EMBARGOS DE EXECUTADO
FUNDO DE CONTRAGARANTIA MÚTUO
SOCIEDADE DE GARANTIA MÚTUA
PAGAMENTO
SUB-ROGAÇÃO
LIVRANÇAS
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Sumário

1. O pagamento realizado pelo Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM) a favor de uma Sociedade de Garantia Mútua (SGM), na sequência da liquidação de garantias bancárias que esta assumiu a favor de uma sociedade comercial, não impede a SGM (exequente) de exigir o pagamento da dívida exequenda àquela sociedade inadimplente – executada –, uma vez que o FCGM apenas ficou sub-rogado nos direitos do Banco beneficiário das garantias – sobre a exequente – e não nos direitos da exequente sobre a executada.
2. Sendo a SGM, exequente, a legítima portadora de livranças subscritas pela sociedade executada, é inequívoco que ela tem legitimidade para intentar a acção executiva, continuando a ser, substancialmente, a credora da executada, não ocorrendo qualquer abuso no preenchimento daqueles títulos executivos.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção),[1]

Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa n.º 6297/18.2T8CBR, que corre termos no Juízo de Execução de Soure, em que são executados A..., Unipessoal, Lda., AA e BB, foram deduzidos embargos (supervenientes), em 23-01-2019, por A..., Unipessoal, Lda., contra a exequente B..., S.A., os quais, por sentença de 16-06-2024, foram julgados totalmente improcedentes, por não provados, tendo sido determinado o prosseguimento da execução contra a sociedade embargante (tal como o fora em relação aos co-executados), a qual veio recorrer dessa decisão.


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Os embargos sub judice começaram por ser rejeitados pelo tribunal a quo, por decisão de 28-01-2019, acabando por ser admitidos liminarmente com a prolação do Acórdão desta Relação de 14-06-2022 – Proc. n.º 6297/18.2T8CBR-C.C2 –, cuja decisão foi mantida, após pedido de reforma deduzido pela exequente, pelo Acórdão de 13-12-2022.

Em 15-02-2023, o tribunal a quo consignou: “Admito novamente a oposição mediante embargos da embargante, pelo que determino a notificação da exequente para, dentro do prazo de 20 dias, apresentar a sua contestação, sob pena de se terem por confessados os factos, salvo os que estiverem em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo pela exequente sobre a mesma questão, devendo logo oferecer os meios de prova – v. artºs. 856, 857, nº. 1, 731, 732, nºs. 1 a 3, e ainda 567, nº. 1, e 568, todos do Novo Código de Processo Civil”.


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O processo executivo tem por fundamento três livranças subscritas pela embargante e avalizadas pelos co-executados AA e BB, reclamando a exequente o pagamento da quantia total de € 62 199,23 (sessenta e dois mil cento e noventa e nove euros e vinte e três cêntimos).

Todos os executados deduziram embargos, separadamente, estando já transitadas as decisões que julgaram improcedentes os embargos de executado dos co-executados/avalistas – Apensos A e B.

A aqui embargante veio invocar que se trata de oposição superveniente, com fundamento no facto de apenas ter tido conhecimento, através da contestação apresentada no Apenso B, notificada ao aí embargante AA e que lhe foi transmitida logo após, do recibo de quitação, junto à contestação supra mencionada através do documento n.º 6.

Nesse documento n.º 6, lê-se (na 4.ª página) que a exequente declara “ter recebido a importância de € 22 500,00, do Fundo de Contragarantia Mútuo em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia ...18, emitida pela B...”.

Conclui, por consequência, que, em 20-08-2015, e no que respeita à garantia n.º ...18 (cf. documento n.º 1), a exequente não era credora do capital que reclamava, de € 24 506,28, uma vez que já tinha sido ressarcida pelo Fundo de Contragarantia, no dia 26-05-2011, pelo montante de € 22 500,00.

Deste modo, e a existir algum valor de capital pretensamente ainda em dívida em 20-08-2015, quanto à livrança identificada nos artigos 4.º a 6.º, este restringir-se-ia à diferença entre os valores acima apurados (€ 24 506,28 - € 22 500,00) = € 2006,86, e os juros de mora deverão incidir apenas sobre este capital.

O mesmo raciocínio se aplica ao recibo de quitação, junto àquela contestação.

No cabeçalho através do documento n.º 7, do Apenso B, onde se lê (na 4.ª página) que a exequente declara “ter recebido a importância de 15.000,00€, do Fundo de Contragarantia Mútuo em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia ...42, emitida pela B...”.

