cuja falta de pagamento procedeu à resolução do seu contrato de trabalho, a qual se tornou -eficaz a 07-02-2024.
1.2 Sofreu assédio na execução das suas funções, por factos que na sua invocação se iniciaram «no dia 26 de Dezembro de 2022, primeiro dia de férias da A. agendadas com a entidade patronal, a A. recebeu uma chamada telefónica, pelas 19:59 horas, por parte da Sra. BB a perguntar-lhe “porque não se encontrava a A. na empresa a terminar os trabalhos pendentes”, e, perante a resposta da A., de que se encontrava no primeiro dia de férias e que às 20 horas da noite de uma segunda-feira, “sozinha em casa com as suas duas filhas, não poderia de maneira nenhuma dirigir-se à empresa”, foi ameaçada aos gritos que “estava despedida se não voltasse imediatamente para a empresa» (7.º da petição inicial).
1.3 Sendo-lhe pedido que comunicasse a sua rescisão o que não fez, no dia 2 de Janeiro de 2023, a A. retornou à empresa, findo o seu período de férias e retornou ao seu trabalho. Desde esse dia, sofreu uma constante pressão por parte da representante da sua entidade patronal, que começou a contabilizar e a controlar todos os seus movimentos dentro da empresa, criando um ambiente fortemente intimidativo, hostil e humilhante para a A., Cfr. Doc. n.º 3 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais».
Documento que juntou com o seguinte teor:
(IMAGEM ELIMINADA)
1.4 Fazia mensalmente mais de cinquenta horas de trabalho extraordinário/suplementares, nunca pagas pela entidade patronal, facilmente demonstrável pelo facto de uma das chefias da A. se entender no direito de a contactar às 20 horas da noite, no primeiro dia das suas férias, a ordenar que esta regressasse imediatamente à empresa sob pena de ser despedida.
1.5 Não lhe foi paga integralmente a retribuição e o ambiente hostil a que foi sujeita fundamentaram que procedesse à resolução do contrato de trabalho.
1.6 A R. enviou-lhe uma carta, que se junta e dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como Documento n.º 14, alegando inexistência de qualquer justa causa e considerando que a A. denunciou o seu contrato de trabalho não cumprindo aviso prévio a que estaria obrigada, retirando assim uma “compensação do montante em dívida” ao recibo final de vencimento que lhe enviaram» (25.º da petição inicial).
Documento, n.º 14, que juntou e com, para o que agora importa, o seguinte teor:
(IMAGEM ELIMINADA)
1.7 A ré lesou a sua dignidade e a reputação da A., bem como a sua vida pessoal e profissional, com graves consequência para a sua saúde.
2. Realizada audiência de partes, a ré apresentou contestação e formulou reconvenção. No que a esta importa, alegou que a autora, no exercício das suas funções, deveria ter levado a cabo um projecto que a ré desenvolveria para um cliente (132.º), de que a autora era a única interlocutora, o que não fez, incumprindo o respetivo prazo de entrega sem referência à chefia direta (138.º). Pede de € 100 000,00 a título de indemnização por prejuízos e lucros cessantes.
3.Em resposta a autora pede se julgue improcedente a reconvenção pois o não cumprimento do projeto deve-se à circunstância de a autora «se encontrar completamente sobrecarregada com trabalho e limitou-se a seguir as ordens da Ré no sentido de dar preferência a uns trabalhos sobre os outros».
4. Em despacho saneador não foi admitida a reconvenção, com os seguintes fundamentos:
« (…)Tal como é consabido, a reconvenção consiste num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, pelo que constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor.
Sendo uma verdadeira acção instaurada num outro processo não pode ser admitida independentemente de qualquer conexão com a acção inicial.
Dispõe o artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho que:
“(…) a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e nos casos referidos na alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal. 2 - Não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.”
Por sua vez, dispõe a alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, ou seja, “Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;”.
No caso concreto, a A. vem peticionar o pagamento de créditos laborais devidos pela execução e cessação do contrato de trabalho celebrado com a R.
A causa de pedir assim delimitada pela A. assenta, assim, na existência de créditos laborais não pagos pela R.
