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APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
CÔNJUGES
COLIGAÇÃO
REQUISITOS
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário
Sumário[1]: 1. Num claro mas justificado desvio à regra da singularidade passiva da insolvência, excecionalmente o CIRE admite a legitimidade plural sob a forma de coligação processual de dois devedores insolventes quando estes sejam pessoas singulares casadas entre si sob o regime da comunhão de bens (art. 264º do CIRE). 2. O art. 264º faz depender a admissibilidade da coligação dos cônjuges no processo de insolvência, no mínimo, da vontade de cada um deles nesse sentido. 3. O pináculo dessa manifestação de vontade é a apresentação conjunta do casal à insolvência prevista pelo nº 1 do art 264º - por regra, representados pelo mesmo mandatário -, dando origem ab initio a um só processo de insolvência, a uma sentença de declaração de insolvência, a um incidente de exoneração do passivo restante nele enxertado, a uma conta de custas, e a um único encargo a título de remuneração e despesas devidas a (um) administrador da insolvência e a (um) fiduciário. 4. Porém, a literalidade do art. 264º, nº 1 e a ratio subjacente à admissibilidade da coligação sucessiva de cônjuges prevista no nº 2 não afasta a admissibilidade da sua coligação sucessiva no âmbito do processo de insolvência por apresentação de um deles. 5. O que a lei não admite é a coligação superveniente provocada de um dos cônjuges no processo de insolvência do outro, a requerimento deste ou de credor, precisamente porque, dependendo do consentimento de ambos os cônjuges, só é admissível por intervenção espontânea e com a anuência do cônjuge que já está no processo. 6. Assim, a apresentação à insolvência de um cônjuge no processo de insolvência do outro – requerida ou por apresentação - tem como único requisito positivo a anuência deste; e como requisitos negativos, a ausência de incidente de plano de pagamentos ou a sua extinção com a não aprovação ou com a decisão de não homologação do plano aprovado, e a não extinção da instância do processo de insolvência e/ou do incidente de exoneração do passivo restante nele processado. 7. Ainda que a teleologia e a letra da lei a não comportassem, sob pena de violação do princípio da igualdade sempre se imporia admitir a admissibilidade da apresentação do cônjuge no processo de insolvência pendente por apresentação do outro nos casos em que a duplicação dos pedidos por apresentação separada ocorre, não por vontade dos cônjuges, mas por mero efeito dos termos em que é processado e executado o pedido de nomeação de patrono com dispensa de pagamento da respetiva compensação no âmbito do apoio judiciário que para o efeito apresentaram e, assim, por mero efeito da situação económica do casal.
[1] Da responsabilidade da relatora (cfr. art. 653º, nº 7 do CPC).
Texto Integral
Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I – Relatório
1. M. apresentou-se à insolvência por requerimento de 04.06.2025 subscrito por ilustre patrono nomeado pela Ordem dos Advogados no âmbito do apoio judiciário que previamente requereu e foi deferido nas modalidades de nomeação e pagamento de compensação de patrono e de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
Alegou, além do mais, que o seu agregado familiar é composto apenas por ela e pelo seu cônjuge, que este se apresentou à insolvência em 30.05.2025 e o respetivo processo foi distribuído ao mesmo tribunal sob o nº8947/25.5T8SNT do Juízo de Comércio de Sintra e, a final, requereu a incorporação destes autos naquele processo com fundamento legal no art. 264º, nº 2 do CIRE alegando que a tanto não obsta o estado de cada um dos processos.
2. Apresentados os autos a despacho, em 06.06.2025 foi de imediato proferida sentença de declaração da insolvência da requerente, com nomeação de administrador da insolvência (AI) e dispensa de realização de assembleia de credores.
