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DIREITO À IMAGEM
CEDÊNCIA DO DIREITO DE UTILIZAÇÃO DA IMAGEM
RETRATO
UTILIZAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE FOTOGRAFIA
ILEGITIMIDADE ATIVA
Sumário
I – O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela. II – Constando o retrato de uma pessoa em determinada fotografia, essa pessoa pode autorizar que tal fotografia seja comercializada por outrem. III – No caso dos autos, tem legitimidade para exercer os direitos emergentes da utilização não autorizada da fotografia a entidade a quem a pessoa retratada na fotografia cedeu o direito de utilização da sua imagem, relativamente a tal fotografia. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
(Processo n.º 2918/19.8T8VIS.C1)
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Sumário:
(sumário elaborado pelo relator, nos termos do art. 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)
O Autor (ora Recorrente) AA instaurou a presente ação declarativa contra a Ré A..., Lda., peticionando:
a) A condenação da Ré a pagar-lhe «uma indemnização […], no valor total de € 5.000,00, correspondente aos danos patrimoniais, numa vertente de lucros cessantes»;
b) A condenação da Ré a pagar-lhe «uma indemnização […], em quantia nunca inferior a € 20.000,00, correspondente aos danos não patrimoniais causados ao Autor com a divulgação da sua imagem»;
c) A condenação da Ré a pagar-lhe, relativamente às quantias supra mencionadas, «o montante dos juros calculados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento»;
d) A condenação da Ré «no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ao A., nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, que deverá ser fixada em € 100,00 por cada dia que a fotografia do A. foi utilizada/publicada na sua página de Facebook»;
e) A condenação da Ré «a abster-se da divulgação e/ou publicação da fotografia do A. e todas as demais que, futuramente, a R. poderia usar para efeito de publicidade, sem que este tenha dado o seu respetivo consentimento».
Para tanto, alegou o Autor (ora Recorrente) que exerce, com escopo lucrativo, atividade no comércio da publicidade e que a Ré se dedica à comercialização de eletricidade e gás natural, consultoria na área da energia, comercialização de equipamentos ligados à área da energia, nomeadamente equipamentos de produção de eletricidade através de fontes renováveis e não renováveis, promoção de investimentos na área da energia com especial enfoque na energia solar.
Mais alegou o Autor (ora Recorrente) que, em 29 de março de 2014, foi modelo de uma campanha designada «Fans of the World Cup», organizada pela BB, sociedade sediada em ..., Estados Unidos da América, tendo sido celebrado um contrato de autorização de uso de imagem entre ambos (documento n.º 1 apresentado com a petição inicial), no âmbito do qual o Autor se comprometia a autorizar a referida sociedade a utilizar e divulgar a sua imagem, com vista a promoção do Mundial de Futebol de 2014, tendo sido certificada em 16 de abril de 2014 e, no desenvolvimento da mesma, foi publicada e divulgada a fotografia anexa ao artigo 4.º da petição inicial e que corresponde ao documento n.º 3 junto com esse articulado.
Continua o Autor (ora Recorrente) que, a 20 de junho de 2018, sem a sua autorização e conhecimento ou da BB, a Ré divulgou e publicitou a referida fotografia na sua página de Facebook, nos termos que melhor constam das fotos anexas ao artigo 5.º da petição inicial.
Assevera o Autor (ora Recorrente) que a Ré é ativa nas redes sociais, onde faz publicidade da sua marca.
Por outra parte, o Autor (ora Recorrente) também refere que o facto de ter dado consentimento e autorização expresso à sociedade americana BB para a captação e divulgação da fotografia melhor descrita no artigo 4.º da petição inicial (que corresponde ao documento n.º 3 junto a esse articulado), não significa que tenha dado o seu consentimento tácito para que qualquer outra entidade ou pessoa pudesse divulgar a mesma imagem, na medida em que apenas autorizou a sua divulgação para o fim contratado com aquela sociedade.
Alega o Autor (ora Recorrente) que a Ré sabia que não tinha autorização ou consentimento para usar a referida fotografia, pois que os únicos que o poderiam permitir eram o próprio e a sociedade BB.