A R., por sua vez, vem deduzir pedido reconvencional, pedindo a condenação da A. A pagar a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização prejuízos e lucros cessantes em consequência da conduta omissiva da A.
Para tanto, a R. alega que a A., durante a execução do contrato de trabalho, omitiu o exercício das suas funções, o que lhe causou os danos que invoca.
Daqui decorre necessariamente que o pedido reconvencional, e respectiva causa de pedir, não está assente ou decorre da relação de trabalho tal como configurada pela A. na petição inicial.
Na verdade, e pese embora entre as partes existisse um contrato de trabalho e a alegada actuação da A. pudesse, eventualmente, constituir violação de algum dos seus deveres laborais, designadamente dos deveres de lealdade, honestidade, respeito, zelo e diligência – essa violação não é, no entanto, o fundamento ou pressuposto do arrogado direito da Ré à peticionada indemnização, direito este que, a existir, radicaria na responsabilidade civil por facto ilícito (artigo 483.º do Código Civil).
A questão objecto do pedido reconvencional não emerge, assim, do facto jurídico que serve de fundamento à acção (este consubstanciado na cessação do contrato de trabalho e na existência de créditos laborais vencidos e não pagos) e nem se enquadra na previsão da alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. Saliente-se que esta alínea opera como que uma extensão da competência material do tribunal do trabalho, atribuindo-lhe, por força dos pressupostos nela previstos, competência para o conhecimento de determinadas questões para as quais poderia ele carecer de tal competência.
Necessário é, contudo, que se verifiquem os requisitos nela previstos, a saber, que entre a acção e a reconvenção exista uma relação de conexão, i.e. quando o pedido reconvencional esteja relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Ora, no caso, não existe, entre os pedidos formulados na acção e na reconvenção, e respectivas causas de pedir, qualquer relação de conexão, não sendo o pedido reconvencional acessório, complementar ou dependente de qualquer um dos pedidos formulados pelo A., relação essa para a qual não basta, como é bom de ver, a mera existência de um contrato de trabalho entre as partes.
A causa subordinada - a da reconvenção - não é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; que o pedido reconvencional complete o pedido formulado na acção (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência); ambas são independentes e um pedido não depende do outro (em sentido idêntico, vide o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 1056/15.7T8CLD-A.C1, em 12.05.2016, disponível em www.dgsi.pt).
Neste contexto, considera-se que o não preenchimento de nenhum dos pressupostos previstos no artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho necessariamente conduz à inadmissibilidade do pedido reconvencional deduzido nos autos.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos citados preceitos legais, o Tribunal julga o pedido reconvencional formulado pela R. legalmente inadmissível por não apresentar a conexão material e formal exigidas pelo artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho».
5. A ré veio interpor recurso do despacho saneador, na parte que não admitiu a reconvenção. Alegou, em conclusão, que,
«A) O presente recurso tem por objecto o douto despacho saneador proferido no dia 27.01.2025, referência Citius 155481829, o qual, em suma, julgou legalmente inadmissível a reconvenção apresentada pela ora Recorrente;
B) No entender do Tribunal a quo, o pedido reconvencional formulado pela Recorrente não apresenta a conexão material e formal exigidas pelo artigo 30.º do CPT;
C)Decisão com a qual a Recorrente, salvo o devido respeito e vénia, não concorda nem se conforma;
D)Desde logo, porque na petição inicial a Recorrida invoca a violação pela Recorrente de obrigações laborais, que culminaram na cessação do contrato de trabalho (com justa causa), com a consequente reclamação pela Recorrida de créditos laborais, bem como do direito a indemnização por danos não patrimoniais;
E) E porque em sede de contestação e de reconvenção, a Recorrente também invoca a violação pela Recorrida de obrigações laborais resultantes do contrato de trabalho (sem justa causa e sem o pré-aviso legalmente exigido), com a consequente atribuição à Recorrente de créditos laborais, bem como do direito a indemnização por danos patrimoniais (lucros cessantes) e não patrimoniais;
F) Portanto, quer na petição inicial quer no pedido reconvencional está em causa o mesmo contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida e a apreciação do putativo incumprimento deste por cada uma das partes, que culminou na respectiva cessação e potencial atribuição de créditos laborais e direitos indemnizatórios.