Sobre o pedido de incorporação do processo no processo de insolvência da requerente, foi proferido despacho de indeferimento, nos seguintes termos: “A Devedora requereu a incorporação dos presentes autos no processo n.º 8947/25, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 3, no qual o seu marido se apresentou à insolvência, uma vez que estão casados sob o regime da comunhão de adquiridos. Importa apreciar se estão preenchidos os requisitos da coligação prevista no artigo 264.º do CIRE. Por força da aplicação conjugada das normas previstas nos artigos 249.º e 264.º, n.º 1, 1.ª parte, do CIRE, para operar a coligação ativa é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: - A situação de insolvência de ambos os cônjuges; - O preenchimento do artigo 249.º, n.º 1, do CIRE relativamente a cada um deles; - Não vigorar entre eles o regime de separação de bens; - A apresentação conjunta dos cônjuges à insolvência. O legislador não previu a possibilidade de uma coligação superveniente ativa, mas tão-somente do lado passivo, como se depreende da norma consagrada no artigo 264.º, n.º 2, a contrario, do CIRE. Adotando esta posição, pode-se ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-10-2011, processo n.º 2887/11.2TBGDM-B.P1 (disponível em www.dgsi.pt), que «a coligação superveniente admitida na insolvência é apenas a passiva, não a activa, ou seja, só é permitida a coligação activa inicial (quando ambos os cônjuges se apresentam à insolvência). Já a coligação passiva pode ser inicial ou superveniente, mas esta última é sempre espontânea, nunca pode ser provocada. Assim, se apenas um dos cônjuges se apresentar à insolvência, fica impedido de fazer intervir o outro. Ou seja, o legislador arredou a possibilidade de intervenção principal provocada do consorte do devedor que se apresenta à insolvência, não permitindo a coligação activa superveniente». Assim, indefere-se o requerido pela Devedora, porquanto não estão preenchidos os requisitos legais da coligação, previstos no artigo 264.º do CIRE.
3. É desta decisão que vem apresentado o presente recurso, requerendo a sua revogação e substituição por outra que determine a incorporação destes autos o processo nº8947/25.
Formulou as seguintes conclusões:
A) VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DO DOUTO DESPACHO QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO DE INCORPORAÇÃO DOS PRESENTESAUTOS NO PROCESSO N.º 8947/25, NO QUAL O MARIDO DA DEVEDORA ORA RECORRENTE SE APRESENTOU À INSOLVÊNCIA, UMA VEZ QUE ESTÃO CASADOS UM COM O OUTRO SOB O REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS, E SE VERIFICAM OS FUNDAMENTOS DA COLIGAÇÃO PREVISTOS NO ARTIGO 264º DO CIRE.
B) NO REFERIDO DESPACHO, O TRIBUNAL A QUO ENTENDE SER DE INDEFERIR O MENCIONADO REQUERIMENTO DE INCORPORAÇÃO DOS PRESENTES AUTOS NO PROCESSO N.º 8947/25, COM O SEGUINTE FUNDAMENTO: “O LEGISLADOR NÃO PREVIU A POSSIBILIDADE DE UMA COLIGAÇÃO SUPERVENIENTE ATIVA, MAS TÃO-SOMENTE DO LADO PASSIVO, COMO SE DEPREENDE DA NORMA CONSAGRADA NO ARTIGO 264.º, N.º 2, A CONTRARIO, DO CIRE.”
C) ORA, NÃO ENTENDE ASSIM A ORA RECORRENTE, POIS A INCORPORAÇÃO REQUERIDA TEVE E TEM COMO PRESSUPOSTOS O VÍNCULO DOS SUJEITOS PROCESSUAIS, O PATRIMÓNIO E OS RENDIMENTOS EM COMUM.
D) O FACTO DE VIR A SER ORDENADA A INCORPORAÇÃO DOS PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA NÃO SIGNIFICA FORÇOSAMENTE QUE PASSE A EXISTIR APENAS UM PROCESSO, PELO QUE AMBOS PODERÃO MANTER A SUA AUTONOMIA PARA OS EFEITOS QUE SE ENTENDEREM NECESSÁRIOS E LEGAIS.
