FALTA DE APRESENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
Sumário

1- A declaração de ilicitude do despedimento nos termos do artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, por falta de apresentação do procedimento disciplinar, não exige a verificação e apreciação dos fundamentos do despedimento, nos termos do artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho.
2- É desproporcional e desadequado considerar que a falta de junção do relatório do inquérito prévio é igual à falta de apresentação do procedimento disciplinar com as consequências previstas no artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA, identificada nos autos, apresentou o formulário a que aludem os artigos 98.º- C e 98.º- D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe moveu Caixa Banco de Investimento – S.A. e requereu a declaração de ilicitude ou irregularidade do despedimento com as legais consequências.
Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a conciliação.
Notificada, a Ré apresentou articulado de motivação do despedimento alegando a regularidade do procedimento disciplinar, reafirmando os factos da nota de culpa e concluindo que a Autora, ao mentir, imputando ao Presidente do Conselho de Administração da Ré afirmações particularmente graves, no contexto em que se inserem, e ao alegar factos demonstrativamente falsos na sua defesa, violou os deveres laborais de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos com urbanidade e probidade (art. 128.º n.º 1, a), do CT) e de guardar lealdade ao empregador ( art. 128.º n.º 1, f), do CT), comportamento que, atenta a sua gravidade, tornou irremediável a continuação da relação laboral e constitui justa causa de despedimento.
A Autora contestou por excepção invocando i) a incompletude do processo disciplinar por do mesmo não constar o relatório do inquérito prévio que assume capital importância por ter sido com base nele que a Comissão Executiva da Ré deliberou a instauração do procedimento disciplinar e é parte integrante do mesmo, o que implica a aplicação do efeito cominatório previsto no artigo 98.º - J n.º 3 do CPT e consequente declaração imediata da ilicitude do despedimento, sendo que a sua junção já não é possível e compromete as exigências de sequencialização e cronologia do processo; ii) que a ausência do relatório do inquérito prévio consubstancia uma compressão juridicamente intolerável do direito de defesa da Autora, violando tal direito; iii) a aplicação de sanção abusiva por se tratar de atitude retaliatória em virtude da acção que a Autora intentou contra o Réu e por a Autora ter ousado alegar ter sido vítima de assédio.; e iv) a ilicitude da ordem de devolução dos instrumentos de trabalho o que indicia que a Autora foi sumariamente despedida em 08.03.2024.
Mais manteve a Autora todos os factos que imputou ao Presidente do Conselho de Administração da Ré e alegou que, ainda que tivesse praticado os factos que lhe são imputados, a sanção aplicada sempre seria desadequada, desproporcional e, assim, excessiva, na medida em que tais factos não consubstanciam justa causa de despedimento. Ainda deduziu reconvenção peticionando créditos a título de bónus de desempenho, indemnização por violação do dever de ocupação efectiva e indemnização por danos não patrimoniais e pela aplicação de sanção abusiva.
Pediu, a final, que seja admitida a junção da presente contestação e a mesma seja considerada procedente e assim:
a) Sejam as invocadas excepções julgadas procedentes, por provadas, com a consequente declaração:
i. Da incompletude do procedimento disciplinar junto aos autos da presente acção judicial e consequente ilicitude da decisão de despedimento, nos termos do disposto na alínea a) do número 4 do artigo 98.º-J e n.º 3 do artigo 98.º-I do Código do Trabalho;
ii. Da invalidade do procedimento disciplinar e consequente ilicitude da decisão de despedimento, por violação do disposto no número 1 e na alínea c) do n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho;
b) Seja a sanção de despedimento declarada abusiva, nos termos do disposto nas alíneas a), d) e e) do número 1 e do número 2 do artigo 331.º do Código do Trabalho, com todas as consequências legais aplicáveis;
c) Seja declarada a ilicitude da decisão de despedimento da Autora, por inexistência de justa causa, devendo a Autora ser reintegrada, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional e a Ré condenada ao pagamento dos salários intercalares, nos termos do disposto no artigo 390.º do Código do Trabalho, acrescidos de juros moratórios até efectivo e integral pagamento;
d) Seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido pela Autora, condenando a Ré no pagamento de:
i. Créditos laborais no valor de €10.000,00 (dez mil euros), a título do bónus anual devido pelo trabalho prestado no ano de 2023, acrescido de juros moratórios até efectivo e integral pagamento;
ii. Indemnização por violação do direito da Autora a uma ocupação efectiva, em montante não inferior a €10.000,00 (dez mil euros), acrescido de juros moratórios desde a data da sentença que condene a Ré e até ao efectivo e integral pagamento;
iii. Indemnização por danos não patrimoniais, em montante não inferior a €60.00,00 (sessenta mil euros), acrescido de juros moratórios desde a sentença que condene a Ré e até ao efectivo e integral pagamento
A Ré respondeu pugnando pela improcedência das excepções.
Em 25.02.2025 foi proferido despacho saneador que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto e ao disposto no art. 98º-J, nº3, do Código de Processo do Trabalho:
I - Declaro a ilicitude do despedimento da trabalhadora AA.
II - Condeno o empregador Caixa Banco de Investimento S.A. a:
a) reintegrar a trabalhadora nos termos do art. 98º-J, nº3, al. a) do Código de Processo do Trabalho;
b) a pagar à trabalhador as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da presente decisão, em conformidade com o disposto nos arts. 98º-J, nº3, al. b) do Código de Processo do Trabalho e art. 390º, nº 2, do Código do Trabalho.
Custas pelo empregador – artigo 446º do Código de Processo Civil.
Valor da causa – sem prejuízo da sua continuação –, o referido no artigo 12º, nº 1, al. do RCP – art. 98º-P, nº 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.
*
Os autos prosseguem apenas para apreciação da reconvenção.”
A decisão foi fundamentada nos seguintes termos:
“Da invocada ilicitude do despedimento por “incompletude do procedimento disciplinar junto pela ré” por “não incluir o relatório do processo prévio de inquérito” e por falta de “sequencialização e cronologia” na organização do procedimento disciplinar:
Da consulta do procedimento disciplinar (doravante PD) resulta logo da primeira página que o mesmo não foi organizado de forma cronológica e sequencial e contém algumas omissões de elementos já que:
a) O PD começa com a comunicação à trabalhadora da instauração de procedimento disciplinar com intenção de despedimento datada de 8/03/2024, seguida da nota de culpa da mesma data ambas assinadas pela comissão executiva (administradora executiva e presidente da comissão executiva), quando antes, necessariamente, existiu a deliberação da comissão executiva.
As páginas (doravante fls.) 1 e 2 do PD são a comunicação à trabalhadora da instauração de procedimento disciplinar e fls. 3 a 8 são a nota de culpa.
A respectiva deliberação da comissão executiva anterior no tempo daquelas consta apenas a fls. 543 a 545 do PD e só vem a ser junta na sequência das diligências instrutórias requeridas pela trabalhadora.
b) Sem que exista qualquer contexto (termo de juntada ou despacho) quanto ao que são ou ao motivo porque estão juntos ou quando foram juntos seguem-se documentos de fls. 9 a 472 (sendo fls. 9 a 100 uma peça processual/petição inicial em que é autora a trabalhadora e ré o empregador – depreende-se que será do o processo que dá origem ao PD – e fls 101 a 472–documentos internos do empregador, que não se percebe se são os documentos juntos com tal petição ou outros que foram juntos no decurso do PD)
c) Não consta do PD a deliberação que determinou a realização de processo de inquérito prévio contra a trabalhadora e nomeou instrutor.
A existência de tal deliberação é afirmada nos autos de inquirição de testemunhas juntos de fls. 473 a 484 onde de todos consta que ocorreram perante o “instrutor nomeado pelo Caixa BI, S.A. no processo de averiguação prévia instaurado contra a trabalhadora Dra. AA” e bem assim na acta de 8/03/2024 junta a fls. 543 a 545 em que consta “a Comissão Executiva apreciou o relatório do processo prévio de inquérito mandado Instaurar pelo Conselho de Administração do CaixaBI”.
d) Os autos de inquirição de testemunhas feitas no âmbito do processo prévio não estão juntos em ordem cronológica já que: fls. 473 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 6/03/2024; fls. 475 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 5/03/2024; fls. 477 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 4/03/2024; fls. 479 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 7/03/2024; fls. 480 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 5/03/2024; fls. 482 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 6/03/2024; fls. 483 é um auto de inquirição de testemunhas datado de 5/03/2024;.
e) Do processo de averiguação prévia ou inquérito prévio realizado nada mais consta no PD sendo que, pelo menos, existiu um relatório final.
A existência de tal relatório é afirmada na deliberação da comissão executiva datada de 8/03/2024 cuja acta consta a fls. 543 a 545 do PD onde consta “A Comissão Executiva apreciou o relatório do processo prévio de inquérito mandado Instaurar pelo Conselho de Administração do CaixaBI, preparado pelo Dr. BB, advogado da ..., (…)”.
Foi confessada a falta de junção ao PD de tal relatório na resposta à contestação e junto um com tal articulado já em sede judicial.
d) Segue-se após a fls 485 a 487 uma troca de emails entre o instrutor e os mandatários da trabalhador nos dias 11 e 12/03/2024.
e) A fls. 488 termo de consulta do PD pelo advogado da trabalhadora em 12/03/2024.
f) De fls. 489 a 513 consta a resposta à nota de culpa, assinada em 25/03/2024.
g) A fls. 514 a 515 despacho dos instrutores a determinar a realização das diligências requeridas pela trabalhadora datado de 4/04/2024 e a fls. 516 o email da mesma data a comunicar à advogada da trabalhadora tal despacho.
h) A fls. 517 o envelope com data de registo dos CTT de 25/03/2024 sendo remetente a advogada da trabalhadora e destinatário o instrutor (as partes aceitam era o envelope que continha a resposta à nota de culpa) e a fls, 518 um print de consulta de seguimento do número de registo dos CTT constante daquele envelope.
Resulta pois que fls. 517 deveria estar imediatamente antes ou após a resposta à nota de culpa e antes de fls. 514 já que é de data anterior
i) Fls. 519 a 528 troca de emails, contendo requerimento da trabalhadora, entre 4 e 9/04/2024.
j) Fls. 529 a 545 documentos –actas - cuja junção foi requerida na resposta à nota de culpa e determinada no despacho subsequente.
Entre estes a fls. 543 a 545 a acta da comissão executiva de 8/03/2024 onde foi deliberada a instauração de procedimento disciplinar contra a trabalhadora em que consta:
“7. Outros Assuntos
A Comissão Executiva apreciou o relatório do processo prévio de inquérito mandado Instaurar pelo Conselho de Administração do CaixaBI, preparado pelo Dr. BB, advogado da ..., que esteve presente e que de forma sucinta explicou que a conduta da Empregada AA se consubstanciou no facto de, no âmbito de uma ação judicial que propós contra o CaixaBI sobre questões salariais (Processo n.º 573/24.2TBCSC, que corre termos no Juízo de Trabalho de Cascais) ter alegado que na reunião do Conselho de Administração do CaixaBl de 30 de março de 2021 para a qual fora convidada o Presidente do Conselho de Administração protagonizou um comportamento e proferiu expressões que qualifica de assediantes quando, na verdade, essa conduta, modo de agir e expressões nunca tiveram lugar. Esta atitude só é possível de entender, no âmbito da ação que propõe, como tentativa de obter capital de queixa e negociação, não se coibindo de lançar o anátema do assédio sobre o Presidente do Conselho de Administração e sobre o próprio CaixaBI, o que é inadmissível.
Com a sua conduta, a Empregada AA pôs definitivamente em causa a sua idoneidade para desempenhar as suas funções a responsabilidades que lhe estão cometidas, ferindo definitivamente e, portanto, de forma irremediável, a relação de confiança subjacente ao vínculo laboral existente entre as partes, constituindo justa causa de despedimento face ao disposto nos n. 1 e n.º 3 do artigo 351. do Código do Trabalho.
Face ao exposto, a Comissão Executiva deliberou:
i) Instaurar processo disciplinar, com intenção de despedimento, contra a Empregada AA;
ii) A suspensão preventiva Imediata de funções da aludida Empregada, atenta a gravidade dos factos apurados e a Inconveniência da sua presença no local de trabalho.
E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão da qual foi lavrada a presente Ata que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelos Administradores presentes para que conste."
k) A fls. 546 despacho dos instrutores datado de 11/04/2024 e a fls. 547 a 549 comunicação do mesmo por email da mesma data à advogada da trabalhadora.
l) De fls. 550 a 559 autos de inquirição de testemunhas datados de 12/04/2024 e de fls. 560 a 565 datados de 17/04/2024.
m) De fls. 560 a 568 troca de emails datados de 17/04/2024 e 18/04/2024 a propósito de lapsos na digitalização dos autos de inquirição que são juntos rectificados após de fls. 569 a 577.
n) De fls. 578 a 593 relatório final elaborado pelos instrutores datado de 18/04/2024.
o) De fls. 594 a 596 acta da comissão executiva de 19/04/2024 onde consta:
“Ponto único — Processo disciplinar instaurado contra a Empregada AA: apreciação do relatório final e documentos conexos.
