CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
RECURSO DA DECISÃO
INVOCAÇÃO DOS VÍCIOS DO ARTIGO 410.º N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
REJEIÇÃO DO RECURSO POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Sumário

I - Tendo a arguida confessado de forma integral e sem reservas os factos imputados na acusação, o que determinou a consideração de tais factos como provados, a dispensa de produção da restante prova e a aplicação de taxa de justiça reduzida, é inútil a pronúncia sobre eventuais vícios da decisão, nomeadamente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., invocados.
II - O recurso interposto com tal fundamento deve ser rejeitado por manifesta improcedência.

Texto Integral

*



O recurso é o próprio, foi interposto por quem tem legitimidade, com o modo e momento de subida adequados, sendo de manter o efeito atribuído.

  


Decisão Sumária

        

Art. 417º, n.º 6, al. b), do Código de Processo Penal


1. Por sentença de 13 de março de 2025, proferida pelo Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – J1, comarca de Leiria, no processo comum singular n.º 266/21.2GCACB, foi decidido, nomeadamente:

A.1. – Condenar a Arguida … pela prática, em autoria material e na forma consumada de prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial, e por referência às alíneas b) e d), do artigo 320.º, do mesmo diploma., na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros ).

A.2. – Condenar a Arguida … pela prática, em autoria material e na forma consumada de prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial, e por referência às alíneas b) e d), do artigo 320.º, do mesmo diploma., na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros);

A.3 – Fixar a pena única, em cúmulo jurídico, em 155 (cento e cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), num total de 880,00 € (oitocentos e oitenta euros)

(...)


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2. Inconformada com a decisão, dela recorre a arguida , formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte relevante):

A.- O Princípio da Presunção de Inocência está consagrado constitucionalmente nos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais (cfr. artigo 32º nº 2 da CRP) abrangendo este princípio igualmente o Princípio do “in dubio pro reo” no sentido de que um “non liquet” na questão da prova deve ser, sempre, valorado a Favor do arguido,

C.- Neste sentido, o Princípio “in dubio pro reo” enquanto princípio relativo à prova e à matéria de facto, significa que, na decisão de factos incertos, a dúvida do julgador deve, sempre, favorecer o arguido.

D.- No caso dos autos, porém, o Digno Tribunal de 1ª instância deu como provados factos Incertos (cfr. os respeitantes aos Exames Periciais que Não foram realizados nos objetos apreendidos, uma vez que Apenas foram objeto de Perícia 1 (Um) Único par de sapatilhas por marca) com Inobservância daquele Princípio Fundamental “in dubio pro reo” e, além disso,

E.- Mais se verificando ainda o manifesto Erro notória da apreciação da Prova relativa à verificada Falta de notificação à arguida dos respetivos Relatórios dos Exames Periciais efetuados pelos Srs. Peritos,

F.- Ao contrário do que, certamente por lapso, que deste já se releva, o Mmo Juiz a quo, expressa na Douta Sentença, uma vez que este refere a final de fls. 8 e início de fls. 9 daquela, terem os alegados relatórios periciais sido notificados à arguida,

G.- O que Não se verificou!

H.- Pelo que, face à omissão daquela necessária notificação, Nunca poderia a ora arguida ter alguma vez a possibilidade de poder impugnar os mesmos e/ou requerer as diligências que melhor entendesse para a defesa e para a descoberta da verdade material dos factos e para a boa decisão da causa!