Refere o Autor (ora Recorrente) que, em resultado da atuação da Ré sofreu danos de natureza patrimonial uma vez que perdeu eventuais oportunidades de trabalho com novas empresas, tendo a sua atividade profissional ficado paralisada pois as empresas relacionadas com a área da publicidade que o contratavam ficaram com a errada convicção que este não cumpre os contratos profissionais de exclusividade que celebra, e ainda que o número certo de contratos e negócios com o qual contava se reduziu drasticamente a partir da publicação da fotografia a que alude o artigo 4.º da petição inicial.
Mais alega o Autor (ora Recorrente) que a atuação da Ré comprometeu e prejudicou a sua reputação, uma vez que a empresa BB criou a convicção de que ele próprio tinha dado autorização à Ré para divulgar a fotografia, tendo gerado momentos de ansiedade e inquietação. E ainda que as empresas com quem trabalhava e sabia que tinha celebrado um contrato de exclusividade relativo a uma fotografia, criaram a convicção de que não cumpre os contratos que celebra, com prejuízo para a sua reputação e bom nome.
Assevera o Autor (ora Recorrente) que a situação descrita lhe causou grande desgaste emocional, gerador de preocupações, stress, angústia e mal estar, vivenciado períodos de sofrimento e mal estar de grau elevado sempre que o número de «gostos» da fotografia aumentava, sentindo-se desconfortável ao ser a sua imagem a ser utilizada sem o seu conhecimento ou autorização.
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Regularmente citada, a Ré A..., Lda. apresentou contestação, invocando, desde logo, a exceção dilatória de ilegitimidade ativa.
Para tanto, alegou que o Autor (ora Recorrente) não tem quaisquer direitos sobre a imagem que consubstancia o documento n.º 3 da petição inicial.
Além disso, impugnou diversa factualidade alegada pelo Autor (ora Recorrente).
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Face à exceção invocada, veio o Autor (ora Recorrente) responder, alegando que a causa de pedir constante da petição inicial consubstancia-se na violação do direito de imagem do Autor e não na violação de direitos de autor, isto por a Ré ter divulgado a sua imagem sem o seu consentimento.
Mais assevera o Autor (ora Recorrente) que não perdeu nem abdicou do seu direito de imagem e, por isso, a utilização abusiva da sua imagem «causa-lhe graves prejuízos, principalmente o mau-estar associado em ver a sua imagem divulgada ilicitamente».
Pugna, assim, pela improcedência da exceção de ilegitimidade ativa.
Depois, o Autor (ora Recorrente) suscitou o incidente de intervenção principal provocada de B..., Lda., porquanto, por um lado, na contestação, a Ré alegou que contratou os serviços da sociedade B..., Lda. para as áreas de design, publicidade e promoção dos seus produtos e/ou serviços, através das redes, e, por isso, «se existiu alguma violação do direito à imagem do A., foi aquela empresa a responsável, já que a R. tinha a convicção que aquela sociedade recorria a meios convenientes para o efeito, inclusivamente a utilização de imagens ou fotografias compradas em bancos de imagens»; e, por outro lado, «o A. desconhece, por não ter obrigação de conhecer, se a responsabilidade pela divulgação ilícita da sua imagem foi devida à atuação direta da aqui R., ou, pelo contrário, da sociedade B..., Lda.».
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Tendo sido admitido o requerido incidente de intervenção principal provocada, veio a Chamada/Ré B..., Lda. apresentar contestação, arguindo também a exceção de ilegitimidade ativa do Autor (ora Recorrente).
Para tanto, alegou que o Autor (ora Recorrente) cedeu à sociedade BB o direito de exploração comercial da imagem junta com o documento n.º 3 da petição inicial, renunciando validamente e em exclusivo àquela sociedade o seu direito de imagem relativo à referida fotografia, não tendo legitimidade para peticionar os danos decorrentes da violação de um direito que agora se verifica não ter, precisamente porque o cedeu.
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O Autor (ora Recorrente) respondeu à exceção invocada, pugnando pela sua improcedência, repristinando os argumentos acima mencionados.
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Fixado o valor da causa e dispensada a realização da audiência prévia foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e absolveu as Rés da instância.
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II – O Objeto do Recurso
Inconformado, o Autor (ora Recorrente) interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação do «despacho saneador sentença recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que julgue improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, prosseguindo-se os ulteriores termos».
As alegações de recurso são rematadas pelas seguintes conclusões:
(…).
A Ré apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
Questão a decidir
Face às conclusões das alegações do recurso, importa decidir se o Autor é parte ilegítima para instaurar a presente ação.
