EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA EM BRANCO
RELAÇÕES IMEDIATAS
CONTRATO DE MÚTUO
RESTITUIÇÃO FRACIONADA DO CAPITAL MUTUADO
INCUMPRIMENTO
JUROS
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

I – No domínio das relações imediatas é permitido aos executados embargantes, subscritores de uma livrança entregue ao mutuante para garantia da obrigação de restituição da quantia mutuada, invocar as exceções inerentes à relação fundamental ou subjacente, designadamente a prescrição do crédito emergente do contrato de mútuo.
II – Nos contratos de mútuo oneroso, o acordo através do qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado com juros constitui um acordo de amortização, de sorte que cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona representa uma quota de amortização no sentido previsto no art. 310.º, alínea e) do Código Civil.
III – O prazo de prescrição quinquenal previsto nesta norma é o prazo aplicável no caso de vencimento antecipado das quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, tal como resulta da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022, de 30.06.2022.
IV – O disposto no art. 781º do Código Civil não prevê o vencimento automático de todas as prestações remanescentes previstas para a liquidação da obrigação em caso de incumprimento do devedor, limitando-se a prever a imediata exigibilidade das mesmas.
V – Para exercer a faculdade prevista nesta norma, exige-se que o credor interpele o devedor para lhe comunicar a perda do benefício do prazo e exigir o pagamento da totalidade das prestações.
VI – A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, antecipadamente, em resultado do incumprimento por parte do devedor, não altera a natureza das prestações, pois que a prescrição respeitará a cada uma das quotas e não ao todo em dívida, nem afasta a aplicabilidade do prazo curto de prescrição previsto na alínea e) do art. 310º do Código Civil, sob pena de fazer cair o devedor numa situação de insolvência, situação que o legislador pretendeu evitar quando consagrou esse prazo curto.
VII – Se estiver prescrita a obrigação de capital, só serão devidos os juros moratórios vencidos até à data da prescrição daquela dívida se, quanto a eles, não tiver decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil.
VIII – Num financiamento pagável em prestações mensais de capital com os juros, garantido pela aceitação de uma livrança em branco, a prescrição de 5 anos prevista no art. 310º, alínea e) do Código Civil não se inicia na data do vencimento inscrita na livrança, aposta cerca de 10 anos após a data do incumprimento, mas antes a partir do mês do vencimento de cada prestação não paga.
IX – O prazo de prescrição relativo à dívida de juros, atenta a sua autonomia, só pode ser interrompido nos termos do art. 323º do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Marco António de Aço e Borges

1.º Adjunto: Hugo Meireles

2º Adjunto: Emília Botelho Vaz

Recorrente: A... – STC, S.A.

Recorridos: AA

        BB

Acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA e mulher, BB, executados nos autos acima referenciados, vieram deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que o título executivo dado à execução principal é uma livrança subscrita ao abrigo do contrato de mútuo celebrado por si, embargantes com o Banco 1..., S.A. em 03.09.2007, ao qual foi atribuído o n.º B0289/...94, no montante de €10.992,04, a pagar capital e juros em 84 prestações mensais e sucessivas. Alegaram que a exequente e embargada, A... – STC, S.A., no seu requerimento inicial alegou que por contrato de cessão de créditos, celebrado em 22.12.2018, o Banco 2..., S.A. e Banco 3..., S.A. cederam a favor de B..., S.A.R.L. o crédito que aquelas detinham sobre os embargantes, e que, por contrato celebrado a 31.03.2021, a B..., S.A.R.L. cedeu o crédito à exequente; que esta alegou ter apresentado a pagamento a livrança, no valor de €16.117,26, a qual não foi paga pelos embargantes, em 17.06.2024, nem posteriormente, apesar de estes terem sido interpelados para o efeito; alegaram ainda os embargantes que não foram notificados das aludidas cessões de créditos, admitindo que celebraram em 2007 um contrato de mútuo com o Banco 1..., S.A. no montante de €10.000,00, e que procederam à liquidação de todas as prestações, não se lembrando os embargantes de terem sido interpelados para pagar por parte do Banco 1... ou qualquer outra entidade até ao dia 14.10.2024; que a ação executiva foi proposta pela exequente contra os executados em 19.06.2024, sendo o executado marido citado para a presente ação em 14.10.2024. Alegaram ainda que o direito de crédito na data da instauração da execução mostra-se prescrito, por aplicação do prazo de cinco anos, e, bem assim, a prescrição do peticionado pela exequente a título de juros vencidos e bem assim vincendos, nos termos do disposto nas als. d), e) e g) do artº 310º do Código Civil, concluindo que a obrigação cartular deve ser extinta em virtude da verificação da prescrição causal e, para além disso, que houve um preenchimento abusivo da livrança por parte da exequente pela obrigação não se encontrar certa, líquida e exigível.


