CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CONVERSÃO
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
CONCURSO
Sumário

1-Pelas partes foram celebrados contratos de trabalho a termo resolutivo incerto, com vista à prestação de actividade assistencial em Hospital (EPER) durante a crise pandémica Covid-19.
2-Tendo cessado a referida crise pandémica, os trabalhadores continuaram ao serviço da entidade empregadora.
3- A conversão dos contratos a termo em contratos de trabalho sem termo operou por via do disposto no art. 147.º, n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho.
4- Tendo a entidade empregadora reconhecido a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo e apesar de não ter concluído o processo de regularização, não poderá deduzir oposição à indicada conversão.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
AA, BB e CC instauraram a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER, com sede na Avenida D. Manuel I, s/n, Ponta Delgada.
Alegam os Autores, em síntese, que:
- Em 30 de Dezembro de 2021 (AA), 15 de Dezembro de 2021 (BB) e 29 de Julho de 2020 (CC), foram admitidos ao serviço da Ré, mediante contratos de trabalho a termo resolutivo incerto, para prestar actividade assistencial neste Hospital durante a crise pandémica Covid-19;
- Tendo sido este, em concreto, o motivo justificativo para a sua contratação pela Ré;
- Já tendo sido declarada, desde Abril / Maio de 2023, pelos organismos nacionais e internacionais competentes, o fim do estado de emergência de saúde motivado por esta crise pandémica, mantiveram-se em funções até ao presente, conforme, de resto, lhes foi determinado pelos serviços da Ré;
- Tal significa que estes três contratos de trabalho já se converteram em contratos sem termo, com a sua antiguidade a ser contada desde a data em que iniciaram funções;
- Para além de que, por força do instrumento de regulamentação colectiva que, como tal, lhes é aplicável, deverão passar a prestar funções por 35 horas semanais, e não por 40 horas semanais conforme lhes é determinado desde que foram admitidos, assistindo-lhes, assim, o direito à retribuição de trabalho suplementar pelas horas a mais que já prestaram, no valor de € 1007,60, para cada um dos Autores AA e BB e no valor de € 1819,40, para a Autora CC.
Pedem os Autores a condenação da Ré no reconhecimento da conversão dos seus contratos de trabalho em contratos sem termo, no reconhecimento do seu tempo de serviço, para efeitos de valorização profissional e remuneratória, desde o início da sua contratação ainda a termo e no pagamento, a cada um deles, das quantias acima indicadas a título de retribuição de trabalho suplementar, com acréscimo dos juros de mora.
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A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que, sendo uma entidade pública empresarial, a contratação de trabalhadores tem de ser feita mediante concurso, não podendo agora dar-se a conversão destes contratos de trabalho a termo em contratos sem termo sem o referido concurso, sob pena de essa admissão ser inválida e a interpretação legal que a sustenta ser inconstitucional.
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Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho saneador/sentença.
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Foram considerados provados os seguintes factos :
1. AA, BB e CC, mediante acordos ajustados por escrito, foram admitidos ao serviço de Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, prestarem funções correspondentes à categoria profissional de ‘assistente técnico’ (AA), ‘técnico de informática’ (BB) e ‘técnico superior’ (CC);
2. Com início em 30 de Dezembro de 2021 (AA), 15 de Dezembro de 2021 (BB) e 29 de Julho de 2020 (CC).
3. Consta destes acordos escritos:
“Cláusula Quarta
(Prazo)
1. O presente contrato inicia-se no dia (…) terminando em data incerta conforme o fundamento descrito na Cláusula Sexta.
(…)
Cláusula Sexta
(Motivação)
O presente contrato tem como fundamentação a contratação (…) com vista a assegurar a actividade assistencial do HDES durante o surto de doença de COVID-19, quer na actual fase de calamidade, quer nas fases que lhe possam suceder, e enquanto se considerar necessária para este efeito e não for estabelecida a normalidade nos serviços onde a actividade assistencial é desempenhada”.
4. A admissão dos Autores ao serviço da Ré, nos termos definidos nos números anteriores, foi realizada mediante ‘procedimentos concursais simplificados externos’, abertos a todos os candidatos com as habilitações exigidas.
