Em conformidade com o disposto no art. 1085.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no processo de inventário apenas podem intervir como partes principais: - os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens; e - o Ministério Público, nas situações legalmente previstas.
(Sumário elaborado pelo Relator)
(Processo n.º 22/20.5T8CNF-B.C1)
*
Sumário:
(sumário elaborado pelo relator, nos termos do art. 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)
(…).
I – Relatório
Recorrentes:
AA
BB
CC
DD
Recorridos:
EE de FF
GG
HH
Em seu entender, têm interesse no desfecho do presente inventário na medida em que o destino da verba n.º 3 lhes diz diretamente respeito, devendo, por isso, serem admitidos a intervir no processo de inventário.
Também requereram que, em virtude da pendência da mencionada ação de preferência, o processo de inventário fique suspenso ao abrigo do disposto no artigo 1092.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, porquanto se a ação de preferência for procedente tal prédio haverá de ser excluído destas partilhas, e as rendas relativas ao mesmo, haverão de ser restituídas aos preferentes, cujo direito de propriedade sobre o prédio retrotrairá à data da escritura ou, ao invés, no caso de improcedência, o prédio em causa pertencerá ao acervo hereditário e bem assim o valor resultante das rendas depositadas.
Depois de cumprido o contraditório, foi proferido despacho que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea deduzido por AA e mulher BB, bem como por CC e marido DD.
II – O Objeto do Recurso
Inconformados, os Requerentes interpuseram o presente recurso.
As alegações de recurso são rematadas pelas seguintes conclusões:
(…).
Não foram apresentadas contra-alegações.
III – Fundamentos
Os factos a considerar para a decisão deste recurso são os acima elencados no relatório.
Consequentemente, deverá ser confirmada a decisão sob recurso.
Aqui chegados, haverá ainda que referir o seguinte.
Dizem os ora Recorrentes que «o despacho recorrido nada refere no que respeita ao acautelamento no recebimento das rendas pelo mesmo prédio geradas» (conclusão 10). E advogam os ora Recorrentes pese embora a utilização do mecanismo processual do incidente de intervenção principal espontânea possa «não ter sido o mais adequado», «tratar-se-ia de “erro da forma de processo”, ou de erro no meio processual utilizado, o qual se encontra previsto no artigo 193º do C.P.C.»; «o eventual erro na forma de processo poderá resultar da utilização do mecanismo legal previsto no artigo 1087º do C.P.C., relativo à intervenção principal, quando deveria eventualmente ter sido usado o mecanismo legal previsto no artigo 1085º, nº 2, alínea b), relativo à intervenção de credores da herança, nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos»; porquanto «os recorrentes são verdadeiros credores da herança para os efeitos da alínea b) do nº 2 do artigo 1085º do C.P.C.»; «razão pela qual a admissão dos Recorrentes haveria sempre e por qualquer forma de ser admitida, e, se o não fosse a título principal nos termos do artigo 1087º do C.P.C., sempre teria de o ser, para as finalidades específicas determinadas pela alínea b) do nº 2 do artigo 1085º do C.P.C., ou seja, para as questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, ou por outros melhores termos de Direito que invocar e conhecer se possam, e que o Venerando Tribunal ad quem, doutamente, suprirá» (conclusões 13 a 21).
Nas conclusões que apresentaram, os ora Recorrentes afirmam que «aquando do pedido de intervenção os recorrentes solicitaram a suspensão dos presentes autos até trânsito em julgado do Proc. 74/17...., a que corresponde a acção de preferência, contudo, a parte dispositiva do despacho recorrido não toma posição quanto a essa matéria, muito embora a respectiva fundamentação seja no sentido de tal suspensão ser também indeferida o que consubstancia vício da decisão recorrida»; sendo que, em seu entender, «estão reunidos ambos os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1092.º, do C.P.C.» (conclusão 7 e conclusões 22 a 30).
Na conclusão 32, escreveram os ora Recorrentes: «Deverá ser anulado e dado sem efeito o subsequente despacho que ordena o desentranhamento de todos os requerimentos e respectivos anexos apresentados pelos recorrentes, porquanto os mesmos assumem relevância e pertinência na posição por estes defendida nos presentes autos de inventário».
A propósito do referido nos três precedentes parágrafos, cumpre sublinhar que o presente recurso incide apenas sobre o despacho que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea, porquanto, no requerimento de interposição do recurso, os ora Recorrentes especificaram que é essa a decisão de que recorrem (art. 635.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Assim, na pág. 1 do requerimento de interposição do recurso/alegações, os ora Recorrentes afirmam, de forma inequívoca:
«AA e mulher BB, e CC e marido DD, não se conformando com o douto despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal espontânea, dele vêm interpor recurso para o venerando Tribunal da Relação de Coimbra»;
«Vem o presente recurso interposto do douto despacho onde se decidiu que “por manifesta e legalmente inadmissível, indefere-se o pedido de intervenção principal espontânea deduzido por AA e mulher BB e CC e marido DD, não se afigurando, nos termos legais, como interessados diretos na partilha, ao abrigo do disposto nos artigos 1087º, nº 1 a contrário e 1085º a contrario ambos do Código do Processo Civil”».