I.- Foram assim, com tal omissão de notificação à arguida dos respetivos relatórios periciais, preteridas necessárias formalidades e diligências essenciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, tornando assim Nula tais Perícias nos termos do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 120º do CPP,

J.- Nulidade essa que desde já se alega e argui para os devidos e legais efeitos, uma vez que tal omissão viola o Princípio do Contraditório, o Princípio da Igualdade na vertente da igualdade das armas, e o Princípio a um processo equitativo (“Fair” |Justo| na linguagem anglo-saxónica) os quais têm garantia constitucional no nosso ordenamento jurídico, (cfr. artigos 13º, 20º nº 4, 16º, 18º, 32º da CRP)

K.- Donde, tal omissão, constitui, s.m.o., não só manifesta Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como ainda, pela atenta observação e leitura da douta sentença de fls. 8, 9 e 37, manifesto Erro notório na apreciação da prova (cfr. artº410º nº 2 a) e c) ), o que constitui fundamento para o presente recurso,

L.-Porém, a finaldefls.8 e início de fls. 9 da douta sentença refere-se o seguinte;

“Desta feita, não tendo o teor dos relatórios periciais sido impugnado, nem existindo qualquer razão para o Tribunal duvidar da sua veracidade, deve-se concluir pela força probatória plena dos mesmos.

Diga-se que, apesar de a defesa muito ter discorrido sobre os relatórios periciais e a qualidade dos mesmos em sede de alegações, a verdade é que não se pode ignorar que a Arguida confessou, livre e integralmente e sem reservas, toda a factualidade, o que não mereceu a oposição da defesa, o que, aliado ao facto de os referidos relatórios terem sido notificados à Arguida esta nada ter requerido em relação aos mesmos, nem ter nessa data requerido a prestação de esclarecimentos dos srs. peritos, não logra colocar em causa a verificação dos factos tal como supra descritos.” (sublinhados nossos)

M.- Mais se refere ainda na Douta sentença a fls. 37, o seguinte;

“- Embora não tenha sido realizado exame pericial a todos os produtos apreendidos, analisadas as fotografias constantes dos autos referente aos artigos apreendidos, constata-se que os mesmos possuem sinais distintivos que se revelam de difícil remoção.” (Negrito e sublinhados nossos)

N.- Além disso, mais se dirá ainda que Toda a Prova Pericial que foi realizada pelos Srs. Peritos foi feita, APENAS por observação de simples Fotografias de 1 (Um) Único exemplar por marca dos diversos objetos apreendidos, remetidas aos Srs. Peritos pela autoridade policial GNR ...,

O.- Significa isto que, Nenhum dos Srs. Peritos, na verdade, observou e/ou sequer verificou presencial e pessoalmente qualquer dos objetos apreendidos!

P.- E muito menos, Nenhum dos Srs. Peritos observou ou sequer verificou a Restante totalidade dos objetos apreendidos nos autos, que NÃO foram remetidos aos Srs. Peritos NEM a estes lhes foram remetidas sequer quaisquer fotografias dos mesmos…!!!

Q.- De facto, a Prova Pericial Apenas incidiu sobre as Fotografias de 6 (seis) pares de sapatilhas, cada um de diferentes marcas, a saber;

Porém,

R.- O Relatório Pericial elaborado em 10/01/2023, pela Exma Sra. Perita …, relativo aos 2 Pares de sapatilhas – 1 da marca Nike e outro da marca Jordan – tem nele aposto a identificação do NUIPC – 61/21....…!!!

S.- O que NÃO corresponde sequer aos presentes autos, …! Pois estes correm sob o nº 266/21.2GCACB

T.- Podendo, eventualmente, tratar-se de um mero lapso de “copy/paste”, porém,

U.- Como tal alegada Perícia foi Apenas feita por simples Fotografia, - e Não pessoal e presencialmente - sempre fica a legítima Dúvida se aquelas 4fotografias daqueles 2 pares de sapatilhas 1 de marca Jordan e outro de marca Nike correspondem a alguns dos objetos aprendidos nos autos ou se dizem respeito a outros objetos apreendidos noutros autos sob o nº 61/21...., com o que,

V.- Necessariamente se tem de impugnar tal Relatório Pericial elaborado em 10/01/2023, pela Sra. Perita …, como já a defesa o fez em sede de julgamento e o próprio Tribunal o reconhece em sede de sentença a fls. 9,

W.- Mais se alegando ainda, como já o fez a defesa em sede de julgamento, que, s.m.o., Não pode a Sra Perita … concluir, como o faz nos seus Relatórios, relativamente aos restantes objetos apreendidos que Não observou, analisou ou examinou, o seguinte;