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III – Fundamentos
Os factos a considerar para a decisão deste recurso são os acima referidos.
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Está em causa a utilização, não autorizada, de uma fotografia na qual está retratado o Autor (ora Recorrente).
A presente ação tem a ver, por isso, com a imagem do Autor (ora Recorrente), defendendo este que as Rés violaram o seu direito à imagem.
O direito à imagem integra o elenco dos direitos pessoais reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa (art. 26.º, n.º 1), sendo qualificado pelo Código Civil português como um direito de personalidade (assim resulta da inserção sistemática do art. 79.º – que tem por epígrafe «Direito à imagem» – na Secção dedicada aos Direitos de personalidade).
Sob a epígrafe «Direito à imagem», o art. 79.º do Código Civil estabelece o seguinte: «1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada. 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. 3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada».
O preceito transcrito revela que o titular do direito à imagem tem uma ampla latitude quanto às circunstâncias em que a sua imagem pode ser captada (o art. 79.º do Código Civil não se refere, expressis verbis, à captação do retrato, mas tem vindo a ser entendido que a captação da imagem de uma pessoa também está integrada dentro do perímetro do seu direito à imagem), exposta, reproduzida ou explorada economicamente.
Amplitude que é corroborada, de forma expressa, pelo art. 81.º do Código Civil ao consagrar seja a possibilidade de limitação voluntária dos direitos de personalidade (e, portanto, também do direito à imagem), embora nas condições aí definidas, seja a faculdade de revogação, a todo o tempo, dessa limitação (segundo este artigo: «1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública. 2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte»).
Os mencionados arts. 79.º e 81.º, e os demais preceitos do Código Civil sobre direitos de personalidade (a secção do Código Civil dedicada aos direitos de personalidade integra os arts. 70.º-81.º), estão em consonância com o art. 26.º da Constituição da República Portuguesa onde se consagra um direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade.
Neste direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade e nos direitos de personalidade que o integram identificam-se uma vertente de proteção e uma vertente de liberdade.
No que tange ao direito à imagem, a vertente de proteção implica que o respetivo titular pode reagir contra o aproveitamento que outrem, sem o seu consentimento, pretenda fazer da sua imagem, designadamente, impedindo a sua exposição, reprodução ou divulgação. Na vertente de liberdade – porque cada pessoa tem o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade, em conformidade com as suas convicções e a sua mundividência –, o titular do direito à imagem tem a possibilidade de autorizar que outrem utilize a sua imagem e de ceder a outrem o aproveitamento económico da sua imagem. Na sequência do exposto, com relevo para a decisão do caso em análise, importa destacar que, o titular do direito à imagem pode limitar, voluntariamente, esse direito (as limitações do direito à imagem, também podem resultar da própria lei – i. e., podem não depender do consentimento do respetivo titular –, cfr., nomeadamente, o art. 79.º, n.º 2 do Código Civil).
Foi o que aconteceu no caso sub judice.
No caso em análise, verifica-se que, em 29-03-2014, BB tirou uma fotografia ao Autor (ora Recorrente), no âmbito de uma campanha designada «Fans of the World Cup» (cfr. os documentos n.ºs 1, 2 e 3 apresentados com a petição inicial, bem como a respetiva tradução para a língua portuguesa); e que, nessa mesma data, foi celebrado um contrato entre o Autor (ora Recorrente) – pessoa retratada na fotografia que foi utilizada pela Ré A... – e BB – o fotógrafo autor dessa fotografia onde consta o retrato do Autor (ora Recorrente) –, contrato esse intitulado «Autorização de divulgação de imagem», nos termos do qual o Autor (ora Recorrente) declarava conceder «[…] ao fotógrafo, seus representantes legais e cessionários, àqueles com que o fotógrafo trabalha e àqueles que trabalham com a sua autorização ou seus empregados, o direito e autorização sobre os direitos de autor e/ou utilização reutilização e/ou publicar e republicar imagens fotográficas ou retratos meus em reproduções a cores ou a preto e branco, em qualquer meio de comunicação pelo fotógrafo, no seu estúdio ou noutro local, com qualquer finalidade, incluindo a utilização de qualquer material impresso conexo. […] Pelo presente dispenso isento e aceito não responsabilizar o fotógrafo, seus representantes, cessionários empregados ou qualquer pessoa e empresa que atue com o seu consentimento ou autorização, incluindo qualquer empresa que publique e/ou distribua, parcial ou totalmente, o produto acabado de e contra qualquer obrigação e em consequência da respetiva publicação ou distribuição» (cfr. o documento n.º 1 apresentado com a petição inicial, bem como a respetiva tradução para a língua portuguesa).