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Na sua contestação, a exequente/embargada, contrariou toda a materialidade e as exceções invocadas pelos executados/embargantes, concluindo pela improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, da exceção perentória de prescrição, pedindo o prosseguimento dos termos da execução.

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O tribunal recorrido decidiu conhecer antecipadamente o mérito da causa em despacho saneador-sentença, através do qual decidiu “(…) julgar totalmente procedentes os presentes embargos de executado, por totalmente provados, determinando-se a extinção da execução quanto aos executados, aqui embargantes, AA e mulher BB (…)”.

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Deste despacho saneador-sentença foi interposto recurso de apelação pela embargada-exequente, com as seguintes conclusões:

(…).


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Os recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida por considerarem prescrita a dívida, incluindo juros.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se a lei o permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cf. art.s 608º-2, 635º-4 e 639º do Código de Processo Civil, doravante CPC).

A única questão a decidir que delimita o objeto deste recurso visa apurar se o crédito exequendo, capital e juros, ou algum deles, se encontra extinto por efeito da prescrição, por aplicação do prazo quinquenal ou se, diversamente, por aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, não ocorre a prescrição devendo prosseguir a instância executiva.


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III - Os factos

São os seguintes os factos apurados, com interesse para a decisão da causa, consignados na sentença recorrida:

“1. Em 19-06-2024, a exequente “A... STC, S.A.” instaurou ação executiva a seguir a forma ordinária contra os executados, aqui embargantes, AA e mulher BB, para pagamento coercivo da quantia global de € 16 197,85.

2. O título dado à execução é uma livrança, que aqui se dá por integralmente reproduzida, com a seguinte configuração: (v. Documento 3 junto com o requerimento executivo).

(v. Documento 3 junto com o requerimento executivo).

3. Na livrança foi aposta a quantia de € 16.117,26, bem como os dias 2007.09.03 e 2024.06.17 como sendo as datas de emissão e de vencimento, respectivamente, e consta como subscritores os embargantes AA e mulher BB (v. Documento 3 junto com o requerimento executivo).

4. A livrança foi assinada em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações estabelecidas em documento denominado “Crédito ao Consumo Banco 1...”, datado de 03.09.2007 e assinado pelo representante legal do Banco 1..., S.A., de um lado, e pelos embargantes, de outro lado, nos termos do qual o primeiro concedeu aos segundos um financiamento no montante total de € 10.992,04, a reembolsar no prazo de 84 meses (v. Documento 6 junto com a contestação).

5. Por acordo escrito denominado “Acordo de Compra e Venda relativo à compra e venda de uma carteira de crédito, obrigações, papéis comerciais e ativos imobiliários e subparticipação de exposições relacionadas”, outorgado em 22 de Dezembro de 2018, o “Banco 2..., S.A.” e “Banco 3..., S.A.”, cedeu à “B..., SARL”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes (v. Documento 2 junto com o requerimento executivo e Documentos 7 e 8 juntos com a contestação).

6. E por acordo escrito denominado “Contrato de Compra e Venda relativo a uma Carteira de Empréstimos” outorgado em 03/04/2020, alterado pelo acordo escrito denominado “Contrato de Alteração ao Contrato de Compra e Venda” outorgado em 31/03/2021, a “B..., S.A.R.L.”, cedeu à ora exequente a

carteira de créditos que lhe havia sido cedida pelo “Banco 2..., S.A.”, bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora executados (v. Documento 1 junto com o requerimento executivo e Documentos 7 e 8 juntos com a contestação).

7. Em 06 de Junho de 2024, a “C..., Lda.” remeteu cartas registadas com aviso de recepção aos embargantes, para a morada convencionada, para efeitos de lhe comunicar os acordos escritos referidos em 5. e em 6., de declarar a resolução do acordo referido em 3., e de transmitir que a exequente procederá, em 16 de Junho de 2024, ao preenchimento da livrança mencionada em 2., pelo montante de € 16.197,85, bem como do meio para pagamento desta quantia, tendo as cartas sido devolvidas com a menção “recetáculo postal avariado, impossível a entrega” (v. Documentos 4 e 5 juntos com o requerimento executivo).