(…)
Esta ação da Dra AA, no entender dos membros da Comissão Executiva, inserindo-se na mesma linha de conduta que justificou a nota de culpa, assume particular gravidade, devendo ser objeto de um aditamento à nota de culpa.
Face ao exposto, a Comissão Executiva deliberou:
i. Que os factos acima referidos sejam alvo de ação disciplinar;
ii. A ratificação de todos os atos de instrução já executados no procedimento disciplinar e a preparação dos atos seguintes, concatenando o procedimento disciplinar existente com o aditamento de novos factos;
iii. A manutenção da suspensão preventiva da Dra. AA, considerando que se manterá em curso o procedimento disciplinar contra si instaurado, sendo a sua presença inconveniente ao decurso do mesmo; e
iv. Conferir aos instrutores Dr. BB e Dr. CC, Sócio e Associado Coordenador na ..., com domicílio profissional na Avenida 1° 43, ... Lisboa, que já tramitavam o processo disciplinar instaurado a 08.03.2024 à Dra. AA, os poderes para instruir e tramitar também as diligências decorrentes do aditamento de novos factos à Nota de Culpa, passando a incluir-se nestes os necessários para assinarem o Aditamento
à Nota de Culpa que circunstancie os factos aqui em causa. (…)”
p) De 597 a 601 nota de culpa adicional datada de 24/04/2024 e respectivo comprovativo de envio por correio registado.
q) De fls. 602 Pedido de consulta dos autos assinado em 26/04/2024
r) De fls. 603 a 622 resposta da trabalhadora à nota de culpa adicional assinada em 10/05/2024.
s) De fls. 623 a 646 a comunicação à trabalhadora datada de 17/05/2024 da decisão de despedimento e respectivos anexos sendo estes a acta da comissão executiva (fls. 624 a 625) e o relatório final (fls. 626 a 645).
- A comunicação de fls. 623 foi feita nos seguintes termos:
“ Carta Registada c/AR
Ref. 07/2024-CE
Lisboa, 17 de maio de 2024
Assunto: Procedimento disciplinar com intenção de despedimento — Decisão Final
Exma. Senhora,
Na sequência do processo disciplinar com intenção de despedimento que lhe foi instaurado pelo CaixaBl, fica V. Exa. notificada: (i) de que foi deliberada a aplicação da sanção de DESPEDIMENTO SEM INDEMNIZAÇÃO OU COMPENSAÇÃO; e (ii) dos respetivos fundamentos consignados no correspondente Relatório Final subscrito pelos instrutores nomeados no processo, cujo teor se acolhe integralmente. (…)
Anexo: Deliberação e Relatório final”
- De fls. 624 a 625 a acta da comissão executiva de 17/05/2024 com o seguinte teor:
“(…) A deliberação constante da presente ata foi tomada por unanimidade.
Ponto único — Processo disciplinar instaurado contra a Empregada AA: apreciação do relatório final e documentos conexos
Iniciou-se a fase de discussão do relatório final preparado pelos instrutores no processo instaurado à Dra. AA e documentos conexos, constantes dos autos. O Dr. BB esteve presente nesta fase inicial, na qualidade de instrutor do processo disciplinar, de modo a apresentar a documentação em discussão.
Considerando todas as circunstâncias apuradas, entendeu-se que o Relatório Final preparado pelos Instrutores acolhia uma visão ponderada de todos os elementos relevantes em presença, pelo que se acolhe na íntegra o seu teor e a sanção proposta.
Face ao exposto, a Comissão Executiva deliberou:
i. Acolher, e fazer anexar à presente ata, da qual passa a ser parte integrante, o teor do Relatório Final produzido pelos Instrutores no procedimento disciplinar instaurado à Dra. AA; e
ii. Pelos motivos expressos nesse relatório, aplicar à Trabalhadora a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação.(…)”
- De fls. 626 a 645 o relatório final datado de 14/05/2024.
t) De fls. 646 a 647 comprovativo do envio por correio registado da comunicação supra datado de 17/05/2024 e entrega em 23/05/2024.
u) Nada mais existe no procedimento disciplinar.
Do exposto resulta, como se começou por dizer que o PD junto em sede judicial não o foi de forma organizada e sequencial cronologicamente e tem omissões.
Como escreve Pedro Furtado Martins (em Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, págs. 200-201), “Em rigor, o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem. (…)
Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.
É certo quer se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do empregador se mantenha, depois de ter conhecimento que certo trabalhador praticou determinada infracção grave, suscetível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho –, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento.
Note-se que a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do artigo 354.º, 2.”.
Assim e como supra referido o procedimento disciplinar junto tem omissões e não está organizado de forma sequencial cronológica.
Omissões:
- do processo prévio de inquérito apenas foram juntos autos de inquirição (de forma não cronológica) e documentos (sem menção do contexto de onde decorre a sua juntada), estando em falta, pelo menos, a acta da comissão executiva que deliberou a instauração do processo prévio e a nomeação do instrutor e o relatório final do processo prévio com base no qual foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar;
- não consta a deliberação que nomeou os instrutores para conduzir o procedimento disciplinar até 19/04/2024 (a partir desta data consta a nomeação na acta da comissão executiva de 19/04/2024);
- não consta o “original” da nota de culpa, nem na deliberação de 8/03/2024 se faz menção à mesma, apenas existindo como anexo da comunicação efectuada à trabalhadora nessa data;
- não consta o “original” do relatório final apenas existindo como anexo da comunicação da decisão de despedimento efectuada à trabalhadora, e a deliberação que decidiu a aplicação da sanção de despedimento também só surge como anexo daquela comunicação.
Organização não sequencial:
O procedimento disciplinar posterior ao inquérito prévio devia ter sido organizado de forma sequencial começando pelo primeiro acto e de forma lógica e cronológica seguindo-se os demais, ou seja devia ter começado pela deliberação de instauração de procedimento disciplinar e suspensão preventiva em 8/03/2024, seguindo-se após a nota de culpa, e depois a comunicação da instauração e suspensão e notificação da nota de culpa à trabalhadora, a resposta à nota de culpa, realização de diligências instrutórias e relatório final e não foi.
Começou logo com a comunicação à trabalhadora e notificação da nota de culpa e a deliberação da comissão executiva só veio a ser junta muito mais tarde e no âmbito das diligências de prova requeridas pela trabalhadora, e a nota de culpa, como já se disse, não está junta como original mas apenas como anexo da comunicação.
Também após a notificação da nota de culpa aparecem as diligências do processo prévio de inquérito, que, necessariamente eram de data anterior. E estas diligências não estão ordenadas de forma cronológica, nem existe qualquer contexto quanto à sua junção.
Existe um envelope mal inserido, já que foi inserido após actos com data posterior.
Após a deliberação da comissão executiva de 19/04/2024, que determinou o aditamento à nota de culpa verifica-se, novamente, uma falta de sequência lógica e cronológica, já que o que deveria ter acontecido era a nota de culpa aditada, sua notificação à trabalhadora, resposta da trabalhadora, relatório final do instrutor, deliberação da comissão executiva quanto à decisão final e após notificação à trabalhadora dessa decisão e não foi assim que foi organizado o PD pois após a resposta da trabalhadora segue-se logo a comunicação à mesma da decisão final seguindo como anexos a deliberação da comissão executiva e o relatório final que antes não estavam juntos.
Qual a relevância disto?
Estabelece o art. 98º-I, nº4, al. a), do Código de Processo do Trabalho que frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz “procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas”.
E nos termos do art. 98º-J, nº3, do Código de Processo do Trabalho “se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador”.
É pacífico que este prazo é um prazo peremptório, que não é prorrogável a pedido do empregador (cfr. entre muitos outros Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça P. 885/10.2TTBCL.P1.S1 de 10/07/2013, publicado em www.dgsi.pt)
Também é pacífico que não há lugar ao aperfeiçoamento ou ao convite ao aperfeiçoamento, não juntando o empregador o procedimento disciplinar ou apresentando apenas partes desse procedimento, fica precludida a possibilidade de o fazer posteriormente.
Como decorre do exposto, no caso concreto, não é controvertido que existiu um processo prévio de inquérito seguido do procedimento disciplinar.
Também não oferece dúvida que com o articulado motivador o empregador juntou um procedimento disciplinar escrito e por si numerado de fls. 1 a 647.
Não está, portanto, em questão a omissão ou falta total de junção do procedimento disciplinar.
O que importa decidir é se se pode considerar que o procedimento disciplinar que foi junto corresponde ou se pode ter como o procedimento disciplinar integral e se a sua organização obedece ao que é suposto e qual a consequência de não ter sido junto o processo prévio de inquérito na sua integralidade, designadamente do relatório final.
Vejamos:
O art. 352º do Código do Trabalho com a epígrafe “Inquérito prévio” estabelece “caso procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.”
O inquérito prévio é pois um procedimento facultativo constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes, nos casos em que os factos de que há conhecimento ou foram denunciados ao empregador e as suas circunstâncias sejam insuficientes para fundamentar a nota de culpa,” (cfr. entre outros Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça P 8760/16.0T8VNG.P1 de 13/02/2019, e P 2913/14.3TTLSB.L1.S1 de 9/02/2017, publicados em www.dgsi.pt).
Trata-se pois duma fase facultativa que se destina a fundamentar a nota de culpa.
A designação ou nome (ou mesmo a ausência de nome) dado pelo empregador às diligências que faz antes da instauração formal do procedimento disciplinar não obsta a que se considere a existência dum inquérito prévio “independentemente da denominação atribuída, as diligências promovidas pela entidade empregadora com vista ao apuramento e esclarecimento de suspeita de comportamentos irregulares integram já o procedimento prévio de inquérito. Nesta linha de raciocínio, entende-se que mais importante do que a designação atribuída, interessa a reação da entidade empregadora, perante a possível existência da prática de infrações disciplinares” (cfr Pedro Ferreira de Sousa em O Procedimento Disciplinar Laboral – Uma construção jurisprudencial, 4ª edição, Almedina, 2022, p. 89).
A lei não diz expressamente quando se inicia o procedimento prévio de inquérito - (no actual Código do Trabalho deixou de ser relevante a existência dum despacho do empregador a ordenar a instauração do procedimento prévio de inquérito) -, e tem-se considerado que o início do inquérito prévio só ocorre com a nomeação do instrutor quando o haja, ou com o começo da recolha de elementos que sejam aptos a fundamentar a nota de culpa, nomeadamente com a realização de uma diligência probatória (junção de um documento, inquirição duma testemunha, etc) conquanto haja um qualquer elemento formal claro que comprove o seu início. Ou seja, inicia-se com a prática, formalizada, do primeiro acto apto a fundamentar a nota de culpa.
Também não está definido o tipo de tramitação ou formalidade a que deve obedecer, devendo, contudo, haver um mínimo de registo dos respectivos actos, das diligências probatórias realizadas e respectivas datas, para permitir o controlo por parte do trabalhador (e do Tribunal) da diligência, ou falta dela, com que o mesmo foi conduzido e do tempo em que decorreu.
Concluída a instrução do procedimento prévio de inquérito pode ou não haver um relatório do instrutor, não sendo obrigatório que exista tal documento.
O inquérito prévio assume particular relevância já que, se preenchidos os seus requisitos cumulativos previstos no art. 352º do Código do Trabalho, lhe é atribuído um efeito interruptivo da contagem do prazo do art. 329º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho.
No caso concreto não está em causa a caducidade do direito de acção disciplinar ou a prescrição, pelo que não se aprofundará tal questão.
Sendo embora facultativo, sempre que existe o processo prévio de inquérito integra o procedimento disciplinar.
E sempre que exista processo prévio de inquérito o mesmo tem de ser junto ao procedimento disciplinar, com todos os elementos que o compuseram no caso concreto.
Não cabe ao empregador escolher quais os elementos do procedimento prévio de inquérito que realizou, nem utilizar critérios de utilidade e relevância relativamente aos elementos que junta. O mesmo se aplica aos elementos do procedimento disciplinar.
Não está assim na disponibilidade do empregador escolher as peças que pretende juntar aos autos ao invés deve juntar o procedimento disciplinar integral tal como existe.