Também decorre do texto desse documento, subscrito pelo Autor (ora Recorrente), que este concedeu a autorização para a utilização da sua imagem como contrapartida da sua contratação como modelo.
Aliás, como consta da motivação da sentença proferida no âmbito do processo n.º 14/21.... (o processo n.º 14/21.... correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, instaurado pelo fotógrafo BB contra A..., Lda., também Ré no presente processo. A certidão contendo a sentença proferida no âmbito do processo n.º 14/21.... e o subsequente acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa está junta ao presente processo com a refª citius 6489110, tendo sido notificada às partes do presente processo), o Autor (ora Recorrente) foi ouvido como testemunha nesse processo, tendo referido que: «[…] quando se encontrava a residir em Nova Iorque, foi convidado por BB (conhecido por ser um “sports photographer” nos Estados Unidos, tendo como clientes a Nike, Visa, etc) a integrar uma campanha publicitária para o Mundial de 2014. Tratava-se de uma campanha da sua própria iniciativa, sem que tivesse sido encomendada por qualquer cliente, sabendo antecipadamente que este tipo de trabalho, no decurso do mundial, iria ser objeto de procura. O trabalho de produção da sua fotografia desenvolveu-se ao longo de um dia e teve participação de pessoas de diversas áreas, nomeadamente, maquilhadores e assistentes de fotografia, contratadas pelo Autor. A camisola da seleção foi a testemunha que a levou para a sessão fotográfica, sendo sua pertença. A expectativa era que a imagem pudesse ser vendida em qualquer altura (não apenas para este evento em particular) a grandes clientes, uma vez que, como referiu, o Autor só trabalha com grandes marcas. Desconhece, porém, o lucro que o Autor poderia auferir com a venda da fotografia, já que, por um lado, não sendo a testemunha uma pessoa conhecida, o valor comercial desta seria menor, mas, por outro, tendo em conta a reputação do fotógrafo (Autor), o preço deveria refletir essa circunstância. Em todo o caso, referiu que o Autor não conseguiu vender esta imagem. O uso que conhece desta imagem é apenas em território nacional, tendo sido utilizada ilicitamente (sem o consentimento do Autor e do fotógrafo) por diversas entidades, nomeadamente a MEO, o Grupo Pestana e a Ré). Declarou ainda que os direitos de imagem foram por si cedidos ao Autor. Mais referiu que esta imagem não era de uso livre por qualquer pessoa, contendo um aviso quanto à proteção de direitos de autor».
Entendemos, pois, que o Autor (ora Recorrente) limitou o seu direito à imagem, dando consentimento a que fosse captado, «exposto, reproduzido ou lançado no comércio» o seu retrato que consta da fotografia captada por BB – em conformidade com o disposto no art. 79.º, n.º 1 e no art. 81.º, n.º 1, ambos, do Código Civil.
O consentimento do Autor (ora Recorrente) a favor do fotógrafo BB configura uma válida limitação voluntária ao direito à imagem, porque não ofende qualquer princípio de ordem pública (é sintomático, neste sentido, que o documento onde está corporizado o consentimento foi trazido aos autos pelo próprio Autor, ora Recorrente, não tendo sido questionada a sua validade pelas Rés). Sublinhe-se que o consentimento do Autor (ora Recorrente) não implicou a transmissão in totum do seu direito à imagem, o que não seria admissível, pois o direito à imagem, como os demais direitos de personalidade, é irrenunciável; decorre da conjugação dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 da petição inicial, que o seu consentimento circunscreve-se à imagem ora em discussão. In casu, o fotógrafo BB não adquiriu integralmente o direito à imagem do Autor (ora Recorrente), o que adquiriu foi apenas o consentimento do Autor (ora Recorrente) para utilizar o retrato deste e que ficou circunscrito à imagem ora em discussão.