(…) “E sendo este produto representativo de todos os apreendidos declaro que todos os produtos apreendidos são CONTRAFEITOS.” (Cfr. penúltimo parágrafo dos Relatórios de Perícia elaborados pela Sra Perita AA)

X.- Porquanto, tal extrapolação feita pela Sra Perita, de um Único par de sapatilhas observado por simples fotografia, para Todos os demais restantes pares, Não pode ter cabimento se a mesma Não observou, Nem examinou sequer, pessoal e presencialmente, qualquer dos artigos apreendidos…,

Y.- Além de que a Sra Perita, Não Fundamenta sequer, como tal alegado único produto que observou por simples fotografia pode ser, como alega e expressa, “representativo de todos os apreendidos”

Z.- E quando Não se dignou sequer observar e examinar os demais restantes pares de sapatilhas que foram apreendidos, Com o que se impugnam para os devidos e legais efeitos, como já se fez em sede de Julgamento, Todos os Relatórios elaborados por esta Sra. Perita,

AA.- Ora, resulta do expresso na Douta sentença a fls. 8, 9 e 37, que;

BB.- Donde, s.m.o., o Digno Tribunal, Mal interpretou, a Prova produzida em sede de Audiência e a constante dos autos relativa aos referidos Relatórios Periciais e à necessária Notificação do seu teor à ora arguida,

CC.- Tendo o Digno Tribunal sido levado em ERRO, pela ERRADA convicção do Mmo Juiz a quo deque o teor de tais Relatórios teria sido notificados à ora arguida para que esta pudesse exercer o respetivo contraditório ou questionar e requerer o que entendesse, nos termos do disposto nos artigos 154º, 157º e 158º do CPP,

DD.- Notificação essa à arguida que na verdade, NUNCA se verificou, com manifesto prejuízo para a defesa e para a descoberta da verdade e boa decisão da causa

EE.- Ora, tais factualidades acima referidas são, s.m.o., bastantes para impor uma decisão Diversa da Douta Decisão ora recorrida nos termos do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 412º do CPP.,

FF.- Sendo que os concretos factos que, s.m.o., se considera incorretamente julgados, nos termos do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 412º do CPP., são os factos respeitantes à Falta da notificação à arguida dos respetivos Relatórios Periciais e que o Digno Tribunal expressa na sua Douta sentença a fls. 8 e 9, na Errada convicção da verificação daquela notificação à arguida, a saber,

““Desta feita, não tendo o teor dos relatórios periciais sido impugnado, nem existindo qualquer razão para o Tribunal duvidar da sua veracidade, deve-se concluir pela força probatória plena dos mesmos Diga-se que, apesar de a defesa muito ter discorrido sobre os relatórios periciais e a qualidade dos mesmos em sede de alegações, a verdade é que não se pode ignorar que a Arguida confessou, livre e integralmente e sem reservas, toda a factualidade, o que não mereceu a oposição da defesa, o que, aliado ao facto de os referidos relatórios terem sido notificados à Arguida esta nada ter requerido em relação aos mesmos, nem ter nessa data requerido a prestação de esclarecimentos dos srs. peritos, não logra colocar em causa a verificação dos factos tal como supra descritos.” (sublinhados nossos)

GG.- Ora, a Justa e Sábia realização da Justiça tanto se faz Condenando como Absolvendo, tendo a livre convicção do Digno Tribunal, no caso em concreto, s.m.o., sido tolhida por erro notório na apreciação da prova pericial, e com violação do Princípio da Presunção de Inocência da arguida, do Princípio do Contraditório, do Princípio da Igualdade no sentido da igualdade de armas, e no Princípio ao direito do arguido a um processo equitativo, previstos nos artigos 13º, 16º, 18º, 20º nº 4 e 32º da CRP, , (cfr. artigos 13º, 20º nº 4, 16º, 18º, 32º da CRP)
 HH.- O que constitui também, manifesta Inconstitucionalidade que desde já se alega nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70º nº 1 alínea b) do TC, O que se REQUER,

