HERANÇA INDIVISA
DIREITOS DOS HERDEIROS
PARTILHA EM ESPÉCIE DE BENS DE OUTRA HERANÇA
EMENDA DA PARTILHA
Sumário

I – Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens.
II – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um.
III – Um despacho de “saneamento do processo” que tenha consistido numa “apreciação genérica” quanto à regularidade/legalidade dos bens a partilhar, não preclude que seja suscitado ulteriormente, à luz dum pedido de Emenda da Partilha (do art. 1126º do n.C.P.Civil), a questão da errada partilha por indevida relacionação/descrição de determinados bens.
IV – Deve dar-se procedência a esse pedido de Emenda da Partilha por terem sido partilhados os bens imóveis [sob as verbas 11 a 15] como se o inventariado fosse titular único e integral de todos e cada um deles, quando na verdade ele apenas detinha (e detém) o direito e ação à herança indivisa aberta por óbito do seu progenitor AA (e integrando os imóveis em causa a meação deste último), pois que tal situação naturalmente viciou a vontade das partes.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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         Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                     *

            1 - RELATÓRIO

            BB e CC (DD), em 27 de Maio de 2020, junto do Juízo Local Cível de Porto de Mós, requereram inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de EE, seu pai, falecido em ../../2013.

O processo seguiu os seus regulares termos, com declarações da cabeça de casal nomeada, a saber, FF, com quem o inventariado fora casado, em segundas núpcias de ambos, sob o regime da comunhão de adquiridos, sendo que esta última apresentou oportunamente a relação de bens, a qual, em termos de bens imóveis, ulteriormente veio a figurar com o seguinte concreto teor:

«IMÓVEIS

             VERBA Nº. 11

Prédio rústico, composto de terreno de pastagem ou pasto, com a área de 1880 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho público, do sul com GG, do nascente com HH e do poente com II, inscrito na matriz sob o artigo ...0 – secção 008, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16 do livro ...6, com o valor patrimonial tributário de 8,38 €.

            VERBA Nº. 12

Prédio rústico, composto de terreno de olival, com a área de 1480 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com JJ, do sul com KK, do nascente com LL e do poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ...20 – secção 008, com o valor patrimonial tributário de 56,66 €, não descrito no registo predial.

            VERBA Nº 13

Prédio rústico, composto de terreno de pastagem ou pasto, com a área de 2560 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com MM, do sul com NN, do nascente com caminho público e do poente com OO, inscrito na matriz sob o artigo ...69 – secção 010, com o valor patrimonial tributário de 31,12 €, não descrito no registo predial.

           VERBA Nº 14

Prédio urbano, composto de casa de habitação e logradouro, com a área coberta de 63,30 m2 e a área descoberta de 158,70 m2, sito na Rua ..., ..., na vila e freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...04, com o valor patrimonial tributário de 14.534,80 €, descrito no registo predial sob o número ...16, do livro ...6.

VERBA Nº 15

Prédio urbano, composto de casa de habitação e logradouro, com a área coberta de 160,15 m2 e a área descoberta de 294,85 m2, sito na Rua ..., ..., na vila e freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...02, com o valor patrimonial tributário de 103.378,29 €, não descrito no registo predial.»

                                                           *

De referir que dos elementos documentais relativos a estes imóveis juntos aos autos, resultava que, em termos fiscais, os mesmos estavam inscritos em nome de “AA - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE”, e os que estavam descritos no registo predial, aí figuravam inscritos a favor de “AA, casado com PP” [cf. fls. 14 a 23].

                                                           *

Estes referenciados “AA” e “PP” eram os progenitores do aqui inventariado, EE, único filho dos mesmos, tendo ele falecido no ano de 2007, no estado de casado com ela, e ela em ../../2013 (portanto já depois do aqui inventariado), no estado de viúva.

Não houve inventário por óbito de qualquer destes progenitores do aqui inventariado, sendo que consta ainda da escritura de habilitação da dita progenitora PP, que a mesma «Deixou como únicas herdeiras, Suas netas, filhas do seu pré-falecido filho EE: CC (…); e BB. Que não há outras pessoas que possam concorrer com as indicadas herdeiras à sucessão da falecida.» [cf. fls. 87-88].

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            Tendo os autos prosseguido os seus termos, em 31.03.2022 foi proferido um “despacho de saneamento”, do seguinte concreto teor literal:

«Considerando que, em face da posição que antecede, se encontram resolvidas todas as questões que poderiam influir na partilha e determinação dos bens a partilhar, notifique os interessados para no prazo de 20 dias proporem a forma da partilha (artigo 1110.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil).»

Assim, e para o que ora diretamente releva, em 01/04/2022 foram as interessadas BB e CC notificadas para proporem a forma da partilha (artigo 1110.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil), em cumprimento do que as mesmas deram forma à partilha, dando nota que “a parte do autor da herança, referente às Verbas 11, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens é de ¼, conforme documento 2 junto com a p.i..

            Sendo que em 10/05/2022 por requerimento junto aos autos, as recorrentes reiteraram a sua posição pela seguinte forma:

«Tal como resulta dos documentos juntos pela Cabeça de Casal aos autos, a saber, Certidões Prediais e respetivas Cadernetas Prediais, os proprietários dos referidos imoveis (Verbas 11, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens) são: AA e QQ, doravante designados apenas por AA e PP, respetivamente, progenitores de EE.