Isso mesmo tem sido afirmado, de forma unânime, pelos Tribunais Superiores por exemplo, entre vários outros, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães P 1187/23.0T8BRG-A.G1 de 4/04/2024, e do Tribunal da Relação do Porto P. 2705/21.3T8AVR.P1 de 17/04/2023, e do Tribunal da Relação de Coimbra P.6841/19.8T8CBR.C1 de 25/09/2020,e do Tribunal da Relação de Guimarães P. 2080/15.5T8BRG-B.G1 de 2/06/2020, e do Tribunal da Relação de Lisboa P. 2271/16.1T8FNC.L1-4 de 11/04/2018 e do Tribunal da Relação de Évora P. 187/13.2TTPTM-A.E1 de 16/01/2014, e do Tribunal da Relação de Évora P. 154/22.5T8TMR.E1 de 15/12/2022, todos publicados em www.dgsi.pt
Tem sido afirmado, repetidamente, nos vários Acórdãos referidos que “o procedimento disciplinar é constituído por um conjunto sequencial de atos em ordem a um determinado fim, sendo esse conjunto, que não as peças dispersas que o integram, que deve ser junto aos autos, na sequência da notificação efetuada em audiência de partes, pois só assim o trabalhador estará munido de todos os elementos para que se possa defender, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães P. 1187/23.0T8BRG-A.G1 de 4/04/2024 - e como se pode ler na respectiva fundamentação “resulta das disposições combinadas dos art.º 352.º a 357.º do Código de Trabalho que o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, por imperativo legal, deve revestir a forma escrita e comporta diversas fases a saber: inquérito prévio (facultativo) + nota de culpa + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar, devendo também, por imperativo legal, revestir-se de forma de um processo documental escrito, pelo menos, em relação às suas fases essenciais.
Daqui resulta que o sentido e alcance da obrigação que impende sobre a entidade empregadora inserta no art.º 98.º-I, n.º4, alínea a) do Código de Processo de Trabalho é o da junção de todo o processo disciplinar, tal qual ele existe, com todos os seus atos e elementos (inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar + respetivas notificações), sob pena de funcionar o efeito cominatório pleno previsto no art.º 98.º-J, n.º3 do Código de Processo de Trabalho, ou seja o decretamento imediato da ilicitude do despedimento. Não está assim na disponibilidade do empregador escolher as peças que pretende juntar aos autos ao invés de juntar o procedimento disciplinar tal qual se encontre.
Com efeito, não é só a ausência absoluta de processo disciplinar que determina a ilicitude do despedimento, e tal resulta claro das citadas disposições imperativas do Código do Trabalho (artigos 352.º a 357.º), mas também o não cumprimento das suas formalidades/fases essenciais, ou seja, como acima referimos (inquérito prévio (facultativo) + nota de culpa + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar + respetivas notificações).
Importa frisar que o procedimento disciplinar comporta muito mais atos, que não os limitados à decisão de suspensão do despedimento, à nota de culpa, à resposta, à inquirição de testemunhas e à decisão final, pois pressupõe o cumprimento de uma séria de formalidades, tais como as comunicações à comissão de trabalhadores ou à associação sindical (quando hajam representantes sindicais), as consultas, decisões acerca da realização ou não de atos instrutórios e o inquérito prévio, quando a ele haja lugar.
Como defende a Procuradora-Geral Adjunta, no parecer junto aos autos “A lei não fala em peças do procedimento disciplinar, mas sim “o procedimento disciplinar”, o que pressupõe o procedimento completo, com todos os elementos que o compõem. Com vista a permitir uma decisão que se quer célere, atendendo ao que está em causa (o despedimento) e de modo a que, perante o processo integral, o trabalhador possa defender-se, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais.”
Em suma, o procedimento disciplinar é constituído por um conjunto sequencial de atos em ordem a um determinado fim, sendo esse conjunto, que não as peças dispersas que o integram, que deve ser junto aos autos, na sequência da notificação efetuada em audiência de partes, pois só assim o trabalhador estará munido de todos os elementos para que se possa defender, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à observância das formalidades legais. Só com o procedimento integral é possível aferir do cumprimento de todas as formalidades legais, designadamente os comprovativos das notificações e comunicações efetuadas, que são elementos decisivos para se verificar se foram ou não cumpridos os prazos legais, independentemente de o trabalhador necessitar ou não de tais elementos para se defender, pois uma cabal defesa só poder ser levada a cabo se se estiver na posse do todos os elementos que constem do procedimento.”
E como se refere no citado e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra P.6841/19.8T8CBR.C1 de 25/09/2020 “Acresce que a ter havido, como parece, inquérito prévio, reclamava-se a sua junção para que, em sede judicial, o trabalhador tivesse a possibilidade de solicitar a verificação do circunstancialismo em que ocorreu esse inquérito (artº 352º do CT).
Aquilo que à primeira vista pode parecer uma questão de natureza meramente formal - exigência da junção de um PD organizado, sequencial, com os actos praticados devidamente rubricados e datados – tem, na realidade, implicações de natureza substancial na medida em que essa exigência se reflecte no exercício do direito do trabalhador a uma defesa efectiva e completa.”
E como referido no citado Tribunal da Relação de Évora P. 187/13.2TTPTM-A.E1 de 16/01/2014 “ora, o processo prévio de inquérito ao procedimento disciplinar, não poderia deixar de ter sido junto com o articulado motivador de despedimento, uma vez que o mesmo, desde que necessário para fundamentar a nota de culpa – circunstância que aqui se não pode deixar de presumir – integra o próprio procedimento disciplinar, assumindo, inclusive, a virtualidade de interromper, desde o seu início, a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 329º do Código do Trabalho” .
“O procedimento disciplinar junto aos autos tem de ser sequencial e estar completo, devendo conter todos os actos nele praticados e incluir todas as peças e documentos que dele fazem parte integrante, o que engloba, outrossim, caso tenha sido precedido por ele, o procedimento prévio de inquérito” (cfr. Paulo Sousa Pinheiro em “O procedimento disciplinar no âmbito do Direito do Trabalho português”, 2021, Almedina, p. 489.
Se o empregador julgou necessário realizar inquérito prévio para fundamentar a nota de culpa e, se, sendo facultativo, entendeu fazer diligências probatórias várias e se, não sendo obrigatório, entendeu fazer um relatório final, independentemente do conteúdo e da relevância de tais elementos terá de os organizar e juntar integralmente ao procedimento disciplinar subsequente.
Vale isto por dizer que nada sendo obrigatório em termos de formalismo e registo dos actos levados a cabo nesta fase facultativa, existindo ela e existindo esses actos e registos escritos dos mesmos então têm, necessariamente, de ser compilados e juntos como processo prévio ao procedimento disciplinar.
No caso concreto e relativamente à questão do envelope e dos autos de inquirição não terem sido juntos na ordem cronológica devida, crê-se que tal é um manifesto lapso, que não tem relevo algum ou que em nada diminui o direito de defesa da trabalhadora ou a possibilidade do Tribunal conhecer das questões que tem de conhecer.
Sendo, como se viu, unânime que o empregador deve juntar o procedimento disciplinar, na sua integralidade, constituído pela documentação dos actos que cronologicamente comprovam a sua realização, não bastando a junção de peças do mesmo segundo um qualquer critério seu, sob pena de imediata declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador, deve-se excluir desta consequência todas as situações que “por manifesta inadvertência, descuido ou lapso, ocorreu um erro ao imprimir, copiar ou juntar alguma peça do processo disciplinar ao processo judicial, situações que, mormente pela sua involuntariedade, nada têm a ver com as finalidades da norma e, por conseguinte, não se podem considerar abrangidas pela respectiva cominação, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa P.8196/23.7T8SNTA.L1-4 de 11/09/2024, publicado em www.dgsi.pt).
Ou seja lapsos manifestos na organização ou digitalização/impressão do processo de onde resultem a inserção não cronológica de algum ou alguns actos do processo, ou de onde resulte a falta de parte de algum acto como uma página, por exemplo, não se podem ter como falta de junção “integral” do procedimento disciplinar.
O mesmo considera este Tribunal quanto à falta de organização do procedimento com observância rigorosa do que devia ser a ordem sequencial, lógica e cronológica nos termos supra referidos e a falta dos “originais” da nota de culpa, relatório final e decisão também se afigura não dever justificar qualquer tipo de consequência por os referidos elementos constarem do processo e terem sido regularmente notificados à trabalhadora no âmbito do procedimento disciplinar.
Considera-se, no geral, que estando efectivamente no procedimento disciplinar todos os elementos que devem estar e estando o procedimento minimamente organizado e ordenado, por forma a que quer o trabalhador o possa compreender e exercer os seu direito de defesa e o Tribunal o possa apreender para decidir o que houver a decidir, não há que ser demasiado formalista e exigir uma absoluta sequenciação cronológica.
Também a omissão referente à falta de junção da deliberação que procedeu à nomeação dos instrutores na fase do procedimento disciplinar (ou mesmo a eventual inexistência desta) se têm por sanadas já que não está em questão que a decisão final de aplicação da sanção de despedimento foi tomada por quem tinha competência funcional para o efeito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães P.2535/14.9T8GMR-B.G1 de 20/04/2017, publicado em www.dgsi.pt)
Já diferente é, no caso concreto, a falta de junção integral do processo prévio de inquérito e concretamente do relatório final.
Como decorre de todo o exposto o procedimento prévio de inquérito existiu mas dele, no procedimento disciplinar, apenas foram juntos alguns documentos e alguns autos de inquirição de testemunhas. Não foi junta a deliberação que determinou a instauração do inquérito prévio, nem a nomeação de instrutor, e não foi junto o relatório final do instrutor. É com base neste relatório final que a comissão executiva deliberou instaurar procedimento disciplinar com vista ao despedimento.
Não se pode dizer que o relatório final, que apesar de facultativo existiu de forma escrita, é irrelevante ou inútil à defesa da trabalhadora quando é com base no que consta desse relatório final que é decidida a imediata suspensão preventiva da trabalhadora e a instauração de processo com vista ao seu despedimento.
Nem se pode considerar o relatório que o empregador pretende juntar já em fase judicial, não só porque esta junção posterior não é admissível para completar um procedimento disciplinar que não foi junto de forma completa, como, com todo o respeito, não é possível ter a certeza que o relatório agora junto foi o relatório apresentado à comissão executiva.
A partir do momento que o relatório final existe o mesmo devia ter sido junto ao procedimento disciplinar.
Mas mais, como decorre do procedimento disciplinar junto não existe nenhuma diligência de prova antes da nota de culpa que não tenha sido levada a cabo no procedimento prévio de inquérito e a própria nota de culpa é feita exclusivamente com base no que consta do processo prévio, pois como se viu a deliberação da comissão executiva de 8/03/2024 e a nota de culpa têm a mesma data, nada existindo no procedimento que tenha sido feito ou junto após a deliberação.
Mas mais ainda, é na própria deliberação de 8/03/2024 que consta expressamente que a deliberação é tomada com base nos factos que constam do relatório final do instrutor, referindo-se expressamente que a “gravidade dos factos apurados” justificam a suspensão preventiva imediata.
Pode ler-se na mesma ““A Comissão Executiva apreciou o relatório do processo prévio de inquérito mandado Instaurar pelo Conselho de Administração do CaixaBI, preparado pelo Dr. BB, advogado da ..., que esteve presente e que de forma sucinta explicou que (…)
Face ao exposto, a Comissão Executiva deliberou:
i) Instaurar processo disciplinar, com intenção de despedimento, contra a Empregada AA;
ii) A suspensão preventiva Imediata de funções da aludida Empregada, atenta a gravidade dos factos apurados e a Inconveniência da sua presença no local de trabalho.”
Ora não se vê como, para tentar salvar os presentes autos duma decisão formal, se possa considerar que o relatório final não era importante, relevante ou útil no caso concreto, quando é exclusivamente com base no mesmo e nos factos que foram apurados no inquérito prévio que foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar, a suspensão imediata da trabalhadora e é com base nele também que foi elaborada a nota de culpa.
Efectivamente, em linha com a argumentação constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra P. 98/21.8T8GRD.C1 de 17/11/2021, publicado em www.dgsi.pt considera-se que em determinadas situações “Apesar do empregador não ter junto algumas peças que integram o procedimento disciplinar, como por exemplo a decisão de suspensão preventiva do trabalhador, não deve aplicar-se o regime sancionatório do art. 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do Código do Processo de Trabalho quando a junção das peças em falta redundar num acto perfeitamente inútil e se a junção parcial do procedimento disciplinar satisfizer a motivação que subjaz à exigência legal de junção à acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador”.
É o caso, por exemplo, da falta de junção do que genericamente se pode chamar de “actos de expediente” como por exemplo a troca de emails entre instrutor e advogado do trabalhador a agendar data para a consulta dos autos ou acordar datas para inquirição de testemunhas, ou a falta de algum elemento que não seja controvertido que o trabalhador a ele teve acesso ou dele foi regularmente notificado, - (como era o caso do elemento em falta referido no Acórdão supra identificado) -, em síntese tudo o que não acrescenta nada, por não contender com o cabal conhecimento do procedimento disciplinar pelo trabalhador.