E) A INCORPORAÇÃO REQUERIDA TEVE E TEM COMO PRESSUPOSTO O CASAMENTO E OS SEUS RENDIMENTOS E BENS COMUNS DO CASAL, VISANDO ESSENCIALMENTE QUE, NAS DECISÕES RELATIVAS À EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE, E TENDO EM CONTA A NATUREZA URGENTE DOS AUTOS E CRITÉRIOS DE ECONOMIA PROCESSUAL E DE MEIOS, SEJA(M) MAIS FACILMENTE TOMADA(S) EM CONTA A NATUREZA COMUM DAS PRESTAÇÕES RECEBIDAS PELA INSOLVENTE ORA RECORRENTE, A TÍTULO DO TRABALHO, TAL COMO SEJAM TAMBÉM CONSIDERADOS OS RENDIMENTOS AUFERIDOS PELO OUTRO CÔNJUGE, QUE SÃO IGUALMENTE COMUNS E QUE, POR ISSO, TAMBÉM DEVERÃO SER ATENDIDOS COM VISTA À FIXAÇÃO DO RENDIMENTO PARA CESSÃO.
F) A LEI NÃO PODE PRETENDER DISCRIMINAR AQUELES QUE VIVEM EM ECONOMIA COMUM E SE APRESENTARAM EM DATAS DIFERENTES A UM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA, DAQUELES QUE NUM MESMO PROCESSO SE APRESENTARAM EM CONJUNTO E NA MESMA DATA.
G) NÃO APLICAR OU DISCRIMINAR OS CÔNJUGES AOS PRECEITOS DO C.I.R.E., QUE SÃO DIRETAMENTE APLICÁVEIS A ESTES, POR RAZÕES DE OPORTUNIDADE PROCESSUAL, COMO SUCEDE IN CASU, É MANIFESTAMENTE UM ENTENDIMENTO QUE VIOLA O PRINCIPIO DA IGUALDADE FIXADO NO ARTIGO 13.º DA C.R.P..
H) TAL DISCRIMINAÇÃO OCORRE NO DESPACHO COLOCADO EM CRISE PELO PRESENTE RECURSO, NA MEDIDA EM QUE O ENTENDIMENTO QUE O SUSTENTA, SE FUNDAMENTA NA RECUSA DE INCORPORAÇÃO DE PROCESSOS (CONFORME REQUERIDO), POR NÃO SE ACEITAR A SUBSUNÇÃO DA MESMA LEI A SITUAÇÕES MATERIALMENTE IGUAIS, O QU CONSUBSTANCIA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO QUE DECORRE DO ARTIGO 13.º DA C.R.P. QUE AQUI SE INVOCA PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS.
4. Não foram apresentadas contra-alegações.
II – Objeto do recurso:
É consensual que, nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta, tal qual como surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa, bem como de conhecer de questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação do direito.
Assim, considerando o teor da decisão recorrida, e conforme conclusões enunciadas pelo recorrente, cumpre aferir se no caso estão verificados os pressupostos legais para a incorporação destes autos no processo de insolvência do cônjuge da requerente e, na negativa, se o não deferimento dessa pretensão viola o princípio de igualdade de tratamento entre casais em situação de insolvência.
III – Fundamentos do recurso
A) De facto
Para além dos factos descritos no relatório, para o qual se remete, com relevo na apreciação do recurso mais se considera que a recorrente é casada com MM. desde 06.10.1984 (certidão de nascimento junta com o requerimento inicial).
B) De Direito
1. O indeferimento da pretensão da recorrente tem como pressuposto a impossibilidade legal de um cônjuge fazer intervir o outro no respetivo processo quando se apresentam à insolvência em separado porque, sendo da iniciativa de cada um deles, o art. 264º só admite a sua coligação se a apresentação for conjunta.
A este fundamento a recorrente opõe, em síntese, que “[a] lei não pode pretender discriminar aqueles que vivem em economia comum e se apresentaram em datas diferentes a um processo de insolvência, daqueles que num mesmo processo se apresentaram em conjunto e na mesma data.”
