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IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
O processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulado nos arts. 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, é aplicável a acção que tem por base a comunicação por escrito de decisão de despedimento com justa causa fundamentada em mais de 5 faltas injustificadas ao trabalho.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em 9-05-2025, contra MIPPC - Manutenção Industrial de Plásticos, Poliester e Chumbo, Unipessoal, Lda., apresentando o formulário a que se referem os arts. 98.º-C e 98.º-D do CPT (Código de Processo do Trabalho), em que se opõe ao despedimento promovido pela ré e requer que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
Junta a decisão que lhe foi comunicada pela ré, assinada pela respectiva gerência, com o seguinte teor: «Assunto: Despedimento por justa causa Registada Com Aviso de Receção Exmº. Senhor De acordo com o contrato de trabalho celebrado entre esta empresa e V. Exª, em 02 de Agosto 2021, informo que em consonância com o estipulado no n.º 1 e n.º 2 alínea g) do Art.º 351.º do Código do Trabalho, deve V.ª Ex.ª considerar-se desvinculado desta empresa por se ter ausentado por mais de 5 dias úteis seguidos, sem que, para tal, tenha apresentado, enviado ou feito remeter qualquer justificação. Alhos Vedros, 30 de Abril 2025»
Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho: «(…) Nos termos do disposto no art. 98º-C, nº. 1 do Código de Processo do Trabalho: “1 - Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”. A referida norma não prevê as situações de denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, em virtude do abandono do posto de trabalho. Inexiste, assim, decisão de despedimento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º-C do CPT, não sendo esta a forma de processo adequada para o efeito jurídico que pretende produzir. Assim, verifica-se erro na forma de processo. Nos termos do disposto no art. 193.º do Código de Processo Civil: “1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.” Do confronto entre o formalismo adotado e o formalismo do processo comum (cfr. artigos 54.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho), importa concluir que não é possível o aproveitamento do requerimento apresentado, o que, nos termos a que supra se aludiu, determina a nulidade de todo o processado. A nulidade de todo o processo constitui exceção dilatória de que o Tribunal conhece oficiosamente e que, no caso vertente, determina o indeferimento liminar do requerimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 577º, n.º. 1 alínea b), 578º, 196º e 590º, nº. 1 todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex-vi do artigo artº. 1º, nº. 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.. Face ao exposto e ao abrigo dos dispositivos citados, o tribunal decide indeferir liminarmente o requerimento apresentado. Notifique.»
O Autor, patrocinado pelo Ministério Público, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. O Tribunal a quo, indeferiu liminarmente o requerimento/formulário apresentado pelo trabalhador AA, com vista a opor-se ao despedimento promovido pela entidade patronal, porquanto se entendeu ter aquele incorrido em erro sobre a forma de processo ao ter lançado mão da Ação Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, prevista no artigo 98.º - C e seguintes do Código de Processo do Trabalho, doravante reportado por CPT, ao invés de haver recorrido a uma ação comum. 2. Mais concretamente, entendeu o Tribunal que a cessação do contrato celebrado entre o trabalhador, Autor nos autos em epigrafe, e a entidade empregadora se estribou em “denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, em virtude do abandono do posto de trabalho.”. 3. O artigo 98.º - C, n.º 1, do CPT prevê que «Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.». 4. No artigo 387.º n.º 2 do Código do Trabalho, doravante reportado por CT, enuncia-se que o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte. 5. Destarte, esta forma especial de ação apenas pode ser utilizada quando: - haja uma comunicação por escrito da entidade patronal ao trabalhador; - que essa comunicação se reporte a uma decisão de despedimento individual; e, - que esse despedimento individual tenha por fundamento facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação. 6. Acede-se que as situações de abandono do posto de trabalho não têm cabimento legal no artigo 98.º - C, n.