Efectivamente a exigência legal de junção do procedimento disciplinar tem a sua justificação nos seguintes motivos, por um lado, aferir que o despedimento foi precedido dum procedimento disciplinar (caso contrário o despedimento seria sempre ilícito nos termos do art. 381º, al. c), do Código do Trabalho) e, por outro lado, existindo o procedimento disciplinar e tratando-se de um documento já previamente elaborado, deve o mesmo ser entregue a fim de:
a) Permitir ao trabalhador a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;
b) Permitir ao Juiz a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado motivador se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa e apreciar e decidir suscitadas questões de invalidades ou nulidades do procedimento disciplinar ou de caducidade e prescrição ou outras excepções que lhe cumpra conhecer.
E no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra P. 98/21.8T8GRD.C1 de 17/11/2021, em que estava em causa a não junção ao procedimento da decisão de suspensão preventiva do trabalhador, que contudo lhe havia sido notificada, pode ler-se “Assim, com a junção do procedimento disciplinar feita pela ré ficou preenchida integralmente a motivação que subjaz à exigência legal de junção à presente acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador.
A significar que para efeitos do cabal exercício do direito de defesa por parte do autor e da apreciação jurisdicional, processualmente possível, da legalidade dos actos praticados no procedimento, a junção aos autos, com o procedimento disciplinar apresentado pela ré, do suporte físico da decisão de suspensão preventiva representava um acto excrescente, inútil e, por isso, proibido por lei (art. 130º do NCPC).
Acresce que a aplicação na situação em apreço do regime sancionatório do art. 98º-J/3/a/b do CPT com o fundamento de que não foi junto aos autos algo que, porém, seria inútil e proibido juntar, materializaria uma solução interpretativa e decisória: i) de concretização da prevalência absoluta da forma sobre a substância que o legislador processual vem postergando desde a reforma processual civil de 1995, com particular ênfase na reforma introduzida pelo actual CPC; ii) lesiva do princípio da proporcionalidade, uma vez que a aplicação daquele regime sancionatório é completamente desadequada e destituída de racionalidade, logo arbitrária, excessiva e constitucionalmente vedada, numa situação, como a dos autos, em que mesmo sem a junção do suporte material da decisão de suspensão preventiva do autor está completamente satisfeita a motivação subjacente à exigência legal de junção de procedimento disciplinar e a cuja violação está associado aquele regime; iii) que excederia, por reporte ao caso dos autos e ao objecto do processo delimitado a que o tribunal está vinculado, no qual não se integra qualquer questão de apreciação referente à decisão de suspensão preventiva do autor, o direito de acesso aos tribunais do autor reconhecido no art. 20º/1 da CRP, o qual lhe garante o direito a deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão com base na qual se delimita o objecto do processo equitativo através do qual se pretende o reconhecimento daquela pretensão, processo esse que deve ser justo na sua conformação legislativa e tem de ser materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”
Ora, no caso, como se disse, está em causa a falta de junção do relatório final do inquérito prévio com base no qual foi deliberado a instauração do procedimento disciplinar com intenção de despedimento e a suspensão preventiva da trabalhadora e com base no qual e nas diligências realizadas nessa fase de inquérito prévio foi exclusivamente elaborada a nota de culpa.
Nessa medida, apesar de não se suscitarem questões de caducidade ou prescrição e do inquérito prévio ser, no caso concreto, irrelevante para o efeito de interrupção de prazos, não se pode dizer que seja irrelevante em sede de instrução, já que foi com base nele que foi deduzida e fundamentada a nota de culpa. E ao não ter sido junto ao procedimento disciplinar na sua integralidade não se pode considerar que tenha sido permitido à trabalhadora o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa e para aferir do cumprimento de todas as formalidades, e isto “independentemente de o trabalhador necessitar ou não de tais elementos para se defender, pois uma cabal defesa só poder ser levada a cabo se se estiver na posse do todos os elementos que constem do procedimento”(Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães P. 1187/23.0T8BRG- A.G1 de 4/04/2024).
Acrescenta-se que não há como aferir da relevância ou irrelevância para a defesa do trabalhador dum relatório, dum documento, dum auto de inquirição, dum elemento inexistente no procedimento disciplinar, cujo conteúdo se desconhece em absoluto e a que o trabalhador nunca teve acesso e nunca teve do mesmo conhecimento na fase anterior ao processo judicial. E salvo melhor entendimento, a apreciação que deve ser feita em sede judicial não deve incidir sobre o conteúdo do elemento que nunca existiu no processo e da sua hipotética relevância para a efectiva defesa do trabalhador. Crê-se que a consideração da utilidade ou relevância tem de ficar reservada apenas para os casos de falta no procedimento junto em sede judicial de algum/alguns elementos que existiam no procedimento levado a cabo pelo empregador e dos quais o trabalhador teve conhecimento mas que não vieram a constar do procedimento junto em fase judicial.
Aqui chegados, evidentemente não pode proceder a argumentação do empregador de que a invocação de tal falta consubstancia um abuso de direito por parte da trabalhadora na modalidade de venire contra factum proprium ou de supressio já que não o fez quando se defendeu no procedimento disciplinar.
Nos termos do art. 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito traduz-se num acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo: hão-de ser ultrapassados os limites que ao mesmo são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido.
Quem age em abuso do direito invoca um poder que, formal ou aparentemente, lhe pertence, embora não tenha fundamento material.
O abuso do direito retrata uma actuação contrária ao sistema, na sua globalidade.
Como tipos de actos abusivos encontramos referidos: o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício, sendo certo que a exceptio doli foi regredindo, tendo-se imposto os outros tipos.
Ora, quanto à figura do abuso do direito remete-se para a a fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça P. 468/11.5TBALQ-B.L1.S1 de 19/10/2017, publicado em www.dgsi.pt. onde se pode ler “(…) Menezes Cordeiro, aponta como comportamentos abusivos: a “exceptio doli”, que é o poder que uma pessoa tem de repelir a pretensão do autor por ter incorrido em dolo; a inalegabilidade de nulidades formais; o “tu quoque” que traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual uma pessoa que viole uma norma jurídica não poderá, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa norma lhe tenha atribuído; o desequilíbrio no exercício jurídico; o “venire contra factum proprium”, que traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente; a “suppressio”, que é a situação do direito que, não tendo sido, em determinadas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não poderia mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé.
Mais refere, no que respeita à “suppressio”, que, segundo a doutrina alemã, para além do decurso do tempo, seria ainda necessária a verificação das seguintes condições:
a) o titular deve comportar-se como se não tivesse o direito ou não mais quisesse exercê-lo;
b) previsão de confiança: a contraparte confia em que o direito não mais será feito valer;
c) desvantagem injusta: o exercício superveniente do direito acarretaria, para a outra parte, uma desvantagem iníqua.
Acrescenta ainda que a “suppressio” é tida na doutrina e na jurisprudência alemãs como um remédio extraordinário e nessa medida excepcional.
E salienta, quanto ao direito português, que, estando a influência do tempo tipificada nas situações jurídicas em “termos conclusivos”, qualquer complementação “teria de ser pontual”, concluindo que mesmo esta é de afastar.
Para Baptista Machado, a figura da “suppressio”, que apelida de “neutralização do direito”, correspondente à chamada «Verwirkung», é considerada como uma modalidade especial da proibição do venire contra factum proprium, sendo necessária, para que se verifique, a combinação das seguintes circunstâncias:
a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer;
b) com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou outras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado. (…)”.
Não se considera que um trabalhador alvo de procedimento disciplinar na resposta à nota de culpa tenha o dever ou a obrigação de alertar o empregador para suprir as suas falhas ou vícios de que possa enfermar o procedimento disciplinar, ou sequer tenha de invocar na nota de culpa excepções ou vícios formais. Por um lado, porque pode nem deles se aperceber ou não alcançar a relevância jurídica de determinada situação naquele momento e só o constatar mais tarde, por outro lado, porque, apercebendo-se, pode optar por reservar tal arguição para a fase judicial se efectivamente o empregador avançar para o seu despedimento e exactamente pode pretender aproveitar a existência desse vício ou falha como uma das suas estratégias de defesa. O trabalhador alvo dum procedimento disciplinar e dum despedimento quando o impugna judicialmente pode centrar-se na discussão dos factos imputados, sua prática e relevância disciplinar, pode centrar-se na proporcionalidade da sanção aplicada e/ou pode centrar-se na arguição de excepções, nulidades e invalidades do procedimento disciplinar, qualquer uma delas conduzindo ou podendo conduzir ao resultado que pretende que é a declaração da ilicitude do seu despedimento. Se assim é, parece natural e legitimo que reserve para a fase da impugnação judicial a arguição de vícios formais não o fazendo antes até para que o empregador os não corrija.
No caso concreto o facto da trabalhadora poder ter sabido, pela leitura da acta da deliberação da comissão executiva de 8/03/2024 da existência dum relatório final do procedimento prévio de inquérito e nada ter dito no âmbito do procedimento disciplinar não corresponde a um comportamento que se possa considerar abusivo ou merecedor de censura ou que exista na invocação de tal falta um venire contra factum proprium ou uma supressio.
Importa relembrar que quando a trabalhadora responde à nota de culpa ainda não constava sequer no processo a acta da deliberação da comissão executiva que alude à existência do relatório do inquérito prévio que só vem a ser junta na sequência de pedido da trabalhadora na resposta à nota de culpa. E, como se disse, o trabalhador não tem nenhum dever ou obrigação de cooperar e colaborar com o empregador para a sanação de vícios procedimentais a que o empregador deu causa. Depois, a trabalhadora não deu causa, nem contribuiu para a não junção de tal relatório, foi antes o empregador que optou por o não juntar, por considerar não ter de o fazer. E a forma como a trabalhadora exerceu o seu direito de defesa era clara no sentido que não aceitaria o despedimento sem o impugnar judicialmente, pelo que se antevia desde logo uma litigância que não deixaria nada por invocar.
Assim e concluindo, por falta de junção integral do procedimento disciplinar, concretamente do relatório do inquérito prévio com base no qual foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar com vista ao despedimento, a imediata suspensão preventiva da trabalhadora e com base no qual foi elaborada a nota de culpa, que é um elemento relevante para a organização da defesa da trabalhadora, julgo que terá de se concluir que o empregador não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, o que equivale à ausência do mesmo como um todo, razão pela qual mais não resta ao Tribunal, por imposição do disposto no citado art. 98-J nº 3 do Código de Processo do Trabalho, do que declarar de imediato a ilicitude do despedimento, com as demais consequências legais.
(…).”
Inconformada com o despacho saneador, a Ré recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões:
“1. Tendo concluído pela ilicitude do despedimento com base no n.º 3 do art. 98º-J do CPT, sem se ter pronunciado sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho, a Decisão em crise incorreu em manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
2. Deverá, pois, o Tribunal, em conformidade, pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento;
3. O inquérito prévio (ou seja, o conjunto de diligências preparatórias levadas a cabo com vista a, face à notícia de uma conduta censurável, indagar/reforçar/sustentar uma acusação disciplinar com vista ao despedimento) é um tema interno e reservado e, tirando os casos em que seja necessário para obter o efeito suspensivo dos prazos de caducidade, não integra o procedimento disciplinar.
4. No presente caso, não estando em causa a necessidade de suspender tais prazos, ainda assim a R. optou por juntar ao procedimento disciplinar o inquérito prévio com todas as diligências instrutórias realizadas por entender, face à singularidade da acusação e respetiva prova – saber o que foi efetivamente dito numa determinada reunião – que reforçaria a credibilidade da acusação e, simultaneamente, permitiria à A. estruturar a sua defesa considerando esse dado, como de facto sucedeu.