8. Nas comunicações referidas no ponto anterior, a exequente declara que o aludido valor de € 16.197,85 corresponde a “Capital: € 5 972,87”, “Juros moratórios calculados à taxa contratual de 13,5 %: € 10 144,39” e “Imposto de Selo: 80,59€”.

9. Os executados, aqui embargantes, deixaram de efectuar os pagamentos das prestações referentes ao acordo escrito acima aludido em 4. em data anterior a 03/09/2014 (v. Documentos 4 e 5 juntos com o requerimento executivo).

10. Os embargantes deduziram embargos à execução em 04/11/2024.”


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IV – Fundamentação

A decisão recorrida sub judice julgou procedentes os embargos de executado instaurados pelos executados, ora recorridos, em face da procedência da exceção perentória de prescrição invocada por estes, com o fundamento em ser aplicável o prazo quinquenal previsto no artigo 310º-e) do Código Civil (doravante: CC), contado a partir da data em que os recorridos, na qualidade de mutuários, deixaram de pagar as prestações convencionadas no contrato de mútuo bancário, incumprimento que se apurou ter ocorrido em data anterior a 03.09.2014 (vd. ponto 9 dos factos provados) e que implicou o vencimento imediato das restantes prestações contratualizadas, levando a que a recorrente, na qualidade de mutuante e exequente, procedesse ao preenchimento de uma livrança em branco que detinha na sua posse, inscrevendo nela o valor em dívida no montante global calculado de €16.197,85 (nas seguintes parcelas: €5.972,87 de capital; €10.144,39 de juros moratórios calculados à taxa contratual de 13,5 %; e €80,59 de  imposto de selo) - Refira-se a latere que a embargada-recorrente encabeçou o crédito exequendo com a qualidade de cessionária, por efeito de contrato de cessão de créditos: tal crédito fora cedido à embargada-recorrente pela anterior titular, B..., SARL que havia, por seu turno, enquanto cessionária, adquirido o mesmo crédito das mãos dos anteriores titulares e cedentes Banco 2..., S.A e Banco 3..., S.A.. A validade e eficácia da cessão de créditos não foi questionada nem constitui objeto de apreciação no presente recurso.


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Mostra-se incontrovertido nos autos que os recorridos celebraram um contrato, denominado “crédito ao consumo Banco 1...”, em 03.09.2007, através do qual o primitivo contraente lhes mutuou a quantia de €10.992,04, com a obrigação de reembolso do capital e dos juros convencionados no prazo de 84 meses.

Está também assente ter sido oferecida à execução pelo cessionário do crédito exequendo (a ora recorrente), como título executivo, uma livrança, previamente assinada em branco pelos embargantes e que foi preenchida por aquela, onde inscreveu o referido valor global do crédito exequendo que entendeu estar em débito, no montante de €16.117,26, englobando neste capital, juros moratórios calculadas à taxa contratual e imposto de selo.

O recurso em apreciação circunscreve o seu âmbito de conhecimento, no essencial, à questão de saber qual o prazo de prescrição a aplicar ao crédito exequendo, se de cinco anos, como foi entendimento na sentença recorrida, o que a recorrente refuta, se o prazo ordinário de 20 anos, cuja aplicação sustenta.

Vejamos.

Como é consabido, decorre da lei que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – cf. art. 10º-5 do CPC, aplicável ao caso dos autos; esta norma, correspondente ao anterior art. 45º do CPC, aplica-se ao caso dos autos; vd. art. 6º-3 da lei n.º 41/2013, de 26-06.

Resulta da matéria julgada como provada e assente que foi celebrado entre as partes (exequente-embargada, ora apelante, e executados-embargantes, ora apelados) um contrato de financiamento particular, com a obrigação a cargo dos mutuários de reembolsar o capital disponibilizado mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas que incorporaram parcelas do capital mutuado e juros.

Esse contrato deve ser qualificado como de mútuo, o qual, sendo um contrato típico ou nominado, está definido na lei: «Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.» - cf. art. 1142º do C. Civil.

A sua caraterização foi feita com acerto na sentença recorrida, para onde se remete, pelo que seria uma excentricidade repisá-la aqui.