5. Tendo os Autores sido considerados ‘habilitados’ pelo Centro de Qualificação e Emprego dos Açores.
6. Em 9 de Maio de 2023, a Ré emitiu uma nota interna, dirigida a todos os funcionários, com o seguinte teor:
“…a propósito da declaração do fim da pandemia SARS-COV-2, proferida na passada sexta-feira, dia 05 de Maio, por parte da OMS, recebendo este Conselho de Administração instruções da SRSD, para que todos os colaboradores que possuem um vínculo laboral, no âmbito da legislação COVID’, continuem a trabalhar nos respectivos postos de trabalho, contribuindo, assim, para o normal e regular funcionamento do hospital.
Assim sendo, o CA do HDES informará estes colaboradores, aquando da tomada de decisão da tutela relativamente aos referidos contratos”.
7. Mantendo-se os Autores em funções, até ao presente, na sequência do descrito no número anterior.
8. Exercendo funções por 40 horas semanais.
9. Em 26 de Agosto de 2024, o Secretário Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública emitiu um despacho com o seguinte teor:
O Decreto Legislativo Regional nº 2/2024/A, de 24 de Junho, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o ano de 2024, doravante ORAA2024, consagrou no seu art. 11º um processo de regularização extraordinária de contratos celebrados no âmbito da pandemia COVID-19.
(…)
Nos hospitais EPER, o processo de regularização e integração será efectuado com as necessárias adaptações decorrentes, designadamente, do Código do Trabalho, do disposto nos respectivos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, dos regulamentos vigentes e dos contratos de trabalho.
(…)
Nos hospitais EPER, a integração do pessoal será efectuada pelas competentes entidades empregadoras mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo, devendo, posteriormente, comunicar essa celebração à Secretária Regional de Saúde e Segurança Social…”.
10. Em 5 de Setembro seguinte, a Ré emitiu uma nota interna, dirigida a todos os funcionários, com o seguinte teor:
Vem o Conselho de Administração informar que deliberou, em reunião de 4 de Setembro de 2024, a conversão automática para Contrato Individual de Trabalho por tempo indeterminado (CIT) ao abrigo do Código do Trabalho, de todos os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto (CTRI) celebrado ao abrigo das normas de contratação da Pandemia Covid-19.
Mais informa que, todos os funcionários abrangidos por contratos celebrados ao abrigo da legislação Covid-19, serão contactados pelo Serviço de Recursos Humanos para a formalização do processo”.
11. Os Autores auferem, no presente, uma retribuição base no valor mensal de € 1270,20 (AA e BB) e de € 2867,27 (CC).
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Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
« Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção procedente, nos seguintes termos:
a) declara a existência de um contrato de trabalho sem termo entre cada um dos Autores, AA, BB e CC, e a Ré, Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE;
b) declara o tempo de serviço dos Autores, nos termos definidos na alínea anterior, para efeitos de valorização profissional e remuneratória, contado desde o início da prestação do trabalho, 30 de Dezembro de 2021 (AA), 15 de Dezembro de 2021 (BB) e 29 de Julho de 2020 (CC);
c) condena a Ré a reconhecer o que foi declarado nas duas alíneas anteriores;
d) condena a Ré a pagar a cada um dos Autores AA e BB a quantia de € 1007,60 e à Autora CC a quantia de € 1819,40, a título de retribuição de trabalho suplementar, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre cada uma destas prestações, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento.
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Custas a cargo da Ré.»
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A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da douta sentença recorrida.
2. O R é entidade pública empresarial que integra o sector público empresarial da Região Autónoma dos Açores, regulado pelo Decreto Legislativo Regional nº 7/2008/A, de 24 de Março, na sua redacção actual.
3. O artigo 22º, nº 1, do Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de
Janeiro, dispõe que “sem prejuízo de situações associadas à realização de experiências inovadoras de gestão previstas no nº 1 da base xxxvi da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto, é aplicável ao pessoal do SRS o regime dos funcionários e agentes da administração pública regional”.