Ora, AA, faleceu em 2007, sem deixar testamento, concorrendo à sua herança, dois interessados, a viuva, PP, e o filho EE.

A herança de AA será dividida em duas partes iguais, face à meação.

Apurada a meação nos termos que antecedem, a herança de AA será dividida em duas partes iguais, pertencentes à viúva e ao ora de cujus.

PP, faleceu ../../2013, sem deixar testamento, concorrendo à sua herança, dois interessados, as ora interessadas BB, e, CC.

(...)

Face ao exposto que antecede, a herança de EE corresponde a ½ da herança aberta por seu pai, ou seja um meio da metade.

Nestes termos, reitera-se que, a parte do autor da herança, nos presentes autos, e, referente às Verbas 11, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens é de ¼.»

            Decidindo esta questão, a Exma. Juíza de 1ª instância proferiu o seguinte despacho em 11.05.2022:

«Dado cumprimento ao disposto no artigo 1110.º, alínea b) do Código de Processo Civil, tendo as partes proposto forma à partilha.

Mais foi suscitada pelas interessadas BB e CC questão quanto à proporção pertença da herança das verbas n.º 11 a 15, pugnando pela partilha de apenas ¼, atento o teor do requerimento junto com a petição inicial.

Respondeu a cabeça de casal, requerendo que tal parágrafo seja dado como não escrito na medida em que a relação de bens que enforma o presente processo de inventário se encontra cristalizada, não tendo a descrição das verbas n.º 11 a 15 sido objeto de reclamação oportuna.

(...)

Dispõe o artigo 1110.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “Depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que: a) Resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar; b) Ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha”.

Decorre de forma clara de tal preceito que este constitui o corolário do ónus de concentração das oposições, impugnações e reclamações que perpassa o novo modelo de inventário judicial devendo o despacho de saneamento incidir sobre todas as questões que relevantes para a realização da partilha e que tenha sido suscitadas no momento próprio da fase dos articulados.

(…)

Ora, revertendo ao caso presente é manifesto que não só as interessadas tiveram oportunidade de suscitar a questão em causa na fase dos articulados – logo aquando da sua notificação nos termos do disposto no artigo 1104.º do Código de Processo Civil, mas também no âmbito da audiência prévia realizada e ainda após a junção da relação de bens reconfigurada em conformidade com o acordo alcançada naquela diligência – como sobre si impendia o ónus de o fazer na medida em que não se trata de factualidade superveniente. De igual modo, resulta de forma manifesta do supra expendido que não o tendo feito no momento processual oportuno, mostra-se precludida tal possibilidade, encontrando-se a relação de bens, pelo menos quanto a tal questão, cristalizada no processo. Isto sem prejuízo, naturalmente, sem prejuízo do disposto no artigo 1126.º do Código de Processo Civil que regulamenta a emenda à partilha com ou sem ao acordo de todos os interessados. Assim, mostrando-se ultrapassada a fase de saneamento do processo e não tendo tal questão sido oportunamente suscitada, mostra-se precludida a possibilidade de o fazer neste momento, procedendo-se à partilha dos bens relacionados nos termos constantes da relação junta sob a ref.ª 8538598, com data de 18.03.2022.

Ora, nos presentes autos procede-se a inventário por óbito de EE, falecido a ../../2013, no estado de casado em segundas núpcias com FF sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo como última residência Rua ..., ..., Porto ....

O inventariado deixou como únicos herdeiros:

FF, viúva;

BB, filha do inventariado, solteira, maior;

CC, filha do inventariado, solteira, maior;

O inventariado não deixou qualquer testamento, doação ou qualquer disposição de última vontade.

Foi nomeada cabeça-de-casal FF. Foram relacionados os bens do inventariado.

Não foi descrito passivo.

Em face do exposto, à partilha deve dar-se a seguinte forma: Somam-se os valores correspondentes às verbas descritas na relação de bens apresentada, tomando em consideração os valores constantes da referida relação. Tal valor será dividido em duas partes iguais, constituindo cada uma delas a meação de cada um dos cônjuges (artigo 1732.º do Código Civil).

A meação do inventariado será dividida em três partes iguais, cabendo cada parte a cada um dos herdeiros: a viúva FF, a filha RR e a filha CC (artigos 2133.º, n.º 1, alínea a) e 2139.º, n.º 1 do Código Civil)

Assim, as quotas ideais de cada interessado são as seguintes: FF: 4/6 (sendo 3/6 advenientes das operações de meação) RR: 1/6 CC: 1/6.

O preenchimento dos quinhões deverá ser realizado, em consonância com o acordado em sede de conferência de interessados.»

Este despacho foi notificado às interessadas BB e CC em 6.06.2022.

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Prosseguindo os autos, e para o que ora diretamente releva, em 31/05/2024 as interessadas BB e CC foram notificadas da elaboração do mapa de partilha [com teor aqui dado por reproduzido], para querendo, reclamar contra o mesmo.

Em 06/06/2024 as interessadas BB e CC apresentaram reclamação contra a elaboração do mapa de partilha [com teor aqui dado por reproduzido].

Decidindo esta questão, a Exma. Juíza de 1ª instância proferiu o seguinte despacho em 17.09.2024:

«(...)