Resulta da fundamentação da sentença questionada que as partes se movem, no que ao contexto da livrança exequenda concerne, no domínio das relações imediatas, o que significa que, nos termos do disposto no artigo 17º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (doravante: LULL, previsto para as letras, embora aplicável às livranças por força do disposto no art. 77º da mesma lei), aos embargantes estava autorizada a possibilidade de invocar as exceções inerentes à relação fundamental ou subjacente, designadamente a prescrição do crédito emergente do referido contrato de mútuo, o que, de resto, fizeram na petição de embargos de executado que deduziram como incidente declarativo enxertado na ação executiva contra si instaurada.

Essa faculdade encontra-se acolhida no citado art. 17º da LULL: «As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.».

O regime jurídico especial que disciplina as letras de câmbio reflete a preocupação de defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pela necessidade de facilitar a circulação dos títulos de crédito, especialidade que se norteia pelos princípios da incorporação da obrigação no título, da literalidade da obrigação, da abstração da obrigação, da independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título e da autonomia do direito do portador. De sorte que o carácter literal e autónomo da letra só produz efeito, depois do título entrar em circulação e se encontrar em poder de terceiros de boa-fé, o que significa que nos casos em que a letra que não chega a entrar em circulação, ou entra em poder de terceiros de má-fé, é então lícito discutir e apreciar a causa debendi, ou seja, a relação jurídica fundamental, «tudo se passando como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta» – cf. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial - Letra de Câmbio, Vol. III, Universidade de Coimbra, 1975, p. 71; Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 60 (1956), pp. 172 e ss.; e Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Anotada, 7ª Ed., Petrony, 1996, p. 108.

É esta a situação dos autos: a livrança em presença não entrou em circulação, mantendo-se vigente entre os sujeitos cambiários, razão por que é lícito aos embargantes-recorridos discutir, como se disse, as exceções inerentes à relação fundamental ou subjacente, tal como foi, e bem, considerado na decisão recorrida.

Como é consabido, a prescrição da obrigação subjacente, atribuindo ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cf. art. 304º-1 do CC), acarretará, em consequência, em regra, a extinção da obrigação cambiária: «[n]as relações imediatas, a prescrição da obrigação fundamental acarretará, em regra, a extinção da obrigação cambiária, pelo que a questão deve ser apreciada em conformidade quanto à invocada prescrição no âmbito da relação subjacente» - vd. Ac. da RC de 24.06.2016, rel. Maria João Areias, proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1.

A recorrente não discute estas premissas, limitando-se a sustentar que o crédito exequendo, incorporado na livrança dada à execução, não se mostra extinto, por efeito da prescrição, por entender que o prazo prescricional a considerar não deve ser o prazo de cinco anos, previsto no art. 310º-e) do CC, como decidido na sentença recorrida, mas outrossim o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC, pelo menos no que respeita ao capital mutuado, em face do vencimento antecipado de todas as prestações em dívida.

A questão sub judice, largamente debatida nos tribunais, encontra-se hoje estabilizada na sequência da prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ), n.º 6/2022, tirado pelo STJ em 30.06.2022, o qual, clarificando a anterior divergência, veio fixar a seguinte jurisprudência:

«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ´a quo´ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.».


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No caso dos autos ficou provado que a ação executiva foi instaurada pela exequente (ora recorrente) em 19.06.2024, tendo na sua base, por título, uma livrança em branco assinada pelos embargantes (-recorridos), a qual foi preenchida pelo mutuante (ora recorrente, cessionária do crédito) para pagamento coercivo da quantia global de €16.197,85, mais se tendo apurado que os executados (embargantes, ora recorridos), deixaram de efetuar os pagamentos das prestações a que se vincularam no contrato de mútuo bancário em data anterior a 03.09.2014 (vd. pontos 1, 2, 4 e 9 dos factos provados).

A questão que se colocava antes do AUJ acima indicado prendia-se com o problema de saber se o vencimento imediato das prestações convencionadas originava a sujeição do devedor a uma obrigação única e que passaria a ser exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC, entendimento que foi seguido por alguma doutrina e jurisprudência [cf. Ac. da RC de 26.04.2016, proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1; Ac. da RG de 16.03..2017, proc. n.º 589/15.0T8VNF-A.G1; Ac. da RE de 12.04.2018, proc. n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1; e o Ac. da RC de 12.06.2018, proc. n.º 17012/17.8YIORT.C1; na doutrina, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte Geral, Tomo IV, 2005, p. 176, quando sustenta que: «(…) podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de … quotas de amortização»].