Conclui, assim, que, em 20-08-2015, e no que respeita à garantia nº ...42 (cf. documento n.º 3), a exequente não era credora do capital que reclamava, de € 16 926,36, visto que já tinha sido ressarcida pelo Fundo de Contragarantia, no dia 26-05-2011, pelo montante de € 15 000,00.

Por conseguinte, e a existir algum valor de capital pretensamente ainda em dívida em 20-08-2015, este restringir-se-ia à diferença entre os valores acima apurados (€ 16 926,36 - € 15 000,00) = € 1926,36, e os eventuais juros de mora a cobrar deveriam ter incidido apenas sobre o valor apurado do capital em dívida àquela data, ou seja € 1926,36.

Uma vez que a exequente incluiu tais montantes no valor total pelo qual preencheu as livranças dadas à execução, incumpriu e desrespeitou os respectivos pactos de preenchimento, verificando-se, assim, que estamos na presença da excepção do preenchimento abusivo de tais títulos de crédito, impondo-se retirar as correspondentes consequências legais (cf. arts. 4.º a 51.º).

Alega, ainda, ter realizado um conjunto de pagamentos à exequente no período de tempo que mediou entre 31-08-2011 e 18-12-2013 do valor remanescente apontado nos artigos 19.º, 20.º, 32.º e 33.º (cf. documentos n.ºs 1 a 17), tendo a exequente ficado ressarcida, até 18-12-2013, da importância global de € 46 862,08 (cf. arts. 53.º a 58.º).

De harmonia, mostra-se preenchido o fundamento legal previsto no art. 729.º, al. g), do Código de Processo Civil (CPC): “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento” (cf. art. 59.º).

Por outro lado, o preenchimento das livranças, feito na sequência das cartas de interpelação remetidas pela exequente à sociedade subscritora, aqui oponente, e que aquela junta como documentos n.ºs 10 e 11 com a contestação referida no cabeçalho, não foi acompanhada ou precedida, em momento algum, de qualquer comunicação através da qual a exequente tenha operado junto da sociedade subscritora à resolução dos respectivos contratos (cf. arts. 60.º-A a 60.º-E).

Conclui ainda que o direito que a exequente pretendia exercer na presente execução já prescreveu em relação à embargante, excepção que deixou expressamente invocada, ao abrigo do artigo 70.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), não podendo as 3 (três) livranças accionadas servir de suporte à execução (cf. arts. 67.º a 88.º).


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A exequente contestou – em 13-03-2023 –, impugnando toda a factualidade alegada pela embargante, pugnando pela improcedência das excepções de prescrição e de preenchimento abusivo e, no mais, impugna toda a materialidade invocada pela embargante, devendo a execução prosseguir os seus termos.

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Em 22-10-2023, o tribunal a quo proferiu despacho saneador, referindo que“[o] objeto do litígio consiste em apreciar a questão da superveniência dos presentes embargos e das questões suscitadas sobre o abuso de preenchimento das livranças devido à análise dos documentos 6 e 7, juntos na contestação do Apenso B e da celebração do contrato de contragarantia entre o Fundo de Contragarantia mútuo e a B..., S.A. (a embargante impugnou a genuinidade do Doc. 8, junto com a contestação).

Note-se que os restantes fundamentos de embargos não integram o conceito de superveniência objetiva e/ou subjetiva, já que poderiam ter sido arguidos aquando da citação da sociedade para a execução – o que foi confirmado pelo acórdão do Tribunal da relação de Coimbra de 14/06/2022”; enunciando os seguintes temas da prova: “a) Da superveniência dos presentes embargos relativo ao facto de a aqui embargante ter tido conhecimento em 17 de dezembro de 2018 da contestação e 11 documentos apresentados por B..., S.A., no apenso B, referente a embargos de executado movidos pelo co-executado AA; b) Do preenchimento abusivo das três livranças – apurando se as mesmas deveriam ter sido preenchidas com os seguintes valores: 1.ª com 2.689,96€; 2.ª com 2.579,53€; e 3.ª com zero, o que perfaz o montante global de 5.269,49€” (sic).


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Realizado julgamento a 1.ª instância proferiu a seguinte decisão final: “Pelo exposto, decido julgar totalmente improcedentes os presentes Embargos à execução, deduzidos como supervenientes, por não provados, determinando o prosseguimento da execução contra a sociedade embargante/executada”.