G) O que significa que a reconvenção tem por base a causa de pedir subjacente aos autos e emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à acção (artigos 7.º a 12.º, 15.º a 17.º, 22.º a 25.º, 27.º e 56.º a 60.º da PI) e à defesa (artigos 27.º a 69.º e 103.º a 125.º da contestação).
H) Por conseguinte, verifica-se que “o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção”, estando assim preenchido o requisito previsto no artigo 30.º, n.º 1 do CPT para que fosse admissível a reconvenção.
I)Sem prejuízo, mesmo que venha este douto Tribunal a entender de forma diversa, o que por mero dever de patrocínio se equaciona e admite, estariam ainda assim preenchidos os requisitos previstos no artigo 30.º, n.º 1 do CPT para a formulação do pedido reconvencional.
J) É que por força da remissão operada por aquela norma para o disposto na alínea o), do n.º 1, do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a reconvenção pode ainda ser deduzida relativamente às questões que tenham com a acção uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
K)Ora, ainda que se entenda que o pedido formulado na reconvenção não resulta do mesmo facto que deu origem à acção, verificar-se-á sempre uma relação de complementaridade entre a acção e o pedido reconvencional, uma vez que este se encontra intrínseca e funcionalmente relacionado com a relação jurídica subjacente à acção, ampliando-a e completando-a quanto ao seu objecto ou causa de pedir.
L)Com efeito, o pedido reconvencional incide sobre factos e questões jurídicas conexas e interligadas com os temas centrais da acção, embora sob a perspectiva inversa de tutela da posição da Recorrente: visa-se exercer o direito indemnizatório desta por danos patrimoniais e não patrimoniais provocados pela Recorrida em resultado da violação de obrigações que decorrem do contrato de trabalho, mormente de prestação da actividade, bem como de zelo, lealdade, honestidade, respeito e diligência.
M)Entendimento diverso implicaria esvaziar a reconvenção do seu propósito de apreciar num único processo questões conexas, que resultam dos mesmos factos ou relações jurídicas, e de evitar litígios futuros e possíveis entendimentos contraditórios.
N) Pelo que também pela via da complementaridade estariam preenchidos os pressupostos da admissibilidade da reconvenção, previstos no artigo 30.º, n.º 1 do CPT.
O) Impondo-se, por conseguinte, a revogação do douto despacho recorrido».
5. O Ministério Público proferiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
6. Ao parecer do Ministério Público responderam recorrida e recorrente manifestando, a primeira, a sua inteira concordância com o teor do mesmo e a segunda, a sua discordância por se verificar que «o pedido reconvencional se fundamenta, também ele, no contrato de trabalho celebrado entre as partes e no incumprimento dos deveres dele decorrentes, que resultaram na cessação da relação laboral e na existência de créditos e de indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais. Portanto, a reconvenção tem por base a causa de pedir subjacente aos autos e emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à acção (artigos 7.º a 12.º, 15.º a 17.º, 22.ºa 25.º, 27.º e 56.º a 60.º da PI) e à defesa (artigos 27.º a 69.º e 103.º a 125.º da contestação), nos termos do artigo 30.º do CPT. Ainda que assim não fosse, sempre o pedido reconvencional resultaria de uma complementaridade ou ampliação dos efeitos da defesa contra a pretensão da Recorrida e, consequentemente, os efeitos da decisão judicial sobre a matéria em litígio, resultando assim demonstrado o nexo de complementaridade.
Conclusão diferente implica negar o propósito do instituto da reconvenção: apreciar num único processo questões conexas entre as partes, que resultam dos mesmos factos ou relações jurídicas, evitando-se litígios futuros e possíveis entendimentos contraditórios.
Em face do exposto, resulta manifesta a existência de um nexo de conexão substantiva “nos casos referidos na alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto”, isto é, quanto às questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Conclui, como na interposição de recurso, pela revogação da decisão recorrida e admissão do pedido reconvencional».
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Objeto do recurso: a (in)admissibilidade da reconvenção.
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II. Fundamentação
Considerando o que consta em 1. a 3., porquanto a questão é de direito, importa decidir se a reconvenção é admissível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 30.º do Código de Processo do Trabalho1 e da alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
Nos termos do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho qual, e para o que ora importa, “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal”, não o sendo “quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor. (n.º 2)”.