Contudo, esta posição «não atendia ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos», de modo que passou a dado passo a clarificar-se que, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art. 781º do CC, bem vistas as coisas, não alterava a natureza das obrigações inicialmente assumidas, conquanto que, se é certo que se alterava o momento da exigibilidade das quotas, não sofria já alteração o acordo e escalonamento inicial referente à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros, ou seja, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros remuneratórias não perdiam a sua feição parcelada ou escalonada, tal como inicialmente contratado [cf. o Ac. da RC de 19.12.2017, rel. Fonte Ramos, proc. n.º 561/16.2T8VIS-A.C1; Ac. da RG de 20.10.2022, rel. José Duarte, proc. n.º 5233/21.3T8VNF-A.G1; e o Ac. da RP de 25.11.2024, rel. Eusébio de Almeida, proc. n.º 1357/23.0T8LOU-A.P1. Na doutrina, vd. Miguel Teixeira de Sousa, Jurisprudência 2020 (158), Contrato de financiamento; amortização de capital; quotas; prescrição, in https://blogippc.blogspot.com/2021/03/jurisprudencia-2020-158.html, sendo esclarecedoras as suas palavras: “(…) É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento (com a devolução do capital mutuado, o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios e accionando as garantias estabelecidas) e não a extinção de tal vínculo contratual. Em conclusão: às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.”].

O Supremo Tribunal de Justiça, antes da prolação do AUJ acima sumariado,  já se havia debruçado sobre esta questão, sustentando que

“[p]or explícita opção legislativa, o art.º 310.º al. e) do Código Civil considera que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º” – vd. o Ac. do STJ de 29.09.2016, rel. cons. Lopes do rego, proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1.

Ou seja: a ratio das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito - cf. Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, vol. III, 2010, p. 47.

Dito de outra forma: «A lógica que subjaz a uma tal opção [do prazo prescricional mais curto, quinquenal] é a prevalência do interesse do devedor em não acumular múltiplos encargos, perante a inércia do credor» - cf. Rita Canas da Silva, in Código Civil Anotado (Ana Prata, Org.), vol. I, Almedina, 2017, p. 382.

Pode, portanto, afirmar-se que na doutrina maioritária não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado - vd. o Ac. da RC de 13.05.2025, rel. Hugo Meireles, proc. n.º 1995/23.1T8ANS-A.C1 que, atenta a similitude com o presente recurso, acompanhamos de perto.

No caso dos autos o crédito reclamado pela exequente, ora recorrente, consubstancia quotas de amortização de capital, pagáveis com os juros, o que significa que, por lhe ser subsumível, deve ficar sujeita ao prazo de prescrição quinquenal previsto na alínea e) do art. 310º do CC, que não ao prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC.

Com efeito, no caso dos autos não encontramos razões de natureza jurídica para divergir do entendimento estabilizado pelo referido AUJ do Supremo tribunal de Justiça, ao qual, naturalmente, se adere, como, de resto, aderiu o tribunal a quo.

A recorrente sustenta no seu recurso a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos ao crédito exequendo e não o prazo quinquenal.

As principais linhas da tese sustentada pela recorrente quanto ao ponto, são, em síntese, as seguintes:

(i) as quotas de amortização a que alude a alínea e) do art. 310º do CC se referem apenas às comumente designadas prestações nas quais o devedor se vincula ao cumprimento duma obrigação, amortizando-a de modo fracionado, englobando tal amortização capital e juros, de modo a formar uma prestação unitária e global;

(ii) a norma exige que o cumprimento se faça de forma fracionada e que inexista diferenciação entre as prestações de juros e capital, isto é, que ambas se encontrem abrangidas pela mesma prestação, a realizar de forma unitária, aplicando-se o prazo prescricional de cinco anos a cada uma das prestações de capital e juros vencidas na vigência do contrato individualmente consideradas;

(iii) nos casos em que está em causa a resolução do contrato por incumprimento, com vencimento antecipado de todas as prestações, nos termos no art. 781º do CC, o vencimento ocorre em bloco, com respeito aos montantes ainda em dívida, caso em que não é aplicável a norma do art. 310º-e) do CC;

(iv) uma vez resolvido o contrato deixa naturalmente de haver contrato e, por conseguinte, quotas, pois o que é exigido no momento da resolução não são as quotas, mas a totalidade do montante em dívida;

(v) aplica-se o disposto no art. 785º do CC, daí resultando que quaisquer pagamentos, salvo se outra for a vontade das partes, não terão carácter unitário, pelo que os juros vencer-se-ão de forma diversa, já não sobre o montante de cada quota cujo pagamento se encontre em falta, mas sim sobre a totalidade do capital que resulte em dívida, por conta do vencimento antecipado;

