EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RECUSA
CUMPRIMENTO
ACEITAÇÃO TÁCITA
Sumário

I. Tendo a devedora insolvente, com atraso embora, mas ainda a tempo de ser considerado na decisão, procedido à entrega da totalidade dos valores que devia ter cedido à fidúcia durante o período de cessão, pagamento que foi aceite, não poderá tal retardamento fundamentar a recusa de exoneração do passivo restante, ainda que tenha sido efetuado por familiares ou mediante a afetação de meios por estes disponibilizados.
II. Sendo conhecidos nos autos escassos meses depois do início do período de cessão, outros ainda antes da prolação do despacho liminar, atos praticados pela insolvente idóneos a fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração e, posteriormente, a sua cessação antecipada, o que veio a ser requerido pelo sr. AI sem que tenha sido objeto de apreciação, antes tendo o Tribunal produzido até ao termo do período de cessão despachos vários, determinando a devedora a cumprir com a sua obrigação de entrega das quantias a ceder a fidúcia, deferindo períodos de carência e autorizando acordos de pagamento faseado dos montantes em atraso, sem fazer qualquer referência aos factos denunciados, não poderá o juiz invocá-los no despacho final para negar a exoneração.
III. Mostrando-se a descrita atuação do tribunal apta a gerar na recorrente uma situação de confiança, assente na aparência de que aqueles factos não seriam invocados para fundamentar, a final, uma recusa da exoneração do passivo restante, a convicção assim criada, em função da qual a insolvente definiu a sua subsequente atuação no processo, procedendo à entrega das quantias devidas à fidúcia, é merecedora de tutela, obstando a que a exoneração lhe seja recusada com fundamento naqueles mesmos factos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 3320/12.8TBPTM.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 2


I. Relatório
Inconformada com a decisão final proferida no incidente de exoneração do passivo restante em 26 de Março de 2025, que negou a requerida exoneração, apresentou a devedora declarada insolvente (…) o presente recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:
“I. O regime da exoneração do passivo restante, introduzido pelo CIRE, visa atribuir ao devedor pessoa singular uma possibilidade legal de reabilitação económica e social, mediante o cumprimento de um conjunto de deveres de transparência, colaboração e sacrifício económico durante o período de cessão, nos termos dos artigos 235.º a 248.º do CIRE.
II. Trata-se de um benefício de natureza excecional, aplicável exclusivamente a devedores de boa fé, cuja concessão pressupõe, no termo do período de cessão, a verificação do cumprimento das obrigações legais enunciadas no artigo 239.º do CIRE, salvo se se provar que o devedor as violou com dolo ou negligência grave e que dessa violação resultou prejuízo relevante para os credores – nos termos cumulativos do artigo 243.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, aplicável ex vi do artigo 244.º, n.º 2, do mesmo diploma.
III. A sentença recorrida recusou a exoneração do passivo restante à ora Recorrente com fundamento em três alegadas infrações: (i) a doação do quinhão hereditário, considerada ocultação patrimonial; (ii) a entrega não regular e não tempestiva do rendimento disponível ao fiduciário; e (iii) uma suposta violação global dos deveres de colaboração e informação.
IV. Relativamente à doação do quinhão hereditário, ficou demonstrado nos autos que tal ato resultou de uma motivação familiar e não teve qualquer vantagem patrimonial pessoal para a Insolvente, sendo formalizado por escritura pública e objeto de registo predial – o que exclui qualquer intenção de dissimulação dolosa ou ardilosa do bem e afasta, por conseguinte, o juízo de dolo ou culpa grave exigido pelo artigo 243.º, n.º 1, alínea a), do CIRE.
V. A interpretação da sentença recorrida assenta numa presunção automática de gravidade da conduta, sem atender ao concreto contexto subjetivo da Recorrente, nomeadamente a ausência de enriquecimento, a natureza pública do ato de doação e a justificação apresentada, que traduzem um erro de julgamento do tribunal a quo, na medida em que omite a necessária análise do elemento subjetivo da conduta.
VI. Acresce que não foi demonstrado nos autos o valor líquido do quinhão doado, a sua exequibilidade ou o seu impacto efetivo na massa insolvente, pelo que se mostra ausente o segundo requisito legal cumulativo da norma – o prejuízo relevante para os credores.
VII. No que respeita à entrega dos rendimentos disponíveis, a própria sentença reconhece que, apesar dos atrasos, a Recorrente regularizou a totalidade dos valores em dívida, tendo entregue ao fiduciário a quantia de € 8.223,49, o que corresponde ao cumprimento material da obrigação nos termos do artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
VIII. A jurisprudência maioritária entende que a mora no cumprimento das obrigações, desde que suprida de forma voluntária e tempestiva antes da decisão final, não justifica, por si só, a recusa da exoneração, por ausência de dolo ou culpa grave e de prejuízo efetivo (vide, entre outros, Acórdão do TRG de 23.06.2023, Proc. n.º 7453/18.9T8VNF.G1).
IX. A sentença recorrida ignora a função corretiva e reabilitadora do instituto da exoneração, punindo o atraso, mesmo após a sua correção, com a sanção máxima – a recusa definitiva da exoneração –, contrariando o princípio da proporcionalidade e o escopo do regime, que visa premiar o devedor de boa fé que, mesmo com dificuldades, cumpre as obrigações essenciais.
X. Quanto à invocada “falta de colaboração”, inexiste nos autos qualquer comportamento da Recorrente que evidencie resistência, ocultação dolosa de rendimentos ou ausência de comparência às diligências judiciais – antes pelo contrário: a Insolvente apresentou-se voluntariamente à insolvência, prestou declarações, apresentou alegações escritas, cumpriu com os deveres de contacto e entrega de rendimentos e nunca se esquivou ao processo.
XI. A qualificação genérica da sua atuação como violadora do “dever de colaboração” não encontra suporte factual ou legal, servindo apenas de argumento conclusivo não fundamentado, o que fragiliza o juízo de recusa formulado na decisão recorrida.
XII. O fiduciário, entidade encarregada da fiscalização do cumprimento dos deveres legais, emitiu parecer favorável à concessão da exoneração, circunstância que, em conjugação com a regularização dos pagamentos e a justificação apresentada para a doação do quinhão hereditário, impunha uma decisão de concessão do benefício.
XIII. Ao recusar a exoneração com fundamento em infrações formais e sem prova de culpa qualificada e de prejuízo relevante, a sentença recorrida incorre em erro de direito na interpretação e aplicação dos artigos 239.º, 243.º, 244.º e 238.º do CIRE, violando os princípios da boa fé, da proporcionalidade e da finalidade do regime jurídico da insolvência pessoal.
XV. A Sentença é nula, ilegal, envolve aplicação materialmente desconforme de normas constitucionais, pelas razões que se indicam:
XIV.1. A nulidade derivada da falta de fundamentação de facto e de direito, com análise crítica da prova, respeito pelo seu valor probatório e correcta aplicação aos factos do respectivo e devido enquadramento jurídico, por força do artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, do NCPC 2013, ex vi dos artigos 14.º e 17.º do CIRE;
XIV.2. A nulidade da sentença por violação dos princípios da igualdade das partes, garantia de acesso (em igualdade de condições) ao Tribunal, contraditório e devido dever de gestão processual, nos termos dos artigos 2.º, 4.º e 6.º do NCPC 2013.
XIV.3. A nulidade da sentença por envolver uma «decisão-surpresa», não permitida pelos artigos 3.º, n.º 3, do NCPC 2013, e artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, da CRP 1976.
XIV.4. A nulidade da sentença por erróneo julgamento e apuramento da matéria de facto, com incorrecta qualificação jurídica, ex vi dos artigos 639.º e 640.º do NCPC.
XIV.5. A nulidade da sentença por dar como provado “a falta de colaboração” da recorrente e, ao mesmo tempo, dar como provada “a colaboração” da recorrente, no âmbito do processo de insolvência, mormente com o Administrador de Insolvência.