Cumpre apreciar.
2. Do conceito e da lógica finalística da insolvência previstos no art. 1º do CIRE, assim como pela dinâmica do respetivo processado e apensos (apreensão, liquidação, reclamação de créditos e qualificação da insolvência), resulta que a regra da legitimidade do sujeito passivo da declaração da insolvência é singular e não plural (conforme é confirmado por várias disposições do Código). Os pressupostos que nos termos dos arts. 3º, nº 1 e 20º são suscetíveis de reconduzir à situação de insolvência – impossibilidade de pagamento de obrigações vencidas - são forçosamente reportados à realidade patrimonial de cada um, pelo que, ainda que comuns, são distintos ou respeitam a cada devedor os factos em que se impõe concretizar a causa de pedir, assim como é forçosamente distinto o pedido concretamente deduzido relativamente a cada devedor (ainda que de igual natureza), e não comporta uma qualquer relação de prejudicialidade ou de dependência com o pedido de insolvência de outro. Precisamente, por não se verificarem os requisitos positivos da legitimidade plural passiva em processos de insolvência, o legislador previu expressa e especificamente essa possibilidade em relação aos cônjuges no art. 264º, ao que ora releva, nos seguintes termos: 1 - Incorrendo ambos os cônjuges em situação de insolvência, e não sendo o regime de bens o da separação, é lícito aos cônjuges apresentarem-se conjuntamente à insolvência, ou o processo ser instaurado contra ambos, a menos que perante o requerente seja responsável um só deles. 2 - Se o processo for instaurado contra um dos cônjuges apenas, pode o outro, desde que com a anuência do seu consorte, mas independentemente do acordo do requerente, apresentar-se à insolvência no âmbito desse processo; se, porém, já se tiver iniciado o incidente de aprovação de um plano de pagamentos, a intervenção apenas é admitida no caso de o plano não ser aprovado ou homologado.
Com efeito, num claro mas justificado desvio à regra da singularidade passiva da insolvência, excecionalmente o CIRE admite a pluralidade passiva reportada à particular situação dos cônjuges, admitindo a legitimidade plural sob a forma de coligação[1], quando os requeridos sejam pessoas singulares casadas entre si sob o regime da comunhão de bens. De realçar que a lei não admite a coligação de cônjuges casados no regime da separação de bens, pelo que o critério primeiro para a admissibilidade da coligação em sede de processo de insolvência reporta à comunicabilidade do respetivo património, ou seja, ao património comum do casal, relevante quer no âmbito da apreensão e liquidação dos bens que o integram, quer no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante no qual, sendo admitido, se impõe a determinação em concreto do valor do rendimento necessário ao sustento digno do devedor e do respetivo agregado familiar, o que se faz no cotejo do valor do total dos rendimentos e das despesas normais e outros encargos atendíveis deste mesmo agregado, no seu conjunto.
Assumindo que o cônjuge da recorrente também se apresentou à insolvência – apesar de esse facto não constar certificado nos autos, não é posto em causa pelo tribunal a quo no qual também estará pendente aquele processo de insolvência e que ex officio o poderia verificar -, no caso deparamo-nos com a apresentação à insolvência de cada um dos cônjuges em separado através da apresentação em juízo de requerimentos processuais autónomos que, como tal, deram origem a suportes processuais distintos e autónomos entre si, ou seja, a dois processos de insolvência singular por apresentação, com a duplicação de encargos que lhe está associada, desde logo, a título de remuneração do administrador da insolvência e, se for o caso, do fiduciário.
