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CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
JUÍZO LOCAL CRIMINAL
JUÍZO LOCAL DE PEQUENA CRIMINALIDADE
CONTRAORDENAÇÃO
VALOR DA COIMA
CASSAÇÃO DA CARTA DE CONDUÇÃO
Sumário
I – O elemento que o legislador toma como referência para atribuir a competência a um Juízo local criminal ou a um Juízo local de pequena criminalidade, em matéria contraordenacional, é o do valor da coima aplicável. II - Assim, quando esteja em causa um recurso de uma decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação em que o valor da coima aplicável (que não a aplicada) é igual ou inferior a €15.000,00€, independentemente de haver ou não lugar a sanção acessória, a sua apreciação cabe ao Juízo local de pequena criminalidade; todos os demais recursos em matéria de contraordenações ou que sigam o regime das contraordenações são da competência do Juízo local criminal, quando o haja. III - Nesses demais recursos está precisamente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de cassação da carta, que não obstante seguir por força da lei o regime geral das contraordenações, não consubstancia um recurso de uma decisão que aplicou uma coima, não podendo por isso ser-lhe aplicável aquela limitação quanto ao valor para definir a competência do tribunal que o tem de apreciar.
Texto Integral
(Conflito negativo de competência)
I – Relatório
1. No âmbito da impugnação judicial da decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que determinou a cassação da carta de condução da titularidade de AA, intentada por este junto do Juízo local de pequena criminalidade de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, veio a senhora juíza, a quem o processo foi distribuído (juiz 2), declarar incompetente aquele tribunal em razão da matéria e competente o Juízo local criminal de Loures, do mesmo tribunal, para o qual determinou a remessa dos autos, após trânsito.
2. O senhor juiz a quem o processo foi distribuído no Juízo local criminal de Loures (Juiz 1) declinou a competência e suscitou, perante este tribunal, a resolução do conflito negativo de competência que opõe ambos os tribunais, nos termos dos artigos 12.º, n.º5, alínea a) e 35.º, n.º1 do Código de Processo Penal e 76.º, n.º2 da LOSJ.
3. Cumprido que foi o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de se atribuir a competência para julgar o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa em causa ao Juízo local criminal de Loures
4. O arguido, recorrente na impugnação judicial, nada veio alegar sobre o conflito.
5. Sendo este o tribunal competente para conhecer do conflito, nos termos do artigo 12.º, n.º5, alínea a) do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Despachos em conflito
A. Despacho proferido em 29/04/2025, pela senhora juíza do Juízo local de pequena criminalidade de Loures ( juiz 2), na parte relevante: (transcrição)
«Nos presentes autos o Ministério Público apresentou, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, recurso de contra-ordenação, interposto de decisão proferida pela ANSR, em que o recorrente foi condenado pela autoridade administrativa no sentido de ver a sua carta de condução cassada por perda de pontos.
Ora, estabelece o artigo 130.º, n.º 3 da Lei n.º 62/2013, de 26/08, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (“LOSJ”), que compete às secções de pequena criminalidade:
a) Causas a que corresponda a forma de processo sumário, abreviado e sumaríssimo;
b) Recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contra-ordenação a que se refere a alínea e) do n.º 1, quando o valor da coima aplicável seja igual ou inferior a (euro) 15.000, independentemente da sanção acessória.
Ora, conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 01.02.2022 no âmbito do processo 220/21.4Y5LSB.L1-5:
“Em matéria contraordenacional, as competências entre o Juízo local e o Juízo local de pequena criminalidade repartem-se do seguinte modo: os recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contraordenação, quando o valor da coima aplicável seja igual ou inferior a (euro) 15 000,00, independentemente da sanção acessória, pertencem ao Juízo local de pequena criminalidade; os outros são da competência do Juízo local.
- Ao estabelecer que a decisão administrativa de cassação por perda de pontos é impugnável para os tribunais judiciais e ao remeter para o regime geral das contraordenações, o legislador deixa claro, a nosso ver, que se trata de um recurso de “impugnação judicial”, como tal definido por lei – artigo 59.º, n.º 1 do RGCO -, em processo contraordenacional, com as necessárias adaptações.