XIV.6. Errónea interpretação dos artigos 120.º, n.º 1, 186.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a i), e 4, 239.º, n.º 4, alíneas a) a e), 243.º, n.ºs 1, alíneas a) a c), e 3, 238.º, n.º 1, alíneas b), e) e f), 243.º, n.º 1, alínea a), 244.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, à luz da factualidade a fixar no caso e tendo em conta a originária declaração de insolvência singular não dolosa, alterando os critérios do legislador, com violação dos princípios constitucionais da reserva (relativa e absoluta) de competência legislativa da Assembleia da República, e da separação e interdependência dos poderes, dado que o Juiz «cria, com a sua interpretação, lei “nova”, para fora da letra do preceito e espírito do legislador», com violação do artigo 9.º do Código Civil, e artigos 111.º, 164.º e 165.º do CIRE.
XIV.7. Inconstitucionalidade material do artigo 238.º, n.º 1, alínea b), do CIRE, sempre que interpretado, como o foi nos presentes autos, com o sentido e alcance de que o não cumprimento do plano de pagamentos a ceder ao fiduciário (Administrador de Insolvência) ou o seu cumprimento com atraso ou com intervenção de terceiro que, em substituição do insolvente, assume e liquida o valor, exigido para a viabilização da exoneração, é motivo bastante para indeferir a exoneração; e, ainda, quando, para tal, se tem em linha de conta uma doação realizada algum tempo antes da apresentação à insolvência, sem conhecimento de que tal iria suceder, de uma quota hereditária, em favor de um familiar, quando, na verdade, tal doação concretiza e perfecciona, no caso da insolvente, uma quota parte da herança, correspondente à legítima, que é protegida pelos princípios da intangibilidade da legítima e da inoficiosidade, artigos 2163.º e 2168.º, do CC, e pela “dimensão normativa”, ínsita [segundo o ensinamento de Benjamim Silva Rodrigues, Direito das Sucessões (e no seu ensino oral, ano Lectivo 2024/25), Coimbra, 2025 (no prelo), no preceito constitucional do direito de propriedade, que visa perpetuar o “património da família” na “família” e que tem, relativamente à “célula viva da sociedade portuguesa”, a “família”, uma função de agregação e valorização dos afetos] no direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP 1976, a levar “tal propriedade” ao carácter de “impenhorável” e “inválido todo o negócio que ofenda a legítima”.
XIV.8. A contraditio in adjecto da sentença proferida, visto que, estando a recorrente, de facto e de direito, ainda em situação de insolvência, então, a não se admitir a exoneração do passivo restante, tal situação legitima e obriga-a a que se apresente, novamente, à insolvência, de tal modo que, em sede de exoneração do passivo restante, não pode o julgador, como o fez, sem existir sentença penal condenatória a comprovar “fraude à lei” e “manifesto abuso de direito”, inviabilizar o pedido de exoneração, de tal modo que o artigo 238.º, n.º 1, alínea b), do CIRE deverá ser interpretado como exigindo, após já ter sido qualificada a insolvência singular como fortuita ou negligente, que se verifique uma condenação penal inequívoca, para que a “reversão da qualificação” colha e possa ocorrer nos termos de uma decisão que, por existir condenação penal, em si, já não funcionará como decisão-surpresa, nem aparecerá gravosa ou desproporcionado, como ocorre com a presente.
XIV.9 A morosidade do processo (não imputável à recorrente, mas, outrossim, ao sistema judiciário implementado, às rotatividades de juízes e titulares no processo e ao fraco desempenho do Administrador de Insolvência e Fiduciário), visível pela admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, datada de 10 de Setembro de 2012, assim significando que a recorrente teve a vida em suspenso durante 13 anos sem a ter resolvido, de tal modo que o espírito do CIRE foi pervertido, não resolvendo qualquer situação de insolvência singular, gerando, nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 5.º (a contrario), 12.º a 14.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho, porque se queda violado o princípio internacional, a que se dá expressão no artigo 20.º n.os 1, 3, 4 e 5, da CRP 1976 (direito à tutela jurisdicional efectiva, justa, equitativa e célere), e artigo 6.º da CEDH.
XV. Aceitam-se como verdadeiros os factos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18. Afigura-se falso o vertido nos factos 5, 6 [argumentos 5 a 32, eivados de juízos de valor, inapropriados, sem lógica e racionalidade jurídicas, de modo vingativo e para justificar os atrasos injustificáveis do Administrador de Insolvência, com 6 anos de inacção, e que deveria ter sido removido e substituído] 9 (contraditado pelo 10 e 11), que referem o seguinte:
«(…) 5. Por requerimento de 3 de julho de 2018 o sr. Fiduciário informou, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, ex vi 240.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que: “Apesar das tentativas de contacto, via carta e telefone (tel.), nunca se logrou o contato com a insolvente./ Foi igualmente contactada a sua mandatária via Email, a qual não respondeu á nossa solicitação./ Assim não é possível determinar se a insolvente deveria, ou não, proceder a qualquer entrega ao fiduciário.”
6. Por requerimento de 18 de agosto de 2018 o sr. Fiduciário informou o seguinte:
“5. Ao invés do que havia declarado a insolvente, obviamente na tentativa de dissimular o património, é proprietária de metade indivisa do prédio misto sito na (…), freguesia de (…), em Portimão, estando a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo (…), Secção (…) e a parte urbana inscrita na matriz sob os artigos (…) e (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…). 6. Pelo que o administrador da insolvência na sequência das pesquisas levadas a efeito, veio a apreender a metade do sobredito prédio. 7. Por sua vez, corre termos processo de inventario sob o n.º 4106/07.7TBPTM do Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 2 em que é interessada a insolvente, na qualidade de herdeira do autor da herança; pelo que por douto despacho de 09.05.2013 foi chamado a intervir o AI. 8. Que, após apreensão do quinhão hereditário, constituiu mandatária á massa insolvente em 31.07.2013 9. Desde então e até ao pretérito dia 18 de junho de 2018, a massa insolvente tem vindo a intervir em todas as diligências relativas ao identificado processo. 10. Porém, no dia 19 de junho uma das interessadas no inventário e irmã da insolvente apresentou requerimento nos autos informando que esta é parte ilegítima, atento que doou a seu filho, por escritura de 19 de abril de 2011, o quinhão que lhe cabia, tudo como melhor se alcança do sobredito requerimento e documentos que o acompanham, que se juntam sob doc 1. 11. Ora, a massa insolvente desconhecia em absoluto esta situação, dado que o registo da escritura de doação apenas foi requerido pela própria insolvente no sobredito dia 19 de junho de 2018. 12. Conclui-se que agiu a insolvente com inegável quando, bem sabendo que tinha elevadas dívidas e viria com grande probabilidade a ser-lhe executado o sobredito quinhão, o doou a seu filho. 13. Para um pouco mais de um ano volvido se apresentar á insolvência. 14. E fica mais evidente a má-fé da insolvente quando não procedeu ao registo daquela doação, pois obviamente se preparava para requerer a insolvência. 15. Não desconhecia, então, que se o AI viesse a tomar conhecimento da transmissão efectuada procederia á sua resolução; o que pretendeu - e conseguiu -evitar. 16. No descrito circunstancialismo a insolvente permitiu que durante cerca de 05 (cinco) anos o AI a representasse num processo quando , afinal, o quinhão não lhe pertencia. 17. Sequer se tendo importado com todas as despesas que a massa insolvente tem de suportar com honorários da advogada e deslocações ao Tribunal de Portimão; portanto, no mais descarado desrespeito pelos seus credores. Mas mais: 18. O fiduciário, nos termos do n.º 2 do artigo 240.º do CIRE tem de proceder á apresentação do relatório anual. 19. Assim, em 29.10.2017 endereçou carta á insolvente - para a morada que lhe foi fixada solicitando-lhe elementos sobre os seus rendimentos como o atesta cópia da mesma e comprovativo do registo, que se juntam sob doc. 2. 20. Simultaneamente tentou o contacto via telemóvel; o que sempre se frustrou. 21. Porquanto não houvesse qualquer retorno, foi ainda tentado o contacto via email com a Ilustre Mandatária da Insolvente; que também não respondeu. 22. Face á total ausência de contactos e elementos sobre os rendimentos da insolvente, que, por conseguinte, se desconhece se existem e quais sejam desconhecendo-se igualmente se a insolvente exerce alguma profissão - foi enviado aos autos o relatório anual em 04.07.2018, dando conta desses factos. 23. E nessa mesma data foi a insolvente, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, notificada do teor do relatório, cfr requerimento enviado em 04.07.2018, com a referência citius 5758869. 24. Consigna-se que desde então e até ao momento não houve qualquer contacto da insolvente, por email, carta ou telemóvel; o que é bem demonstrativo da sua conduta relativamente ao fiduciário e ás obrigações a que está legalmente vinculada. 27. Face á factualidade supra descrita verifica-se que a insolvente violou a obrigação de informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património no prazo que lhe foi concedido para tanto - sendo de presumir que o faz para nada ser obrigada a ceder ao fiduciário e em evidente prejuízo dos seus credores o que nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º configura causa de cessação da exoneração do passivo restante. Acresce que: 28. Dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º, ex vi do n.º 1 do artigo 243.º, ambos do CIRE: “Constarem do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”. 29. Ora, reportando á factualidade descrita de 7 a 17 supra, conclui-se que, inegavelmente, a actuação culposa da insolvente contribuiu senão para a criação pelos menos, e á cautela, para o agravamento da sua situação de insolvência. 30. O n.º 2 do artigo 186.º , de entre o mais, prescreve que : "Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores de direito ou de facto, tenham : a) destruído, danificado, inutilizado, ocultado , ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros” Acrescentando o n.º 4 que : “O disposto nos números 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, á actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações”. 31. Do que se descreveu a insolvente , que tinha diversas dívidas que obviamente não pretendia liquidar , ainda que parcialmente , decidiu desfazer-se do património/ direito que se encontrava livre de ónus e encargos, tendo-o feito desaparecer através de uma doação que veio a registar mais de 7 anos volvidos após a declaração da sua insolvência; assim evitando a resolução em beneficio da massa insolvente. 32. Dispôs assim do quinhão hereditário na herança de seu pai a favor de seu filho. Nestes termos, e face á gravidade da conduta da insolvente, que atua com culpa grave, é entendimento do signatário que nos termos do artigo 243.º do CIRE deve cessar o procedimento da exoneração do passivo restante da insolvente ; o que V. Exa. melhor decidirá.” (…).