O despacho que determinou a realização de mapa da partilha, pela secretaria judicial, nos precisos termos daquela proposta de mapa da partilha, ao abrigo do disposto no artigo 1120.º, n.º 2 do CPC, foi notificado às partes, sem que nada tivesse sido oposto pelas interessadas.

Realizado o mapa da partilha pela secretaria e notificado nos termos do artigo 1120.º, n.º 5 do CPC, vieram as interessadas reclamar que há bens que não pertencem à meação e solicitar a alteração do mapa da partilha nesse conspecto.

Atenta a tramitação supra exposta, a faculdade de reclamar do mapa da partilha, previsto no artigo 1120.º, n.º 5 do CPC encontra-se circunscrita à verificação de erros materiais (artigo 614.º, n.º 1 do CPC), “ou seja, na estrita medida em que não corresponda ao que tenha sido definido no despacho determinativo da partilha” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa/Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres ,“O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações…”, Almedina, p.129), proferido ao abrigo do artigo 1120.º, n.º 2 do CPC.»

Este despacho foi notificado às interessadas BB e CC em 18.09.2024.

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Paralelamente, em 03.06.2024, as interessadas BB e CC deduziram incidente visando obter a emenda e retificação da relação de bens (e consequentemente do mapa de partilha).

No correspondente requerimento, essas interessadas peticionaram a correção do quantum da propriedade referente à titularidade do inventariado EE, das verbas 11 a 15 da sua relação de bens, e bem assim, a qualificação e caraterização da parte da titularidade destes bens enquanto bens próprios do inventariado, seguindo-se os seus ulteriores termos, nomeadamente, a elaboração de “novo” mapa de partilha, sendo que, para o efeito, elas requerentes alegaram, muito em síntese, de forma muito sucinta, que «(…) se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, (…) a partilha pode ser emendada no próprio inventário (…)».

Decidindo esta questão, a Exma. Juíza de 1ª instância proferiu o seguinte despacho em 02.10.2024:

«Requerem BB e DD a emenda da partilha realizada, invocando erro na descrição e qualificação dos bens, susceptível de viciar a vontade das partes, ao abrigo do disposto no artigo 1226.º, n.º 1 do CPC.

Alegam, em apertada síntese, que os bens relacionados como pertencentes na totalidade ao inventariado EE, falecido em ../../2023, na verdade constituem a herança indivisa dos pais de EE: AA, falecido em 2007 e QQ falecida em ../../2013.

Notificada para contraditório, a Cabeça de Casal não concordou com a emenda à partilha.

Factos relevantes:

- Nos autos de processo de inventário n.º 214/20.... a reclamação à relação de bens incidiu unicamente sobre as verbas compostas por dinheiro, tendo o incidente de reclamação de bens findo por transacção homologada em sentença proferida em audiência prévia de 10/3/2022;

- Por escritura de habilitação de herdeiros datada de 26 de Junho de 2015, as Requerentes são as únicas herdeiras de QQ falecida em ../../2013;

- As heranças por óbito de AA, falecido em 2007 e QQ falecida em ../../2013 encontram-se indivisas;

- Nos autos de processo de inventário n.º 214/20.... ainda não foi proferida sentença homologatória do mapa da partilha.

(...)

Nos termos do disposto no artigo 1126.º, n.º 1 do CPC, a partilha realizada por decisão homologatória, pode ser emendada no próprio inventário – por acordo de todos os interessados – se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.

As Requerentes alegam que as verbas 11, 12, 13, 14, 15, compostas por bens imóveis, relacionados como bens próprios do inventariado, na verdade pertencem à herança indivisa por óbito do pai do inventariado AA.

O actual processo de inventário institui o princípio da preclusão, de acordo com o qual na oposição/reclamação à relação de bens as partes têm de invocar todas as razões de facto e de direito, sob cominação da preclusão desse direito.

As requerentes naqueles autos nunca reclamaram sobre a titularidade das verbas relacionadas, antes as aceitaram pacificamente como pertencendo na totalidade ao inventariado, encontrando-se precludido o direito de invocar direito à herança em quota superior à já determinada.

Por outro lado, encontra-se consolidado na doutrina e jurisprudência, que integra um erro de facto sobre a descrição, quando esta não corresponda à verdade, i. e, quando é descrito um prédio rústico e é um prédio urbano, quando exista diferente descrição predial, ou quando é atribuído um valor e uma quota no capital social de uma sociedade que não corresponde ao valor real. Por sua vez, integra um erro na qualificação dos bens, quando se descreve certas qualidades jurídicas que ele não possui, como a existência de loteamento, ou quando o imóvel é descrito como livre e encontra-se hipotecado (cfr. “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, p. 145- 146).

Como constatamos, as requerentes apesar de invocarem um erro na descrição e qualificação, os factos alegados não se circunscrevem naquelas hipóteses normativas. Com efeito, o erro na descrição reporta se a erros materiais na descrição do bem, nas suas confrontações ou valor declarado, e a diferente titularidade do direito não constitui um erro material. Por outro lado, o erro na qualificação circunscreve-se a qualidades jurídicas do bem, não incide sobre a diferente titularidade dos bens. Com efeito, a conclusão que extraímos do presente requerimento de emenda à partilha consiste na obliteração daquele princípio da preclusão e a anulação de todo o processado, com a admissão de cumulação do inventário por óbito de AA e QQ aos presentes autos e a atribuição às requerentes de valor superior ao direito à herança, quando o presente incidente se destina a corrigir erros de escolha dos interessados sobre as verbas a compor a rexpectivo quinhão hereditário.