5. A decisão em crise determinou a ilicitude do despedimento da A. por, no caso concreto dos presentes autos, ter equiparado a não junção do relatório do inquérito à não junção do “procedimento disciplinar” previsto no n.º 3 do art. 98º-J do CPT;
6. Nesta sua decisão, o Tribunal assume que foi com base no relatório do inquérito prévio que foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar, pelo que o relatório do inquérito prévio seria um elemento relevante para a organização da defesa da trabalhadora;
7. Assume ainda o Tribunal que o inquérito prévio tem vindo a ser entendido pela jurisprudência como fazendo parte integrante do procedimento disciplinar e que, nessa medida, não se tendo verificado a junção integral do processo prévio de inquérito, concretamente o relatório final, há que concluir que falta a junção integral do procedimento disciplinar;
8. Nesta sua decisão, o Tribunal ignorou, em toda a linha, as circunstâncias factuais do caso concreto, ou seja, o âmbito da acusação material em causa, tendo aplicado, na densificação do conceito de procedimento disciplinar previsto no art. 98º-J n.º 3 do CPT, por analogia, jurisprudência cujos contornos nada têm que ver com os do presente caso (nos quais nunca entrou…), e que, pelo contrário, deveria ter levado a concluir em sentido oposto;
9. Está em causa uma conduta da A. traduzida na imputação ao Presidente do Conselho de Administração da R. de uma afirmação ofensiva que este alegadamente teria proferido numa reunião do Conselho de Administração da R., que teve lugar em 30.3.2021 e na qual estiveram presentes, para além da A. e do Presidente do Conselho de Administração, outros intervenientes;
10. Tal conduta, está vertida na petição inicial de uma ação judicial que a A. interpôs contra a R. e da qual esta – através dos seus administradores - tomou conhecimento no dia 23 de fevereiro de 2024;
11. A A., na resposta à nota de culpa (arts. 15º e 31º), reconhece, de forma inequívoca, a simplicidade da acusação, o respetivo enquadramento factual e, sobretudo, o alcance dos meios de prova aptos a provar tal factualidade;
12. Tratando-se da imputação de afirmações ao Presidente do Conselho de Administração, que se mantinha em funções em fevereiro e em março de 2024, bem como três administradores presentes na reunião de 30.3.2021, nada mais seria necessário para constatar a inveracidade da afirmação ofensiva e avançar com a nota de culpa, já que estes tinham o domínio dos factos relevantes;
13. O inquérito prévio sempre seria desnecessário, já que não só a conduta ficou logo conhecida em toda a sua extensão por quem detinha o poder disciplinar, como não estava em risco o decurso de prazos de caducidade ou prescrição;
14. Em nome da verdade material e de uma análise imparcial, optou-se por obter o depoimento escrito dos intervenientes na reunião de 2021, tanto mais que alguns dos administradores em 2021 deixaram, entretanto, de o ser;
15. Os limites das indagações razoáveis a fazer (atividades do inquérito prévio…) esgotaram-se, pois, com o depoimento das pessoas presentes na mencionada reunião do Conselho de Administração confrontadas com o teor das alegações da petição inicial;
16. O inquérito prévio, na dinâmica muito singular deste processo disciplinar, traduziu-se (1) na vertente atividade humana: ler a petição inicial e obter os depoimentos dos intervenientes na reunião de 30 de março de 2021 confrontando-os com as alegações da A. na petição inicial; (2) Na vertente documental: juntar a petição inicial, reduzir a escrito tais depoimentos e obter as assinaturas dos respetivos intervenientes.
17. Constavam do procedimento disciplinar os depoimentos dos intervenientes na reunião de 30 de março de 2021 e a petição inicial, sendo que foi este o procedimento disciplinar que a R. juntou com o articulado motivador;
18. Em substância constava do procedimento disciplinar – que foi consultado pela A., por duas vezes, na fase anterior ao despedimento - o inquérito prévio, traduzindo-se este nas diligências instrutórias realizadas;
19. O relatório, em si, não aduz materialmente coisa nenhuma, nomeadamente matéria que seja relevante para a defesa da A. ou para a sindicância pelo tribunal de legalidade do processo, já que se limita a sintetizar/invocar factos que o instrutor apurou, e esses sim, têm vida própria e, para valerem, terão de estar documentalmente suportados;
20. Seria diferente se, por hipótese, o que estivesse no procedimento disciplinar fosse o relatório de inquérito prévio com a referência aos depoimentos, mas estes faltassem.
Aí, sim, poder-se-ia colocar, com pertinência, a questão de a A. não poder exercer de forma abrangente o seu direito de defesa;
21. A jurisprudência é unânime no sentido de que o momento relevante para identificar a conclusão do inquérito prévio previsto no art. 352.º do Código do Trabalho (CT) é a data da última diligência probatória, sendo completamente irrelevante nessa análise substantiva, o eventual relatório do inquérito prévio;
22. Este entendimento está em linha com a solução que o legislador definiu nos arts. 356.º e 357.º do CT para a instrução do processo disciplinar: o prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento conta-se desde a conclusão das diligências probatórias e não já da elaboração de um eventual relatório final do instrutor, que mais não é do que uma mera opinião ou síntese de factos;
23. Através de uma interpretação logico sistemática dos arts. 352.º e 356.º do CT, conclui-se que o procedimento prévio de inquérito, tal como a fase de instrução no processo disciplinar, termina com as últimas diligências probatórias, pelo que (1) um suporte documental que contenha as diligências probatórias realizadas é um inquérito prévio integral e completo à luz do CT; (2) Um relatório do inquérito prévio feito após a última diligência não faz parte do inquérito prévio integral e completo à luz do CT;
24. Toda a jurisprudência citada na sentença e que se pronuncia sobre a latitude do conceito de “procedimento disciplinar” previsto nos arts. 98º-I e 98º-J do CPT tem sempre como referencial os contornos dos casos concretos em análise e a sua interferência no direito de defesa do trabalhador e na possibilidade de sindicância pelo tribunal da legalidade dos procedimentos adotados;
25. A decisão em crise adota uma narrativa que se afasta da realidade – que não quis conhecer e na qual nunca entrou… - com vista a dar uma gravitas ao relatório do inquérito prévio na economia do presente procedimento disciplinar que manifestamente, no confronto com as circunstâncias concretas, é totalmente inexistente;
26. O relatório do inquérito prévio (composto por uma única página…) , cuja integração no procedimento, ao lado dos depoimentos das testemunhas - diligências probatórias do inquérito prévio –, seria o desfecho normal, mas que de facto não ocorreu, não tem relevância formal e muito menos material, seja no exercício do direito de defesa da A., seja no exercício da sindicância da legalidade pelo tribunal;
27. É inaceitável que o Tribunal, na densificação do inquérito prévio, privilegie o relatório final e desconsidere olimpicamente o inquérito prévio material levado a cabo, na aludida aceção documental, ou seja, os depoimentos dos intervenientes na reunião de 2021 e a petição inicial… referindo-se a estes como: apenas foram juntos alguns documentos e alguns autos de inquirição de testemunhas;
28. É inaceitável que se afirme que “foi com base” no relatório final que foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar, e não com base nos depoimentos obtidos e do confronto destes com a petição inicial e que infirmaram a tese da A.;
29. A sentença procede a uma síntese do texto da deliberação de 8 de março de 2024 com vista a facilitar a tese da essencialidade/nexo causal do relatório prévio que não tem amparo no alcance dos documentos juntos ao procedimento disciplinar e na circunstância de os administradores da R. coincidirem nos dois momentos relevantes;
30. Toda esta narrativa de gravitas do relatório prévio de inquérito visa, claramente, arredar a aplicação, ao presente caso, da jurisprudência que tem entendido que haverá situações em que a não junção com o articulado motivador de determinados elementos/peças que deveriam orgânica e materialmente fazer parte do procedimento disciplinar, desde que em concreto não sejam postas em causa garantias de defesa do trabalhador, não levará, necessariamente ao efeito fulminante da ilicitude prevista no n.º 3 do art. 98.º-J do CPT;
31. É essa, claramente situação dos presentes autos, afastada que seja, como se espera, por não verdadeira, a narrativa da relevância do relatório do inquérito que, como se deixou claro, é uma pura criação da decisão em crise sem nenhum amparo na realidade do caso concreto;
32. Como decorre da análise do procedimento disciplinar, a falta de junção do relatório final ao procedimento disciplinar, relatório este que se resume a uma página, é involuntária, contrariamente ao sustentado de forma totalmente gratuita na decisão em crise, que, para facilitar o acesso à tese que pretende fazer vingar, chega ao ponto de afirmar que a R. “optou por não o juntar”;
33. Se o Tribunal tinha dúvidas sobre se foi o relatório do inquérito junto pela R. aos autos o relatório que foi apresentado à Comissão Executiva, como de forma no mínimo pouco elegante refere, o que lhe era exigido era que sujeitasse à produção de prova tal factualidade;
34. A decisão em crise, ao determinar a ilicitude do despedimento da A. por ter equiparado a não junção do relatório do inquérito à não junção do inquérito prévio e esta à não junção do “procedimento disciplinar” prevista no n.º 3 do art. 98º-J do CPT, ignorando totalmente, neste seu juízo, as circunstâncias do caso concreto e o respetivo conhecimento das mesmas pela A., procedeu a uma errada interpretação do art. 352.º do CT e do art. 98.º-J do CPT,
35. Afastando-se, manifestamente, da linha jurisprudencial citada que se tem pronunciado sobre o tema e que reserva o efeito fulminante da ilicitude do despedimento apenas para casos grosseiros e levianos de incumprimento das obrigações inerentes a um processo que, apesar de antagónico, deve ser equilibrado e sério, e que parte sempre, mas sempre, das circunstâncias dos casos concretos, violando, assim, de forma grosseira, os princípios da proporcionalidade, igualdade e razoabilidade das decisões judiciais.
REQUER que o presente recurso seja instruído com:
• despacho saneador de 26.02.2025, ref.ª CITIUS ...;
• articulado motivador do despedimento de 04.07.2025, ref.ª CITIUS 49392285;
o requerimentos da mesma data, ref.ª CITIUS 49394062 e 49394087;
• contestação de 29.07.2025, ref.ª CITIUS 49582788;
• resposta de 16.08.2025, ref.ª CITIUS 49657757;
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgada procedente a nulidade invocada e o tribunal pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para ao despedimento, devendo ainda a Sentença em crise ser revogada e substituída por decisão que reconheça o cumprimento da obrigação de junção do procedimento disciplinar prevista no art. 98.º-J n.º 3 do CPT, assim se fazendo JUSTIÇA.
A Autora contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“ 1) A Recorrente alega que “Mantém o entendimento” de que o inquérito prévio é um tema interno e reservado do empregador e que não deve integrar o procedimento disciplinar, no entanto o principal argumento de defesa da Recorrente até este momento era, pasme-se, o alegado abuso de direito da Recorrida, na forma de venire contra factum proprium, porque não alertou a Recorrente, durante o decurso do procedimento disciplinar, para as falhas do mesmo, mormente, para a falta de junção do relatório final do inquérito prévio.
2) A Recorrente também alega que “optou por juntar ao procedimento disciplinar o inquérito prévio” e que tal junção foi apenas uma mera opção da Recorrente para reforçar a “credibilidade da acusação” e “permitir à Autora estruturar a sua defesa” – no entanto, toda a prova produzida pela Recorrente em sede de processo disciplinar assenta, em exclusivo, nos depoimentos prestados em sede de inquérito prévio.
3) A ter vencimento a tese que a Recorrente agora tenta colocar de pé, desesperada e tardiamente, diga-se, todo o processo disciplinar sucumbiria de imediato, por falta da alegada prova onde assentar a decisão de despedimento da trabalhadora.
4) Uma vez que a inquirição das testemunhas da Recorrente não foi realizada durante a fase de instrução do processo disciplinar (antes foi escudada da sindicância da trabalhadora, realizando-se todas as inquirições em sede de inquérito prévio, em momento que a Recorrida desconhecia a existência do procedimento disciplinar), e sendo tais depoimentos essenciais à fundamentação da decisão de despedimento (veja-se o Relatório Final do Processo Disciplinar, pelo menos, a fls. 6 – terceiro parágrafo – e a fls. 7 – três primeiros parágrafos), resulta evidente que a alegada opção da Recorrente não era uma verdadeira opção e nem a Recorrente tinha anteriormente alegado que o era.
5) Alega também a Recorrente que a decisão recorrida ignorou “as circunstâncias factuais do caso concreto, ou seja, o âmbito da acusação material em causa”, apesar de, como resulta do número 3 do artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho (CPT), a acusação material em causa não ter qualquer relevância para a declaração de ilicitude do despedimento por falta de junção do procedimento disciplinar, declaração esta que se impunha no caso em concreto e que nenhuma circunstância factual do caso concreto tinha a potencialidade de evitar.
6) A Recorrente defende, ainda, que a decisão recorrida “aplicou, por analogia, jurisprudência que nada tem que ver com o presente caso, e que, pelo contrário, deveria ter levado a concluir em sentido oposto”, mas a Recorrente não cita uma única fonte jurisprudencial, em todas as suas doutas Alegações, que lhe dê razão no que vem alegar.
7) A Recorrente limitou-se a tentar contrariar parte da jurisprudência citada pela Recorrida e pelo Tribunal a quo – alegando que os casos concretos que deram origem às decisões mencionadas não são totalmente idênticos ao caso em apreço e, portanto, demonstrando incompreensível dificuldade em interpretar e aplicar, por analogia, decisões que expressam uma posição unânime na jurisprudência.
8) Também sustenta a Recorrente que a decisão recorrida conferiu uma “gravitas” ao relatório do inquérito prévio que é inexistente, porquanto é “composto por uma única página…”, não foi junto ao procedimento disciplinar “atento o ambiente de preparação e organização de um procedimento disciplinar marcado pela celeridade” e “não tem relevância formal e muito menos material”.
9) No entanto, o relatório do inquérito prévio que veio a ser junto em sede judicial, e porque só aí foi junto, não oferece quaisquer garantias de ser o relatório elaborado pelos instrutores do inquérito prévio e apresentado ao órgão decisório da Recorrente.