II.- Factualidades estas que constituem, em nossa modesta opinião, o fundamento previsto na alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.,

JJ.- Devendo por isso, em última instância, dar lugar ao Princípio “in dubio pro reo” e, em consequência, ser o ora recorrente Absolvido da Instância, com as legais consequências,

NN.- Caso assim se não entenda, e se o Digno Tribunal vier a aceitar como boa a informação dos relatórios realizadas pelos Sra. Peritos, então, ainda assim, Não poderá a prova pericial ser admitida para mais do que os 6 (seis) alegados pares de sapatilhas que foram visionados por meio de simples fotografia

OO.- Com a necessária e consequente relevante Redução quer (i) da medida da pena, quer também, (ii) da Redução do elevado valor atribuído pelo Digno Tribunal a quo nos respetivos  PICs – Pedidos de Indemnização Cíveis,

PP.- Cujos valores deverão ser, por V. Exas, Venerandos Desembargadores, melhor ajustados e agora fixados, tendo em consideração apenas os 6 (seis) pares de sapatilhas objeto dos referidos alegados Relatórios Periciais e, em consequência,

QQ.- Serem agora, em sede de recurso, tais valores dos PICs, significativamente reduzidos e ajustados à prova efetivamente produzida nos autos  e apenas relativa aos 6 (seis) pares de sapatilhas,

RR.- Tudo isto, é certo, apenas e só, no caso V. Exas. virem a considerar como boa “Perícia” a simples observação por fotografia de 1 (Um) Único par de sapatilhas por marca!

SS.- O que, s.m.o., Não nos parece que possa ser aceitável tal alegada “Perícia” por simples observação de fotografia,

TT.- Donde, foram assim violadas na Douta Sentença a quo, as normas previstas nos artigos 120º nº 2 alínea d), 154º, 157º e 158º, ambos do CPP., e ainda os artigos 13º, 16º, 18º, 20º nº 4 e 32º da CRP


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2. Respondeu ao recurso o Ministério Público, …


***


3. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer …


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SENTENÇA RECORRIDA


(transcrição da parte relevante para a decisão do recurso)

«(…) Em julgamento e com relevo para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:

1.

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- Factos não provados:

*

- Motivação da matéria de facto:

A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto provada fundou-se na análise crítica e conjugada da globalidade da prova, quer a que resulta dos autos, como a produzida em sede de audiência de julgamento, devidamente confrontada com as regras da experiência comum e com a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, com destaque para:

- Auto de notícia, de fls. 23 e 24 dos autos principais, e respetivo auto de apreensão, de fls. 25 dos autos principais;

- Auto de notícia, de fls. 29 e 30 do apenso A, e respetivo auto de apreensão, de fls. 31 do apenso A;

- Relatórios dos exames periciais realizados aos produtos das marcas «NEW BALANCE», «ADIDAS», «CONVERSE» e «NIKE», respetivamente, de fls. 144, 194, 217, 218 e 231 dos autos principais;

- Relatórios dos exames periciais realizados aos produtos das marcas «CONVERSE», «NEW BALANCE», «NIKE», «ADIDAS», «REEBOK», «TIMBERLAND» e «MICHAEL KORS», respetivamente, de fls. 155, 156, 157, 159, 163, 164 e 165 do apenso A;

- Declarações da Arguida, prestadas em sede de audiência a de julgamento.

O Tribunal valorou as declarações prestadas pela Arguida que consubstanciaram uma confissão livre e integral dos factos que lhe são imputados e que, juntamente com os demais elementos documentais suprarreferidos, foram consideradas para dar como provados os mesmos, bem como o arrependimento pela sua atuação.

Ora, no caso vertente, não tendo o Tribunal conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia. Na verdade «tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico e nunca pela análise das testemunhas, ou pelas declarações dos arguidos» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, proferido no processo n.º 324/17.8PASNT.L1-9 (Maria do Carmo Ferreira), disponível em www.dgsi.pt.