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Inconformada, a embargante veio recorrer, tendo deduzido as seguintes conclusões:

) Deve ser revogada a douta decisão recorrida, com a ref.ª citius nº 94101200, datada de 16 de junho de 2024, aqui dada por integralmente reproduzida, e substituída por outra que julgue totalmente procedentes, por provados, os embargos deduzidos pela aqui apelante.

Questão Prévia.

) A presente oposição começou por ser rejeitada pelo Tribunal a quo, por douta decisão de 28.01.2019, com a ref.ª citius nº 79213612, tendo sido indeferidos liminarmente os embargos à execução apresentados pela executada “A..., Ldª.”, por suposta extemporaneidade, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art.732, do Novo Código de Processo Civil.

Sucede que,

) Tal decisão foi revogada pelo mui douto Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de junho de 2022, com a ref.ª citius nº 10275440, aqui dado por integralmente reproduzido, e com o seguinte segmento decisório:

«(…) Daqui resulta que foram alegados factos concretos relativos ao preenchimento abusivo das livranças. Mais, a embargante alega que só teve conhecimento de tal em 17-12-2018, com a junção pela exequente de documentos na contestação aos embargos de executado movidos pelo coexecutado AA.

Assim sendo, e tendo a oposição à execução sido deduzida em 23-01-2019, temos de concluir pela sua tempestividade, nos termos do artigo 728º, nº 2, do CPC.

Impõe-se, pois a revogação da decisão recorrida, com a consequente admissão liminar da oposição à execução.».

) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou caso julgado formal.

) Com efeito, o predito Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de junho de 2022, transitou em julgado, com a prolação do Acordão que o confirmou, na sequência de pedido de reforma da exequente, em 13 de dezembro de 2022, com a ref.ª citius nº 10560302.

) Ora, o mui douto Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de junho de 2022 que precede, analisando de forma exaustiva o articulado de oposição, apresentado pela ora apelante, extraiu dos arts.1º, 7º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º e 43º, todos do articulado em questão, os fundamentos concretos para “…demonstrar que não lhe é imputável o não conhecimento dos factos supervenientes até ao termo do prazo contado da citação.” (fls.9, 10 e 11 do citado Aresto).

Decidindo que: “…tendo a oposição à execução sido deduzida em 23-01-2019, temos de concluir pela sua tempestividade nos termos do art.728º, nº2 do CPC.”.

) Aliás, a própria embargada exequente, na respetiva contestação, apresentada em 13.03.2023, com a ref.ª citius nº 7930841, dada por integralmente reproduzida nesta sede, e ao contrário do que é expendido na sentença aqui recorrida, em momento nenhum põe em causa a tempestividade dos embargos supervenientes interpostos pela ora apelante.

) Por conseguinte, considerando que, o caso julgado formal, se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual; e, por isso, será violado quando o Tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa (art.620.º, do CPC).

) O Tribunal a quo, como se demonstrou, não cumpriu o seu dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores (art.4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de julho, art.4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e art.152.º, n.º 1, do CPC).

10ª) A violação do dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível, como se deixa arguido para todos os devidos efeitos legais, da decisão que assim veio a ser proferida, nomeadamente por o objeto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (arts. 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), II parte, ambos do CPC).

Sem Prescindir,

Impugnação da Decisão Relativa à Matéria de Facto, relativa ao tema da superveniência dos embargos.

A.

11ª) O Tribunal a quo, como vimos, em sede de saneador, depois transposto para a sentença proferida a final, decidiu introduzir como objeto do litígio e 1º tema de prova a apreciação da questão da superveniência dos presentes jurisdicionais e da consequente proibição da discricionariedade, desordem e incerteza jurídica.

12ª) E, sem conceder no que ficou invocado a título prévio, se dúvidas pairassem ainda no espírito de Vs. Exas., e, ao contrário do que é expendido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a própria seleção dos factos assentes que nela é feita, infirma a resposta dada a tal tema de prova, relativo à manifesta superveniência dos presentes embargos. Senão vejamos,

13ª) «(…)

6) O executado AA, embargante no Apenso B, é legal representante da embargante “A..., Ld.ª” neste apenso.

7) Os executados “A..., Ld.ª” e AA possuem o mesmo mandatário.

8) No apenso B, a contestação da exequente, que continha os documentos 6 e 7, mormente os “recibos de quitação”, foi notificada ao mandatário do aí embargante, executado AA, através de envio eletrónico em 19-12-2018. (…)

20) Através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de maio de 2011 a executada “A...” para, … proceder ao pagamento de € 28.125,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto).