9. Concluiu o sr. Fiduciário que a Devedora se encontrava em incumprimento parcial porquanto não procedeu aos depósitos dos valores devidos a título de cessão de rendimento disponível no montante global de 6.633,09».
XVI. O Tribunal não pode dar como provada a não colaboração da recorrente e nem sequer pode dar como não cumpridas as obrigações da recorrente, para efeitos da exoneração, pela lídima razão de que o Administrador de Insolvência não fez o seu trabalho e, com isso, o processo arrastou-se por 13 anos, quando deveria estar terminado num máximo de 6 anos, como o explicam as várias leis de alteração e sua exposição de motivos, de tal modo que a morosidade da justiça, pela rotatividade de magistrados que, na titularidade do processo, ao longo do processo foi ocorrendo, bem como a falta de empenho e diligência do Administrador, não podem levar, à luz das regras da experiência e específico conhecimento do modo de funcionamento dos tribunais, à imputação de tal morosidade a uma qualquer falta de colaboração da recorrente. Ademais,
XVII. Professando uma tese inusitada e bem expressiva do carácter “vingativo e punitivo” desta sentença denegatória da exoneração do passivo restante, está o facto de se chegar ao paroxismo de dizer e desdizer, em dois pontos seguidos, já que no facto 9, afirma-se que não cumpriu e, no facto 11., confessa-se que cumpriu e entregou o valor em falta de € 6.637,00. Que, pasme-se (!) entregue por um familiar, em nome e por conta da recorrente, o Tribunal “desqualifica” e como que, apesar de ter o “dinheiro no bolso”, persiste e insiste na tese de que não cumpriu as obrigações, isto é, em termos de leigo, que não entregou o dinheiro, indo-se a um formalismo que é a mais pura expressão da ignorância das formas mais elementares de extinção das obrigações e dos mecanismos de sub-rogação, ao devedor ao credor, que a lei permite e não impede. E, por isso,
XVIII- A denegação da exoneração do passivo restante, afirmando, falsamente, que não cumpriu as obrigações económicas a que estava obrigada, é uma afronta e desrespeito profundo pelo esforço e sacrifício que, comprovadamente, em afronta à sua dignidade humana, lhe foi imposto, atirando-a, durante longos anos, para níveis económico-financeiros abaixo do limiar mínimo a uma vida condigna e que, sublinhe-se, fora do contexto insolvente, levá-la-ia, estamos certos, a beneficiar de um complemento ou garantia mínima solidária. O que significa que
XIX. O facto 9 e o 11, devem ser fundidos, referindo-se, pura e simplesmente, que «A insolvente singular cedeu, ainda que com mora, o rendimento disponível global de € 6.633,09, que lhe havia sido fixado». E, por sua vez,
XX. Os factos 5 e 6, face aos factos 10 e 11, estão em contradição, de tal modo que devem apenas dar-se como provados os factos 10 e 11, sendo que nos factos 5 e 6, os mesmos estão eivados de juízos de valor e “desculpas de mau pagador” do Administrador de Insolvência/Fiduciário, que não terá feito uso de diligência e invocou, falsamente, que a insolvente não estava contactável, mas tal contrasta, em termos incompatíveis e inconciliáveis, com o que refere nos pontos 9, 10 e 11, supra reproduzidos. Ademais, dir-se-á, ainda, que:
XXI. A exoneração do passivo restante visa distinguir o devedor que, não obstante a situação de insolvência, atua com lealdade, diligência e esforço, daquele que se comporta de forma dolosa, ocultando rendimentos ou frustrando deliberadamente os credores – e não há, no caso concreto, qualquer elemento que permita a subsunção da Recorrente ao segundo grupo.
XXII. Pelo que se impõe, em nome da legalidade, da justiça material e da segurança jurídica, a revogação da sentença recorrida e a substituição por decisão que conceda à ora Recorrente a exoneração do passivo restante, com a consequente extinção das obrigações insolvenciais remanescentes, nos termos do artigo 248.º do CIRE”.
Conclui pela procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que conceda à recorrente a exoneração do passivo restante
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Não foram oferecidas contra alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
i. Das nulidades da sentença;
ii. Do erro de julgamento quanto aos factos;
iii. Do erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 120.º, n.º 1; 186.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a i); 239.º, n.º 4; 243.º, n.ºs 1, alíneas a) a c) e 3; 238.º, n.º 1, alíneas b), e) e f) e 244.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE.
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Das nulidades da sentença
A apelante diz ser a sentença nula por falta de fundamentação de facto e de direito, faltando “análise crítica da prova, respeito pelo seu valor probatório e correcta aplicação aos factos do respectivo e devido enquadramento jurídico, por força do artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, do NCPC 2013, ex vi dos artigos 14.º e 17.º, do CIRE”. Vejamos se tem razão.
Sendo incontroverso que a nossa Constituição consagra o dever de fundamentação das decisões -que é fonte da sua legitimação e também garantia do direito ao recurso (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da CRP), harmonizando-se com tal exigência impõe ao juiz o artigo 154.º do CPC que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º).
A previsão legal sanciona com a nulidade o desrespeito pelo comando do artigo 607.º, nos termos do qual o juiz, na sentença, deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (n.º 3), impondo o n.º 4 que “na fundamentação da sentença declare os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a decisão”.
Face ao descrito regime legal, vem sendo entendido sem controvérsia que só a absoluta, já não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal. Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige-se que tenham sido de todo omitidas as razões – de facto e/ou de direito – que conduziram à prolação daquela concreta decisão, o que não é claramente aqui o caso porquanto, conforme resulta de uma análise, ainda que perfunctória, da sentença recorrida, nela foi elencada a factualidade pertinente (pontos 1 a 18) e efetuado o correspondente tratamento jurídico de forma desenvolvida, sendo a decretada improcedência da pretensão formulada pela requerente o corolário lógico da aplicação do direito aos factos. E tanto assim foi que a recorrente ficou habilitada a expor no seu recurso os fundamentos da sua discordância com o decidido, quer ao nível dos factos, quer do seu tratamento jurídico.
Por outro lado, importa precisar que a omissão da especificação dos fundamentos que permitem ao destinatário controlar a razoabilidade da convicção do julgador em que assentou a decisão sobre os factos não conduz, em caso algum, à nulidade da sentença.