4. É aplicável ao pessoal do SRS, isto é, às relações contratuais laborais no âmbito do SRS, o regime de trabalho em funções públicas decorrente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, adaptada à Região Autónoma dos Açores pelo Decreto Legislativo Regional nº 13/2019/A, de 7 de Junho, na sua redacção actual.
5. O R integra a administração indirecta do Estado.
6. O artigo 47º, nº 2, da CRP dispõe que “todos os cidadãos têm o direito de
acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (CRP, artigo 47º, nº 2).
7. O âmbito desta norma abrange a admissão de trabalhadores por parte de uma pessoa colectiva empresarial, como é o caso do R, mesmo que o regime laboral seja o de contrato individual do trabalho.
8. A conversão destes contratos de trabalho a termo resolutivo incerto em contratos de trabalho a termo incerto é nula, por não ter sido precedida de procedimento concursal, nos termos do artigo 47º, nº 2, da CRP.
9. Sendo igualmente nula, por violação da norma do artigo 63º, nº 2, da LGTFP.
Esta nulidade determina, também, a nulidade da contagem de tempo de serviço para efeitos de valorização profissional e remuneratória desde o início da prestação do trabalho de cada um dos AA e a nulidade consequente, do pagamento da retribuição de trabalho suplementar em consequência de trabalho suplementar, pois o número de horas semanais que os AA estão obrigados a prestar é 40 horas, em resultado dos contratos de trabalho a termo resolutivo incerto.
11. A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorre em erro de direito, ao declarar que os três contratos de trabalho a termo resolutivo incerto se converteram em contratos sem termo, em violação do artigo 47º, nº 2, da CRP e de normas legais de natureza imperativa: o artigo 22º, nº 1, do Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de Janeiro e os artigos 33º, nº 2, e 63º, nº2, da LGTFP.
12. A douta sentença recorrida deve rer revogada por violação do artigo 47º, nº 2, da CRP e de normas legais de natureza imperativa: o artigo 22º, nº 1, do Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de Janeiro e os artigos 33º, nº 2 e 63º, nº 2, da LGTFP e substituída por decisão que dê provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais.
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Os AA. contra-alegaram e formularam as seguintes conclusões :
A- Determina o art.º 79.º, alínea a) do CPT que é sempre admissível recurso para o Tribunal da Relação, independentemente do valor, nas ações em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador, independentemente da sua modalidade, a reintegração do trabalhador na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho;
B- Nos presentes autos não se encontra em causa nenhuma destas situações.
C- A validade e a subsistência do contrato de trabalho nem é posta em causa pela recorrente, que admite a validade do contrato que celebrou, como admite que os recorrentes continuam a si contratualmente ligados, mediante uma relação de trabalho e não outra.
D- Em caso algum houve cessação da relação laboral.
E- A douta sentença recorrida limita-se, e bem, a esclarecer que tipo de contratos de trabalho existe entre as partes envolvidas, uma vez que nem a validade dos contratos de trabalho, nem a sua subsistência encontram-se em discussão.
F- Deverá assim, salvo o devido respeito, que é muito, considerar-se que, atento o valor atribuído à causa de 4.882,47 euros, não é admissível recurso da douta Sentença recorrida, uma vez que não se integra em nenhuma das situações previstas no art.º 79.º, alínea a) do CPT.
G- Isso mesmo já foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Processo n.º 2521/24.0T8PDL.L1 – 4.ª Secção, em douta Decisão Singular e após reclamação para a Conferência, por factos em todo semelhantes aos que se discutem nos presentes autos.
H- Nas suas conclusões entendeu o recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter condenado o Réu e para isso aponta os seguintes argumentos principais:
a) É aplicável ao pessoal do Réu o regime de trabalho em funções públicas decorrente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP);
b) A conversão dos contratos de trabalho a termo resolutivo incerto em contratos sem termo é nula, por não ter sido precedida de procedimento concursal, nos termos do art.º 47, n.º 2 da CRP
c) Essa nulidade determina, também a nulidade da contagem de tempo de serviço para efeitos de valorização profissional e remuneratória.
d) Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser revogada.
I- Salvo melhor opinião, não tem razão o recorrente em nenhum dos seus argumentos. Senão vejamos:
J- O Réu, na 1.ª instância, não impugnou os factos alegados pelos A.A., ou seja, não procurou demonstrar que os factos ali alegados não eram verdadeiros, que se passaram doutra forma.