Pelo exposto, decide este Tribunal julgar improcedente o pedido de emenda à partilha, por não verificação dos pressuspostos dos quais depende a sua apreciação, nos termos do disposto no artigo 1226.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC»

Este despacho foi notificado às interessadas BB e CC em 03.10.2024.

                                                           *

Na subsequente prossecução dos autos, veio em 11.12.2024 a ser proferida Sentença homologatória do mapa de partilha com o seguinte concreto teor:

«Nos presentes autos de inventário, por morte de EE, falecido em ../../2013, no estado de casado, em segundas núpcias, no regime da comunhão de adquiridos com FF, procedeu-se à partilha da sua herança, nos termos constantes do mapa da partilha que consta dos autos com a data de 21/5/2024, cujas reclamações apresentadas foram julgadas improcedentes.

Pelo exposto, nos termos do artigo 1122.º do Código de Processo Civil, impõe-se homologar a partilha constante do mapa, adjudicando aos interessados os bens que por ali lhes ficam a caber para composição dos respectivos quinhões.

As custas são da responsabilidade dos herdeiros, na proporção do que recebem (cfr. artigo 1130.º, n.º 1, do CPC).

Nos termos da disposição conjugada dos artigos 303.º, n.º 3 do CPC, fixa-se à acção valor correspondente à soma dos valores dos bens a partilhar, deduzido o valor do passivo, o que perfaz o montante de €125.167,99 (cento e vinte cinco mil cento e sessenta e sete euros e noventa e nove cêntimos).

Decisão:

Nestes termos, homologa-se a partilha constante do mapa, adjudicando aos interessados os bens que por ali lhes ficam a caber para composição dos respectivos quinhões.

Condenam-se os herdeiros no pagamento das custas, na proporção do que recebem.

Valor da causa: €125.167,99 (cento e vinte cinco mil cento e sessenta e sete euros e noventa e nove cêntimos).

Notifique, nos termos o disposto no artigo 1123.º, n.º 2, al. c) e n.º 5 do CPC.»

Esta Sentença foi notificado às interessadas BB e CC em 11.12.2024.

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Inconformadas, as interessadas BB e CC interpuseram recurso de apelação em 27.01.2025, admitido com subida imediata e efeito meramente devolutivo, cujas alegações remataram com as seguintes conclusões[2]:

«A. O tribunal conhece dos factos através das provas produzidas no processo.

B. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme artigo 341.º do Código Civil.

C. Processualmente, os factos constitutivos correspondem à causa de pedir, e os factos impeditivos, modificativos ou extintivos configuram exceções perentórias, importando a absolvição total ou parcial do pedido, conforme artigos 5, n.º 1, e 576, ambos do Código do Processo Civil.

D. A regra que governa a ponderação das provas é da livre apreciação, enunciada, entre outros, no artigo 607, nº 5, do Código de Processo Civil “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”.

E. Sem embargo, estão consagradas exceções à prova livre, conforme descrito na segunda parte da referida norma: “a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.".

F. Quanto aos factos sub judice, o Tribunal a quo desconsiderou, os documentos juntos aos autos, nomeadamente as certidões prediais, as cadernetas prediais e as certidões das participações fiscais.

G. Entendem as interessadas, e salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, que os documentos juntos aos autos, e não impugnados, impunham ao julgador decisões diversas das tomadas.

H. Entendem as interessadas, ora recorrentes, que está sobejamente documentado e provado, que os bens imoveis que constituem as verbas 11 a 15 da relação de bens do inventariado, advieram ao de cujus, SS, por sucessão hereditária, in casu, por morte de seu pai AA, falecido em 2007.

I. Que, AA, faleceu em 2007, no estado de casado com QQ, sob o regime da comunhão geral, em primeiras núpcias, sem deixar testamento, concorrendo à sua herança, dois herdeiros: a viúva, QQ, e o filho EE.

J. Na/da herança indivisa do de cujus AA fazem parte ou/e constam as verbas 11 a 15 da relação de bens do de cujus, SS.

K. Que a herança indivisa do de cujus AA, não foi partilhada judicialmente ou extrajudicialmente.

L. Ainda assim, aquela (herança indivisa do de cujus AA) terá que ser dividida em duas partes iguais, constituindo cada uma delas a meação de cada um dos cônjuges, a meação do de cujus AA, que constitui a herança indivisa aberta por obito deste, e, a meação da viúva QQ.

M. A meação do de cujus AA, a que corresponde ½ das verbas sub judice, terá que ser dividida em duas partes iguais, cabendo cada uma das partes a cada um dos herdeiros de AA: a viúva QQ e o filho EE.

N. Tal importa, que o quinhão hereditário do de cujus, EE, sobre aquelas verbas é de 1/4 (25%), e não 1/1 (100%),

O. Porquanto a viuva do de cujus AA, é a titular do direito de propriedade na proporção de ¾ sobre as referidas verbas (e bens), face à meação e ao seu quinhão hereditário por óbito de seu conjuge.

P. O quinhão hereditário do Inventariado EE, por morte de seu pai – AA - nos bens imoveis e melhor descritos sob as verbas 11 a 15 da relação de bens deste, é de ¼ .

Q. Os bens que constituem as verbas 11 a 15 da relação de bens do inventariado EE, advieram ao de cujus, por sucessão, in casu, por morte de seu pai AA, falecido em 2007.