21) Também através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de maio de 2011 a executada “A...” para, (…) proceder ao pagamento de € 18.750,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto). (…)

24) Através do recibo de quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, … a importância de 28.125,00 euros … (cf. documento junto).

25) E também mercê do recibo de quitação de fls. 75 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 22.500,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...18, emitida pela B... (cfr. documento junto).

26) Através do recibo de quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, …, a importância de 18.750,00 euros … (cfr. documento junto).

27) E também mercê do recibo de quitação de fls. 78 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 15.000,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...42, emitida pela B... (cfr. documento junto). (…).».

14ª) Uma nota preliminar para enfatizar que a resposta dada aos factos assentes sob os pontos 17) e 19) está patentemente contraditória, porque errada, com a resposta dada aos factos 24) e 26) dados como assentes, porquanto a embargada B..., apenas – conforme consta dos recibos de quitação emitidos pelo Banco 1... em 25 de maio de 2011 – efetuou tais pagamentos nesta última data.

15ª) Quanto à demais matéria dada como assente atrás transcrita, e que já constava do douto despacho saneador, o que se retira da prova documental existente nos autos é que:

16ª) - A aqui apelante apenas tomou conhecimento da existência dos recibos de quitação emitidos pela B... à D... (factos assentes em “25.” e “27.”) quando o mandatário comum ao executado no apenso “B” foi notificado dos mesmos com um articulado ali apresentado pela exequente embargada, notificado em 19-12-2018;

17ª) - A ora apelada enviou as duas concretas missivas à aqui apelante que constam dos factos assentes “20.” e “21.” em 16 de maio de 2011, i. é, em data muito anterior à data em que emitiu os recibos de quitação à D..., em 26 de maio de 2011, que é a que consta dos factos assentes em “25.” e “27.”.

18ª) - Como tal, a exequente, nunca poderia ter dado conhecimento à ora apelante, em 16 de maio de 2011, dos “negócios” que celebrou com a D... dez dias mais tarde, em 26 de maio de 2011 (cfr. plasmados nos recibos de quitação constantes dos factos assentes em “25.” e “27.”).

B.

19ª) Na sessão da audiência de julgamento, realizada em 16.04.2024, correspondente à ata com a ref.ª citius nº 93966721, e documentada na gravação digital efetuada na aplicação Habilus (módulo Habilus Media Studio),

20ª) Nesta sessão depôs como testemunha, CC, antigo Presidente do Conselho de Administração da embargada, que iniciou as declarações às 10:04:37 horas e terminou às 11:18:28 horas.

E, entre a 1h:06m:55s até a 1h:08m:00s, declarou o seguinte:

«Adv.: Uma última pergunta sobre os tais recibos de quitação. Esses documentos, é um documento interno das empresas ou é comunicado aos clientes que beneficiam enfim dos empréstimos?

Test.: Ó Sr. Dr. não lhe sei dizer, mas eu tenho ideia que o próprio contrato de garantia deve mencionar a existência de uma contragarantia desse tal fundo ou se não menciona, menciona a lei.

Adv:. A minha pergunta não é relativamente a isso. Os recibos de quitação, esses recibos de quitação, há outro que é idêntico…

Test.: Isso é um ato administrativo, não lhe sei dizer, honestamente. Ó Sr. Dr. não lhe sei dizer,

Adv.: Portanto, em princípio, é um documento interno e não é comunicado.

Juiz: Não sabe, Sr. Dr., não sabe.».

21ª) Nesta sessão, também depôs o legal representante da embargada, com procuração, DD, ajuramentado nos termos do n.º 2 do artigo 459º do C.C., que iniciou as declarações 12:34:12 horas e terminou às 12:49:16 horas.

22ª) E, entre a 04m:29s até aos 10m:11s, declarou o seguinte:

«Adv. da parte: O Sr. Dr. já tinha visto este documento?

Parte.: Posso ter visto, normalmente isto são cartas que são enviadas depois da B... pagar as garantias, não sei se já foi explicado, a B... presta a garantia de bom pagamento dos empréstimos depois quando nos é pedido o pagamento nós pagamos ao beneficiário da garantia e depois é enviada esta carta à empresa devedora a informar que tínhamos feito o pagamento, nos termos da carta, é uma carta habitual que costuma sair.