Efetivamente, e é desse pressuposto que parte a decisão recorrida, a coligação dos cônjuges por apresentação sucessiva de cada um deles à insolvência não consta do elemento literal dos nºs 1 e 2 do art. 264º posto que aí não surge tal quale expressamente prevista. Porém, a literalidade da norma também não afasta ou rejeita de forma expressa a sua admissibilidade. Por isso, e pela ratio legal que preside à coligação dos cônjuges no processo de insolvência, afigura-se-nos que os casos como o configurado pela recorrente correspondem a um menos dentro do mais que, seguindo um padrão de normalidade, o legislador conduziu à letra daquelas normas, e cuja admissibilidade é posta igualmente na dependência do requisito do qual a própria lei faz depender a admissibilidade da apresentação de um deles no processo de insolvência requerida do outro; a saber, a anuência deste consorte, nos termos previstos pelo acima nº 2 do art. 264º acima transcrito. Deste requisito resulta a impossibilidade legal da coligação superveniente provocada de um dos cônjuges no processo de insolvência do outro (a requerimento deste ou de credor), sendo que essa corresponde à situação apreciada pelo acórdão da Relação do Porto de 03.10.2011 citado pela decisão recorrida, que incidiu sobre decisão de indeferimento de pedido de intervenção principal provocada do cônjuge do insolvente por este apresentado, tendo se ali concluído que “a coligação passiva pode ser inicial ou superveniente, mas esta última é sempre espontânea, nunca pode ser provocada.//Assim, se apenas um dos cônjuges se apresentar à insolvência, fica impedido de fazer intervir o outro. Ou seja, o legislador arredou a possibilidade de intervenção principal provocada do consorte do devedor que se apresenta à insolvência, não permitindo a coligação activa superveniente.” Do pedido que foi objeto da decisão recorrida e da fundamentação do acórdão que desta conheceu resulta que o mesmo não se pronunciou sobre a possibilidade de coligação superveniente requerida pelo cônjuge do insolvente que se apresentou à insolvência, reportando a expressão “coligação ativa superveniente” a pedido de intervenção principal provocada.
Com efeito, o art. 264º faz depender a admissibilidade da coligação dos cônjuges no processo de insolvência, no mínimo, da vontade de cada um deles nesse sentido[2][3], sendo o pináculo dessa manifestação de vontade a apresentação conjunta do casal à insolvência prevista pelo nº 1 do art 264º - por regra, representados pelo mesmo mandatário -, dando origem ab initio a um só processo de insolvência, a uma sentença de declaração de insolvência, a um incidente de exoneração do passivo restante nele enxertado, a uma conta de custas, e a um único encargo a título de remuneração e despesas devidas a (um) administrador da insolvência e a (um) fiduciário.
Não sendo por apresentação conjunta, a ‘incorporação’ da apresentação à insolvência do outro nesse mesmo processo só está na dependência do consentimento/anuência daquele, e independentemente da fase processual em que o processo do primeiro se encontre, posto que o legislador não a limitou nesses termos. Ao invés, a única limitação que o legislador estabeleceu foi a pendência do incidente de plano de pagamentos, caso em que a apresentação do cônjuge no processo de insolvência pendente do outro fica dependente da não aprovação ou não homologação do plano de pagamentos. Mais resulta a contrario do no nº4 do art. 264º que a admissibilidade dessa apresentação no processo do outro cônjuge não é preterida pelo facto de nele já ter sido proferida sentença de insolvência, pelo que comporta necessariamente a possibilidade de prolação de nova sentença para declaração de insolvência do cônjuge que sucessivamente a ela se apresenta.
Ora, se assim é expressamente admitido no âmbito dos processos de insolvência de um dos cônjuges requerida por terceiro, não vislumbramos, nem na letra nem na ratio da lei, obstáculo formal ou material à admissão e tramitação, nos mesmos moldes, de apresentação espontânea do cônjuge no processo de insolvência instaurado por apresentação do outro cônjuge. O único requisito positivo que se impõe garantir é a anuência deste à coligação requerida pelo outro, o que se afere por mero efeito da submissão do pedido a contraditório no âmbito do próprio processo. E os únicos requisitos negativos que se impõem verificar é a não extinção da instância do processo de insolvência (dito de outra forma, que o processo de insolvência não tenha sido declarado encerrado ou, existindo, que o incidente de exoneração do passivo restante ainda se mantenha nele pendente), e a ausência de incidente de plano de pagamentos ou a sua extinção com a não aprovação ou com a decisão de não homologação do plano aprovado.