K- O Réu vem agora, em sede de recurso, não negando a ilegalidade que sabe bem que cometeu, defender, de forma enviesada, que os trabalhadores, embora tenham a razão do seu lado, não podem ver garantidos os seus direitos porque falta o procedimento concursal, o que não é verdade.
L- O Réu admitiu a existência de procedimentos concursais simplificados externos, abertos a todos os candidatos com as habilitações exigidas e os Autores sido considerados ‘habilitados’ pelo Centro de Qualificação e Emprego dos Açores.
M- Tendo sido respeitados os princípios constitucionais de igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.
N- Com a alteração do Estatuto do Serviço Regional de Saúde e a criação dos Hospitais EPER (Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de janeiro), os Hospitais da Região passaram, obrigatoriamente, a admitir os novos profissionais pelo regime de direito laboral privado, em concreto, por Contrato Individual de Trabalho.
O- Ao Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, E.P.E.R., é aplicável o disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24 de março, que
estabelece o regime do sector público empresarial da Região Autónoma dos Açores, dispondo o seu artigo 20.º que o estatuto do pessoal das empresas públicas regionais é o do regime do contrato individual de trabalho.
P- Resulta, ainda, do art.º 17.º dos Estatutos EPER, aprovados pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/2007/A, de 24 de janeiro, na sua atual redação que, sem prejuízo do regime laboral de transição, os trabalhadores dos hospitais E.P.E.R. estão sujeitos ao contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos e normas imperativas sobre títulos profissionais.
Q- Ainda de acordo com o art.º 11.º, n.º 5 do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2024/A, de 24 de junho: 5 - A integração dos trabalhadores a que se refere o n.º 1 e do pessoal a que se refere o n.º 2 nos quadros regionais de ilha ou nos quadros de pessoal dos hospitais EPER, após a devida aprovação, nos termos dos números anteriores, é efetuada pelas competentes entidades empregadoras, mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou, no caso dos hospitais EPER, de contrato individual de trabalho sem termo.
R- Face a todo este normativo legislativo nenhuma dúvida persiste de que os
contratos de trabalho celebrados com a Ré seguem as regras do direito privado laboral.
S- O Réu, obedecendo ao número 8 do Despacho do Secretário Regional das
Finanças, Planeamento e Administração Pública, datado de 26.08.2024, junto com a P.I, e após parecer da sua Diretora de Recursos Humanos, comunicou aos A.A., através de nota interna, também junta com a PI, datada de 5 de setembro de 2024, a conversão automática dos seus contratos para contratos individual de trabalho por tempo indeterminado.
T- Todos estes factos foram admitidos pelo Réu que não os impugnou.
U- Pelo que, decidiu, e bem, o Tribunal de 1.ª Instância que os contratos converteram-se em contratos sem termo, por tempo indeterminado, em conformidade com o disposto no art. 147º, nº 2, alínea c), do Código do Trabalho.
E que em consequência:
V- A antiguidade dos AA,, para todos os efeitos, designadamente valorização profissional e remuneratória, deve ser contada desde o início da prestação de trabalho, desde a data em que estes contratos foram celebrados a termo, conforme dispõe o art. 147º, nº 3, do Código do Trabalho;
W-Que são aplicáveis a estas relações laborais o Acordo Colectivo de Trabalho nº 42/2018 e o Acordo Colectivo de Trabalho nº 43/2018, ambos publicados no Jornal Oficial, II Série, nº 249, de 27 de Dezembro, com a Portaria de Extensão nº 4/2019, publicada no Jornal Oficial, II Série, nº 46, de 6 de Março;
X- E que por força deste regime convencional indicado no ponto anterior (cláusula 11ª, nº 1), conjugado com o art. 105º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o período normal de trabalho dos Autores deve ser fixado em 35 horas semanais, pelo que, estando os mesmos a exercer funções por 40 horas semanais, têm direito à peticionada retribuição de trabalho suplementar.