Adv. da parte: O Sr. Dr. Recorda-se se já estava na B... em 2011?

Parte.: Sim, estou na B... desde

Adv. da parte: E sabe quem é a Drª EE?

Parte.: A Drª EE era a responsável da área de contencioso, nesta altura, como eu estava a dizer esta carta, é assim, o processo, a B... recebia o pedido de pagamento, mas depois todo o tratamento do processo para pagar ao beneficiário era tratado na área de contencioso. Era assim que estava definido e esta parte do processo tinha a ver com o pagamento da Garantia e esta fase do processo era gerida no contencioso e depois tratava também da questão do cheque para ver se estava tudo em conformidade, pronto era só para precisar isto. Nesta fase o processo era tratado lá, não quer dizer que o processo estivesse lá. Tinha acabado de ser paga a garantia

Adv. da parte: Mas ó Sr. Dr. o que eu lhe queria perguntar sobre esta carta era se podia ver o registo que está a seguir, se andar para baixo aparece o registo.

Juiz: Está depois mais à frente, acho que não é aí, forma mais à frente.

Adv. da parte: …acho que os registos foram juntos com um requerimento, não tenho aqui a data do requerimento… Mas ó Sr. Dr. Enquanto e não e como deram ao Sr. Dr. Poderes para representar a B... em juízo neste processo, o Sr. Dr. Teve acesso ao Dossier que a B... tem em relação à A...?

Parte.: Sim fiz alguma análise sobretudo da divida, quando é que tínhamos pago as garantias, pronto tenho algum, um mínimo de informação.

Adv. da parte: O Sr. Dr. viu as cartas onde se pedia o pagamento que estavam no dossier da empresa

Parte.: Esta carta? Esta aqui, o Documento 9?

Adv. da parte: Sim.

Parte.: Não. Não vi, para esta sessão, não vi, mas como disse são cartas que, que, saem após o pagamento das garantias, são cartas tipo.

Adv. da parte: Vão para os clientes devedores e para os avalistas.

Adv. da parte: Ó Sr. Dr. então também não viu os talões de registo do envio dessa carta? Do tal documento 9?

Parte.: Não. Não vi, dessa carta não vi o talão.

Adv. da parte: E já agora deixe-me fazer-lhe uma pergunta, viu alguma outra carta a pedir o pagamento e os respetivos talões de registo?

Parte.: Não. Não vi. Não vi agora para o processo, não fui ver essas cartas, estão arquivadas, para agora

Adv. da parte: Mas o Sr. Dr. sabe e, sabendo, pode garantir que essa carta que é o documento nº 9, foi enviada?

Parte.: É assim, quanto a essa questão, não lhe posso garantir mas certamente deve ter seguido… depois a seguir a isso ao pagamento da garantia, nós tentamos também entrar em contacto com a empresa para tentar fazer um plano de pagamentos que a empresa possa pagar e há sempre essa tentativa extra-judicial de evitar a ida para o contencioso.

Adv. da parte: Neste caso concreto não foi o Sr. Dr. a fazer isso, pois não?

Parte.: Não.».

23ª) Do depoimento de parte, que precede, do legal representante da embargada, DD, pode concluir-se o seguinte:

Relativamente aos documentos nºs. 9 e 10, juntos com a contestação da embargada-exequente, que correspondem aos factos dados como assentes em “10.)” e “11.)”, o legal representante da embargada, nem foi capaz de garantir que tais cartas, com os correspondentes dizeres, foram sequer remetidas à aqui apelante.

24ª) Colocando assim em crise igualmente tais factos que já estavam aprioristicamente dados como assentes em “10.)” e “11.)”.

25ª) Já do depoimento da testemunha, CC, antigo Presidente do Conselho de Administração da embargada, e signatário dos dois documentos, denominados como recibos de quitação, constantes da resposta dada aos factos dados como assentes em 8), 24) e 26), pode concluir-se o seguinte:

26ª) In casu, tratam-se dos docs.6 e 7 juntos à contestação da embargada neste apenso, que também tinham sido juntos com o “art.11º” da contestação da embargada apresentada no apenso “B” contra um dos avalistas, que foram objeto da p. i., o primeiro da matéria inserta nos arts.4º a 13º e 14º a 23º do referido articulado, e o segundo deles da matéria inserta nos arts.23º a 27º e 28º a 35º de tal petitório, conduzindo às conclusões vertidas nos arts.41º e 42º do mesmo.