3. Ainda que a teleologia e a letra da lei a não comportasse, a solução exposta – de admissibilidade da apresentação do cônjuge no processo de insolvência pendente por apresentação do outro - sempre se imporia nos casos em que a duplicação dos pedidos por apresentação separada ocorre, não por vontade dos cônjuges, mas por mero efeito dos termos em que é processado e executado o pedido de nomeação de patrono com dispensa de pagamento da respetiva compensação no âmbito do apoio judiciário por ambos requerido, como a recorrente alega ter sido o caso[4].
Com efeito, e como a relatora constatou enquanto juiz de comércio na primeira instância (de 2009 e 2019), tal situação - de duplicação de pedidos e, assim, de suportes processuais, de administradores da insolvência nomeados, de retribuição e provisão para despesas a estes devida e demais custas devidas a juízo – era praticada e repetida em casos de apresentação à insolvência de casais que, não obstante a decisão conjunta de assim procederem (até porque, em regra, a situação material é uma só, isto é, o ativo e o passivo são comuns a ambos os cônjuges), dão origem a dois processos, um para cada cônjuge, não porque assim tenham optado, mas única e simplesmente porque recorreram ao beneficio da nomeação de patrono e, nesse contexto, são representados por patronos distintos, assim sucedendo única e simplesmente pelo facto de a apresentação formal de pedido de apoio judiciário ser individual, impedindo o casal de o apresentar conjuntamente através de requerimento comum e, por sua vez, de a cada decisão de deferimento da segurança social no sentido da concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono corresponder, no âmbito da execução do programa SINOA, a nomeação de um patrono[5].
Daqui decorre que aos casais que se apresentam à insolvência com o benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono passa a ser dispensado tratamento processual distinto daqueles que dispõem de condições para constituir mandatário. Desde logo, porque no primeiro caso vêm-se na contingência de ter que pagar em dobro (ainda que pelo produto da liquidação dos seus bens, se existirem) a retribuição devida pagar ao administrador da insolvência e, se for o caso, ao fiduciário, bem como em dobro as custas do processo de insolvência, duplicação que tem efeitos práticos relevantes no montante disponível para satisfação dos seus credores e, consequentemente, no montante do passivo que subsista após a liquidação dos seus bens nos casos em que não requeiram ou não lhes seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante ou, sendo-lhes concedido, nos casos em que o seu passivo seja integrado por dívidas tributárias (e que poderão obter menor pagamento na insolvência ou no período de cessão por efeito da dita duplicação de custas e encargos). Acrescem, e de sobremaneira, as entropias e dificuldades práticas que facilmente se anteveem da necessidade de o casal articular o cumprimento de procedimentos e decisões distintas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, quer relativamente ao fiduciário nomeado para cada um deles, quer relativamente ao valor dos rendimentos a ceder durante o período da cessão e cálculo dos mesmos.
Tratamento diferenciado que não pode e não encontra justificação nas falhas, lacunas ou deficiente previsão dos mecanismos formais, quer do acesso ao apoio judiciário quer da nomeação de patrono, sob pena de agravamento da situação processual e material, designadamente em termos financeiros, daqueles que reúnem os legais requisitos para concessão do apoio judiciário e a ele recorrem, em confronto com a situação dos que não carecem de a ele recorrer. O que redundaria na invocada violação do princípio da igualdade pela desigualdade de tratamento exclusivamente determinada pela situação económica dos casais que pretendem apresentar-se conjuntamente à insolvência – de disporem ou não de recursos para constituírem e pagarem a advogado os honorários que a este são devidos pela representação na sua apresentação conjunta à insolvência – e, assim, da inconstitucionalidade do art. 264º, nº 2 do CIRE interpretado no sentido da inadmissibilidade da apresentação à insolvência do devedor no processo de insolvência por apresentação do respetivo cônjuge.