(vi)  a suposta teleologia do preceito, invocada como fundamento da decisão tomada pelo Tribunal a quo e pelo referido AUJ, radicar-se-ia na tentativa de evitar a acumulação desmedida de montantes em dívida, sendo que, neste ponto, existe já a norma do art. 310º-d) do CC apta a proteger os devedores no que aos juros diz respeito; que o vencimento antecipado não altera a natureza das quotas de capital e juros, também não é suscetível de alterar a natureza dos juros de mora que não se incluem na alínea e) do art. 310º do CC, especialmente após a resolução, mas na alínea d) da mesma norma;

(vii) o disposto no art. 561.º do CC estabelece a autonomia do crédito de juros, apesar de se tratar de prestação acessória, face ao crédito principal;

(viii) mantendo-se o devedor em incumprimento, já após resolução e interpelação para pagamento da totalidade dos montantes em dívida, a consequência é que se continuarão a vencer juros moratórios; e que (v) pese embora os juros de mora se constituem, neste caso, diariamente, enquanto permanecer o incumprimento, tendo-se constituído e tornado exigíveis, nessa qualidade, em parte há menos de cinco anos, os juros moratórios vencidos, pelo menos os constituídos nos cinco anos anteriores à data da proposição da ação executiva, são plenamente exigíveis

(vd. as conclusões do recurso sob as alíneas I. a Q. e S., U., V., W, X., OO., RR., VV., XX., e CCC).

Improcedem estas linhas de argumentação porquanto, como vimos, a jurisprudência fixada no referido AUJ as afastam, sendo certo que a posição da recorrente não avança com uma nova interpretação da lei, nem convoca novos argumentos que permitam romper com o entendimento exarado no citado acórdão uniformizador. A recorrente, apesar de não ignorar a existência do AUJ do STJ n.º 6/2022, acima sumariado, limita-se a discordar dos fundamentos do mesmo, insistindo que o vencimento antecipado, transformando as quotas de amortização num capital único, faz com que o prazo de prescrição a considerar passe a ser, então, não o referido prazo quinquenal, mas o prazo ordinário, de vinte anos, ao menos para o capital.


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Ora, o entendimento que propugnamos vai no sentido de que o vencimento imediato das prestações previsto no art. 781º do CC exige que o credor interpele o devedor nesse sentido (cf. art. 805º-1 do CC), declarando-lhe que considera vencidas todas as prestações em dívida, fazendo-o de forma inequívoca e sem que se suscitem dúvidas sobre tal interpelação.

Com efeito, como já o afirmou a doutrina e a jurisprudência, a consequência da norma prevista no art. 781º do CC não é a automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta (note--se que esta norma incide apenas sobre o capital e não sobre os juros remuneratórios, ainda que incorporados nas sucessivas prestações: cf. AUJ n.º 7/2009, de 25-03).

O que esta norma exprime é uma hipótese de perda do benefício do prazo no sentido de conceder ao credor a possibilidade de exigir do devedor o cumprimento antecipado de todas as prestações e, desse modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas, tratando-se apenas de uma terceira causa de perda do benefício do prazo em adicionamento às duas previstas no antecedente art. 780º - cf. Ana Afonso, in Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 1070. Claro que, não sendo o art. 781º do CC uma norma imperativa, a lei não proíbe que as partes contratantes possam convencionar, querendo, o vencimento automático das prestações vincendas, independentemente de interpelação. Sobre o alcance do preceito vd. Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pp. 979-980.

De sorte que se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas - cf. Ana Afonso, anotação ao art. 781º do CC, in Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP Editora, p. 1071.

É isso mesmo que decorre da fundamentação do referido AUJ n.º 6/2022, de 30.06.2022, já citado, quando afirma:

“[C]omo é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns “em sentido forte”, das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo (…) constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui – assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg. 54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39. A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível ´em sentido fraco´.

Deste modo, há de ser esse vencimento antecipado – por vontade do credor, comunicado ao devedor – que define o termo inicial, ou termo a quo, da contagem do prazo de prescrição - cf., assim, o Ac. do STJ de 19.01.2023, rel. João Cura Mariano, proc. n.º 4288/21.5T8VNF-A.G1.S1.

E, como se disse, esse prazo prescricional será de cinco anos, previsto na al. e) do art. 310º do Código Civil.