- Mas, não está em causa nos autos uma decisão administrativa de condenação em coima, pelo que, a nosso ver, não se enquadra no âmbito da competência do Juízo local de pequena criminalidade, que depende de o valor da coima aplicável ser igual ou inferior a 15 000,00 €, pelo que este será materialmente incompetente para conhecer do recurso de impugnação em causa, sendo competente o Juízo local criminal de Lisboa para conhecer do recurso de impugnação em causa, o que determina que o processo seja remetido para o tribunal julgado competente para os efeitos do artigo 33.º do C.P.P.”
Também no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 21.03.2024 no processo 11110/23.6T8LRS, se decidiu pela competência dos juízos locais para julgarem este tipo de recursos, argumentando-se que, no âmbito do art. 130º nº2 da LOSJ, a competência dos juízos de pequena criminalidade é definida “de forma residual ou excepcional, devendo ser entendida no sentido de que essa competência se verifica apenas quando esteja em causa a aplicação de uma coima de valor igual ou inferior a 15.000,00 euros. Consequentemente, não estando em causa a aplicação de uma coima, a competência é do juízo local.” Aliás, sustenta tal acórdão que “Compreende-se que assim seja, até pela natureza especialmente gravosa que podem assumir as medidas sem valor pecuniário, como in casu a cassação do título de condução e a inerente perda do direito a conduzir do seu titular, um importante direito de cidadania.” Assim, estes elementos literais, lógicos e sistemáticos de interpretação levam a concluir pela competência dos juízos locais.
No mesmo sentido podem igualmente consultar-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa datados de 14.02.2025 (processo 7427/24.0T8LRS-AL1; 07.07.2023 (processo 9366/22.0T8LRS-Al1) ou acórdão datado de 31.08.2023 (processo 1143/23.ET8LRS.L1).
Assim e considerando que no caso do presente recurso não está em causa qualquer coima, forçoso se mostra concluir que as Seções de Pequena Criminalidade não são materialmente competentes para conhecer dos presentes autos.
(…)
Notifique.
Após trânsito, remeta os presentes autos para distribuição às Secções Criminais da Instância Local deste Tribunal e dê baixa na distribuição.
B. Despacho proferido em 29/04/2025, pelo senhor juiz do Juízo local criminal de Loures ( juiz 1), na parte relevante: (transcrição)
«A autoridade administrativa A.N.S.R., em fls. 101 e ss., decidiu pela cassação do título de condução do arguido/recorrente AA, por este, após ter apenas 1 ponto devido a várias infracções estradais cometidas, ter reprovado na prova teórica do exame de condução.
Inconformado, o arguido impugnou judicialmente, tendo delineado quatro pontos a ter em consideração:
- “Da recorribilidade de decisão proferida pela ANSR”;
- “Da decisão a quo da natureza da sanção da cassação do título de condução”;
- “Da alegada automaticidade da aplicação da medida restritiva e da ausência de fundamentos para a aplicação da sanção de cassação do título de condução”; e
- “Da nulidade da decisão administrativa proferida”.
Reapreciando o caso, proferiu a A.N.S.R. decisão final, mantendo o teor da sua anterior decisão.
Na sequência da remessa dos autos ao Ministério Público, a Digna Magistrada do Ministério Público determinou a distribuição dos presentes ao Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures.
Em fls. 162 (frente e verso), a Exma. Juíza do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, declarou a incompetência do referido Juízo.
Cumpre decidir.
O art. 86º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27/3 (o qual regula a Lei n.º 62/2013, de 26/8 ou Lei da Organização do Sistema Judiciário) desdobra a instância local desta Comarca em Juízos Locais e de Pequena Criminalidade que, de acordo com o mapa anexo, define 4 Juízos Locais e 2 de Pequena Criminalidade.
Reparte, ainda, o art. 130º da L.O.S.J, nos n.ºs 2 al. d) e 4, al. b) que aos Juízos Locais Criminais cabe uma competência residual, e aos Juízos de Pequena Criminalidade, quando os haja, cabe a competência para apreciar “[r]ecursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contraordenação a que se refere a alínea d) do n.º 2, quando o valor da coima aplicável seja igual ou inferior a (euro) 15 000,00, independentemente da sanção acessória” (sublinhado nosso).