R. Preceitua a alínea b) do artigo 1722.º do C.Civil, que são considerados bens próprios dos cônjuges, os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.

S. Tal importa que, não existe meação dos cônjuges, no que concerne às verbas 11 a 15 da relação de bens do inventariado EE.

T. As recorrentes não se conformam com o despacho de saneamento proferido, datado de 31/03/2022, porquanto as Recorrentes deram forma à partilha, dando nota que “a parte do autor da herança, referente às Verbas 11, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens é de ¼, conforme documento 2 junto com a p.i..”.

U. As recorrentes não se conformam com o despacho proferido, datado de 06/06/2022, em virtude deste não resolver todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, violando o preceituado nos artigos 2074.º, 2091, n.º 1, 2119.º do Código Civil, pelo que, o impugnam, devendo o mesmo ser retificado em conformidade com as referidas disposições legais.

V. As recorrentes não se conformam com o despacho de partilha proferido, nem com o mapa de partilha proposto, quer quanto à percentagem partilhada das verbas 11 a 15 da relação de bens, quer quanto à meação operada nestas verbas, porquanto em violação do preceituado nos artigos 2074.º, 2091.º n.º 1, 2119.º, 2123.º e alínea b) do artigo 1722.º do Código Civil, pelo que, os impugnam, devendo os mesmos serem retificados em conformidade com as referidas disposições legais.

W. Entendem tambem as recorrentes, que a sentença de homologação do mapa de partilha proferido nos termos em que o foi, viola os preceitos legais supra mencionados, sendo nula.

X. O presente recurso da Sentença homologatória da partilha destina-se a impugnar o modo como foi organizada a partilha.

Y. No caso vertente a partilha que foi homologada foi e é a constante segundo mapa de partilha elaborado nos autos com cujo teor as Apelantes não se conformaram nem conformam, e por via do presente a imugnam.

Z. Em conformidade com o estatuído no art. 2119º do Cod. Civil “a partilha retrotrai os seus efeitos á data da abertura da herança.

AA. No modesto entendimento das Apelantes a Douta Sentença sob recurso não alcançou os desideratos e objetivos apontados e não fez, salvo melhor opinião, a mais adequada interpretação do teor dos arts. 8º e 2119º do Código Civil e dos arts. 4º, 5.º n.º 2, e 1122º nº 1 do Cod. Proc. Civil, além de outos cujo enumeração doutamente será suprida.

BB. As recorrentes não se conformam com os despachos proferidos pelo tribunal a quo, em 31/03/2022 e 06/06/2022, aos requerimentos apresentados aquando da proposta de forma à partilha, em detrimento do despacho de saneamento do processo, e por tal facto os impugnam nos termos que antecedem.

CC. As recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo tribunal a quo, em 02/10/2024, ao incidente deduzido de emenda e retificação à relação de bens do de cujus EE, e por tal facto a impugnam nos termos que antecedem.

DD. As recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a reclamação apresentada ao mapa de partilha, impugnando-a por esta via.

EE. As recorrentes não se conformam com a sentença de homologação do mapa de partilha proferida, pretendendo que este Tribunal da Relação, promova pelo saneamento do processo de inventário e partilha, retificando a relação de bens do de cujus EE, quanto à caraterização e quanto ao quantum das verbas 11 a 15 da dita relação de bens, a partilhar.

FF. O despacho saneador e consequentemente o despacho de partilha proferidos, violam o preceituado nos artigos 1109.º n.º 1, 1110.º, 1111.º do Código de Processo Civil, 1305.º, 2074.º, 2091, n.º 1, 2101.º, 2119.º e 2124.º do Código Civil, devendo os mesmos serem retificados.

GG. O despacho de elaboração do mapa de partilha, o mapa de partilha elaborado e o despacho de indeferimento à reclamação do mapa de partilha elaborado, violam as disposiçoes legais que antecedem, e ainda o preceituado na alínea b) do artigo 1722.º do Código Civil e nos artigos 1104., 1110.º e 1126.º do Código de Processo Civil.

HH. A sentença homologatoria do mapa de partilha proferida viola o preceituado nos artigos 1305.º, 2074.º, 2091, n.º 1, 2101.º, 2119.º, 2124.º e alínea b) do artigo 1722.º do Código Civil, sendo nula, nos termos do disposto no artigo 2123.º do Código Civil, em conjugação com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

TERMOS EM QUE,

Concedendo os Venerandos Desembargadores deste Douto Tribunal, provimento às impugnações e recursos que antecedem, deverá a sentença recorrida, ser parcialmente revogada, promovendo este Douto Tribunal pela retificação daquela, quanto ao quinhão hereditário do de cujus sobre as verbas 11 a 15 da relação de bens, e quanto à meação efetuada sobre tais verbas, corrigindo-se o mapa de partilha elaborado.»    

                                                                       *

           Por sua vez, apresentou a cabeça de casal as suas contra-alegações, das quais extraiu a seguinte conclusão:

«a) Na requisição das certidões prediais foram identificados como actuais possuidores dos cinco prédios as três interessadas no presente inventário, na sua qualidade de herdeiras da herança; porém, como antepossuidor, surge o autor da herança, EE, casado com FF, por ser este casal que estava na posse desses bens antes da abertura da sucessão do cônjuge marido; e antes deste casal, muito antes, numa posse muito mais antiga, terão sido então outros os possuidores.

b) O autor da herança e sua mulher entraram na posse dos bens porque o marido os adquiriu em sua vida, uns por compra e outros por doação, que os conservaram ao longo dos anos como coisas exclusivamente suas, acabando o casal por converter essa posse, continuada e ininterrupta, numa aquisição também por usucapião.

c) No que concerne à matriz, importa recordar que o artigo 12.º, n.º 5 do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) estipula que “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a apelação ser julgada improcedente.»