Y- Pelas razões aduzidas o Tribunal a quo não poderia decidir de forma diferente, tendo analisado de forma correta toda a prova produzida e concluindo acertadamente pelos fatos que ficaram provados.
Terminaram, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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II- Importa solucionar as seguintes questões:
- Se deve ser admitido o presente recurso;
- Caso seja dada resposta afirmativa à primeira questão, importa verificar se a conversão dos contratos de trabalho celebrados a termo resolutivo incerto em contratos sem termo está ferida de nulidade.
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III-Apreciação
Nas suas alegações de recurso os recorridos defendem que não deve ser admitido o recurso interposto pela R..
Invocam, para tanto, o Acórdão desta Relação proferido no processo nº 2521/24.0T8PDL.L1. Este Acórdão data de 18.06.2025 e versa sobre uma situação semelhante.
Vejamos.
Estatui o 79º a) do CPT que, sem prejuízo do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação « nas ações em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador, independentemente da sua modalidade, a reintegração do trabalhador na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho». ( sublinhado nosso).
Ora, nos presentes autos discute-se a validade da conversão do contrato a termo em contrato sem termo, defendendo a recorrente a nulidade do contrato sem termo.
Assim e salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que o recurso é admissível à luz da citada alínea a) do art. 79º do CPT.
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Vejamos, agora, se a conversão dos contratos de trabalho celebrados a termo resolutivo incerto em contratos sem termo está ferida de nulidade.
Refere a sentença recorrida :
«A partir dos factos apurados, verifica-se, antes de mais, que entre AA, BB e CC, como trabalhadores, e Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, como empregadora, vigora uma relação laboral, um contrato de trabalho, com início em 30 de Dezembro de 2021 (AA), 15 de Dezembro de 2021 (BB) e 29 de Julho de 2020 (CC), para o exercício de funções de ‘assistente técnico’ (AA), ‘técnico de informática’ (BB) e ‘técnico superior’ (CC).
Estes (três) contratos de trabalho foram celebrados a termo resolutivo incerto, para prestação de funções assistenciais durante a crise pandémica Covid-19, e por causa deste surto de doença, ao abrigo do nº 3, alínea c), da Resolução do Conselho do Governo nº 60/2020, de 13 de Março, do art. 16º do Decreto Legislativo Regional nº 15-A/2021/A, de 31 de Maio, e do art. 10º do Decreto Legislativo Regional nº 38/2021/A, de 23 de Dezembro, vigorando tendo como referência, precisamente, a duração do motivo para tal contratação, durante a tal “fase de calamidade”, nas fases que lhe pudessem suceder e enquanto se considerasse necessário para esse efeito e não fosse “estabelecida a normalidade nos serviços” onde tal actividade assistencial fosse desempenhada.
Segundo dispõe o art. 11º, nº 1, 5 e 8, do Decreto Legislativo Regional nº 2/2024/A, de 24 de Junho, precisamente em matéria de regularização extraordinária de contratos celebrados no âmbito da pandemia COVID-19, estes trabalhadores com contrato a termo resolutivo incerto celebrados pelos estabelecimentos de saúde do Serviço Regional de Saúde nas condições em que os Autores se vincularam à Ré, “são integrados (…) nos quadros de pessoal dos hospitais EPER, na base das carreiras em que se encontram, após aprovação no processo de selecção referido no nº 3, com respeito pelas habilitações legais exigidas” (nº 1), sendo esta integração, após a tal aprovação, “efectuada pelas competentes entidades empregadoras, mediante a celebração (…), no caso dos hospitais EPER, de contrato individual de trabalho” (nº 5), e sendo tal processo de selecção / aprovação regulado, subsidiariamente, no caso dos hospitais EPER, pelo “disposto no Código do Trabalho (…), nos respectivos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e nos regulamentos internos vigentes” (nº 8).
Conjugando este quadro normativo com o que está previsto no art. 17º do Regime Jurídico dos Hospitais Integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de Janeiro (preceito segundo o qual “os trabalhadores dos hospitais EPE estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos”), pode desde logo afirmar-se, de volta ao caso em apreciação, que estes contratos de trabalho celebrados entre cada um dos Autores e a Ré estão sujeitos ao regime geral do Código do Trabalho, assim como aos instrumentos de regulamentação colectiva que lhes possam ser aplicáveis.