A articulação destas duas competências, por forma a evitar conflitos positivos e negativos, tem vindo a ser definido com base na especialidade da competência dos Juízos de Pequena Criminalidade, em detrimento dos Juízos Locais.
Com esta racional, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, em douto acórdão de 20/9/2017 (processo n.º 258/17.6T8FND-A.C1, consultável em www.dgsi.pt):
“I - Qualquer matéria da área criminal (seja crime ou contraordenação) que não esteja atribuída por lei a juízo (tribunal) de competência especializada (grande criminalidade da competência do Juízo Central, ou pequena criminalidade da competência do Juízo Local de pequena criminalidade nas comarcas onde existir) é da competência do Juízo Local de competência genérica (que também pode desdobrar-se em juízos de competência especializada, normalmente de natureza cível e criminal)
II - Inexistindo Juízo de pequena criminalidade na comarca (e quando há a sua competência territorial é definida), os processos de contraordenação são tramitados pelo Juízo Local Criminal (ou Juízo Local de competência genérica se não houver especialização) competente (dependendo do município onde os factos são praticados)” (sublinhados nossos).
Por conseguinte, o iter a percorrer é: primeiro aferir se existe Juízo de Pequena Criminalidade na Comarca e; segundo se o objecto tem cabimento na competência do Juízo de Pequena Criminalidade.
Na senda do douto aresto supracitado, e aduzindo outro argumento para aferir da competência dos Tribunais é o do recurso ao elemento histórico. Como equaciona o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/8/2023 (processo n.º 9366/22.0T8LRS-A.L1, relatado pelo Senhor Desembargador Luís Gominho), os Juízos Locais de Pequena Criminalidade são os sucessores jurisdicionais dos antigos “Tribunais de Polícia”, sendo que lhes cabia “a preparação, o julgamento e os termos subsequentes, em matéria de crime, nos processos sumários e nos relativos a transgressões” (cfr. art.º 76.º, n.º 1 da Lei 38/87, de 23/12).
Competia, ainda, aos antigos Juízos de Polícia “nas comarcas onde não existam pequenas causas, proceder à preparação e ao julgamento em matéria crime no processo sumaríssimo, bem como julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contra-ordenação”. (cfr. art.º 76.º, n.º 2, da Lei n.º 38/87, de 23/12) (sublinhado nosso).
Do aresto em causa realça-se, ainda a seguinte passagem:
“Em todo o caso, repare-se, que os Tribunais de Pequena Instância Criminal não deixarão de poder julgar alguns dos crimes que vão potenciar a perda de pontos em que a futura cassação se poderá fundamentar. E quem pode o mais…
Têm claramente competência para a conhecer de recursos de contraordenação.
Já sabemos também que a competência dos juízos locais criminais. nesse domínio, pressupõe uma coima superior a € 15.000,00. Ou seja, as economicamente mais relevantes.
E terá sentido que a devam ter, também, quando no caso da impugnação em presença, não há qualquer valor ou o mesmo é “ficcionável” ou “equiparável” a “zero”, como sugestivamente o observa o Exm,º Sr. Procurador-Geral Adjunto?
Julgamos que não.
Valerão então, nesta situação, as considerações pertinentemente tecidas na decisão do conflito objecto do processo n.º 258/17.6T8FND-A.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra (disponível no endereço eletrónico www.dgsi.pt/jtrc):
(…)
Ora sucedendo que no Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, em Loures, para além do Juízo Local Criminal está previsto e funciona um Juízo Local de Pequena Criminalidade, e não sendo hipótese em que o valor da coima deva funcionar para introduzir uma diferenciação de competência, não vemos razões substancialmente válidas para que aquele último não possa apreciar a aludida impugnação Judicial.”
Igual posicionamento teve o mesmo Tribunal, em douto acórdão de 31/8/2023 (processo n.º 1143/23.8T8LRS.L1, relatado pela Senhora Desembargadora Conceição Gonçalves), destacando-se a seguinte passagem:
“In casu e como adianta o Ministério Público na promoção datada de 10-02-2013 não está em causa coima superior a €15.000,00, considerando que a competência para o julgamento destes autos está atribuída aos Juízes Locais de Pequena Criminalidade de Loures.