                                                                       *

A Exma. Juíza a quo sustentou a fls. 470 a não verificação das arguidas nulidades dos despachos.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte[3]:

           - nulidade da sentença recorrida [cf. art. 615º, nº1, al. d) do n.C.P.Civil]?;

           - desacerto do despacho sobre a Forma à partilha (datado de 11.05.2022), do despacho sobre a reclamação à elaboração do Mapa de Partilha (datado de 17.09.2024), da decisão sobre o pedido de Emenda da Partilha (datada de 2.10.2024), e da Sentença homologatória do Mapa de Partilha (datada de 11.12.2024)?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.

                                                                       *                    

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – Questão da nulidade da Sentença recorrida [cf. art. 615º, nº1, al. c) do n.C.P.Civil]:

Consabidamente, nos termos do disposto no art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil, a sentença é nula “O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Salvo o devido respeito, são os próprios termos em que as Recorrentes expressam a sua invocação quanto a este particular que denunciam a sua sem razão.

Senão vejamos.

Se é certo que as Recorrentes nem sequer esclarecem se está em causa uma “omissão de pronúncia” [cf. 1ª parte do preceito] ou um “excesso de pronúncia” [cf. 2ª parte do preceito], depreende-se do conjunto das suas alegações que estará em causa a “omissão de pronúncia”.

Sucede que se assim é, na medida em que as Recorrentes invocam a violação das normas substantivas do C.Civil [cf. «A sentença homologatoria do mapa de partilha proferida viola o preceituado nos artigos 1305.º, 2074.º, 2091, n.º 1, 2101.º, 2119.º, 2124.º e alínea b) do artigo 1722.º do Código Civil, sendo nula, nos termos do disposto no artigo 2123.º do Código Civil, em conjugação com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC»], resulta que efetivamente entendem ter ocorrido uma errada interpretação e aplicação das ditas normas substantivas, isto é, questionam diretamente o mérito da(s)  decisão(ões), que não as nulidades de julgamento, sob o ponto de vista formal, que é o que está em causa nestas nulidades do art. 615º do n.C.P.Civil.

Dito de outra forma: o que as Recorrentes discordam é da interpretação e aplicação que das leis foi feita.

Só que isso é outro patamar da questão…, sendo certo que a ter havido erro de julgamento, sob o ponto de vista substantivo, tal será aquilatado nesta instância de recurso, sendo essa a função primordial do recurso interposto e a que este Tribunal está interpelado, o que o mesmo cumprirá face à “motivação” que foi enunciada nas decisões e que constitui o percurso lógico-jurídico das mesmas.

Apreciação essa de que se tratará na sequência imediata.

Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede esta arguição de nulidade.

                                                           *

4.2 – As Interessadas BB e CC/recorrentes pugnam pelo desacerto do despacho sobre a Forma à Partilha (datado de 11.05.2022), do despacho sobre a reclamação à elaboração do Mapa de Partilha (datado de 17.09.2024), da decisão sobre o pedido de Emenda da partilha (datada de 2.10.2024), e da Sentença homologatória do Mapa de Partilha (datada de 11.12.2024)

Se bem compulsarmos as alegações recursivas, não obstante a multiplicidade de despachos visados, pode-se constar que com todos eles se visa a mesma e única coisa, a saber, a reversão da situação a que se chegou nos autos, traduzida em se ter operado a partilha dos bens imóveis melhor descritos sob as verbas 11 a 15 da relação de bens, como se o inventariado EE fosse o único e exclusivo titular do direito de propriedade sobre tais imóveis, pugnando as interessadas BB e CC pela correção na descrição do quantum ou/e proporção, em sede de propriedade a partilhar desses bens imóveis, mais concretamente no sentido de que o quinhão hereditário do Inventariado EE, por morte de seu pai [AA], era de ¼ e não 1/1 (100%) desses bens.

Que dizer?

Quanto a nós, a apreciação e decisão da questão colocada no recurso deve começar direta e imediatamente (em primeiro lugar), pela decisão sobre o pedido de Emenda da Partilha (datada de 2.10.2024), por precedência lógica e jurídica, pois que essa decisão foi a única que versou concreta e objetivamente sobre a forma como os bens se encontravam relacionados/descritos nos autos, residindo aí a génese da discórdia suscitada nos autos, sendo que, a dar-se procedência a essa decisão, se consegue com economia processual, solucionar o recurso no seu todo.

Senão vejamos.

A nosso ver, é efetivamente insofismável que os bens imóveis em causa [verbas 11 a 15] não podiam ser relacionadas/descritas como bens (muito menos no seu todo) do inventariado EE.

É que os ditos bens imóveis [verbas 11 a 15] eram bens pertencentes aos progenitores do inventariado EE – os supra referenciados AA e mulher, QQ.