Desta feita, não tendo o teor dos relatórios periciais sido impugnado, nem existindo qualquer razão para o Tribunal duvidar da sua veracidade, deve-se concluir pela força probatória plena dos mesmos.

Diga-se que, apesar de a defesa muito ter discorrido sobre os relatórios periciais e a qualidade dos mesmos em sede de alegações, a verdade é que não se pode ignorar que a Arguida confessou, livre e integralmente e sem reservas, toda a factualidade, o que não mereceu a oposição da defesa, o que, aliado ao facto de os referidos relatórios terem sido notificados à Arguida esta nada ter requerido em relação aos mesmos, nem ter nessa data requerido a prestação de esclarecimentos dos srs. peritos, não logra colocar em causa a verificação dos factos tal como supra descritos.

Em relação à inexistência de antecedentes criminais da Arguida, teve-se em conta o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

Quanto às condições socioeconómicas desta, o Tribunal valorou as declarações por si prestadas em sede de audiência de julgamento, que, pela sua espontaneidade, mereceram credibilidade.

 (…)»


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QUESTÕES A DECIDIR


([1]), … ([2]).

            Assim, o objeto do recurso interposto versa as seguintes vertentes:

a) Nulidade da utilização da perícia como meio de prova;

b) Vício de erro notório na apreciação da matéria de facto;

c) Inconstitucionalidades; e

d) Valor dos pedidos cíveis.


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MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO


O crime em causa nos autos encontra-se previsto no art. 321º do Código da Propriedade Industrial – crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos. Relativamente à perícia aos produtos apreendidos, estabelece o art. 360º, n.ºs 1 a 3, do mesmo Código:

“1 - Antes da abertura do inquérito e sem prejuízo do que se dispõe no artigo 328.º, os órgãos de polícia criminal realizam, oficiosamente, diligências de fiscalização e preventivas.

2 - São sempre apreendidos os objetos em que se manifeste um ilícito previsto no presente Código, bem como os materiais ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para a prática desse ilícito.

3 - Independentemente de queixa, apresentada pelo ofendido, os órgãos de polícia criminal realizam um exame direto aos objetos apreendidos quando seja notório que estes não sejam fabricados ou comercializados pelo titular do direito ou por alguém com a sua autorização, podendo nos restantes casos a autoridade judiciária ordenar a realização de exame pericial.”

A prova assim produzida é incorporada em documento junto aos autos, não carecendo de ser notificada à arguida: trata-se de prova pré-constituída, incorporadas nos autos e, assim, disponíveis para análise e pronúncia do arguido. Deste modo, a prova pré-constituída, como sucede com um relatório pericial, não tem de ser lida ou reproduzida em audiência, tendo o arguido diligente acesso a toda a prova documental junta ao processo ([3] nomeadamente em fase de inquérito, e devendo colocar em causa o seu valor na altura própria, ou seja, na contestação ou até no decurso da audiência de julgamento – o que a arguida não fez, surgindo esta alegação apenas em sede de recurso.

Mais: a própria fundamentação recursiva contraria as declarações prestadas de forma livre pela arguida em julgamento (a partir do minuto 6), que transcrevemos:

“Juiz- E o que é que me tem a dizer sobre isto?

Arg.- Ah,o que é que eu lhe vou dizer? Olhe, eu sei o que é que eu estava a vender. Pronto, eu fui buscar lá em baixo ao Martim Moniz. Quem me comprava sabia que aquilo não era verdadeiro, né? Pronto. E na altura eu tive que fazer isso porque eu tinha o meu meu esposo tido e tinha que sobreviver de alguma maneira. E quem sabe uma prisão não é assim muito fácil de levar, não é? Temos ali os custos das viagens, da comida para carregarmos, as cabinas. OK.

E naquela altura, olha, comprei assim esse restinho e fui para a feira.