Sucede que, no caso dos autos, apenas se apurou que em 06.06.2024 foram remetidas cartas registadas com aviso de receção aos embargantes, para a morada convencionada no contrato, para o efeito de lhes comunicar os acordos de cessão de créditos, declarar a resolução do contrato de crédito e para transmitir que a exequente iria proceder, em 16.06.2024, ao preenchimento da livrança em causa, pelo montante de €16.197,85 (indicando as parcelas correspondentes a capital, juros e imposto de selo), apurando-se, ainda, que essas cartas foram devolvidas com a nota de não entregues (vd. pontos 7 e 8 dos factos assentes).

Significa isto que não está demonstrado que a exequente (ou o credor originário) tenha chegado a invocar perante os ora recorridos o vencimento antecipado das prestações ou a resolução do contrato em consequência do incumprimento das prestações vencidas em data anterior a 03.09.2014.


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Importa, contudo, notar que o contrato foi celebrado em 03.09.2007 e previa um financiamento no montante global de €10.992,04, a reembolsar no prazo de 84 meses (vd. ponto 4 dos factos provados), ou seja, durante sete anos, terminando, portanto, em setembro de 2014. Tal significa que, ocorrendo o alegado incumprimento em momento anterior a 03.09.2014 (vd. ponto 9 dos factos provados), não se pode falar, em rigor, de vencimento antecipado das prestações, por interpelação do credor, ora recorrente, pela simples razão de que o plano prestacional, fracionado em quotas de amortização do capital pagável com os juros já se havia completado, sendo apenas devido o montante em dívida decorrente do incumprimento assumido pela recorrente. Razão por que o disposto no art. 781º do CC é inaplicável ao caso dos autos. Ou seja, não existe uma situação em que se possa considerar a antecipação do vencimento de toda a dívida, por inexistir quotas de amortização em curso, na parte relativa à amortização da quantia mutuada cujo prazo de pagamento ainda não tivesse decorrido. Esse prazo de pagamento, pelo contrário, já tinha decorrido, pelo que tinha deixado de se manter o plano de pagamento das prestações acordadas, ainda que elas fossem não pagas, porquanto o mesmo já tinha chegado ao fim (cf. art. 805º-2-a) do CC).

Portanto, pese embora em setembro de 2014 não se tenha verificado o condicionalismo previsto no art. 781º do CC (vd. cláusula 8.ª das condições gerais do contrato de “Crédito o Consumo Banco 1...”) e na data em que foi instaurada a execução já ter decorrido o prazo de cinco anos de prescrição relativamente à totalidade do valor mutuado e juros, quando a exequente, previamente à instauração da ação executiva, interpelou os executados para realizarem o pagamento da totalidade das prestações convencionadas, acrescida de juros de mora, sob pena de proceder ao preenchimento da livrança, havia já decorrido o prazo de vencimento de todas as prestações constantes do plano de pagamento convencionado.

Não existe assim, como vimos, uma prestação única em mora em consequência do vencimento antecipado das prestações convencionadas, mas sim tantas quantas as que foram incumpridas, às quais acrescem juros sobre o capital de cada uma e desde a data do vencimento respetivo.

Desde modo, importa considerar que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no art. 310º-e) do CC, é aplicável a cada prestação vencida e não paga, pelo que ocorrendo o vencimento das prestações não pagas, consideradas individualmente, como obrigação autónoma, em setembro de 2014, o prazo de prescrição incide o seu termo a quo na data desse vencimento em relação a todas as quotas vencidas, como se estabeleceu no AUJ n.º 6/2022 [é desta decisão a seguinte consideração: “(…) tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em determinada data, e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda do benefício do prazo, ocorre a prescrição relativamente a todas as prestações, incluindo as vencidas entre a data do primeiro incumprimento e a data do exercício do direito relativo à perda de benefício do prazo (…)”].

Seja como for, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (cf. art. 805º-2 do CC), o que acontece num financiamento, como o dos autos, pagável em prestações mensais em que foi fixada data para o vencimento das mesmas (cf., assim, o Ac. da RC de 10.9.2024, rel. Carlos Moreira, proc. n.º 1826/21.7T8VIS-A.C1).

Decorre do disposto no art. 323º-1 do CC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”.