10) Esta conclusão não é, como refere a Recorrente, “pouco elegante” – é lógica e imperativa, dado que as regras de forma sobre o processo disciplinar existem, justamente, para possibilitar a prova documental das diligências ocorridas, das decisões tomadas, da fundamentação adotada, etc. e se um elemento desse processo não é devidamente junto na data relevante, é inexorável a dúvida que se cria sobre a existência e conteúdo desse elemento.
11) A produção tardia do elemento em falta não tem a virtude de aplacar a dúvida que se cria sobre a existência e conteúdo desse elemento e, no caso em concreto, a sua produção tardia não impede os efeitos previstos na lei e a absoluta necessidade de se declarar a ilicitude do despedimento.
12) Efectivamente, a ausência desse elemento é irreconciliável com o conceito de um despedimento justo, porque tem efeitos directos no direito de defesa da Recorrida – pelo que tudo o mais perde relevância.
13) A Recorrente também alega que a decisão recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia, dado que não se pronunciou sobre os fundamentos invocados para o despedimento, mas a declaração de ilicitude consta de uma decisão interlocutória, no caso, em sede de despacho saneador, pelo que a pronúncia sobre os fundamentos invocados para o despedimento poderá e deverá ocorrer em sede de sentença final, altura em que “a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento” contribuirão (pois é essa a única utilidade desta análise) para a ponderação da indemnização a arbitrar à Recorrida.
14) Os autos prosseguiram para julgamento, com vista à produção de prova relativamente à matéria da reconvenção, pelo que o momento de deliberar sobre a indemnização a atribuir à trabalhadora ilicitamente despedida ainda não ocorreu - neste sentido, não se verifica qualquer nulidade na decisão recorrida.
15) Detalhadamente e seguindo a estrutura do douto Recurso de Apelação interposto pela Recorrente, com base no número 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho (CT) e da alínea d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), a Recorrente arguiu a nulidade do douto Despacho Saneador por omissão de pronúncia sobre “a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento”.
16) No entanto, não se verifica a alegada nulidade, uma vez que:
a) A obrigação que decorre do número 4 do artigo 387.º do CT funda-se na necessidade de avaliar o grau de ilicitude do despedimento, com vista à ponderação da indemnização a atribuir ao trabalhador ilicitamente despedido (entre 15 e 45 ou entre 30 e 60 dias de antiguidade), nos termos conjugados do número 1 do artigo 389.º e do número 1 do artigo 391.º ou do número 3 do artigo 392.º, todos do CT;
b) O momento relevante para arbitrar a indemnização em substituição da reintegração (a pedido do trabalhador ou do empregador) é na sentença final. No caso em concreto, acresce que os autos prosseguiram para produção de prova relativamente à reconvenção, onde foi peticionada, entre outros, indemnização por danos morais, e, nesse sentido, a sentença final será o momento adequado à pronúncia sobre os fundamentos invocados para o despedimento;
c) Por fim, e como referido, o despacho saneador é uma decisão interlocutória e não final, pelo que é prematuro invocar omissão de pronúncia, quando ainda não se esgotou o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz (cfr. artigo 613.º do CPC).
17) O que antecede resulta parcialmente do acórdão citado pela Recorrente, o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30/06/2022, proferido no processo 979/21.9T8VRL.G1, para onde se remete.
18) Face a tudo quanto antecede, é evidente a prematuridade da invocação da nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia.
19) Não obstante, e mesmo que assim se não entenda, verifica-se que assistem ao tribunal a quo as faculdades previstas nos números 1 e 2 do artigo 617.º do CPC, pelo que estará na sua inteira disponibilidade a supressão da alegada nulidade, se concordar com a mesma e assim o entender.
20) A Recorrente pretendeu criar uma série de supostas evidências da desnecessidade do inquérito prévio, olvidando, contudo, que foi sua opção exclusiva realizar o inquérito prévio e que a desnecessidade do inquérito prévio não tem qualquer impacto na obrigatoriedade de junção de todos os elementos do inquérito prévio ao procedimento disciplinar e, consequentemente, ao processo judicial.
21) Efectivamente, não relevam, minimamente:
a) A conduta da Recorrida e os factos que deram origem ao procedimento disciplinar – porquanto não interessa quão simples ou complexos são os factos constantes da Nota de Culpa, a regra ínsita no artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho (CPT) aplica-se de igual forma;
b) A celeridade com que a Recorrente tentou conduzir o procedimento disciplinar – uma vez que, independentemente da brevidade com que se queira conduzir o procedimento, as regras que enformam o mesmo têm de ser cumpridas e a regra ínsita no artigo 98.º-J do CPT aplica-se de igual forma;
c) O facto de a Recorrente não precisar de suspender os prazos de exercício do processo disciplinar – se a Recorrente realizou um procedimento supérfluo apenas de si se pode queixar e, mesmo que assim seja, a regra ínsita no artigo 98.º-J do CPT aplica-se de igual forma;
d) O facto de a Recorrente ter “optado” por inquirir as suas testemunhas em sede de inquérito prévio – esta questão, na realidade, milita a favor da importância e relevância do inquérito prévio e da essencialidade do respectivo relatório final, mas a Recorrente parece acreditar que era uma “opção” produzir a única prova que fundamenta a sua decisão de despedir a Recorrida. É risível este argumento, quando se sabe que não existiria prova alguma produzida pela Recorrente no procedimento disciplinar se não fosse a prova constante do procedimento prévio de inquérito. Veja-se a sentença recorrida, a páginas 16: “Mas mais, como decorre do procedimento disciplinar junto não existe nenhuma diligência de prova antes da nota de culpa que não tenha sido levada a cabo no procedimento prévio de inquérito e a própria nota de culpa é feita exclusivamente com base no que consta do processo prévio, pois como se viu a deliberação da comissão executiva de 8/03/2024 e a nota de culpa têm a mesma data, nada existindo no procedimento que tenha sido feito ou junto após a deliberação.”
22) Nenhuma destas circunstâncias tem qualquer impacto na obrigação que impendia sobre a Recorrente, de juntar aos autos o procedimento disciplinar – que incluiu um inquérito prévio por sua própria escolha.
23) Como refere a douta decisão recorrida (a páginas 11), e bem: “Sendo embora facultativo, sempre que existe o processo prévio de inquérito integra o procedimento disciplinar. E sempre que exista processo prévio de inquérito o mesmo tem de ser junto ao procedimento disciplinar, com todos os elementos que o compuseram no caso concreto. Não cabe ao empregador escolher quais os elementos do procedimento prévio de inquérito que realizou, nem utilizar critérios de utilidade e relevância relativamente aos elementos que junta.”
24) E, ainda, a páginas 14 da decisão recorrida: “Se o empregador julgou necessário realizar inquérito prévio para fundamentar a nota de culpa e, se, sendo facultativo, entendeu fazer diligências probatórias várias e se, não sendo obrigatório, entendeu fazer um relatório final, independentemente do conteúdo e da relevância de tais elementos terá de os organizar e juntar integralmente ao procedimento disciplinar subsequente. Vale isto por dizer que nada sendo obrigatório em termos de formalismo e registo dos actos levados a cabo nesta fase facultativa, existindo ela e existindo esses actos e registos escritos dos mesmos então têm, necessariamente, de ser compilados e juntos como processo prévio ao procedimento disciplinar.”
25) Diga-se que a realização de um inquérito prévio completamente desnecessário (como agora confessa e assume expressamente a Recorrente) não é uma estratégia inocente… É um subterfúgio do empregador, que pretende assim controlar a produção da prova que vai utilizar na sua decisão de despedimento, sem que a mesma seja sujeita à sindicância do trabalhador, que não pode participar ou assistir a essa produção de prova (pois desconhece a existência do procedimento no momento em que tais inquirições ocorrem).
26) Também vem alegar a Recorrente que o inquérito prévio “na dinâmica muito singular deste processo disciplinar” (que, diga-se, não é assim tão diferente dos demais processos disciplinares) consubstanciou-se na leitura da Petição Inicial que deu início ao processo de diferenças salariais e assédio que a Recorrida intentou contra a Recorrente e outra Co-Ré e realizar as inquirições das testemunhas arroladas pela Recorrente.
27) E, que, portanto, todos os elementos necessários e essenciais constavam do procedimento disciplinar: a Petição Inicial e os autos de inquirição.
28) O que nos leva a perguntar:
a) Sendo esses os elementos necessários e essenciais, por que razão não foram apresentados ao órgão de administração da Recorrente, com vista à tomada de decisão de instaurar o procedimento disciplinar?
b) Por que motivo foi apresentado ao órgão de administração um documento completamente irrelevante, inconsequente, desnecessário e supérfluo?
c) Aliás, por que foi, de todo, elaborado tal documento? Em especial num procedimento disciplinar que se pretendia tão célere e tão breve?
29) A teoria que a Recorrente tenta trazer aos autos não faz qualquer sentido, porquanto resulta de todo o procedimento disciplinar (e mormente, como confessa a própria, das páginas 544, 579 e 627), que o relatório final do inquérito prévio foi elaborado, foi considerado relevante e foi com base no mesmo que o Conselho de Administração da Recorrente decidiu instaurar o procedimento disciplinar contra a Recorrida.
30) Se tal relatório tinha uma página ou cem páginas, não sabemos nem nunca iremos saber, porquanto o mesmo não foi junto ao procedimento disciplinar no momento devido. Se tal relatório é relevante ou não, também não sabemos nem nunca iremos saber, porquanto o mesmo não foi junto ao procedimento disciplinar no momento devido. Estas questões, por si só, evidenciam que o procedimento disciplinar junto aos autos não é uma reprodução fiel das diligências realizadas, pois não existe certeza sobre o seu teor.
31) No entanto, não se pode julgar a relevância da junção do documento por um hipotético número de páginas ou pelo um hipotético conteúdo do documento: são elementos que desconhecemos. O que sabemos, efectivamente, é que o documento foi elaborado e, com base no mesmo, a Recorrente tomou a decisão de instaurar o procedimento disciplinar contra a Recorrida – e isso torna o documento essencial, independentemente do que possa alegar a Recorrente a posteriori.
32) Como resulta da decisão recorrida e para onde remetemos (a páginas 16): “Não se pode dizer que o relatório final, que apesar de facultativo existiu de forma escrita, é irrelevante ou inútil à defesa da trabalhadora quando é com base no que consta desse relatório final que é decidida a imediata suspensão preventiva da trabalhadora e a instauração de processo com vista ao seu despedimento. Nem se pode considerar o relatório que o empregador pretende juntar já em fase judicial, não só porque esta junção posterior não é admissível para completar um procedimento disciplinar que não foi junto de forma completa, como, com todo o respeito, não é possível ter a certeza que o relatório agora junto foi o relatório apresentado à comissão executiva. A partir do momento que o relatório final existe o mesmo devia ter sido junto ao procedimento disciplinar.”
33) Também alega a Recorrente que o prazo relevante, em sede de inquérito prévio, é o da última diligência probatória (cfr. artigo 352.º CT), pelo que o relatório final do inquérito prévio não faz parte do inquérito prévio. Esta pseudo-conclusão é completamente contrária a toda a prática jurídica no que diz respeito à elaboração de procedimentos disciplinares.
34) Aliás, seguindo a analogia que faz a Recorrente, teria de se concluir que o relatório final de um procedimento disciplinar, que sempre integra o procedimento disciplinar e tem extrema relevância para aferir da ponderação que foi feita da prova e da forma através da qual os factos constantes da Nota de Culpa foram considerados provados, não faz parte do procedimento disciplinar.
35) Não é minimamente expectável que se considere que o relatório final do procedimento disciplinar não integra o procedimento disciplinar porque ocorre após a última diligência probatória… Esta conclusão não tem sustentação legal e nem cabimento naquela que é a prática portuguesa – nem a prática da Recorrente, como resulta do procedimento disciplinar junto.
36) E se isto é verdade para o relatório final do procedimento disciplinar, resulta igualmente verdadeiro para o relatório final do procedimento prévio de inquérito, dado que a Requerente faz uma interpretação integrada dos artigos 352.º, 356.º e 357.º do CT.
37) Também vem alegar a Recorrente que o relatório final do inquérito prévio não tem relevância, porque:
c) Os factos de que acusam a Recorrida são tão simples que não poderiam ter sido realizadas outras diligências probatórias que pudessem integrar o relatório final do inquérito prévio;
d) Os administradores já conheciam a conduta da Recorrida, por via da Petição Inicial apresentada pela mesma, pelo que “o que motivaria deliberar a instauração do procedimento de inquérito seriam sempre as diligências probatórias traduzidas nos depoimentos das pessoas que estiveram presentes na reunião”.