Partindo daqui, o que se apura é que, tendo estes contratos de trabalho a termo resolutivo incerto sido celebrados para prestação de funções assistenciais durante a crise pandémica Covid-19, vigorando, precisamente, ao longo da duração desta “fase de calamidade”, nas fases que lhe pudessem suceder e enquanto se considerasse necessário para esse efeito e não fosse “estabelecida a normalidade nos serviços”, o estado de alerta e emergência de saúde ligado a esta crise pandémica terminou em 2023 – aqui se chamando a atenção para a Resolução do Conselho do Governo nº 61-A/2023, de 14 de Abril, e para a declaração da Organização Mundial de Saúde de 5 de Maio do mesmo ano – e, não obstante, estes contratos de trabalho mantiveram-se em vigor desde então até ao presente, sem qualquer interrupção, com os Autores, no âmbito dos mesmos, a exercer as suas funções, ininterruptamente, desde o seu início de vigência, em 2020 / 2021, até hoje. De resto, com a Ré / empregadora, ainda em 2023 (9 de Maio), a declarar, mediante nota interna: “que todos os colaboradores que possuem um vínculo laboral, no âmbito da legislação COVID’, continuem a trabalhar nos respectivos postos de trabalho…” (entre eles, necessariamente, os Autores). E com a Ré / empregadora ainda a declarar, mais tarde (5 de Setembro de 2024), também mediante nota interna, “a conversão automática para Contrato Individual de Trabalho por tempo indeterminado (CIT) ao abrigo do Código do Trabalho, de todos os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto (CTRI) celebrado ao abrigo das normas de contratação da Pandemia Covid-19” (entre eles, necessariamente, os Autores).
Ora, com todo este enquadramento (normativo, mas também factual), e lembrando ainda que a admissão dos Autores ao serviço da Ré, mediante os tais contratos a termo resolutivo incerto para funções assistenciais no âmbito da crise pandémica COVID-19, já foi realizada mediante ‘procedimentos concursais simplificados externos’, abertos a todos os candidatos com as habilitações exigidas, tendo os Autores já sido considerados ‘habilitados’ (pelo Centro de Qualificação e Emprego dos Açores), entende este Tribunal que tais contratos, entretanto, se converteram em contratos sem termo, por tempo indeterminado, em conformidade com o disposto no art. 147º, nº 2, alínea c), do Código do Trabalho. Com efeito, se o estado de alerta e emergência de saúde terminou em Abril / Maio de 2023, se a Ré, após, ainda em 2023, declarou que os trabalhadores contratados “no âmbito da legislação COVID-19”, entre eles os Autores, continuavam “a trabalhar nos seus postos de trabalho” e, já em 2024, indo mais longe, declarou mesmo “a conversão automática para Contrato Individual de Trabalho por tempo indeterminado (CIT) ao abrigo do Código do Trabalho” destes trabalhadores – o que significa, mais que não seja neste segundo momento, que o termo resolutivo aposto nestes contratos de trabalhos (nas suas cláusulas 4ª e 6ª) havia sido atingido –, e se, com tudo isto, os Autores, no presente, e sem qualquer interrupção, continuam a exercer as suas funções, nas mesmas condições, não há outra forma de enquadrar esta situação laboral que não seja, à luz do Código do Trabalho (que se aplica a estes contratos), a de considerar que os mesmos, entretanto, se converteram em contratos por tempo indeterminado, sem termo, ao abrigo do art. 147º, nº 2, alínea c), deste Código.