Não foram alegadas quaisquer outras causas interruptivas do mencionado prazo prescricional no período que antecedeu a causa interruptiva supra indicada, associada à instauração da execução (a citação ocorreu em 14.10.2024 - vd. ref.ª citius n.º 9214869 e n.º 9222377 - mas tem-se a prescrição por interrompida no 5.º dia subsequente a ter sido requerida, no caso com a instauração da execução, nos termos do art. 323º-2 do CC, ou seja, em 24.06.2024: vd. ponto 1 dos factos provados).

Sustenta a recorrente que tem, pelo menos, direito a haver os juros convencionados, moratórios e remuneratórios, contabilizados sobre o capital referentes aos últimos cinco anos nos termos do art. 310º-d) do CC.

Não tem razão.

A prescrição, tendo de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 303º do CC), torna inexigível o pagamento da dívida, podendo o beneficiário recusar o cumprimento da prestação (art. 304º-1 do CC). Uma vez prescrita a dívida do capital, ela não mais vencerá juros, pelo que, no caso dos autos, tendo prescrito a dívida do capital em 03.09.2019, só seriam devidos juros vencidos, em face da sua autonomia (art. 561º do CC) até à data da prescrição daquele capital e se, quanto a eles, não tiver decorrido o prazo de cinco anos nos termos do art. 310º-d) do CC (vd., neste sentido, os seguintes arestos: Ac. da RL de 25.05.2017, rel. António Santos, proc. n.º 28927/16.YUPRT.L1-6; Ac. da RE de 05.06.2025, rel. Filipe Osório, proc. n.º 223/22.1T8PTG-B.E1; Ac. da RE de 25.06.2015, rel. Francisco Xavier, proc. n.º 84803/13.4YIPRT.E1; vd., ainda, Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª ed, Almedina, 1989, p. 194 que, a propósito, sublinha: “É claro que, prescrita a dívida do capital, nunca mais ele vencerá juros. E após o simples vencimento daquela dívida, os juros deixam de ser remuneratórios, se os estava a vencer, e passam a moratórios (…)”).

Portanto, o crédito de juros a que a recorrente poderia ter direito, contabilizados nos últimos 5 anos até à data da prescrição do capital - 03.09.2019 - prescreveu também [vd., de novo, Correia das Neves, Manual dos Juros, cit., p. 194-5: “(…) Mas, parece-nos que, prescrito um capital, podem no entanto exigir-se os juros anteriores de há menos de 5 anos (e até pode o credor pedir os anteriores aos 5 anos, mas quanto a estes pode o devedor invocar a prescrição): será uma consequência da autonomia que os juros mantêm relativamente ao crédito de capital (…)”].


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Em conclusão, podia a exequente/recorrente instaurar a ação executiva contra os embargantes/recorridos desde pelo menos 03.09.2014, data em que ocorreu o incumprimento de uma obrigação que tinha prazo certo, altura em que se venceu a última prestação do contrato incumprido (art. 306º do CC). A execução só foi instaurada em 19.06.2024 e o vencimento ou a exigibilidade imediata das prestações não altera a natureza das obrigações assumidas - de quotas de amortização do capital pagável com os juros. Não se verificando a ocorrência de causas de interrupção ou de suspensão da prescrição, verificada em 03.09.2019, há muito que havia decorrido o prazo de 5 anos quando a execução foi instaurada, abrangendo quer o capital, quer os juros [art. 310º-d) e e) do CC].

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Por último, importa notar que uma vez prescrito o crédito referente à obrigação causal, também o crédito cambiário, no montante inscrito pela livrança dada à execução, estará igualmente prescrito. Na verdade, no caso de financiamento pagável em prestações mensais de capital e juros, garantido pela aceitação de uma livrança em branco, como sucede no caso dos autos, o prazo quinquenal de prescrição não se inicia na data do vencimento da livrança (no caso, 17.06.2024: vd. ponto 2 dos factos provados), aposta cerca de 10 anos após a verificação do incumprimento, mas tem início a partir do mês do vencimento de cada prestação não paga (no caso, setembro de 2014; vd. o Ac. da RC de 10.09.2024, rel. Carlos Moreira, proc. n.º 1826/21.7T8VIS-A.C1).

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Tudo ponderado, é de concluir não merecer censura a decisão do Tribunal a quo, pelo que improcede o recurso.

Caberá, por isso, à recorrente suportar o pagamento das custas processuais (cf. art.s 527º-1-2 e 607º-6 do CPC). 


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Sumário (art. 663º-7 do CPC):

(…).


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III – Decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Registe e notifique.


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Coimbra, 14.10.2025.

Marco António de Aço e Borges

Hugo Meireles

Emília Botelho Vaz