4. Do exposto resulta o fundado da pretensão da recorrente, que não pode considerar-se processualmente preterida pelo facto de formalmente ter dado início a um novo processo[6] ao invés de apresentar o pedido de declaração da sua insolvência no âmbito processo de insolvência do seu cônjuge, posto que uso dos poderes-deveres de gestão processual e adequação formal da tramitação processual previstos nos arts. 6º e 547º do CPC, aplicáveis ex vi art. 17º do CIRE, sempre cumpriria proceder à supressão oficiosa dessa incorreção através da incorporação do requerimento no dito processo, conforme de resto vinha requerido pela recorrente, com consequente baixa do mesmo na distribuição.
IV – Das custas
Na ausência de parte que tenha dado causa ao recurso, de decaimento da recorrente, de contra-alegações, e de causa legal de isenção ou dispensa de tributação, as custas do recurso são da responsabilidade da recorrente por aplicação do critério subsidiário da vantagem ou do proveito processual previsto pelo art. 527°, n° 2 do CPC, e porque apenas a recorrente dele beneficiou[7].
V – Decisão
Em face de todo o exposto, decide-se julgar a apelação procedente, com consequente revogação da decisão recorrida, que se substitui por outra
- a ordenar a notificação da recorrente para comprovar nos autos a anuência do seu cônjuge ao pedido de apresentação da sua insolvência no processo de insolvência deste e,
- se comprovada, a ordenar a incorporação destes autos no dito processo se e desde que se mantenha pendente de liquidação da massa insolvente e/ou da tramitação do incidente de exoneração do passivo restante,
- com subsequente adaptação do processado.
Custas da apelação a cargo da recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa de pagamento de custas e outros encargos.
Em 10.10.2025
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] O litisconsórcio necessário sequer seria equacionável face ao objeto do processo de insolvência – de recuperação ou de liquidação do ativo e do passivo do devedor – e aos pressupostos previstos pelo art. 30º do CPC. [2] Diz-se no mínimo posto que, tratando-se de insolvência requerida, a legitimidade passiva plural dos cônjuges só fica assegurada se o requerente for credor de ambos e se os pressupostos da situação de insolvência também forem alegados relativamente a ambos. [3] A lei prevê ainda a possibilidade de o administrador da insolvência requerer a apensação do processo de insolvência de um dos cônjuges ao processo do outro sem que para o efeito exija a anuência de qualquer um deles (art. 86º,nº 1 do CIRE). [4] Das alegações de recurso consta que “a DEVEDORA ora RECORRENTE e o seu marido requereram, ao mesmo tempo, e com o mesmo intuito de se apresentarem à insolvência, apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e encargos com o processo e nomeação de Patrono.//Fizeram-no em processos de apoio judiciário distintos, porque assim lhes foi imposto pelos serviços da Segurança Social.//Em consequência, o apoio foi concedido a ambos, mas de modo individual e distinto.//Por essa razão - e não por que tenham optado por apresentar pedidos autónomos de insolvência -, os cônjuges devedores não se apresentaram conjuntamente à insolvência.//Pela mesma razão, o marido da devedora ora recorrente manifestou na sua petição de insolvência nada ter a obstar a que seja operada a apensação do seu processo de insolvência ao do da DEVEDORA ora RECORRENTE, logo que este fosse concretizado, com efeitos equiparados ao preconizados no artigo 264º do CIRE.” [5] Foi essa a justificação que em 2012 foi oficialmente transmitida à relatora pela delegação da Ordem dos Advogados de Aveiro em resposta a informação solicitada para dilucidar o motivo e contexto da nomeação de dois patronos, um para cada elemento do mesmo casal, quando a pretensão destes era ab initio a apresentação conjunta à insolvência. [6] No item “Finalidade” do requerimento eletrónico pelo qual a recorrente apresentou a petição inicial a juízo apôs “Iniciar Novo Processo”. [7] Nesse sentido, acórdão da RL de 11.02.2021.