Ademais, os Autores, na altura em que foram admitidos pela Ré, e ao que se apura, já se sujeitaram a um procedimento concursal de selecção e qualificação, pelo que as objecções ora suscitadas pela Ré acerca da constitucionalidade da conversão destes contratos em contratos sem termo estão, no presente entendimento, ultrapassadas. Aliás, à luz dessas garantias constitucionais, previstas no art. 53º da Constituição da República Portuguesa, como explicar que os Autores, pese embora todo o contexto acima descrito – com um termo resolutivo já verificado (pelo menos desde Setembro do ano passado) e com as declarações escritas que a empregadora já emitiu, a última delas assumindo a “conversão automática” destes contratos –, continuem a laborar de forma contínua, nas mesmas condições? Em concreto, estão a aguardar o quê? E, em concreto, até quando? No fundo, é isto: estes contratos de trabalho dos Autores são regulados pelo Código do Trabalho, o termo resolutivo aposto nos mesmos já se verificou (no mínimo, há mais de seis meses), os Autores, sem qualquer interrupção, continuam em funções, nas mesmas condições, prestando a sua actividade profissional em benefício da empregadora, esta até já lhes comunicou a conversão automática dos contratos… mas os contratos mantêm-se em situação de precariedade porque, defende a Ré, se impede a sua admissão sem procedimento de concurso de selecção (quando os Autores até já se sujeitaram, na sua admissão a termo, a um procedimento concursal para esse efeito). Ora, isto, sim, entra em colisão com a garantia constitucional de segurança no emprego, prevista no citado art. 53º da Constituição da República Portuguesa. Isto, sim, é admitir a prática por uma empresa do sector público de uma actividade que todo o nosso ordenamento jurídico, de diversas formas, através de vários mecanismos legais, censura e procura erradicar: a precarização das relações de trabalho.
Assim, atendendo ao primeiro segmento do pedido dos Autores, assiste-lhes razão, reconhecendo-se que o contrato de trabalho celebrado por cada um deles com a Ré se converteu, nos termos acima enunciados, em contrato sem termo.»
Vejamos.
Estatui o art. 11º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2024-A, de 24 de Junho ( Diploma que aprovou o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o ano 2024):
« Artigo 11.º
Regularização extraordinária de contratos celebrados no âmbito da pandemia da doença COVID-19
1 - Os trabalhadores com contratos de trabalho a termo resolutivo incerto celebrados pelos serviços e estabelecimentos de saúde do Serviço Regional de Saúde, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, no período compreendido entre a entrada em vigor da Resolução do Conselho do Governo Regional n.º 60/2020, de 13 de março, e a entrada em vigor da Resolução do Conselho do Governo Regional n.º 61-A/2023, de 14 de abril, que, à data da publicação do presente diploma, desempenhem funções correspondentes a necessidades permanentes desses serviços e estabelecimentos, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo, são integrados nos quadros regionais de ilha ou nos quadros de pessoal dos hospitais EPER, na base das carreiras em que se encontram, após aprovação no processo de seleção referido no n.º 3, com respeito pelas habilitações legais exigidas.
2 - É, igualmente, integrado nos quadros de ilha ou nos quadros de pessoal dos hospitais EPER o pessoal contratado em regime de prestação de serviços, no período a que se refere o número anterior, para fazer face à pandemia da doença COVID-19, e que, à data da publicação do presente diploma, desempenhe, ininterruptamente, funções nos moldes e carreiras aí referidos.
3 - A regularização dos trabalhadores a que se refere o n.º 1 e do pessoal a que se refere o número anterior é realizada através de procedimento concursal, publicitado pela entidade responsável pela sua realização, em local visível e público das instalações da entidade empregadora pública, sendo notificados os interessados que se encontrem ausentes em serviço ou situação legalmente justificada.
4 - No processo de seleção a que se refere o número anterior, é utilizado como método de seleção a avaliação curricular, só podendo ser opositores ao mesmo os trabalhadores a que se refere o n.º 1 e o pessoal a que se refere o n.º 2 que se encontrem afetos ou a prestar serviços no respetivo órgão ou serviço abrangido pelo presente artigo.
5 - A integração dos trabalhadores a que se refere o n.º 1 e do pessoal a que se refere o n.º 2 nos quadros regionais de ilha ou nos quadros de pessoal dos hospitais EPER, após a devida aprovação, nos termos dos números anteriores, é efetuada pelas competentes entidades empregadoras, mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou, no caso dos hospitais EPER, de contrato individual de trabalho sem termo.
6 - A tramitação do processo de regularização a que se refere o presente artigo depende de parecer prévio vinculativo do membro do Governo Regional com competência em matéria de finanças e Administração Pública, nos termos a definir por despacho deste membro do Governo Regional.