º 1, do CPT, estando a opção por esta ação especial circunscrita aos casos em que o despedimento seja por facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação. 7. Sucede que, da mera leitura da comunicação junta pelo trabalhador e que lhe foi entregue pela sua entidade empregadora, logo avulta que o despedimento se ficou a dever a “despedimento por justa causa”, mais concretamente, a ausência do trabalhador “(…) por mais de 5 dias úteis seguidos, sem que para tal, haja apresentado, enviado ou feito remeter qualquer justificação.”. 8. A verdade é que foi a desconsideração do teor do documento junto, pelo despacho recorrido, mormente da causa de despedimento – justa causa por faltas injustificadas – que levou a uma equiparação da suposta inidoneidade do documento à sua falta de apresentação, constituindo tal, exceção dilatória insuprível, o que originou o indeferimento liminar de que ora se recorre. 9. Face ao exposto e considerando-se que a situação sub judice se consubstancia num inequívoco despedimento comunicado por via da entrega ao trabalhador de carta, dela constando como causa expressa: “Despedimento por justa causa”, a opção pela ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento apresentasse não só admissível, como correta, estando ademais o trabalhador dentro do prazo legal para impugnar tal despedimento. 10. A presente ação inicia-se de facto, com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sendo apenas admitido tal requerimento pela secretaria se constar de modelo próprio, identificar as partes, juntar a decisão de despedimento e se encontrar assinado. 11. Ao introduzir a utilização do formulário previsto no artigo 98.º-C do CPT, o legislador pretendeu fazer incluir neste tipo de procedimento todas as decisões de despedimento em que resultasse inequívoco a cessão do vínculo laboral por iniciativa da entidade patronal. 12. Tendo o Autor/trabalhador preenchido o formulário próprio e junto a comunicação que lhe foi entregue pela entidade patronal, corporizada em carta que lhe foi enviada, com o titulo “Despedimento por justa causa”, mostra-se cumprido o ónus a cargo do trabalhador de impugnar judicialmente aquele despedimento nos termos do citado normativo. 13. Acresce que, dada a tipologia de despedimento em causa corporizada no documento entregue ao trabalhador – despedimento por justa causa com fundamento em faltas injustificadas, ex vi do artigo 351.º do CT – constitui ónus da entidade patronal fundamentar e justificar o despedimento. 14. O Autor nos autos recorridos alega que foi despedido em 30-04-2025, com base na comunicação da entidade empregadora que juntou, e da qual resulta, ter, inequivocamente, ocorrido um despedimento classificado pela entidade patronal como sendo “despedimento por justa causa”, estribado em “ausência por mais de 5 dias úteis seguidos, sem que para tal haja apresentado, enviado ou feito remeter qualquer justificação”. 15. O formulário e a decisão da empregadora juntos consubstanciam os elementos suficientes e necessários para este tipo especial de ação, posto que dali resulta a vontade unilateral, clara e inequívoca desta em fazer cessar o contrato de trabalho. 16. É manifesto que in casu existe a aparência de um despedimento, a apurar na ação, tornando-se, pois, necessário que os autos prossigam a sua tramitação normal, a fim de que seja apreciado o mérito da pretensão do Autor, no caso a prolação de declaração da ilicitude e irregularidade do despedimento, conforme previsto no artigo 98.º - C do CPT. 17. Constando do documento junto ao formulário a inequívoca intenção concretizada de efetuar um despedimento, é tal carácter inequívoco, unilateral e irretratável que leva a que o M.P. considere que o processo especial de impugnação judicial da regularidade do despedimento é o meio idóneo para o trabalhador exercer os seus direitos. 18. A interpretação do despacho recorrido, além de violar o espírito e a letra do artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, viola frontalmente os artigos 53.º e 20.º, n.º 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, sendo além do mais, inconstitucional, por violação mormente, do princípio da proibição do despedimento sem justa causa, e bem assim o direito a um processo judicial equitativo e à tutela efetiva na defesa desses direitos, princípios constitucionais que expressamente se invocam. 19. Consequentemente e por tudo, impõe-se a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que determine o prosseguimento dos autos para os ulteriores termos do processo, mormente, a designação de data para a audiência de partes, a que alude o artigo 98.º- F do CPT - neste sentido, veja-se o entendimento consignado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-03-2012, processo n.º 1149/11.0TTCBR.C1, e também no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-12-2021 processo n.º 864/21.4T8STR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.»