Na verdade e no caso concreto está em causa a cassação do título de condução, matéria historicamente da competência dos então denominados “Tribunais de Polícia” sendo seus sucessores os Juízos Locais de Pequena Criminalidade.
Por outro lado, e não obstante a redacção da al. b) do nº 4 do art.º 130º da LOSJ ao mencionar o valor da coima, faz tal normativo igualmente alusão e remissão expressa à competência do julgamento dos recursos de decisão da autoridade administrativa e contra-ordenação.
Aliás, não faria sentido pelo tipo de crime que tais Tribunais julgam habitualmente, inclusivamente na natureza estradal e com penas e sanções acessórias, estar vedada a possibilidade de apreciação dos processos de cassação do título de condução, não se tratando de matéria meramente residual.
Assim sendo, concordando com a posição vertida pelo Ministério Público e atendendo ao disposto nos normativos supra enunciados, designadamente o art.º 130º nº 4 al. b) da LOS J, 41º e 61º do Regime Geral das Contra Ordenações e Coima e arts. 32º nº 1, 33º e 311º nº 1 do Código de Processo Penal, o julgamento de tal infracção deverá decorrer nos Juízes Locais de Pequena Criminalidade de Loures.
Sendo que o julgamento de tais factos por este tribunal configura uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, que o tribunal deverá declarar de imediato, sanando dessa forma o processo, independentemente da respectiva fase processual, nos moldes previstos pelos arts. 118º, nº1, 119º , al. e) e 122º, todos do Código de Processo Penal.
Pelo que, se decide o conflito declarando Tribunal Competente, os Juízos Locais de Pequena Criminalidade de Loures.
Consequentemente, fica prejudicada a realização de quaisquer diligências que não revistam natureza urgente.”
Distanciamo-nos, assim, do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1/2/2022 (processo n.º 220/21.4Y5LSB.L1-5, consultável em www.dgsi.pt), que conclui pela competência dos Juízos Locais Criminais, uma vez que a não há delimitação do recurso de contra-ordenação para os Juízos de Pequena Criminalidade em função de aplicação, ou não, de coima.
Salvo o devido respeito, a norma do art. 130º, n.º 4, al. b), da L.O.S.J. não pressupõe que seja aplicada uma sanção principal de coima para que seja conferida competência aos Juízos de Pequena Criminalidade (cfr. art. 148º do C.E.).
Aliás, o processo não perde a sua natureza como Recurso de Contra-Ordenação pelo simples facto de não se lhe aplicar uma coima, nem numa lógica de maioria de razão seria compreensível os Juízos de Pequena Criminalidade serem competentes para julgar uma cassação mediante aplicação conjunta de uma coima, e já não o serem quando a primeira for desacompanhada desta.
Pelo que face a todo exposto, consideramos ser da competência dos Juízos de Pequena Criminalidade para apreciar o presente recurso de contra-ordenação, logo, declarando-se a incompetência deste Tribunal para tal.
A incompetência sub judice constitui uma nulidade insanável, que pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo (cfr. art. 119º, n.º 1, al. e), do C.P.P. ex vi art. 41º, n.º 1, do R.G.C.O.), e que tem como consequência a remessa do processo para o tribunal competente (cfr. art. 33º, n.º 1, do C.P.P. ex vi art. 41º, n.º 1, do R.G.C.O.), neste caso, o Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, da Comarca de Lisboa Norte.
Destarte, declara-se a incompetência deste Tribunal, sendo competente o Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, da Comarca de Lisboa Norte»
2. Apreciação
Estabelece o artigo 34.º do Código de Processo Penal:
«1. Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».
2. O conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.»
Não há dúvida que, no caso dos autos, estamos perante um conflito negativo de competência em razão da matéria, na medida em que estamos perante uma divergência entre dois tribunais da mesma espécie, em que cada um deles não se reconhece competente para o julgamento da impugnação que foi deduzida pelo recorrente (arguido).