27ª) Extrai-se do depoimento desta testemunha, quando questionada sobre se tais recibos de quitação eram um documento interno das empresas ou se, pelo contrário, eram comunicados aos clientes que beneficiavam dos empréstimos, que tais recibos de quitação eram atos administrativos.

28ª) E, de facto, olhando até para o contexto em que tais documentos foram juntos e comunicados pela primeira vez a algum dos co-executados, ou seja, com o “art.11º” da contestação apresentada no apenso “B”, em que é aposto que «No dia 16 de Maio de 2011, honrando as garantias por si emitidas a favor do Banco, a Exequente pagou ao Banco as importâncias solicitadas – Cf. Docs. 6 e 7.», tudo parece indicar que a junção de tais recibos de quitação naquele apenso “B” resultou de um manifesto lapso da embargada, porquanto os mesmos não se referiam efetivamente a quaisquer quantias pagas ao Banco 1... pela embargada B....

29ª) O mesmo é dizer que tais documentos se referiam efetivamente a documentos internos da sociedade B..., que eram totalmente desconhecidos da aqui embargante, como dos demais executados até à data da apresentação de tal articulado pela embargada no apenso “B”.

Sem Conceder,

Pronúncia da Sentença Quanto ao 2º Thema Decidendum (cfr. fls. 16 a 21).

A.

30ª) Salvo o devido respeito, atenta a resposta dada ao primeiro tema gizado pelo Tribunal a quo, relativa à não superveniência dos presentes embargos, como é vertido na douta sentença recorrida, a fls.9, 1º parágrafo, onde se inscreve com grifos nossos que, «Quanto aos factos alegados não especificamente dados como provados ou não provados, tal resulta de, ou serem factos instrumentais, de terem ficado prejudicados face à materialidade dada como assente, ou estarem, em particular ou em geral, em contradição lógica com a matéria fáctica supra referida ou de não terem interesse para a decisão da causa, bem como todos os conclusivos ou com matéria de direito.», nunca a presente oposição, por embargos supervenientes, atento o que ficou exarado de fls. 1 a 15, poderia ser julgada procedente por provada.

31ª) Pelo que a decisão do 2º tema decisório favoravelmente à aqui apelante sempre constituiria uma nulidade, face ao teor da sentença de fls.1 a 15 (cfr.art.608º, nº2 do CPC).

32ª) Todavia, atento o que atrás ficou invocado, que se reitera nesta sede, poderá dizer-se com propriedade que o teor da sentença recorrida (segundo o comando dos Acordãos deste Tribunal da Relação de Coimbra que ordenaram a prossecução dos presentes embargos), em que efetivamente se debruça sobre o “thema decidendum”, o do abuso de preenchimento das livranças, é o que se encontra vertido de fls. 16 a 21.

33ª) Para circunscrever a matéria nova que deveria ter sido objeto de análise na presente sentença, e que não foi, existindo nessa medida omissão de pronúncia que se deixa expressamente invocada nos termos previstos no art.615º, nºs.1, al.d), e 4, do CPC ou, assim não se entendendo, redundando em erro de julgamento, importa desde já proceder à seguinte delimitação:

34ª) - É que se, por um lado, o Tribunal a quo se pronunciou sobre a questão das quantias liquidadas à exequente B... por uma entidade terceira FCGM, espelhada nos dois recibos de quitação, atrás mencionados, ascendendo, respetivamente, a €.:22.500,00 e a €.:15.000,00,

35ª) Ainda que de forma errónea, na medida em que, evidentemente, que o recebimento prévio de tais valores pela exequente, não comunicado a nenhum dos co-executados nos presentes autos, a impedia de inscrever o somatório dos mesmos, como fez, no valor das livranças que veio dar à execução.

36ª) Por conseguinte, os factos supervenientes a este propósito são efetivamente aqueles dois pagamentos parciais, espelhados nos preditos recibos de quitação, aqui denominados como Docs. 6 e 7 (numeração conferida pela embargada em sede contestação), que contendem, à luz do petitório inicial, com a questão do preenchimento abusivo daquelas duas livranças.

37ª) Já, por outro lado, o Tribunal a quo não se pronunciou, como se impunha, sobre o teor de dois documentos apresentados ex novo nos presentes autos, a saber, o teor das duas cartas enviadas pela embargada – mas não enviadas à aqui apelante - aos dois co-avalistas em 24 de julho de 2014, aqui denominadas como Doc. 12 (numeração conferida pela embargada em sede contestação).