38) No entanto, diga-se que o relatório final do inquérito prévio que a Recorrente carreou para o processo e que afirma ser o correcto, nada refere sobre o teor dos depoimentos das testemunhas, pelo que as questões que se colocaram supra mantêm-se.
39) Quanto à reunião da Comissão Executiva da Recorrente em que foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar à Recorrida, afirma a Recorrente que “após leitura do relatório (com 14 linhas…) (…) foi discutido e objecto de ponderação e análise crítica pela Comissão Executiva (…)”.
40) No entanto, estas 14 linhas não mencionam os elementos que a Recorrente reputou de essenciais (em especial, o resultado das diligências probatórias realizadas), pelo que se desconhece o que foi discutido, ponderado e objecto de análise crítica… apesar de a Recorrente, mais à frente, indicar que existiram outras razões de ciência sobre os factos, as mesmas não constam especificamente nem do alegado relatório nem da ata da reunião, pelo que também se desconhecem.
41) São factos incontornáveis que i) a Recorrida desconhece o conteúdo do relatório final do procedimento prévio de inquérito, ii) a omissão de junção deste documento ao procedimento disciplinar e aos autos é da total e exclusiva responsabilidade da Recorrente e iii) o seu direito de defesa resulta irremediavelmente impactado por esta circunstância.
42) Por fim, a Recorrente discorre novamente sobre a “narrativa de gravitas” do relatório final do inquérito prévio que considera “uma pura criação da decisão em crise induzida pela A.” – culpando a Recorrida por salientar este tema na sua defesa e inferindo que o Tribunal a quo foi negativamente influenciado pela ousada estratégia de defesa da Recorrida, efabulando uma narrativa inexistente.
43) A Recorrente também apelida de pouco elegante a menção ao facto de que se desconhece o teor do relatório final do procedimento de inquérito prévio.
44) Como é seu apanágio desde início, a responsabilidade de tudo quanto de negativo ocorre é da Recorrida (relembre-se a infeliz defesa por recurso a venire contra factum proprium…). São até da responsabilidade da Recorrida os erros cometidos pela Recorrente, uma entidade empregadora com recursos praticamente ilimitados e, portanto, sem qualquer justificação desculpabilizante para organizar e tramitar um procedimento disciplinar sem os erros, lapsos e imprecisões que resultam do procedimento disciplinar instaurado à Recorrida (cfr. o exaustivo elenco a páginas 8 da sentença recorrida, para onde se remete);
45) Quando se refere à alegada “gravitas” atribuída à omissão do relatório final do inquérito prévio, esquece a Recorrente que a omissão do relatório final do inquérito prévio é a mais grave de muitas outras omissões e imprecisões.
46) Referir que se dá muita relevância à falta de um elemento, como se fosse o único elemento em falta, parece transmitir a ideia de que existe uma cabala da Recorrida e do Tribunal ad quo contra a Recorrente, mas não é o caso.
47) Todos os demais lapsos, erros e omissões foram considerados não essenciais pelo douto Tribunal recorrido, mas ocorreram, ainda assim. No entanto, tal apreciação – de não essencialidade - não pode ser estendida, pelos motivos supramencionados e bem expressos na decisão ora recorrida, à falta do relatório final do inquérito prévio.
48) Efectivamente, como se menciona a páginas 15, 16 e 17 da sentença recorrida: “Como decorre de todo o exposto o procedimento prévio de inquérito existiu mas dele, no procedimento disciplinar, apenas foram juntos alguns documentos e alguns autos de inquirição de testemunhas. Não foi junta a deliberação que determinou a instauração do inquérito prévio, nem a nomeação de instrutor, e não foi junto o relatório final do instrutor.
É com base neste relatório final que a comissão executiva deliberou instaurar procedimento disciplinar com vista ao despedimento. Não se pode dizer que o relatório final, que apesar de facultativo existiu de forma escrita, é irrelevante ou inútil à defesa da trabalhadora quando é com base no que consta desse relatório final que é decidida a imediata suspensão preventiva da trabalhadora e a instauração de processo com vista ao seu despedimento. (…)
Mas mais ainda, é na própria deliberação de 8/03/2024 que consta expressamente que a deliberação é tomada com base nos factos que constam do relatório final do instrutor, referindo-se expressamente que a “gravidade dos factos apurados” justificam a suspensão preventiva imediata. (…) Ora não se vê como, para tentar salvar os presentes autos duma decisão formal, se possa considerar que o relatório final não era importante, relevante ou útil no caso concreto, quando é exclusivamente com base no mesmo e nos factos que foram apurados no inquérito prévio que foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar a suspensão imediata da trabalhadora e é com base nele também que foi elaborada a nota de culpa.”
49) Resulta de tudo quanto antecede e de toda a jurisprudência citada na Contestação da Recorrida e do despacho saneador recorrido que não pode ser a Recorrente a decidir o que é relevante ou não é relevante juntar ao procedimento disciplinar, seja qual for o critério que utilize – de utilidade, de pertinência, de efeito na defesa da Recorrida, etc. É exatamente por esse princípio ser basilar no direito laboral português que a falta de junção aos autos do procedimento disciplinar, em todos os seus elementos, redunda na imediata declaração de ilicitude do despedimento.
50) A decisão recorrida limitou-se a cumprir a lei, de acordo com os ditames da jurisprudência unânime nesta matéria, razão pela qual deve ser integralmente mantida, o que se requer ao douto Tribunal ad quem.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado totalmente improcedente o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Fazendo-se, assim, a habitual e acostumada JUSTIÇA.”
A Mma. Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade nos seguintes termos:
“Nas alegações de Recurso apresentadas em 19.03.2025, a Recorrente Caixa - Banco de Investimento, S.A. vem arguir a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, sustentando que o tribunal deveria ter apreciado os fundamentos invocados para o despedimento, independentemente dos vícios formais, por força do disposto no art. 387.º, nº 4, do C. do Trabalho.
Afigura-se-nos, porém, que a norma em apreço não é aplicável ao caso sub iudice, na medida em que a declaração de ilicitude do despedimento resultou diretamente da aplicação do disposto no art. 98.º-J, nº 3, do C. de Processo do Trabalho – que determina que se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador – norma que não exceciona o disposto no nº 4 do art. 387.º do C. do Trabalho. Nem teria sentido tal exigência, na medida em que a própria norma estabelece as consequências da omissão da junção do procedimento disciplinar, e que se reconduzem à imediata reintegração do trabalhador, ao pagamento dos salários intercalares e à notificação do trabalhador para, querendo, peticionar outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
Pelo exposto, entendemos que inexiste a apontada nulidade.”
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de não se verificar a nulidade da sentença arguida e da improcedência do recurso.
A Ré respondeu ao Parecer invocado que não deve ser atendido e concluindo como nas alegações de recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, foram submetidas à apreciação deste Tribunal as questões seguintes:
1.ª- Da nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia.
2.ª- Se a falta de junção do relatório final do inquérito prévio impõe a conclusão de que o empregador não juntou aos autos o inquérito prévio e, consequentemente, o procedimento disciplinar completo, com a consequência prevista no artigo 98-J nº 3 do Código de Processo do Trabalho- declaração imediata da ilicitude do despedimento com as legais consequências.
Fundamentação de facto
O factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório que antecede.
Fundamentação de direito
Comecemos, então, por apreciar a alegada nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia.
A este propósito invoca o Recorrente, muito em suma, que, nos termos do artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho, independentemente do vício formal em causa, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento. No caso presente, o Tribunal não se pronunciou sobre aqueles fundamentos, pelo que, a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
O Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de inexistir a alegada nulidade.
Apreciando:
O artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso por força do artigo 77.º do CPT, enuncia, de modo taxativo, as causas de nulidade da sentença.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, al.d) do CPC, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar….”
Esta nulidade decorre da inobservância do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC na parte em que estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”
Sobre este vício da sentença escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pag.737: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)”.
Também sobre este vício da sentença ensina o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, Coimbra Editora LIM, pags.142 e 143: “Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do artigo 660.º.Impõe-se ai ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos resulta da infracção do referido dever.
(…).
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Do exposto resulta que a nulidade resultante da omissão de pronúncia não se basta com a mera falta de pronúncia sobre determinados fundamentos, pelo que, cumpre apurar se, no caso, se impunha ao Tribunal a quo verificar da procedência dos fundamentos invocados pelo empregador para o despedimento da trabalhadora.
O Tribunal a quo declarou a ilicitude do despedimento da Autora à luz do artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
E como refere o Recorrente, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento nos termos do artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho.
Contudo, resta saber se estava obrigado a essa pronúncia.
Estatui o n.º 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho:
“4 - Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.”
Compreende-se a preocupação do legislador com a referida norma. Com efeito, caso o trabalhador opte pela indemnização de antiguidade, o juízo sobre a procedência dos fundamentos do despedimento releva para o apuramento do valor da indemnização posto que, de acordo com o artigo 391.º n.º 1 do Código do Trabalho cabe ao tribunal apurar o seu montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, para o que deverá atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º que prevê na sua alínea c) “se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente.”
Sucede que, no presente caso, por determinação legal, o Tribunal decretou a reintegração da trabalhadora, donde nenhuma relevância assume a verificação e procedência dos fundamentos do despedimento. Tratar-se-ia, pois, da prática de acto inútil proibido pelo artigo 130.º do CPC.
É certo que a Autora, em reconvenção, também peticionou a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais que alega ter sofrido em consequência do despedimento que lhe foi movido. E, obviamente que, a concluir-se que inexistiu justa causa para o despedimento, tal conclusão repercutir-se-á no montante daquela indemnização. Contudo, foi determinado o prosseguimento dos autos para apreciação da reconvenção, pelo que o momento próprio para avaliar das consequências do despedimento nos alegados danos não patrimoniais será quando for proferida a sentença.
Acresce que o saneador sentença declarou a ilicitude do despedimento da Autora ao abrigo do disposto no artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho.
A norma do artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho é uma norma de direito substantivo. E, nessa medida, quando se refere “à apreciação de vícios formais”, tem em vista os vícios formais de direito substantivo previstos no Código do Trabalho que invalidam o despedimento, como a prescrição, a caducidade (artigos 329.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho) e todos os demais vícios a que aludem os artigos 382.º n.º 2, 383.º, 384.º, 385. do Código do Trabalho e onde não está incluída a não junção aos autos do procedimento disciplinar.
Por seu turno, o artigo 98.º-J n.º do Código de Processo do Trabalho estatui:
“1 - O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
2 - No caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito.
3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
4 - Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido nas alíneas a) e b) do número anterior.
5 - Se o trabalhador apresentar o articulado a que se refere a alínea c) do n.º 3, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar contestação, observando-se seguidamente os restantes termos do processo comum regulados nos artigos 57.º e seguintes.”
Trata-se de uma norma adjectiva que prevê, ela própria, as consequências para a não junção do procedimento disciplinar, independentemente da verificação da procedência dos fundamentos do despedimento o que, aliás, contrariaria a constatação de que o procedimento disciplinar não foi junto aos autos; é que se o procedimento disciplinar não foi junto aos autos, nada há a verificar e a apreciar quanto aos fundamentos do despedimento.
Concluindo, tendo o despedimento sido considerado ilícito por falta de junção do relatório final do inquérito prévio, o que foi reconduzido à falta de junção do procedimento disciplinar, não tinha a Mma. Juiz a quo de se pronunciar sobre os fundamentos do despedimento, nos termos do n.º 4 do artigo 387.º do CPC.
Improcede, pois, a arguida nulidade do despacho saneador sentença.
*
Analisemos, agora, se a falta de junção do relatório final do inquérito prévio impõe a conclusão de que o empregador não juntou aos autos o inquérito prévio e, consequentemente, o procedimento disciplinar completo, com a consequência prevista no artigo 98-J nº 3 do Código de Processo do Trabalho- declaração imediata da ilicitude do despedimento com as legais consequências.
Em suma, entendeu o despacho saneador sentença que, tendo sido realizado inquérito prévio, a falta de junção do respectivo relatório final com base no qual foi deliberada a instauração do procedimento disciplinar com vista ao despedimento, a imediata suspensão preventiva da trabalhadora e com base no qual foi elaborada a nota de culpa, equivale à não junção, pelo empregador, do procedimento disciplinar completo, com a consequência prevista no artigo 98-J nº 3 do Código de Processo do Trabalho, isto é, declaração imediata da ilicitude do despedimento com as consequências previstas naquela norma.