Juiz- Pronto, então vamos aqui por partes. Fala-se aqui duas situações, uma que terá sido 28 de novembro de 2021,

Arg- sim.

Juiz- No mercado de ... e o outro também no mercado de ..., mas a 27 de março de 2022. Confirme estas duas situações. Estava a vender estes bens, sabia que não o podia fazer.

Arg.- Sim, sim. Tinha consciência disso. Sim.

Juiz- Porque sabia que eram contrafeitos os bens, não é?

Arg.- E quem me comprava também sabia, né?

Juiz- Olha, diga-me mais uma coisa. A senhora tem consciência de que isto era crime? A senhora arrepende-se disto?

Arg.- Sim, arrependo-me, claro que sim, mas naquela altura não tive outra solução. Acho que...

Juiz- Olhe, senhora BB, aquilo que a senhora está a fazer é o que se chama uma confissão. Alguém a está a obrigar a isso?

Arg.- Não, não.

Juiz- Faz livre vontade.

Arg.- Sim, sim, sim.

Ou seja, a arguida confessou de forma integral e sem reservas os factos que lhe vinham imputados na acusação, declarou de forma expressa saber que todos os produtos aí descritos eram contrafeitos e que procedia naquelas ocasiões à sua venda.

Não é, pois, admissível a sua pretensão em contrariar os factos que a própria declarou e que determinaram, além do mais, a dispensa de produção da restante prova e a aplicação de taxa de justiça reduzida, nos termos do art. 344º do Código de Processo Penal. Os factos são de imediato considerados como provados.

Deste modo, é absolutamente inútil uma pronúncia sobre eventuais vícios da decisão, nomeadamente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 410º do CPP, invocadas na peça recursiva sem que tenha sido considerada quer a confissão dos factos, por si só suficiente para os declarar como provados, quer quanto a erro ou contradições, sequer insuficiência, que obviamente se não verificam.

Quanto à eventual nulidade da perícia, valemo-nos do alegado na resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, por ser a leitura correta da lei, nada mais se mostrando necessário acrescentar:

«Invoca a recorrente que as perícias realizadas são nulas, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

De acordo com os n.ºs 1 e 2, do artigo 118.º, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos restantes casos se está perante uma irregularidade.

As nulidades podem ser sanáveis ou insanáveis, sendo que as últimas devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento – cf. artigo 119.º do Código de Processo Penal -, e as sanáveis dependem de arguição, nos termos regidos pelo artigo 120.º do Código de Processo Penal.

Como questão prejudicial à análise da nulidade invocada, cumpre atentar desde logo à epígrafe do artigo 120.º do Código de Processo Penal, o qual elenca as nulidades dependentes de arguição. Significa isto que estamos no campo das nulidades que se não forem arguidas pelos interessados nos prazos estabelecidos por lei se consideram sanadas.

Foi o que ocorreu in casu.»

Não se vislumbra, nem a recorrente explica, a violação de qualquer dos princípios e normas constitucionais que refere, havendo que vincar que é contraditório com uma confissão integral e sem reservas a pretendida violação do princípio in dubio pro reo. Quanto ao mais, são incompreensíveis os fundamentos das pretendidas inconstitucionalidades.

Assim, mantém-se obviamente inalterada a matéria de facto provada e, em consequência, falece de igual forma o recurso no que toca ao valor fixado quanto aos pedidos cíveis formulados, por consentâneos com a matéria de facto provada

Donde resulta a manifesta improcedência do recurso interposto.


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DECISÃO

Pelas razões mencionadas, ao abrigo dos arts. 420º, n.º 1, al. a), e 417º, n.º 6, al. b), ambos do Código de Processo Penal, rejeito o recurso interposto pela arguida por manifesta improcedência.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s – art. 420º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 12 de setembro de 2025

Ana Carolina Cardoso (relatora – processei e revi)


[1] cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010: “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”
[2] neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336.        
[3] Cf., entre muitos outros, o Ac. Desta Relação de 12.9.2018, rel. Belmiro Andrade, em www.dgsi.pt