Conforme com clareza se explica no acórdão do TRC de 27 de Junho de 2023 (processo n.º 2808/22.7T8VIS.C1, acessível em www.dgsi.pt) “Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na decisão, final ou meramente interlocutória, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.
A decisão da matéria de facto está, na realidade, sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artigo 662.°, n.° 2, alíneas c) e d), do CPC).”
Retenha-se, pois, que eventual falta ou insuficiência da motivação, mas apenas se e quando respeitar a facto julgado essencial, dá lugar ao uso por este Tribunal da Relação dos seus poderes mitigados de cassação, determinando a remessa dos autos à 1ª instância para efeitos de fundamentação, por aplicação do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPCiv. (vide, neste preciso sentido, para além do acórdão citado, ainda o aresto do TRP de 4 de Maio de 2022, processo n.º 14614/21.1T8PRT.P1, acessível no mesmo sítio).
Não é, porém, aqui o caso. Tendo a Sra. juíza consignado que os factos assentes resultavam “devidamente documentados nos autos, quer por se referirem a atos dos vários apensos do processo de insolvência, nos pontos da matéria de facto expressamente referidos, quer por se referirem aos autos de processo de inventário mencionado em 15.º e seguintes, tendo-se considerado a certidão extraída dos autos de referido processo, conforme referência 10888350.”, acrescentando terem sido ainda consideradas “as declarações prestadas pela Devedora e pelo Administrador judicial, conforme ata que antecede”, afigura-se tal motivação suficiente, tendo o julgador dado a conhecer os meios probatórios, na circunstância essencialmente prova documental, nos quais alicerçou a sua convicção, habilitando a apelante à correspondente impugnação.
Improcede, pelo que vem de se expor, a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Alega também a recorrente que a decisão é nula “por envolver uma «decisão-surpresa», não permitida pelos artigos 3.º, n.º 3, do NCPC 2013, e artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, da CRP 1976”, apontando ao facto de na precedente decisão, objeto de anulação nos termos determinados pela decisão singular proferida neste mesmo TRE em 23/10/2022, ter sido concedida a exoneração do passivo restante, na esteira do parecer favorável emitido pelo sr. AI.
A invocada violação do princípio da proibição das decisões surpresa, conducente, segundo entendimento que se vem estabilizando, ao vício do excesso de pronúncia a que se refere o segmento final da alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º (cfr., desenvolvidamente, o aresto deste mesmo TRE de 20/4/2023, processo n.º 2650/17.7BELSB.E1, em www.dgsi.pt), sanciona a atuação do tribunal em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPCiv..
Preceitua a convocada disposição legal que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Todavia, esta obrigatoriedade de, antes do proferimento da decisão, facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem, visa apenas as situações em que o juiz recorre a fundamentos que não foram antes ponderados, adotando uma solução nunca por aquelas cogitada e que se distancia, de modo relevante, do enquadramento que, ao longo do processo, fizeram do litígio. O que não se verifica, claramente, no caso dos autos.
Antes de mais, importa precisar que uma sentença anulada não produz quaisquer efeitos, nada obstando portanto a que a nova sentença proferida, enveredando por um novo percurso jurídico, chegue a diversa conclusão; depois, o parecer do sr. AI, sendo um elemento a ter em conta na decisão, não é, de modo algum, vinculativo. Por último, e decisivamente, estando em causa incidente de exoneração do passivo restante, no âmbito do qual foi até deduzida oposição à concessão de tal benefício por mais do que um credor, não se vê como a decisão de improcedência, claramente uma das possíveis, possa constituir uma surpresa para a recorrente. Termos em que também aqui se conclui pela inexistência da apontada nulidade.

Incorrendo numa muito frequente, mas nem por isso menos censurável, confusão entre os vícios conducentes à nulidade da decisão, e que são apenas os taxativamente elencados no n.º 1 do artigo 615.º do CPCiv., todos eles vícios de procedimento, e os erros de julgamento, alega a recorrente que a sentença é também nula “por erróneo julgamento e apuramento da matéria de facto, com incorrecta qualificação jurídica, ex vi dos artigos 639.º e 640.º, do NCPC”, e também por “dar como provada “a falta de colaboração” da recorrente e, ao mesmo tempo, dar como provada “a colaboração” da recorrente, no âmbito do processo de insolvência, mormente com o Administrador de Insolvência”.
Já se disse que eventuais vícios da decisão proferida quanto aos factos, incluindo a acusada contradição entre factos provados, não conduzem à nulidade da sentença, pelo que tal invocação será apreciada em sede própria.
Finalmente, alegar que foram violados os princípios da “igualdade das partes, garantia de acesso (em igualdade de condições) ao Tribunal, do contraditório” e ainda o “dever de gestão processual”, sem concretizar minimamente tais violações e sem especificar de que modo as mesmas viciam a decisão recorrida, inviabiliza a apreciação de tais fundamentos, pelo que não haverá aqui, sobre tais genéricas afirmações, que emitir qualquer pronúncia.
Em suma, a sentença não padece de vícios que impliquem a sua nulidade.
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II. impugnação da matéria de facto
A apelante alega serem falsos, assim os impugnando, os factos especificados em 5 e 6, respeitantes a informações prestadas nos autos pelo sr. AI. cujo conteúdo se encontra transcrito, dizendo serem os argumentos 5 a 32 (da informação a que se reporta o ponto 6.) juízos de valor “inapropriados, sem lógica e racionalidade jurídicas, de modo vingativo e para justificar os atrasos injustificáveis do Administrador de Insolvência, com 6 anos de inacção. E que deveria ter sido removido e substituído”.
Pois bem, o que, em bom rigor, resulta consignado nos pontos agora em apreciação, é a apresentação pelo sr. AI, nas datas especificadas, das informações cujo conteúdo ficou transcrito, facto que resulta comprovado pela mera análise dos autos. E sendo possível distinguir entre a narração de factos, concretos e objetivos, e a apreciação que deles é feita pelo sr. AI, relevando apenas os primeiros, a verdade é que resultam efetivamente demonstrados, quer pelos elementos que constam dos autos de insolvência e seus apensos, quer por aqueles que se extraem do identificado processo de inventário, conforme a Sra. Juíza fez constar da motivação.
Deste modo, podendo discordar-se, e discorda-se, da “técnica” utilizada pelo julgador da 1ª instância, nada obsta a que seja por este Tribunal considerada a factualidade -e apenas esta, com desconsideração dos juízos de valor emitidos pelo sr. AI sobre as condutas imputadas à insolvente- narrada nas citadas informações e que correspondem à verdade dos factos.
A apelante sustenta dever ser também eliminado o facto assente em 9, o qual surge como contraditório com os pontos 10 e 11.
Está em causa a seguinte factualidade:
“9. Concluiu o senhor Fiduciário que a Devedora se encontrava em incumprimento parcial, porquanto não procedeu aos depósitos dos valores devidos a título de cessão de rendimento disponível no montante global de € 6.633,09.
10. O senhor Fiduciário emitiu ainda o seguinte parecer:
“2. Parecer quanto à concessão da exoneração do passivo restante: f) A devedora sempre se mostrou colaborante e diligente; mantendo o fiduciário tempestivamente informado quanto aos rendimentos auferidos. g) Porém, durante o período da cessão de rendimentos não entregou à fidúcia os rendimentos objeto de cessão, o que aconteceu por alegadas razões de incapacidade financeira face às suas despesas mensais elementares. h) Parece-nos, e se esse for o Douto entendimento, dever ser concedido à devedora um prazo adicional, nunca inferior a 6 meses, para que possa entregar à fidúcia o montante em dívida.”
11. Por requerimento datado de 23 de maio de 2022 a Devedora comprovou a entrega do rendimento disponível no montante de 6.637,00 Euros.”
Para a sua completa compreensão, há que relacionar o impugnado ponto 9 com o antecedente ponto 8, que se refere à apresentação pelo sr. AI do seu relatório final, apresentado em 16 de maio de 2022, do qual consta quadro resumo dos rendimentos auferidos pela insolvente durante o período de cessão e quantias por ela cedidas. E é por referência aos valores globais das duas rubricas que se apura um saldo devedor de € 6.633,09, tendo concluído o sr. AI pelo incumprimento parcial da obrigação de cedência.