Também convém destacar que o consentimento do Autor (ora Recorrente) para a utilização do seu retrato foi a favor do fotógrafo BB, não foi a favor de uma sociedade denominada BB – como é referido, por exemplo, no art. 3.º da petição inicial e é dito na decisão sob recurso. É o que resulta do documento n.º 1 apresentado com a petição inicial. Lido este documento constata-se que aí começa por ser feita referência à contratação do Autor (ora Recorrente) como modelo pela «C...», sendo depois referido sempre «o fotógrafo» (na língua inglesa «the photographer») como a pessoa a quem o Autor (ora Recorrente) dá o consentimento para a utilização do seu direito à imagem. A este propósito, decorre da já citada sentença proferida no âmbito do processo n.º 14/21.... que «não se provou que a designação C... corresponda a uma pessoa coletiva. Para além de nenhuma prova ter sido feita nesse sentido, o Autor [i. e., o Autor nesse processo, a saber: o fotógrafo BB] explicitou que se trata de uma mera designação comercial ou empresarial, sendo o sujeito fiscal titular dos rendimentos da atividade ele próprio».
Aqui chegados, tendo o direito à imagem do Autor (ora Recorrente), no que concerne ao seu retrato que consta da fotografia em questão, sido licitamente cedido pelo Autor (ora Recorrente) ao fotógrafo BB, a questão do direito à imagem do Autor (ora Recorrente), no que concerne à fotografia em questão, na titularidade do Autor (ora Recorrente) apenas poderia ser colocada se o Autor (ora Recorrente) tivesse posto fim a essa cedência (nos termos do art. 81.º, n.º 2, do Código Civil) ou se da utilização da fotografia feita pela Ré A... pudesse «resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro» do Autor (nos termos do art. 79.º, n.º 3, do Código Civil).
Ora, o Autor (ora Recorrente) não alegou que procedeu à revogação do mencionado acordo que estabeleceu com o fotógrafo BB, o que poderia ter feito (e poderá fazer) a todo o tempo, como lhe permite o art. 81.º, n.º 2, do Código Civil. E também não alegou que a utilização da fotografia feita pela Ré A... – ou seja, a mera divulgação da fotografia na sua página de Facebook, conforme alegado nos arts. 5.º e 6.º da petição inicial – foi feita em termos tais que permita enquadrar a situação no art. 79.º, n.º 3, do Código Civil; não alegando sequer que a fotografia utilizada pela Ré A... – i. e., a fotografia em relação à qual deu o consentimento para que fosse utilizado o seu retrato – foi por esta alterada ou utilizada fora do contexto do que se considera estar de acordo com as práticas comerciais quanto à divulgação e promoção de produtos ou serviços.
Consequentemente, face ao alegado pelo Autor (ora Recorrente) na petição inicial, não é configurável uma violação pelas Rés de um direito que esteja na titularidade do Autor (ora Recorrente): por um lado, o direito à imagem do Autor (ora Recorrente), no que concerne ao seu retrato que consta da fotografia em questão, foi licitamente cedido por ele ao fotógrafo BB; por outro lado, o Autor (ora Recorrente) não recuperou a titularidade dessa parte do seu direito à imagem de que dispôs licitamente a favor do mencionado fotógrafo BB.
Em síntese, a situação trazida a juízo pelo Autor (ora Recorrente) reconduz-se à utilização de uma fotografia, sem autorização; mais concretamente: à utilização de uma fotografia na qual ele está retratado, e relativamente à qual tinha cedido o seu direito à imagem, com o inerente direito à exploração comercial do seu retrato, sem autorização seja dele Autor (ora Recorrente), seja da pessoa a quem cedeu o seu direito à imagem.
Uma vez que o Autor (ora Recorrente) cedeu o seu direito à imagem relativamente àquela fotografia, com o inerente direito à exploração comercial do seu retrato, o direito a exigir indemnização pela utilização não autorizada da fotografia é da titularidade de quem tem direitos sobre tal fotografia, ou seja, é da titularidade de BB. Para a Ré A... poder utilizar a fotografia na sua página de Facebook, nos termos em que o fez, não carecia da autorização do Autor (ora Recorrente), mas sim de BB. Assim, é certo o afirmado pelo próprio Autor (ora Recorrente) na conclusão 8 das alegações de recurso, pois é verdade que, por um lado, é o fotógrafo BB quem detém o direito exclusivo de poder usar ou ceder onerosamente o uso da obra fotográfica em questão; e, por outro lado, apenas o Autor (ora Recorrente) pode liberar os direitos de imagem sobre a sua própria pessoa. Restando acrescentar que também é verdade – como já foi dito – que o Autor (ora Recorrente) cedeu o seu direito à imagem relativamente àquela obra fotográfica, com o inerente direito à exploração comercial do seu retrato, ao fotógrafo BB (no caso dos autos, a utilização pela Ré A... da fotografia que contém o retrato do Autor constitui uma lesão de uma parcela do direito à imagem do Autor que este cedeu, livre e licitamente, a BB).