O recurso incide sobre o despacho que indeferiu um pedido de intervenção principal espontânea no âmbito de um processo de inventário, apresentado pelos ora Recorrentes AA e mulher BB e CC e marido DD.
No que concerne, à pretendida qualificação dos ora Recorrentes como «verdadeiros credores da herança para os efeitos da alínea b) do nº 2 do artigo 1085º do C.P.C.»; e à pretendida «admissão dos Recorrentes [a intervir no processo de inventário] se o não fosse a título principal nos termos do artigo 1087º do C.P.C., sempre teria de o ser, para as finalidades específicas determinadas pela alínea b) do nº 2 do artigo 1085º do C.P.C., ou seja, para as questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, ou por outros melhores termos de Direito que invocar e conhecer se possam, e que o Venerando Tribunal ad quem, doutamente, suprirá», dir-se-á que este Tribunal, no âmbito do presente recurso, não tem de se pronunciar sobre tais matérias.
O recurso incide – não é demais repeti-lo – sobre o despacho que indeferiu um pedido de intervenção principal espontânea. A pretensão ora verbalizada pelos Recorrentes – pretendem ser admitidos como intervenientes secundários no inventário, ao abrigo do disposto no art. 1085.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil – é uma pretensão diferente daquela sobre a qual incidiu o despacho recorrido – o despacho recorrido incidiu sobre o pedido de intervenção principal dos ora Recorrentes, que foi o que estes requereram. E, além disso, a pretensão ora verbalizada pelos Recorrentes não foi apreciada e decidida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Para que este Tribunal da Relação se possa pronunciar sobre a admissão ou não da intervenção dos ora Recorrentes como intervenientes secundários no inventário, ao abrigo do disposto no art. 1085.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, é necessário, nomeadamente, que haja prévia pronúncia do Tribunal de 1.ª Instância e que seja interposto recurso quanto ao decidido – o que não ocorreu in casu.
Relativamente à questão da suspensão do processo de inventário, é certo, por um lado, que no requerimento em que deduziram o incidente de intervenção principal espontânea, os ora Recorrentes também requereram, «nos termos do artigo 1092.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.C., que seja ordenada a suspensão da instância nos mesmos autos [i. e., no processo de inventário], até prolação de sentença, com trânsito em julgado, nos processos:
- 74/17.... que corre termos no Tribunal de Competência Genérica de Cinfães;
- 229/17.... que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central de Viseu […];
- 37/17.... que corre termos no Tribunal de Competência Genérica de Cinfães».
Por outro lado, também é verdade que, no despacho sob recurso, são tecidas algumas considerações sobre a não suspensão da instância «por via da pendência da ação de preferência em causa», ou seja do processo n.º 74/17.....
Todavia, é igualmente certo que o despacho sob recurso, que de forma esclarecedora tem como epígrafe «I – Do Incidente de Intervenção Principal Provocada:», apenas decidiu tal incidente, não decidiu o pedido de suspensão da instância quanto ao processo de inventário.
O despacho sob recurso – que decidiu o incidente de intervenção principal espontânea – não padece de vício por não se ter pronunciado sobre a requerida suspensão da instância, porque a decisão do incidente de intervenção principal espontânea não impunha a prévia ou contemporânea decisão sobre a requerida suspensão da instância. A suspensão da instância é uma questão diferente do incidente de intervenção principal espontânea.
A questão da suspensão do processo de inventário até ao trânsito em julgado seja da decisão final que vier a ser proferida no processo n.º 74/17.... (que é a ação de preferência em que são autores os ora Recorrentes), seja da decisão final que vier a ser proferida no processo n.º 229/17.... e no processo n.º 37/17...., é questão que extravasa o âmbito do presente recurso e sobre a qual este Tribunal não deve pronunciar-se.
Quanto à requerida anulação ou declaração «sem efeito» do «despacho que ordena o desentranhamento de todos os requerimentos e respectivos anexos apresentados pelos recorrentes», também se trata de matéria que extravasa o âmbito do presente recurso, pois os ora Recorrentes interpuseram recurso apenas quanto ao despacho que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea, não quanto ao «despacho que ordena o desentranhamento de todos os requerimentos e respectivos anexos apresentados pelos recorrentes».
Termos em que se conclui ser de confirmar a decisão sob recurso.
As custas recaem sobre os Recorrentes (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se pela improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Condenam-se os Recorrentes a pagar as custas do recurso.