Embora o Código de Processo Penal o não diga expressamente, foi criado um sistema dotado de celeridade e autoridade para resolver as questões de competência. Não existe trânsito em julgado das decisões até o tribunal superior resolver a questão por decisão irrecorrível (artigo 36.º, n.º 2). Tanto assim é que o conflito cessa quando um dos tribunais em conflito alterar a sua posição anterior (artigo 34.º, n.º 2).
Por isso, o Juízo de pequena criminalidade de Loures não tinha de ficar a aguardar o trânsito em julgado do despacho mediante o qual se declarou incompetente, para poder remeter o processo para o Juízo local criminal de Loures.
Está em causa a impugnação judicial de uma decisão de cassação da carta de condução com fundamento na subtração de perda de pontos ao condutor, nos termos previstos no artigo 148.º do Código da Estrada.
Sendo inquestionável que a decisão de cassação é impugnável para os tribunais judiciais, nos termos do regime geral das contraordenações (n.º 13 do artigo 148.º do C. Estrada), a questão que se coloca, perante as decisões em confronto, é a de saber qual o tribunal competente em razão da matéria para conhecer de tal impugnação – se o Juízo local de pequena criminalidade ou se o Juízo local criminal.
Sem qualquer demérito pela jurisprudência invocada pelo senhor juiz do Juízo local criminal de Loures, partilhamos a posição de que tal competência está, no caso, atribuída a este mesmo juízo.
Nos termos do disposto no artigo 130°, nº 1, alínea d) da Lei nº62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), compete aos juízos locais criminais julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada.
Em se tratando, porém, de recursos de decisões das autoridades administrativas em processo de contraordenação, em que o valor da coima aplicável seja igual ou inferior a €15.000,00, independentemente da sanção acessória, essa competência está atribuída aos juízos de pequena criminalidade, sempre que estes existam. - n.º 4, alínea b) do mesmo artigo.
O elemento que o legislador toma como referência para atribuir a competência a um Juízo local criminal ou a um Juízo local de pequena criminalidade, em matéria contraordenacional, é o do valor da coima aplicável.
Assim, quando esteja em causa um recurso de uma decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação em que o valor da coima aplicável (que não a aplicada) é igual ou inferior a €15.000,00€, independentemente de haver ou não lugar a sanção acessória, a sua apreciação cabe ao Juízo local de pequena criminalidade; todos os demais recursos em matéria de contraordenações ou que sigam o regime das contraordenações são da competência do Juízo local criminal, quando o haja.
Ora, nesses demais recursos está precisamente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de cassação da carta, que não obstante seguir por força da lei o regime geral das contraordenações, não consubstancia um recurso de uma decisão que aplicou uma coima, não podendo por isso ser-lhe aplicável aquela limitação quanto ao valor para definir a competência do tribunal que o tem de apreciar.
Não faz sentido apelar à competência que estava atribuída aos antigos tribunais de polícia que foram substituídos pelos Juízos locais de pequena criminalidade porquanto a lei é bem clara quanto às competências que quis atribuir a estes últimos no n.º 4 do artigo 130.º da referida lei.
Em face do exposto impõe-se concluir que, dentro da repartição de competêcia material pelos juízos de competência especializada, é ao Juízo local criminal de Loures que compete conhecer do recurso de impugnação em causa e não ao Juízo local de pequena criminalidade de Loures.
Neste mesmo sentido se decidiu no acórdão proferido no processo n.º 220/21.4Y5LSB-L1-5 (acessível em www.dgsi.pt) e em sede de resolução de conflito, na 3ª secção deste Tribunal, no âmbito dos processos n.ºs 11110/23.6T8LRS-A.L1 (a 21/03/2024) e 7427/24.0T8LRS-A.L1 (a 14/02,2025), decisões que não se encontram publicadas.
III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se dirimir o presente conflito, atribuindo a competência material para conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa de cassação da carta, que foi aplicada ao arguido, ao Juízo local criminal de Loures (juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.
Sem tributação.
*
Cumpra-se o disposto no artigo 36.º, n.º 3, do Código de Processo Penal
Lisboa, 24/10/2025
(processei e revi – art.º 94, n.º2 do C.P.P.)
Maria José Machado
(assinatura digital certificada)