Já nos termos da alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, os juízos do trabalho são cometentes, em matéria cível, para as “questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior [acessoriedade, complementaridade ou dependência], salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão” (negrito e ressalva nossos)2.
Pode assim concluir-se que a reconvenção em processo do trabalho é admissível quando, sendo o valor da causa superior à alçada do tribunal [artigo 44.º da LOSJ], sejam compatíveis na sua forma os pedidos formulados [por via de ação e por via de reconvenção]) e, ainda, quando (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
Invoca a recorrente que a responsabilidade da autora invocada na reconvenção, tal como a da ré, invocada na petição inicial, radica na responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato de trabalho, ao invés do que se entendeu na decisão recorrida, e que tanto basta para ser de admitir a reconvenção.
Resulta incontestado por ambas as partes que o pedido da ré radica na responsabilidade adveniente da execução, defeituosa, ou inexecução, dos deveres resultantes do contrato de trabalho como resulta expresso nos articulados das partes [e supra se consignou em 2. e 3.].
A prestação da atividade, “que se concretiza, pois, em fazer algo”, constitui o primeiro elemento/traço característico da existência de uma relação de trabalho3. O pedido da ré enquadra-se, por conseguinte, na responsabilidade contratual4.
Deixando pacífico tratar-se de responsabilidade contratual, também no que à admissibilidade da reconvenção importa, fora os casos em que é dispensada5, a conexão relevante é a objetiva [não a relativa aos sujeitos], reconduzindo-se ao pedido e causa de pedir, como invocados pelo autor, e não se satisfaz com a mera existência de um contrato de trabalho entre este o réu: excluindo os casos de compensação, a mesma radica no facto jurídico que serve de fundamento à ação, e não da defesa6.
Sendo os factos jurídicos factos materiais vistos à luz das normas e critérios de direito, os pedidos e a causa de pedir da autora na petição [1.1 a 1.7, supra] não contém factos jurídicos relativos ao incumprimento do dever de prestar o trabalho por parte da autora, desenvolvendo o projeto para o cliente da ré e os respetivos prazos, que servem de causa de pedir da pretendida reconvenção.
Nem tal se extrai referido em 1.3., supra, que apenas corporiza factualmente o documento, nada se substanciando no articulado [petição inicial] quanto ao teor dele constante, como já firmado pela jurisprudência do nosso Supremo Tribunal7.
Inexiste assim a pretendida conexão, por complementaridade, invocada pela recorrente8, podendo a fundamentação supra exposta confirmar-se com a, em sentido idêntico, expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2006, processo 06S1822 [também ele disponível in www.igjej.pt].
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III. Decisão
Por tudo quanto se deixou exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
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Custas a cargo da recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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Lisboa, 5 de novembro de 2025
Cristina Martins da Cruz
Celina Nóbrega
Alves Duarte
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1. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de novembro, e sucessivas alterações (a última pelo Decreto-Lei n.º 87/2024, de 07-11).
2. Negritos e ressalva nossos.
3. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina (2023), 22.ª edição, pp. 128-129.
4. A responsabilidade extracontratual é consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado e a contratual, a pressupor uma relação intersubjetiva, surge da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato - Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4.ª edição, pp. 267-270.
5. Compensação, que aqui não se discute.
6. Restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral com a finalidade de “evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção” (Alberto Leite Ferreira, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª ed., pp. 165-172.
7. Acórdão de 17-06-2009, proc. n.º 3967/08, disponível in www.igfej.pt.[ «2. Admite-se, porém, que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, desde que essa remissão dose destine a completar a exposição já feita na petição. 3. A resposta à nota de culpa não pode ser considerada parte integrante da petição inicial, apesar de, neste articulado, o autor a ter dado como reproduzida e integrada, se as questões nela suscitadas (prescrição das infracções disciplinares e caducidade do procedimento disciplinar) não tiverem sido invocadas na petição inicial.»].
8. Segundo Leite Ferreira (ob. cit.), a conexão pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementariedade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementariedade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.