Observado o disposto nos arts. 629.º, n.º 3, al. c) e 641.º, n.º 7 do CPC, a ré não apresentou resposta ao recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se deve ser revogado o despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial por erro na forma do processo.
3. Fundamentação
3.1. Os factos a atender são os decorrentes do Relatório supra.
3.2. Estabelece o art. 48.º, n.ºs 2 e 3 do CPT que o processo declarativo pode ser comum ou especial, aplicando-se este nos casos expressamente previstos na lei e aquele nos casos a que não corresponda processo especial.
Assim, a impugnação judicial de despedimento deve seguir o processo especial regulado nos arts. 98.º-B a 98.º-P nos casos aí previstos, isto é, quando, nos termos do art. 387.º do Código do Trabalho, seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto a ele imputável, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação (art. 98.º-C, n.º 1).
Em contrapartida, nos demais casos, quer de despedimento verbal, quer de despedimento de facto, quer de despedimento por escrito em que seja invocada outra causa de cessação do contrato de trabalho (v.g. a caducidade ou o abandono do trabalho) ou em que falte a indicação de qualquer causa legalmente prevista, deve empregar-se o processo comum regulado nos arts. 51.º a 87.º do CPT.
Neste sentido, veja-se o assertivo sumário do Acórdão da Relação do Porto de 30 de Maio de 201811: “I - A acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulada no artigo 98.º-B e seguintes do CPT aplica-se apenas aos casos em que o trabalhador vem impugnar uma decisão de despedimento que lhe tenha sido comunicada por escrito e que seja fundada em despedimento disciplinar, inadaptação ou extinção do posto de trabalho (art. 98.º-C/1). II - Em todos os demais casos de impugnação de despedimento que não se enquadrem na previsão do art. 98.º-C/1, o meio processual próprio é o processo declarativo comum, regulado nos artigos 54.º e seguintes do CPT (art. 48.º, n.º 1 e 49.º, n.º 2).”
Na situação dos presentes autos, o autor veio intentar a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com processo especial regulado nos arts. 98.º-B e ss. do CPT – e bem, uma vez que a fundamenta na comunicação por escrito, pela empregadora, de decisão de despedimento individual por facto imputável ao trabalhador, já que dela consta «Assunto: Despedimento por justa causa» e que a ré declara ao autor «(…) que em consonância com o estipulado no n.º 1 e n.º 2 alínea g) do Art.º 351.º do Código do Trabalho, deve V.ª Ex.ª considerar-se desvinculado desta empresa por se ter ausentado por mais de 5 dias úteis seguidos, sem que, para tal, tenha apresentado, enviado ou feito remeter qualquer justificação.»
Em face do exposto, a decisão recorrida, de indeferimento liminar alicerçado no fundamento de que o processo especial regulado nos arts. 98.º-B e ss. do CPT não é aplicável às situações de invocação de abandono do trabalho pelo trabalhador, padece de incoerência e, consequentemente, de erro de julgamento, posto que o caso dos autos não se reconduz a situação dessa natureza mas, antes, tem por base a comunicação por escrito de decisão de despedimento com justa causa baseado em mais de 5 faltas injustificadas ao trabalho.
Por conseguinte, o recurso do autor merece provimento, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que designe audiência de partes.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que designe audiência de partes.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Novembro de 2025
Alda Martins
Cristina Martins da Cruz
Celina Nóbrega
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1. Proferido no processo n.º 2613/16.0T8MTS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.