38ª) Tais cartas foram também expressamente impugnadas pela embargante no seu requerimento de 30.03.2023, com a ref.ª citius nº 7977016.

39ª) E, a apreciação de tais cartas remetidas e assinadas pela embargada são igualmente fundamentais para apreciar a questão do preenchimento abusivo das duas livranças,

40ª) Já que o valor total em dívida à data de 24 de julho de 2014, reclamado então pela embargada - mesmo sem contemplar a dedução dos valores constantes dos dois recibos de quitação que a exequente já tinha recebido - ascendia à quantia de €.:43,123,66, face ao valor primitivo que era de €.:46,875,00.

41ª) Sendo certo que, quando a embargada interpôs a execução, em 20 de agosto de 2018, inscreveu como valor de capital a quantia de: “€.:55,107,13” (!?), que foi o quantitativo com que a embargada preencheu as livranças em 20 de agosto de 2015 (!?).

42ª) O mesmo é dizer que, o valor alegadamente em dívida, por artes mágicas, no espaço de um ano e um mês, disparou doze mil euros!

43ª) Tais cartas, repete-se eram absolutamente desconhecidas da aqui apelante, até à notificação do aqui signatário, da peça processual de contestação emanada da embargada, ocorrida em 13.03.2023 (cfr. ref.ª citius nº7930841)!

Impugnação da Decisão Relativa à Matéria de Facto, relativa ao tema do abuso de preenchimento das livranças.

44ª) Começa por se dar por integralmente reproduzido, mutatis mutandis, o teor do recurso interposto pela ora apelante, em 08.05.2024, com a ref.ª citius nº 8866725, quanto ao indeferimento do teor do requerimento, oral, da aqui apelante, vertido em ata (de fls. 3 a 5), com a ref.ª citius nº 94037150, referente à sessão da audiência de julgamento, realizada em 23.04.2024, e documentado na gravação digital efetuada na aplicação Habilus (módulo Habilus Media Studio), apresentado entre as 11:12:18 horas e as 11:21:31 horas,

Indeferimento esse constante de douto despacho, prolatado na referida sessão da audiência de julgamento, de 23.04.2024, e documentado na gravação digital efetuada na aplicação Habilus (módulo Habilus Media Studio), entre as 11:30:05 horas e as 11:37:56 horas.

45ª) Com efeito, na sentença ora recorrida, no segmento «3 – Motivação», mais concretamente, nos dois últimos parágrafos de fls.11, e nos dois primeiros parágrafos de fls.12, é dada nova justificação para o indeferimento à aqui apelante da pretendida junção de duas certidões para infirmar o depoimento de testemunhas CC e FF, em especial quanto ao teor do documento nº 8, junto com a contestação da embargada, e impugnado pela embargante no requerimento seguinte, de 30.03.2023, bem como quanto aos poderes dos outorgantes e signatários dos documentos nºs. 6 e 7 (denominados “recibos de quitação” juntos à oposição da embargante e à contestação da embargada, antes do depoimento da testemunha GG,

46ª) O mesmo é dizer que, também à luz do interesse para a decisão da causa e da matéria sobre a qual as testemunhas tinham sido e iam ser inquiridas, era imperioso admitir a junção das certidões relativas às duas empresas intervenientes nos três documentos em questão e a quem as vinculava à época.

47ª) Neste sentido, coteje-se o teor do douto Acordão do Tribunal da Relação do Porto, de 22-06-2022, disponível in http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8543b f80212341d180258877003115ff?OpenDocument, em que se assinalam a negrito as passagens que para aqui importam:

«I - Não padecem de nulidade, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação, os despachos ou sentenças que apreciem uma questão suscitada nos articulados, ainda que, com breve e escassa fundamentação.

II - Porque, questões a conhecer são coisa diversa dos argumentos invocados pelas partes e só a falta absoluta de fundamentação é geradora daquela.

III - A recusa da requerida notificação, da parte contrária ou de terceiro, para juntar documentos aos autos, só pode ocorrer se os mesmos não tiverem pertinência ou se forem desnecessários.

IV - Os documentos não são impertinentes quando têm por objecto a prova da factualidade integrante da causa de pedir (objecto do litígio), já que revelam ter idoneidade, ainda que abstracta, por si ou em conjunto com outros, para contribuir para a prova de matéria controvertida e decisão da causa.

V – Assim, quando os documentos se destinam a provar factos concretos, oportunamente, alegados, “com interesse para a decisão da causa”, só é possível concluir que se se revelam pertinentes e necessários ao apuramento da verdade sobre aqueles.».