Ora, tendo embora presente que é, sem dúvida, ao Tribunal que cabe qualificar a conduta da insolvente, em bom rigor tal facto em nada é contrariado pelos subsequentes, constando aliás do ponto 10 que durante o período da cessão de rendimentos a devedora não entregou à fidúcia os rendimentos objeto de cessão, ainda que o sr. AI tenha aparentemente aceitado a justificação da devedora, o que justifica que se tenha pronunciado a final no sentido de dever ser-lhe concedida a exoneração, não se vendo pois razão para eliminar o facto impugnado.
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II. Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade a considerar:
1. A devedora (…) apresentou-se à insolvência em 29 de agosto de 2012.
2. A insolvência da devedora foi decretada por sentença de 10 de setembro de 2012.
3. Por despacho de 14 de novembro de 2012 foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, aí se tendo determinado que durante o período de cessão de rendimentos, ao tempo com a duração de cinco anos, a devedora deveria ceder ao Fiduciário, que também já desempenhava as funções de administrador da insolvência, Dr. (…), o rendimento disponível assim definido: “integra todos os rendimentos que advenham à devedora, a qualquer título, com exclusão do valor dos rendimentos directamente auferidos pela devedora até ao montante correspondente ao valor de um salário mínimo nacional e ainda o montante, dos respectivos rendimentos, necessário ao exercício da respectiva actividade profissional.”
4. Por despacho de 16 de abril de 2018 decidiu-se o início do período de cessão de rendimentos, nos seguintes termos:
“Tendo sido deferida a exoneração do passivo restante impõe-se fixar o início do período de cessão do rendimento disponível.
Determina o artigo 6.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho «6 - Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, em que não tenha sido declarado o encerramento e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.»
Por sua vez, o artigo 8.º deste mesmo diploma legal que tem como epígrafe “Entrada em vigor”, refere «O presente decreto-lei entra em vigor no dia 1 de julho de 2017.»
Ora, nos presentes autos ainda não foi declarado o encerramento do processo. Assim sendo, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível.
Notifique.”
5. Por requerimento de 3 de julho de 2018 o Senhor Fiduciário informou, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, ex vi do 240.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que: “Apesar das tentativas de contacto, via carta e telefone (tel. …), nunca se logrou o contato com a insolvente. Foi igualmente contactada a sua mandatária via Email, a qual não respondeu à nossa solicitação. Assim não é possível determinar se a insolvente deveria, ou não, proceder a qualquer entrega ao fiduciário.”
6. A insolvente não informou ser proprietária de metade indivisa do prédio misto sito na (…), freguesia de (…), em Portimão, estando a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo (…), Secção (…) e a parte urbana inscrita na matriz sob os artigos (…) e (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), o que veio a ser apurado pelo sr. AI na sequência de pesquisas levadas a efeito.
6a) Na sequência do facto referido no ponto anterior, a metade do identificado imóvel veio a ser apreendida nos autos – auto de apreensão elaborado em 24 de Outubro de 2012.
6b) Corre termos processo de inventário sob o n.º 4106/07.7TBPTM do Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 2 em que era interessada a insolvente, na qualidade de herdeira do autor da herança.
6c) Por despacho datado de 09.05.2013, proferido nos autos de inventário identificados no ponto que antecede, conhecida a declaração de insolvência da insolvente, foi chamado a intervir o AI.
6d) Após apreensão para os autos de insolvência do quinhão hereditário, o sr. AI constituiu mandatária à massa insolvente em 31.07.2013, a qual tem vindo a intervir desde então em todas as diligências relativas ao mesmo processo, situação que se verificou até ao dia 18 de junho de 2018.
6e) No dia 19 de junho uma das interessadas no inventário e irmã da insolvente apresentou requerimento nos autos informando ser esta parte ilegítima, atendendo a que doara o seu quinhão ao filho.
6f) Por escritura outorgada em 19 de abril de 2011, a insolvente declarou doar a seu filho (…), então menor de idade, o quinhão que lhe cabia na herança de seu pai e autor da herança, … (doc. de fls. 518 verso a 519 verso).
6g) O registo da doação apenas foi requerido pela própria insolvente no dia 19 de junho de 2018.
6h) A massa insolvente terá de suportar as despesas com os honorários devidos à Il. advogada que constituiu para a representar no identificado inventário e despesas por esta efetuadas, designadamente com as deslocações ao Juízo Local Cível de Portimão.
6i) Em 29.10.2017 o sr. AI endereçou carta à insolvente - para a morada que lhe foi fixada - solicitando-lhe elementos sobre os seus rendimentos.
6j) Não tendo a insolvente respondido à solicitação que lhe foi dirigida, o sr. AI contactou a Il. Mandatária da Insolvente por mail, sem que tivesse obtido resposta, factos de que deu conhecimento ao Tribunal no relatório anual elaborado em 04.07.2018.
6k) A insolvente foi notificada do relatório na pessoa da sua Il. Mandatária, sem que tivesse então contactado o sr. AI.
7. Por despacho de 24 de abril de 2019 a devedora ficou dispensada de ceder os rendimentos no período de novembro a março, desde o ano de 2019, e a partir de outubro de 2020 o rendimento indisponível foi fixado em € 900,00, conforme despacho de 29 de abril de 2021.
8. No seu relatório final, datado de 16 de maio de 2022, o senhor Fiduciário informou os rendimentos auferidos e quantias cedidas pela Devedora, nos seguintes termos:

Ano RendimentosFixado
(sustento
Mínimo anual)
A ceder ao
Fiduciário
Depósitos
2017
(6 meses)
€ 5.256,01 € 3.342,00 € 2.512,07 € 0,00
2018 € 11.083,98
€ 6.380,00
€ 5.283,98 €0,00
2019
(abril a outubro)
€ 4.361,00 € 4.200,00 € 161,00 € 1.590,40
2020
(abril a outubro)
€ 4.568,86 € 4.710,00 € 122,17€0,00
2021
(abril a outubro)
€ 5.305,07 €6.300,00 € 144,27 €0,00
2022
(abril)
€ 730,02 € 900,00 €0,00 €0,00
TOTAIS € 31.304,94 € 25.832,00€ 8.223,49€ 1.590,40

9. Concluiu o senhor Fiduciário que a Devedora se encontrava em incumprimento parcial, porquanto não procedera aos depósitos dos valores devidos a título de cessão de rendimento disponível no montante global de € 6.633,09.
10. O senhor Fiduciário emitiu ainda o seguinte parecer:
“2. Parecer quanto à concessão da exoneração do passivo restante: f) A devedora sempre se mostrou colaborante e diligente; mantendo o fiduciário tempestivamente informado quanto aos rendimentos auferidos. g) Porém, durante o período da cessão de rendimentos não entregou à fidúcia os rendimentos objeto de cessão, o que aconteceu por alegadas razões de incapacidade financeira face às suas despesas mensais elementares. h) Parece-nos, e se esse for o douto entendimento, dever ser concedido à devedora um prazo adicional, nunca inferior a 6 meses, para que possa entregar à fidúcia o montante em dívida.”
11. Por requerimento datado de 23 de maio de 2022 a Devedora comprovou a entrega do rendimento disponível no montante de 6.637,00 Euros.
12. Conforme se documenta no apenso B (apreensão de bens) foi apreendido para a massa em 24 de outubro de 2012, o seguinte direito:
“Verba única
O direito ao quinhão hereditário que couber no inventário para partilha por óbito de (…), que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Portimão sob o n.° 4106/07.7TBPTM.”
13. Resulta do apenso de verificação e graduação de créditos (apenso C) que foram reclamados e reconhecidos créditos sobre a insolvência no valor global de € 588.760,06.
14. Resulta do rateio final que apenas a Administração Tributária, relativamente ao crédito por IMI, no valor de € 746,21 ficou pago e que o credor hipotecário, a quem foi reconhecido o crédito global de € 208.292,64 ficou, após rateio, credor da quantia de € 166.303,71 e todos os demais credores comuns não foram pagos.
15. Correu termos no processo 4106/07.7TBPTM, inventário para partilha da herança de (…), que faleceu no dia 30 de março de 2007, indicando-se como sucessores, conforme declarações da cabeça de casal da herança, (…), aqui Devedora, prestadas em 22 de janeiro de 2008, os seguintes filhos: (…); (…) e (…) e legatária (…).