7 - O processo de regularização referido nos números anteriores deve ficar concluído no prazo de 45 dias após a abertura do procedimento concursal.
8 - Ao processo de seleção referido no presente artigo é aplicado, subsidiariamente, o disposto na Resolução do Conselho do Governo Regional n.º 178/2009, de 24 de novembro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 14/2009, de 2 de dezembro, e, nos hospitais EPER, o disposto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, nos respetivos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e nos regulamentos internos vigentes.»
Estabelece o art. 17º do Regime jurídico dos hospitais integrados no Serviço Regional de Saúde dos Açores ( Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/A, de 24 de Janeiro) sob a epígrafe “Regime de pessoal”
«1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos.
2 - Os hospitais E. P. E. devem prever anualmente uma dotação global de custos com pessoal em qualquer regime, através dos respectivos orçamentos, considerando os planos de actividade.
3 - Os hospitais E. P. E. não podem ultrapassar a dotação de custos com pessoal prevista no número anterior, salvo aprovação conjunta dos membros do Governo Regional com competência em matéria de finanças e saúde.»
O que significa que os recorridos não estão sujeitos, ao contrário do que defende a recorrente, ao regime estabelecido pela LGTFP ( lei nº 35/2014, de 20/06).
Não cumpre, por isso, aplicar o disposto nos arts. 33º, nº 2 ( que regula o procedimento concursal), e 63º, nº2 ( que proíbe a conversão do contrato a termo em contrato por termo indeterminado) da LGTFP.
Ocorre violação do art. 47º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa ?
Refere este preceito legal : « Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso. »
Em primeiro lugar, cumpre referir, que resultou provado sob 4 :
4. A admissão dos Autores ao serviço da Ré, nos termos definidos nos números anteriores, foi realizada mediante ‘procedimentos concursais simplificados externos’, abertos a todos os candidatos com as habilitações exigidas.
Assim e conforme salienta a sentença recorrida, « os Autores, na altura em que foram admitidos pela Ré, e ao que se apura, já se sujeitaram a um procedimento concursal de selecção e qualificação.»
Por outro lado, o citado art. 11º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2024-A ( que previa a regularização de situações como a presente) estabeleceu no nº 4 que « no processo de seleção a que se refere o número anterior, é utilizado como método de seleção a avaliação curricular, só podendo ser opositores ao mesmo os trabalhadores a que se refere o n.º 1 e o pessoal a que se refere o n.º 2 que se encontrem afetos ou a prestar serviços no respetivo órgão ou serviço abrangido pelo presente artigo».
No quadro descrito, e não obstante não ter sido concluído o referido processo de regularização, entendemos que não ocorre violação do art. 47º, nº2 da CRP que visa salvaguardar a igualdade de oportunidades.
A conversão dos contratos a termo em contratos de trabalho sem termo operou por via do disposto no art. 147º, nº 2, alínea c), do Código do Trabalho.
Importa ainda referir a posição da entidade empregadora consignada no ponto 10.
Sob 10 resultou provado:
Em 5 de Setembro seguinte, a Ré emitiu uma nota interna, dirigida a todos os funcionários, com o seguinte teor:
Vem o Conselho de Administração informar que deliberou, em reunião de 4 de Setembro de 2024, a conversão automática para Contrato Individual de Trabalho por tempo indeterminado (CIT) ao abrigo do Código do Trabalho, de todos os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto (CTRI) celebrado ao abrigo das normas de contratação da Pandemia Covid-19.
Mais informa que, todos os funcionários abrangidos por contratos celebrados ao abrigo da legislação Covid-19, serão contactados pelo Serviço de Recursos Humanos para a formalização do processo”.
Perante esta posição, a defesa pela R./recorrente da não conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, configura, na nossa perspectiva e no caso concreto, venire contra factum proprium.
Concluímos, assim, que não ocorre a apontada nulidade da conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, com as consequências indicadas na sentença recorrida.
Assim e atentas as razões expostas, improcede o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro de 2025
Francisca Mendes
Maria José Costa Pinto
Paula de Jesus Jorge dos Santos