O Recorrente discorda estribando-se, essencialmente, nos seguintes fundamentos: i)O inquérito prévio é um tema interno e reservado e, tirando os casos em que seja necessário para obter o efeito suspensivo dos prazos de caducidade, não integra o procedimento disciplinar, sendo que, no presente caso, não está em causa suspender tais prazos; ii) O Tribunal ignorou, em toda a linha, as circunstâncias factuais do caso concreto tendo aplicado, na densificação do conceito de procedimento disciplinar previsto no artigo 98º-J n.º 3 do CPT, por analogia, jurisprudência cujos contornos nada têm que ver com os do presente caso e que, pelo contrário, deveria ter levado a concluir em sentido oposto; iii) No caso atenta a simplicidade da acusação, o que foi reconhecido pela Autora na sua resposta à nota de culpa, o inquérito prévio sempre seria desnecessário, já que não só a conduta ficou logo conhecida em toda a sua extensão por quem detinha o poder disciplinar, como não estava em risco o decurso de prazos de caducidade ou prescrição; iv) O inquérito prévio, na dinâmica muito singular deste processo disciplinar, traduziu-se (1) na vertente atividade humana: ler a petição inicial e obter os depoimentos dos intervenientes na reunião de 30 de Março de 2021 confrontando-os com as alegações da A. na petição inicial; (2) Na vertente documental: juntar a petição inicial, reduzir a escrito tais depoimentos e obter as assinaturas dos respetivos intervenientes; v) Constavam do procedimento disciplinar os depoimentos dos intervenientes na reunião de 30 de Março de 2021 e a petição inicial, sendo que foi este o procedimento disciplinar que a Ré juntou com o articulado motivador; vi) Em substância constava do procedimento disciplinar – que foi consultado pela A., por duas vezes, na fase anterior ao despedimento - o inquérito prévio, traduzindo-se este nas diligências instrutórias realizadas; vii) O relatório, em si, não aduz materialmente coisa nenhuma, nomeadamente matéria que seja relevante para a defesa da A. ou para a sindicância pelo tribunal de legalidade do processo, já que se limita a sintetizar/invocar factos que o instrutor apurou, e esses sim, têm vida própria e, para valerem, terão de estar documentalmente suportados; viii) A jurisprudência é unânime no sentido de que o momento relevante para identificar a conclusão do inquérito prévio previsto no art. 352.º do Código do Trabalho (CT) é a data da última diligência probatória, sendo completamente irrelevante nessa análise substantiva, o eventual relatório do inquérito prévio, entendimento que está em linha com a solução que o legislador definiu nos arts. 356.º e 357.º do CT para a instrução do processo disciplinar: o prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento conta-se desde a conclusão das diligências probatórias e não já da elaboração de um eventual relatório final do instrutor, que mais não é do que uma mera opinião ou síntese de factos; xix) A decisão em crise adota uma narrativa que se afasta da realidade – que não quis conhecer e na qual nunca entrou… - com vista a dar uma gravitas ao relatório do inquérito prévio na economia do presente procedimento disciplinar que manifestamente, no confronto com as circunstâncias concretas, é totalmente inexistente; x) O relatório do inquérito prévio (composto por uma única página…), cuja integração no procedimento, ao lado dos depoimentos das testemunhas - diligências probatórias do inquérito prévio –, seria o desfecho normal, mas que de facto não ocorreu, não tem relevância formal e muito menos material, seja no exercício do direito de defesa da A., seja no exercício da sindicância da legalidade pelo tribunal; xi) É inaceitável que o Tribunal, na densificação do inquérito prévio, privilegie o relatório final e desconsidere o inquérito prévio material levado a cabo, na aludida acepção documental, ou seja, os depoimentos dos intervenientes na reunião de 2021 e a petição inicial; e xii) Como decorre da análise do procedimento disciplinar, a falta de junção do relatório final ao procedimento disciplinar, relatório este que se resume a uma página, é involuntária, contrariamente ao sustentado de forma totalmente gratuita na decisão em crise, que, para facilitar o acesso à tese que pretende fazer vingar, chega ao ponto de afirmar que a Ré “optou por não o juntar”.
Dispõe o artigo 98º-I, nº4, al. a), do Código de Processo do Trabalho que “Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:
a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;“
Ora, é inquestionável que o Réu, com o articulado motivador do despedimento deu cumprimento ao disposto no artigo 98.º-I, n.º 4, al. a), do Código de Processo do Trabalho, isto é, juntou um procedimento disciplinar escrito que determinou a aplicação, à trabalhadora, da sanção de despedimento com justa causa, pelo que, como refere o despacho saneador recorrido, “não está, portanto, em questão a omissão ou falta total de junção do procedimento disciplinar”.
O que importa apurar é se o procedimento disciplinar que foi junto pelo Réu não se mostra completo em virtude de não ter sido junto o relatório do inquérito prévio e se tal omissão acarreta a consequência a que alude o artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
Sublinha-se que as demais omissões constatadas pelo Tribunal a quo, bem como a falta de sequencialização de determinados actos foram relevados, o que não foi posto em causa pelas partes, pelo que, esse segmento da decisão transitou em julgado.
O inquérito prévio está previsto no artigo 352.º do Código do Trabalho, norma que estatui:
Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.”
Da leitura da norma resulta, desde logo, que o inquérito prévio é facultativo..
E tem lugar quando seja necessário para fundamentar a nota de culpa. Ou seja, ou o empregador entende que o inquérito prévio é necessário para recolher elementos para fundamentar a nota de culpa e, nesse caso, dá início ao mesmo ou entende que a simplicidade dos factos praticados pelo trabalhador não justificam a realização de um conjunto de diligências com vista a fundamentar a nota de culpa.
No presente caso, dúvidas não existem de que a Recorrente realizou um inquérito prévio. E se o realizou foi porque considerou que o mesmo era necessário para fundamentar a nota de culpa que veio a deduzir contra a trabalhadora. Por isso, salvo o devido respeito, não faz sentido vir agora defender que, face à materialidade e simplicidade dos factos em causa, o inquérito prévio revela-se completamente desnecessário.
Neste quadro, importa, pois, apurar se tendo sido realizado inquérito prévio, como foi, a empregadora estava obrigada a juntá-lo, na íntegra, ao procedimento disciplinar, sob pena de se considerar que não juntou aos autos o inquérito prévio e, no fim de contas, o procedimento disciplinar, sendo certo que, neste momento, não releva a afirmação do Recorrente que o relatório final se resume a uma página e que a sua não junção é involuntária.
Sobre o início do procedimento disciplinar escreve Pedro Furtado Martins, na obra “Cessação do Contrato de Trabalho , 4º Edição, revista e atualizada., Principia, pag.199 e 200: “ A instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do n.º 2 do artigo 354.º.
(…).
Quanto ao inquérito prévio, considera-se não ter de ser comunicado ao trabalhador, nem quanto à sua existência, nem quanto ao seu conteúdo. O dever de revelar ao trabalhador os comportamentos averiguados no inquérito só surge no momento da apresentação da nota de culpa. Na verdade, não existe um preceito que consagre um dever de o empregador informar o trabalhador sobre os factos objeto de inquérito, nem tão-pouco se descortina qual a regra ou o princípio geral de onde tal obrigação se deduza. Aliás, todo o sistema legal relativo ao procedimento disciplinar está construído de forma a assegurar a defesa do trabalhador contra as acusações que lhe forem dirigidas pela entidade empregadora. Daí decorre a necessidade de formular uma nota de culpa com uma descrição circunstanciada dos factos imputados (artigo 353.º, 1), exigência que se justifica precisamente em homenagem ao direito de defesa do trabalhador, já que este só tem possibilidade de se defender perante acusações concretas e minimamente identificadas. Defesa que se exerce em momento próprio , através da resposta à nota de culpa, bem como do direito de consulta do processo e de requerer a realização de diligências probatórias (artigos 355.º e 356.ª). Acresce que na decisão final só podem ser considerados factos invocados na nota de culpa (artigo 357.º), o que inviabiliza que o trabalhador seja surpreendido com decisões fundadas em acusações relativamente às quais não teve oportunidade de se defender. Estão pois, asseguradas amplas possibilidades de defesa, a exercer em momento próprio e rodeadas de adequadas garantias pois a violação das regras citadas é suscetível de conduzir à nulidade do procedimento e à consequente ilicitude do despedimento (artigo 382.º n.º 2). Perante este conjunto de garantias de defesa, não se vê fundamento para obrigar o empregador a comunicar ao trabalhador os factos do inquérito.
Tanto mais que tais factos só poderão adquirir relevância disciplinar se vierem a constar da nota de culpa, nos moldes atrás assinalados.”
E na pag. 202, a propósito do efeito interruptivo do inquérito prévio, escreve o mesmo autor: “Tal implica que o inquérito prévio faz parte do procedimento, sendo um dos atos que o integra, ainda que de realização não obrigatória.”
Assim, mesmo aceitando-se que, no caso de haver inquérito prévio o empregador deve revelá-lo ao trabalhador no momento da comunicação da nota de culpa e que este, a existir, integra o procedimento disciplinar, mantém-se a questão de saber se a falta de junção do relatório final do inquérito prévio equivale à não apresentação do inquérito prévio e, fazendo este parte do procedimento disciplinar, à falta de apresentação deste último.
Ora, da análise das disposições legais relativas ao procedimento disciplinar é manifesto que o trabalhador defende-se dos factos que lhe são imputados na nota de culpa e não das conclusões constantes do relatório final do inquérito prévio. Aliás, entendemos que assumem maior relevância as diligências levadas a cabo no inquérito prévio, no caso a inquirição das testemunhas que presenciaram os factos e das quais a Autora tomou conhecimento, do que a impressão que o instrutor terá retirado das diligências que realizou e que fez consignar no relatório final que não foi junto.
Isto equivale a dizer que o relatório final do inquérito prévio, no caso, não se assume como essencial à defesa da trabalhadora nem vislumbramos em que medida coartou o seu direito de defesa. Aliás, não encontramos disposição legal que exija a elaboração de um relatório final no inquérito prévio.
Como escreve Diogo Vaz Marecos no Código do Trabalho – Comentado, 5ª edição, 2023, pag. 996, que vem citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2024, Processo n.º 2590/23.0T8VIS.C1 consultável em www.dgsi.pt, “Quando concluída a instrução do procedimento prévio de inquérito e antes dos autos serem conclusos ao empregador para que este ou o superior hierárquico com competência disciplinar decida do arquivamento do procedimento prévio de inquérito ou do prosseguimento dos autos para notificação ao trabalhador de nota de culpa, é bastante comum, na prática, a realização, pelo Instrutor, de um documento escrito, onde consta tudo quanto foi feito na própria instrução, e que é vulgarmente designado por relatório de procedimento prévio de inquérito ou, tão somente, por relatório. A Lei não exige semelhante documento, e porque não exige semelhante documento, não pode ele ser considerado para efeitos de início de contagem do prazo de 30 dias que o empregador dispõe para notificar o trabalhador da nota de culpa. Ou seja, ainda que o Instrutor decida realizar semelhante documento, esse documento deverá ser realizado dentro do prazo de 30 dias, sendo irrelevante a sua realização para efeitos de contagem do prazo, que se inicia com a última diligência probatória efectuada no inquérito prévio”[12].
E como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.02.2012, processo n.º 298/10.6TTFIG.C1, consultável em dgsi.pt e citado no Acórdão do mesmo Tribunal de 11.10.2024, “ I – O inquérito prévio a que alude o artº 352º do CT/2009 é um procedimento constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.
II – Para efeitos da análise do momento da sua conclusão, relevante para efeitos da caducidade do direito de exercício disciplinar, deve ser integrado, apenas, pelas diligências probatórias necessárias ao referido apuramento, sendo de excluir dessa análise um relatório final do instrutor do processo.
(…).”
Ou seja, na economia do inquérito prévio, a existência, ou não, de um relatório final do instrutor nenhuma relevância assume para efeitos de contagem dos prazos a que se refere o artigo 329.º do Código do Trabalho, nem para efeitos do direito de defesa do trabalhador, tanto mais que o que relata pode nem traduzir o que resulta da instrução realizada.
Por fim, a jurisprudência invocada na sentença permite afirmar que, a ter existido inquérito prévio, este integra o procedimento disciplinar e deve ser junto aos autos, mas já não legitima a afirmação de que a não junção do relatório final do inquérito prévio implica a não junção do procedimento disciplinar na íntegra.
Consequentemente, entendemos, salvo o devido respeito, que é desproporcional e desadequado considerar, como considerou o despacho saneador, que a falta de junção do relatório do inquérito prévio é igual à falta de apresentação do procedimento disciplinar com as consequências previstas no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT.
Consequentemente, procede o recurso, devendo ser revogado o despacho saneador recorrido na parte em que declarou a ilicitude do despedimento nos termos do artigo 98.º-J n.º 3 do CPT com as consequências que enumera, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos, sem prejuízo da apreciação, pelo Tribunal a quo de outras excepções que obstem a tal.

Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
- Julgar o recurso procedente e revogar o despacho saneador recorrido na parte em que declarou a ilicitude do despedimento com as consequências que enuncia devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos, sem prejuízo da apreciação de outras excepções que obstem a tal.
Custas do recurso pela Recorrida (artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 5 de Novembro de 2025
Celina Nóbrega
Paula Santos
Alda Martins