Esta circunstância decorre dos elementos registrais e fiscais relativamente aos mesmos que constam dos autos.[4]

É certo que se apurou ter o progenitor marido do aqui inventariado, EE, isto é, o referenciado AA falecido no ano de 2007, no estado de casado com a dita sua mulher, QQ, e esta última veio a falecer em ../../2013, no estado de viúva.

Igualmente se apurou que o aqui inventariado, EE, era o único filho dos mesmos.

Não obstante, não decorre daí que os bens imóveis em causa ficaram ipso facto e sem mais a ser bens imóveis do EE aqui inventariado.

Isto porque não houve inventário por óbito de qualquer destes progenitores do aqui inventariado.

Assim sendo, o mesmo apenas tinha a qualidade de “herdeiro” (e apenas relativamente ao progenitor, pois que tendo a progenitora falecido já depois do aqui inventariado, obviamente que ele não foi “herdeiro” dela).

Ocorre que os “herdeiros” (cf. art. 2091º do C.Civil), cada um deles, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto.[5]

Tal direito decorre da posição jurídica de herdeiro em que ingressa e cuja qualidade assume pela aceitação e habilitação: tem um conteúdo que se analisa em vários outros (como o de alienar o seu quinhão, peticionar bens da herança ou exigir partilha).

Mas não é um direito real, pois não incide sobre as coisas do património, sobre os bens em conjunto dele integrantes, sobre qualquer um ou parte de algum especificado.

Só deixa de ser assim, só se quantifica, determina e materializa quando, com o preenchimento do seu quinhão pelos bens concretos que lhe forem realmente atribuídos, em função das operações de partilha e das regras legais aplicáveis, cada herdeiro ingressa na titularidade do direito sobre aqueles e sucede na do de cujus (cf. art. 2119º do mesmo C.Civil).

A este propósito, já foi sublinhado o seguinte em douto aresto jurisprudencial:

«A comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (…), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.

Os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.

Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles». Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.

Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito «a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que esta fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (…).

Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança.

Com efeito, a partilha «extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (artº 2119º).

O que significa que com a partilha cada um dos herdeiros passa a ser considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, como resulta expressamente do apontado normativo.»[6]

Do vindo de expor, decorre que o inventariado EE, ao invés de ser titular de todos e cada um dos bens imóveis em causa [ditas verbas 11 a 15] era apenas titular de uma “quota hereditária”, mais concretamente do direito e ação à herança indivisa aberta por óbito do seu progenitor.

Donde, verdadeiramente apenas e isto podia e devia ser descrito/relacionado no inventário destes autos, neste particular.

Sucede que, como visto, não foi isso que ocorreu, antes foram relacionados os próprios bens imóveis por inteiro, como se o inventariado fosse titular único e integral de todos e cada um deles, vindo em conformidade, e na sequência do processo de inventário, a ser partilhados.

Quid iuris?

Será que as interessadas BB e CC podiam obter a reversão da situação no quadro do pedido de Emenda da Partilha (art. 1126º do n.C.P.Civil) que deduziram?

E na afirmativa, a relacionação/descrição no particular em causa deve passar a ser no sentido de que o quinhão hereditário do de cujus, EE, sobre aquelas verbas é de ¼ (25%)?[7]

Em nosso entender a resposta deve ser afirmativa apenas quanto à reversão em si, já não quanto aos moldes pretendidos.

Vejamos.

No art. 1126º do n.C.P.Civil preceitua-se o seguinte:

«Artigo 1126.º

                                                                  Emenda da partilha

1 - Ainda que a decisão homologatória tenha transitado em julgado, a partilha pode ser emendada no próprio inventário por acordo de todos os interessados, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.

2 - Na falta de acordo quanto à emenda, o interessado requer fundamentadamente, no próprio processo, que a ela se proceda, no prazo máximo de um ano a contar da cognoscibilidade do erro, desde que esta seja posterior à decisão, aplicando-se à tramitação o disposto quanto aos incidentes da instância.»

Sustentou-se na dita decisão recorrida [datada de 2.10.2024], em síntese, que as Recorrentes nunca reclamaram nos autos sobre a titularidade das verbas relacionadas, antes as aceitaram pacificamente como pertencendo na totalidade ao inventariado, donde, já se encontraria precludido o direito de invocar direito à herança em quota superior à já determinada nos autos.

É certo que as ora Recorrentes não reclamaram antes do despacho de saneamento dos autos.

Só que isso, salvo o devido respeito, não obsta nem pode obstar a que a questão seja suscitada à luz do pedido de Emenda da Partilha (do art. 1126º do n.C.P.Civil).

E nem se argumente que estava formado caso julgado nos autos quanto a este particular, pois que, como decorre da transcrição supra feita do mesmo [datado de 31.03.2022] o mesmo consistiu numa “apreciação genérica”.

  Ora, consabidamente, o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595º, nº 3 do n.C.P.Civil, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias.[8]

De referir que se constata ainda relativamente a esta parte, que o erro foi  também do próprio julgador que podia e devia ter exercido um maior controle sobre a relação de bens que foi apresentada, no particular dos “bens imóveis”, na conjugação com os títulos apresentados, em ordem a não permitir a sua descrição (e ulterior partilha) como se se tratasse de imóveis do inventariado, o que os títulos e elementos constantes dos autos manifestamente não autorizavam.

Sendo que o inventário não deve subordinar-se a interesses de legitimação de aquisição de bens por forma contrária à lei (nem ser instrumento desses interesses).