16. Conforme relação de bens apresentada nos mencionados autos de inventário, a herança de (…) era composta por vários direitos, móveis e por um bem imóvel, sendo este descrito como “Fração autónoma correspondente a letra A do Prédio urbano constituído em propriedade horizontal, no sítio dos (…), Rua de (…), Lote M, 85-A, freguesia do (…), Distrito de Faro, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de (…), sob o n.º (…), conforme certidão e caderneta predial urbana já juntas aos autos” e o valor patrimonial de € 78.650,00.
17. O mesmo imóvel foi vendido através de escritura pública outorgada no dia 31.03.2023, pelo preço de € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), sendo vendedores (…), (…) e (…), conforme resulta da cópia da escritura de compra e venda junta aos autos pelo credor (…) mediante requerimento de 3 de junho de 2014, referência 12544924, cujo teor se dá, quanto ao mais, por devidamente reproduzido.
18. Apenas por requerimento de 19 de junho de 2018, dirigido aos autos do processo de inventário referido em 15, a ali interessada (…) informou os autos de inventário de que “1 - A interessada tomou conhecimento, através da co-interessada (…), de que esta doara o seu quinhão hereditário que lhe pertenceria por óbito do ora inventariado (…) ao seu filho (…) no dia 19 de Abril de 2011, mediante escritura pública de doação de quinhão hereditário realizada no Cartório Notarial da Dra. (…), sito na Av. (…), Edifício “(…)”, Bloco C, rés-do-chão, Loja H, em Portimão (doc. 1 – Escritura Pública de Doação de Quinhão Hereditário). 2 - Aliás, na caderneta predial do imóvel relacionado consta como herdeiro … e não … (doc. 2 – Caderneta Predial) além de que fora registada a transmissão da titularidade do quinhão hereditário junto da Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve) (Doc. 3 - Registo). 3 — Assim sendo, constata-se que (…) não é parte legítima nos presentes autos, uma vez que não tem interesse na partilha de um acervo hereditário sobre o qual não detém nenhum direito. 4 - Apesar da doação ter ocorrido já na pendência dos presentes autos, tal não terá relevância, uma vez que ainda não fora elaborado o mapa de partilhas – bem como ainda não foi decidida a questão suscitada sobre a cautela sociniana – sendo apenas necessário chamar ao processo de inventário o interessado (…).” E juntou prova daquela doação, a mencionada escritura pública de doação e o pedido de registo datado de 19 de junho de 2018.
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De Direito
Do erro de interpretação e aplicação dos artigos 120.º, n.º 1; 186.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a i); 239.º, n.º 4; 243.º, n.ºs 1, alíneas a) a c) e 3; 238.º, n.º 1, alíneas b), e) e f) e 244.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE
Conforme decorre do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem), o regime da exoneração do passivo restante pretende conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem das suas dívidas, permitindo-lhes deste modo encetarem a sua reabilitação económica - um “fresh start”, para usar a terminologia dos sistemas anglo saxónicos.
Tal inovador instituto, operando a extinção, ressalvadas as exceções legalmente consagradas (cfr. n.º 2 do artigo 245.º), de todos os créditos sobre o insolvente pessoa singular que não tenham sido satisfeitos no âmbito do processo de insolvência nem no período, à data fixado em 5 anos, agora reduzido para 3, posterior ao encerramento, incluindo os que não tenham sido reclamados nem verificados (cfr. n.º 1 do mesmo artigo 245.º), permite ao devedor honesto e de boa-fé um recomeço sem o pesado fardo da sua situação passiva, que é, deste modo, reconduzida a zero.
No entanto, e conforme resulta da lei, a extinção das obrigações só pode/deve ser concedida ao devedor que, pela sua conduta anterior e ao longo do período de exoneração, demonstre ser merecedor do benefício, atuando com honestidade, transparência e boa-fé. A conduta do insolvente é avaliada aquando da prolação do despacho dito liminar e na decisão final[1], podendo no entanto ser apreciada em momento anterior para os efeitos previstos no artigo 243.º.
Estando em causa a decisão final proferida no incidente, vejamos se os factos apurados não permitiam, conforme pretende a recorrente e ao invés do que foi decidido, denegar a requerida exoneração.
Releva para a decisão o disposto no artigo 244.º, nos termos do qual:
“1. Não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.
2. A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.”
Por remissão expressa do transcrito n.º 2, a exoneração é recusada quando:
“a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência” (vide n.º 1 do artigo 243.º).
Dispõe ainda o n.º 3 deste último preceito que “Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las”.
As obrigações impostas pelo artigo 239.º são as elencadas no seu n.º 4, nos termos do qual
“Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.
Já as circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º e que, se conhecidas, teriam determinado o indeferimento liminar do pedido de exoneração, são as seguintes:
"b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
(…)
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; (…)”.
Na decisão sob recurso foi recusada à devedora insolvente e agora apelante a requerida exoneração do passivo restante com um triplo fundamento: por ter ocultado o facto de ser comproprietária de um imóvel, que só na sequência de diligências levadas a cabo pelo sr. AI veio a ser apreendido para os autos, tendo ainda alienado o quinhão hereditário de que era proprietária a favor de seu filho, agravando a sua situação de insolvência, com prejuízo para os credores, condutas suscetíveis de permitirem a qualificação da insolvência como culposa (artigos 186.º, n.º 2, alínea d), ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º); por ter violado o dever de cooperação e informação a que se encontrava vinculada, permitindo a intervenção da massa em sua substituição no processo de inventário que corre termos por óbito de seu pai, bem sabendo que há muito alienara o quinhão de que era titular e fazendo a massa insolvente incorrer em desnecessárias despesas, infração que se considerou integrar a previsão da alínea a) do n.º 4 do artigo 239.º; e, finalmente, por não ter procedido à imediata entrega ao sr. AI das quantias devidas à fidúcia, em violação da obrigação de entrega consagrada na alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo 239.º, em tudo tendo atuado culposamente e com prejuízo relevante para os credores.
A apelante dissente, defendendo dever ser-lhe concedida a pedida exoneração.
Começando a apreciação do recurso pelo último dos fundamentos invocados na sentença recorrida, não secundamos o entendimento nela perfilhado. Vejamos:
Antes de mais, considerando que a recorrente ficou sujeita aos deveres consagrados no n.º 4 do artigo 239.º após prolação do despacho a que se refere o ponto 4 dos factos assentes, afigura-se que a retroação dos seus efeitos, designadamente quanto à obrigação de entrega, à data da entrada em vigor do DL 79/2017, de 30 de Junho, sendo suscetível de fazer incorrer o devedor em incumprimento ou obrigá-lo a um esforço, que muitas vezes não estará em condições de fazer, para recuperar os valores em atraso, não poderá ser tida em conta para fundamentar a recusa de exoneração, por não ser possível, em nosso entender, qualificar tal incumprimento de culposo.
Por outro lado, considerando que, com atraso embora, mas ainda a tempo de ser considerado na decisão, a insolvente procedeu à entrega da totalidade dos valores que devia ter cedido à fidúcia, pagamento que foi aceite, não poderá tal retardamento fundamentar a recusa, a pretexto de que, tendo sido efetuado tardiamente e por um neto, não tem o efeito de “anular o incumprimento reiterado da obrigação que incidia sobre a própria insolvente”. E assim é porquanto, ainda a considerar que o pagamento foi efetuado por familiares ou mediante a afetação de meios por estes disponibilizados -na circunstância, ao que vem alegado, dinheiros abonados por um neto da insolvente-, não poderá deixar de se considerar estar em causa uma doação ou empréstimo concedido à avó, donde o sacrifício recair ainda sobre esta; depois porque, como se referiu, tendo a quantia sido aceite pelo fiduciário e afetada à satisfação dos créditos reconhecidos, mal se compreenderia que não fosse levada em benefício da devedora para o efeito de considerar cumprida a obrigação de entrega, sob pena de estar em causa a utilização de um duplo critério de muito duvidosa boa fé.
Decorre do exposto não poder subsistir a decisão apelada, no segmento em que considerou relevante a violação da obrigação de entrega consagrada na alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º enquanto fundamento de recusa da exoneração do passivo restante.

Já no que se refere à doação do quinhão hereditário de que era titular na herança aberta por óbito de seu pai, não assiste razão à recorrente quando defende que a ausência de enriquecimento, a natureza pública do ato e a justificação apresentada obstam à formulação de um juízo de censura sobre a sua atuação.