Tendo presente tudo o que já foi expendido, concordamos com a decisão sob recurso quanto à ilegitimidade do Autor (ora Recorrente), pois o pressuposto processual da legitimidade tem de ser aferido em função da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (art. 33.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Ressalva-se, todavia, como também decorre da exposição anterior, que em nosso entender o Autor (ora Recorrente) cedeu o direito à exploração económica da sua imagem à pessoa singular BB e não à sociedade BB, como é dito na decisão recorrida.
Com tal ressalva, acompanha-se a fundamentação do saneador-sentença, do qual se reproduz o seguinte excerto: «O petitório estriba-se, sobretudo, em pretensões de natureza indemnizatória e a causa de pedir que o sustenta é indubitavelmente conexionada com a fotografia anexa ao artigo 4.º da petição inicial e junta com o doc. n.º 3, fotografia/imagem essa que foi cedida à sociedade americana BB. Na alegação do A., tal fotografia/imagem foi ilicitamente utilizada pela R. na sua página do Facebook, por não ter colhido autorização ou consentimento por parte do A. ou daquela sociedade americana, que, tal como alega, detinha os respetivos direitos. Surge assim uma contradição - sendo aquela sociedade detentora dos direitos sobre a referida fotografia, apenas ela estaria habilitada a autorizar ou a consentir na sua utilização, enquanto criadora de tal fotografia/imagem, cf. o disposto no art. 9.º, n.º 2 do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos. O A. refere também que a utilização de tal fotografia pela R. lhe causou danos de natureza patrimonial uma vez que, na sequência da sua publicação na página do Facebook da R. perdeu eventuais oportunidades de trabalho, ficando a sua atividade profissional paralisada, referindo até que a partir da sua publicação assistiu a uma redução drástica no volume de contratos e negócios. Por fim, refere que a publicação de tal fotografia teve impacto no seu estado de espírito, provocando-lhe sofrimento e mau estar, desassossego, preocupações e angústia. Ou seja, resulta da alegação factual do A., bem como da concretização fáctico jurídica de tal factualidade que as pretensões formuladas contra a R. têm como razão de ser, leia-se, causa de pedir o uso da fotografia anexa ao art. 4.º da petição inicial. Destarte, não colhe a argumentação do A. quando refere que a causa de pedir se estriba no direito de imagem, sendo embora certo que não estão em causa direitos de autor (questão essa já resolvida no âmbito dos processos que correram termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, cf. resulta dos pedidos de informação formulados no âmbito dos presentes autos). O A. não renunciou ao seu direito de imagem, até porque o mesmo, enquanto direito de personalidade, é inalienável, mas renunciou a quaisquer direitos sobre a imagem em causa nos presentes autos, limitando a amplitude do seu direito nos termos do art. 81.º do Código Civil. Em bom rigor, o A., ao contrário do por si asseverado em sede de resposta às exceções invocadas, construiu a petição inicial em torno da utilização indevida da imagem em causa e dos alegados prejuízos daí resultantes, não da violação do seu direito de imagem em si mesmo considerado. Ou seja, não está em causa a violação do direito à imagem do A. que, em bom rigor, não sofreu qualquer ofensa, mas a violação dos direitos conferidos ao titular da imagem aludida no artigo 4.º da petição inicial - que é a sociedade americana BB. Em conclusão, mesmo na configuração elaborada pelo A. na petição inicial, temos que este não surge como titular do poder de disposição sobre o direito invocado nos termos acima explanados, pelo que carece de ilegitimidade ativa (singular) para a presente ação».
Termos em que se conclui ser de confirmar a decisão sob recurso.
A responsabilidade pelo pagamento das custas incide sobre o Recorrente, Autor na presente ação (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Condena-se o Recorrente a pagar as custas do recurso.
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Coimbra, 16 de setembro de 2025.
Francisco Costeira da Rocha
Anabela Marques Ferreira
Hugo Meireles