O que tudo serve para dizer que a partilha assim operada não deve ser tutelada.   

Por outro lado, sustentou-se também na decisão recorrida em apreciação, que a situação exposta pelas ora Recorrentes não constituía um “erro de facto” sobre os bens imóveis, nem um “erro na descrição e qualificação” dos bens imóveis, pelo que, não poderia dar-se acolhimento à pretensão das interessadas BB e CC no quadro do pedido de Emenda da Partilha (art. 1126º do n.C.P.Civil) que deduziram.

Concordamos, em geral, com esta argumentação.

Sucede que no art. 1126º do n.C.P.Civil em apreciação, pode ainda relevar “qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes”.

Entendemos ser o caso.

Com efeito, o “erro de direito” «(…) para relevar, há-de recair sobre a vontade dos interessados por forma a viciá-la, induzindo-os em engano e de modo a influenciar a manifestação dos que intervieram no inventário e vêm a ser vítimas desse erro».[9]

In casu”, teve lugar um erro de partilha, por serem partilhados os bens imóveis [sob as verbas 11 a 15] como se o inventariado fosse titular único e integral de todos e cada um deles, quando na verdade ele apenas detinha (e detém) o direito e ação à herança indivisa aberta por óbito do seu progenitor AA (e integrando os imóveis em causa a meação deste último), o que naturalmente viciou a vontade das partes.

Sendo este último que deve figurar como relacionado/descrito nos autos para ser partilhado, em substituição do que anteriormente figurava como “Bens Imóveis”, sob as verbas 11 a 15.

Importa, assim, realizar nova Conferência de Interessados para adjudicação deste novo bem, anulando-se o anterior resultado na parte correspondente, e todos os ulteriores termos do processo, começando pela forma à partilha e subsequente mapa de partilha, porque dele absolutamente dependentes, a cuja reelaboração cumprirá proceder ulteriormente.

Em consequência do vindo de decidir, e face ao resultado alcançado, fica prejudicada a apreciação autónoma e individual dos demais despachos integrados no recurso.

Nestes termos procedendo as alegações recursivas e o recurso.

                                                           *  

  5 - SÍNTESE CONCLUSIVA (…).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

           Pelo exposto, decide-se a final, pela procedência parcial da apelação, determinando que deve figurar como relacionado/descrito nos autos para ser partilhado o direito e ação à herança indivisa aberta por óbito do seu progenitor AA, em substituição do que anteriormente figurava como “Bens Imóveis”, sob as verbas 11 a 15, importando realizar nova Conferência de Interessados para adjudicação deste novo bem, anulando-se o anterior resultado na parte correspondente, e todos os ulteriores termos do processo, começando pela forma à partilha e subsequente mapa de partilha, porque dele absolutamente dependentes, a cuja reelaboração cumprirá proceder ulteriormente.  

            Custas a determinar a final.


Coimbra, 14 de Outubro de 2025

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

João Moreira do Carmo



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo

[2] Sendo que vão ser consideradas para este efeito as que constam do articulado contendo o aperfeiçoamento das alegações/conclusões que foram convidadas a apresentar.
[3] De referir que sobre o despacho de saneamento proferido, datado de 31/03/2022, sobre o qual as Recorrentes também apresentaram recurso autónomo nas suas alegações/conclusões, incidiu despacho liminar do ora Relator, no sentido de que não se conhecia do objeto desse recurso.  
[4] Como explicitado supra, em termos fiscais, os ditos imóveis encontram-se inscritos em nome de “AA - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE”, e os que estavam descritos no registo predial, aí figuravam inscritos a favor de “AA, casado com PP” [cf. fls. 14 a 23].
[5] Sendo certo que, pela aceitação, os sucessores adquirem, todos em conjunto e com efeito retroativo ao momento da sucessão, nos termos do art. 2050º do C.Civil, o domínio e posse dos bens da herança, e embora, cada um deles (cujo direito próprio e individual à respectiva quota ideal no património hereditário subsiste em simultâneo com aquele, coletivo, até à partilha) só após e por efeito desta suceda e passe a ser titular exclusivo dos bens que em tal acto lhe forem atribuídos, não é menos verdade que também ao mesmo momento (abertura da sucessão) retroage esta sucessão, conforme o citado art. 2119º do C.Civil.
[6] Trata-se do acórdão do STJ de 26-01-1999, publicado no BMJ nº 483, a páginas 211-214; no mesmo sentido, vide o acórdão do STJ, de 21-04-2009 (proferido no proc. nº 09A0635, acessível em www.dgsi.pt/jstj), de cujo sumário se destaca: «IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.»
[7] Isto na lógica e pressuposto – como sustentado nas alegações recursivas! – de que a viúva do progenitor falecido, AA, isto é, a QQ, é a titular do direito de propriedade na proporção de ¾ sobre as referidas verbas (e bens), face à meação e ao seu quinhão hereditário por óbito de seu cônjuge.
[8] Neste sentido ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / PIRES DE SOUSA, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1º, 2ª ed., a págs. 771.
[9] Citámos J. A. LOPES CARDOSO, in “Partilhas Judiciais”, Volume II, Livª Almedina, Coimbra, 1990, a págs. 551, obra e local onde se procede a uma análise alargada dos requisitos e condições desta figura dogmática da “Emenda da Partilha”, que subiste com interesse apesar da alteração legislativa ocorrida.