Resulta dos factos assentes que, não obstante ter alienado gratuitamente tal quinhão em favor de seu filho cerca de um ano antes de se ter apresentado à insolvência, encontrando-se já pendente o processo de inventário -no qual, além do mais, exercia funções como cabeça de casal-, a insolvente absteve-se de promover o registo da alienação, tendo assistido em silêncio à apreensão daquele bem à ordem dos presentes autos e deixando-se substituir no aludido inventário pela massa insolvente, representada pelo sr. AI, durante mais de cinco anos, necessariamente sabedora de que tal intervenção acarretava despesas que seriam suportadas pela massa.
A descrita atuação preenche sem margem para dúvida a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º, determinante da qualificação da insolvência como culposa sempre que daí resulte a criação ou agravamento da situação de insolvência no período temporal fixado no n.º 1. O que, conforme denunciam os factos provados, se verificou inequivocamente no caso dos autos, considerando que está em causa uma doação -ato de disposição gratuito – a pessoa especialmente relacionada com a insolvente, tendo por objeto um dos mais valiosos, se não o mais valioso bem que integrava o seu património, do que resultou necessariamente a diminuição do ativo. E não se argumente, como faz a recorrente, que não pode concluir-se estar em causa um prejuízo relevante, uma vez que não se apurou o valor do quinhão alienado, quando só o imóvel que integrava a herança foi vendido pelos três herdeiros por € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), quantia que será naturalmente objeto de repartição entre eles e contrasta vivamente com a penúria do resultado da liquidação dos bens apreendidos para a massa (cfr. os pontos 13 e 14 dos factos assentes), a evidenciar o impacto que tal ato dispositivo teve na (in)satisfação do interesse dos credores.
É certo que sendo a doação um ato gratuito, a apelante doadora dele não terá retirado benefício o que, todavia, não assume qualquer relevância para efeitos do preenchimento da previsão legal do citado n.º 1 do artigo 186.º, uma vez que está antes em causa o prejuízo causado aos credores do insolvente. E que estes ficaram prejudicados não há dúvida, uma vez que para um passivo reconhecido superior a € 588.000,00, apenas a Fazenda Nacional e o credor hipotecário viram os seus créditos satisfeitos, o segundo apenas parcialmente, tendo sido distribuído por ambos o valor de € 42.735,14. Deste modo, e por mais que a recorrente argumente que no momento em que se constituíram os respetivos créditos não poderiam os credores razoavelmente contar que os mesmos viriam a ser satisfeitos à custa do quinhão hereditário que sobreveio à devedora, o artigo 601.º do CC é, a este respeito, terminante: “Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”. Admitir a tese da apelante significaria, por absurdo, que o devedor que viesse a herdar uma fortuna, por maior que fosse o montante das suas dívidas, teria o direito de manter os bens herdados em detrimento dos seus credores, que não poderiam atingir aqueles. Trata-se de exceção à penhorabilidade dos bens do devedor que não decorre de qualquer disposição legal, antes se encontrando expressamente prevista a possibilidade de penhora do quinhão hereditário (cfr. artigo 781.º, n.º 1, do CPCiv.) e, por maioria de razão, de bens que venham a integrar o património do devedor por adjudicação em herança. Daí que se conclua, sem margem para dúvida, que a alienação do quinhão se traduziu, conforme a apelante não podia desconhecer, num prejuízo efetivo, real e relevante para os seus credores.
Por outro lado, ainda a admitir que a insolvente tenha tido uma motivação familiar, no caso certamente beneficiar o seu filho, tal não obsta à formulação de um juízo de viva censura, por saber que atuava necessariamente em detrimento dos devedores, a permitir concluir pelo existência de culpa grave, senão mesmo de dolo, como exige o 243.º, n.º 1, alínea a), do CIRE. Na verdade, e ainda que as motivações respeitem à vida interior de cada um, não deixam de ter natureza factual, atingindo-se frequentemente por recurso a presunções tendo por base as condutas praticadas, reveladoras, enquanto exteriorização da vontade, da intenção do agente.
Na situação em apreço, importa relembrar que à data em que foi outorgada a escritura de doação, Abril de 2011, a insolvente se encontrava endividada e já em apuros para satisfazer as suas obrigações vencidas, situação que, conforme se deu por assente na decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, se verificava desde pelo menos 2010, encontrando-se pendente desde 2008 execução instaurada pelo credor (…). E tanto assim era que, decorridos escassos 16 meses, se apresentou à insolvência, apurando-se um passivo próximo dos € 600.000,00. De relevar ainda a circunstância de ter tomado precauções suplementares para obstar à impugnação do ato, denunciando a sua subsequente conduta a intenção de ocultar a realização do negócio, nada tendo dito aquando da apreensão nos autos do aludido quinhão, que bem sabia não integrar já o seu património, e tendo o cuidado de não levar a registo a transmissão da sua posição ativa na herança no que respeita ao único imóvel que a integrava – e é pelo registo que se dá publicidade à situação jurídica dos prédios, como resulta claramente do disposto no artigo 1.º do Código do Registo Predial –, antes permitindo que a massa insolvente a substituísse no processo de inventário, com os consequentes custos.
Deslocada surge, pois, no descrito contexto, a invocação do princípio da intangibilidade da legítima e do regime da inoficiosidade, a gozar, no entender da apelante, da tutela constitucional conferida ao direito de propriedade pelo artigo 62.º da CRP, na dimensão “de proteção e perpetuação do património da família”, de que se retiraria o caráter impenhorável de “tal propriedade”, tornando “inválido todo o negócio que ofenda a legítima”. Acontece que o princípio da intangibilidade da legítima, traduzindo-se numa limitação dos poderes de disposição do de cujus, não tem aplicação ao caso dos autos, tal como da proteção constitucional do direito de propriedade não resulta a impenhorabilidade do quinhão hereditário ou dos bens herdados, aqui se reiterando o que acima, a este propósito, se deixou já dito.
Não deixará, por último, de se fazer notar que a doação do quinhão a um filho não é garantia de que o património permaneça na família, como de resto resultou demonstrado nos autos, tendo os herdeiros procedido à venda a terceiros do único imóvel que integrava a herança do de cujus.
Em suma, ficou demonstrado que, com a descrita atuação, a apelante quis naturalmente, e conseguiu, subtrair ao seu património um ativo capaz de responder, ainda que parcialmente, pelas suas dívidas, conduta que integra, conforme corretamente se considerou na decisão recorrida, a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE. Tendo-se apurado que dela resultou prejuízo relevante para os credores, inscrevendo-se ainda no período temporal de 3 anos ali consignado, nada pareceria obstar a que fosse relevada para efeitos de recusa da exoneração do passivo restante, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 238.º, n.º 1, alínea e) e 243.º, n.º 1, alínea b), ex vi do n.º 2 do artigo 244.º.
Aqui chegados cabe, todavia, indagar -sentido em que se interpreta a alegação da recorrente- se, no caso de a insolvência ter sido qualificada como fortuita, o juiz pode relevar, como fundamento de recusa da exoneração do passivo restante, factualidade com aptidão para fundamentar a qualificação da insolvência como culposa e que foi então desconsiderada.
A questão foi apreciada, entre outros, no acórdão do TRP de 14/7/2020 (processo n.º 1467/15.8T8STS-J.P1, acessível em www.dgsi.pt), nele se tendo concluído que da interpretação do artigo 185.º do CIRE resulta, a contrario, que, com ressalva das causas penais e das ações previstas no n.º 3 do artigo 82.º do mesmo diploma legal, a qualificação da insolvência como culposa ou gratuita é vinculativa, impondo-se o juízo aí formulado na decisão a proferir no incidente de exoneração do passivo restante, por força do caso julgado que se forma (ou, diríamos nós, da autoridade do caso julgado). Deste entendimento resulta que o juiz fica impedido de valorar autonomamente neste incidente a conduta que foi desconsiderada no âmbito do incidente de qualificação. Ponto é, porém, que a factualidade invocada pelo tribunal para recusar a exoneração fosse conhecida nos autos – ou pudesse sê-lo, fazendo o tribunal uso dos poderes inquisitórios conferidos pelo artigo 11.º – aquando da qualificação da insolvência.
Revertendo ao caso que nos ocupa, compulsados os autos, não se vê que tenha sido proferida decisão a qualificar a insolvência como fortuita. Todavia, mostrando-se há muito esgotados os prazos legalmente previstos para desencadear o incidente de qualificação, arredada está a possibilidade de vir a ser qualificada como culposa. Ainda assim, estando em causa a consideração de facto que apenas em 2018 foi conhecido, sempre a sua invocação seria possível em ordem a fundamentar a cessação antecipada do incidente de exoneração, como resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 243.º e aliás foi requerido pelo sr. Administrador de insolvência em 18/8/2018 [Ref.ª 29911096], requerimento que nunca chegou a ser apreciado.
Verifica-se, pois, que tendo embora sido confrontado no ano de 2018 com o facto de a devedora insolvente ter procedido à alienação do quinhão hereditário, factualidade então invocada pelo sr. AI, que nela sustentou o pedido de cessação antecipada do incidente de exoneração, o tribunal não lhe atribuiu qualquer relevância, antes proferindo, ao longo de 4 anos, despachos diversos, determinando a insolvente a cumprir com a sua obrigação de entrega das quantias a ceder a fidúcia, deferindo períodos de carência e autorizando acordos de pagamento faseado dos montantes em atraso, sem fazer qualquer referência aos factos denunciados até neles se alicerçar para recusar a exoneração em sede da decisão final que agora se sindica.
A apelante diz que a recusa de exoneração, equivalendo, no caso, a uma “reversão da qualificação”, exigia uma decisão penal condenatória inequívoca, que não existe no caso vertente, não podendo ser penalizada pela morosidade do processo, pelo que o decurso de 13 anos entre a admissão liminar do pedido de exoneração e a decisão de recusa viola o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, justa e equitativa.
Pois bem, reconhecendo a inusitada demora na tramitação do incidente de exoneração, consequência do regime legal em vigor à data em que foi proferido o despacho inicial e que o DL 79/2017, de 30 de Junho, visou corrigir, em todo o caso o período de cessão não excedeu a duração legalmente prevista, pelo que a questão não estará tanto numa inexistente “reversão” da qualificação da insolvência, mas antes em saber se a descrita atuação do tribunal não terá sido apta a gerar na recorrente uma situação de confiança, assente na aparência de que aqueles factos não seriam relevados para fundamentar, a final, uma recusa da exoneração do passivo restante. A convicção assim criada, em função da qual a insolvente definiu a sua subsequente atuação no processo, procedendo designadamente à entrega das quantias devidas à fidúcia, entregas que não teriam lugar caso a invocada factualidade tivesse fundamentado, conforme fora requerido, a cessação antecipada do procedimento, é, afigura-se, merecedora de tutela.
Refere-se no acórdão deste TRE de 18/10/2018 (processo n.º 399/13.9TBTVR-K.E1, acessível em www.dgsi.pt) que “A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a acentuar a prevalência dos princípios da boa fé [“que não pode ser exclusivo dos atos das partes, mas terá de abranger igualmente ao atos dos magistrados” AUJ de 31/3/2009][2] e da confiança [gerada nos interessados quanto a uma determinada conformação ou orientação processual determinada pelo juiz – Ac. do STJ de 17/5/2016], no confronto com critérios de legalidade estrita”.
Estão em causa situações em que uma determinada conformação do processo criou na parte uma legítima expetativa, que merece a tutela do direito, de que tal orientação seria continuada, obstando a que o juiz venha posteriormente, ao arrepio da confiança criada, dar relevância a factos que menosprezou ou contrariar indicações explícitas, casos em que, conforme decidiu o STJ no acórdão de 9/7/2014 (processo n.º 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, acessível em www.dgsi.pt) “(…) a proteção dessa confiança conduz à preservação da posição nela alicerçada, ou seja, à manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante."
Sendo possível surpreender no caso dos autos idêntica razão de decidir, afigura-se que, não tendo atribuído relevância ao facto, que é conhecido desde Agosto de 2018, por via da apresentação pelo sr. AI de pedido de cessação antecipada do incidente de exoneração nele fundado, antes tendo insistido com a apelante para proceder à entrega das quantias a ceder à fidúcia, não podia o tribunal, sem intolerável quebra da confiança criada na irrelevância do facto, nele fundamentar a recusa da exoneração do passivo restante.
Quanto vem de se dizer é igualmente aplicável à alegação feita pela insolvente no requerimento inicial no sentido de não ser possuidora de qualquer ativo relevante, o que veio a demonstrar-se não ser verdadeiro, tendo o sr. AI apreendido para a massa, não só o referido quinhão hereditário, como também metade indivisa do prédio misto identificado no auto respetivo. Sendo tal facto seguramente conhecido dos autos em Outubro de 2012 (data da elaboração do auto de apreensão), não obstou à prolação do despacho de admissão liminar do pedido de exoneração (cf. ponto 3) e, tendo sido igualmente invocado pelo sr. AI no requerimento de cessação antecipada, foi, do mesmo modo, ignorado, o que, pelos fundamentos expostos, se afigura constituir impedimento à sua consideração posterior para efeitos de fundamentar a recusa de exoneração.
Invocou finalmente o tribunal como fundamento de recusa a violação pela requerente dos deveres de informação que decorrem do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 239.º, por ter permitido – foi este o facto apontado, pelo que só ele poderá aqui ser aqui considerado – “a sua representação no processo judicial de inventário, quando sabia que o quinhão hereditário já não lhe pertencia, com todos os custos e despesas inerentes a cargo dos credores (…)”.
Faz-se notar que, constando dos pontos 5, 6, 6i, 6j e 6k, matéria factual reveladora do incumprimento do dever de informação e colaboração, nenhuma relevância lhe foi conferida na decisão recorrida, eventualmente porque a situação resultou ultrapassada, vindo a apelante posteriormente, e ao que resulta do relatório final do sr. AI, a prestar toda a colaboração que lhe foi solicitada (cfr. ponto 10). Daí que na sindicação do decidido este tribunal de recurso apenas possa considerar o fundamento ali invocado.
Decorre da citada alínea a) do n.º 4 do artigo 239.º que durante o período da cessão o devedor fica ainda obrigado a não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado.
Apurou-se nos autos, e este tribunal já se pronunciou sobre a relevância de tal atuação da insolvente, que esta, antes da instauração do processo de insolvência, fez doação ao filho do quinhão hereditário de que era titular na herança de seu pai, tendo ocultado tal facto, que só em 2018 veio a ser conhecido nos presentes autos. Mas sendo a alienação do bem o facto com relevância, consome e absorve a posterior ocultação, que não pode ser autonomizada em ordem a configurar violação do dever de informação.
Por outro lado, não estando em causa a ocultação ou dissimulação de rendimentos, não vemos que a apelante tenha, quanto a esta específica situação, violado o dever de “informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado”. Com efeito, não suspeitando sequer o sr. AI que o quinhão havia sido alienado, nenhuma interpelação fez à insolvente para que informasse o que quer que fosse a esse respeito, inexistindo no acervo factual apurado referência a uma qualquer omissão de informação por parte da devedora, “na forma e no prazo que lhe tenha sido requisitado”, isto para utilizar as palavras da lei.
Por último, ainda que assim se não considerasse, subsistia o facto da infração da apelante ser conhecida nos autos desde o ano de 2018, encontrando-se o período de cessão ainda no seu início. Acresce que, tendo sido apontado como fundamento do pedido de cessão antecipada apresentado pelo sr. AI em Agosto de 2018, foi ignorado, sem que o Tribunal lhe tivesse então ou posteriormente atribuído relevância, donde valerem aqui inteiramente os considerandos antes expendidos, a impor a conclusão de que não pode agora o mesmo facto fundamentar a recusa da exoneração.
Decorre do exposto não poder subsistir a decisão recorrida.
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Sumário: (…)
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e concedendo à insolvente a pedida exoneração do passivo restante.
Não há lugar a custas.
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Évora, 16 de Outubro de 2025
Maria Domingas Simões
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho


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[1] E ainda no ano posterior ao trânsito em julgado do despacho de exoneração, conforme prevê o artigo 246.º.
[2] Está em causa o AUJ 9/2009, publicado no DR n.º 96, I-Série A, de 19 de Maio de 2009.