48ª) Atente-se que, a junção de tais documentos prendia-se principalmente com a matéria do Doc.8 e, ainda, com a dos Docs.6 e 7 da contestação.

B.

49ª) A audiência de julgamento iniciou-se em 16 de abril de 2024 (cfr. ref.ª citius nº 93966721), e encontra-se documentada na gravação digital, efetuada na aplicação Habilus (módulo Habilus Media Studio), entre as 09:55:00 horas e as 13:00:00 horas, e nesta sessão da audiência, entre outras, depôs como testemunha, em terceiro lugar, HH, coordenadora de recuperação de créditos da embargada, que prestou as suas declarações gravadas entre as 11:23:21 horas e interrompeu às 11:56:10 horas, retomando às 11:56:38 horas e terminou às 12:33:38 horas (cfr. ata de 16.04.2024, com a ref.ª citius nº 93966721, de fls. 5);

50ª) E, entre os 12m:21s até a 13m:32s., do seu depoimento, esta testemunha, declarou o seguinte:

«Adv.: …Portanto, a esta data 24 de julho de 2014, este valor que estava, que era dado como estando em divida, 43.123,66€, pressupunha o abatimento à divida e aos juros, do valor que foi inscrito, é assim?

Adv:. Nesta data a B..., 24 de julho de 2014 está a pedir aos avalistas o valor para pagar as duas operações?

Test.: É. Sim. Sim. Exatamente, ou seja, o valor que estava em divida nessa data é os tais 43, não consigo ver, mas é o primeiro valor o valor que estaria em divida nessa altura, 43.123,66. (…)».

51ª) Em adesão, ao que a apelante propugna em especial nas conclusões 37ª) a 40ª), e 41ª) a 43ª).

52ª) E, entre os 18m:30s até ao 20m:20s., do seu depoimento, esta testemunha, mais declarou que:

«Adv.: O que eu queria saber da testemunha é o seguinte: Um ano antes foi pedido aos avalistas a quantia de 43.123,66 e pouco mais de um ano mais tarde, agosto de 2015, está a ser pedida a quantia de 55.167,13, que aliás foi inscrita nos títulos que foram dados à execução, nas livranças, o somatório dá este valor.

O que eu queria saber é se quando foi enviada a carta em 2014 pelo Departamento de Recuperação de Crédito, o valor que foi pedido aos avalistas, era já com o capital que estava amortizado? Porque é que há esta “décalage”, no espaço de um ano há 12.000 Euros de juros?

Juiz: Ó Sotor eh..

Test.: Pronto então é assim, com a experiência profissional que tenho posso explicar aquilo que acontece, na primeira carta enviada pelo departamento onde eu trabalho o valor que está a ser solicitado é valor exclusivamente de capital, é indicado à empresa o valor de capital naquela data em divida, quando o processo transita para contencioso isso dá lugar ao preenchimento das livranças é calculado os juros de mora até à data por isso se justifica essa discrepância de valores.».

53ª) Em adesão, uma vez mais, ao que a apelante propugna em especial nas conclusões 37ª) a 40ª), e 41ª) a 43ª),

54ª) Na medida em que, em 24 de julho de 2014, ao capital em dívida reclamado de €.:43,123,66, já teriam sido abatidos valores pagos que serviram para pagar os juros vencidos até essa data e a pequena parcela de capital sobrante (cfr.Doc.12 da contestação), prática habitual na banca,

55ª) E, em 20 de agosto de 2015, a soma do valor aposto nas livranças deveria ter sido calculados, com juros vincendos, no período que medeia entre ambas as cartas. Os juros de mora deveriam ter sido calculados, desde 24 de julho de 2014 até à data do preenchimento das livranças.

56ª) Pelo que tais factos, relativos ao Doc.12 da contestação, deveriam ter sido levados aos factos assentes, e não foram.

O Direito.

57ª) Dos presentes autos constam já dois factos assentes em “25.” e “27.”, factos relevantes para o que se segue:

- Em 26 de Maio de 2011 a Embargada recebeu como contragarantia, do “Fundo de Contragarantia Mútuo” o valor de 22.500,00€ referentes ao contrato de Garantia nº ...18, cujo incumprimento deu origem ao preenchimento da Livrança nos temos plasmados na carta de cobrança constante do Doc. 13 da contestação.

- Na mesma data em 26 de Maio de 2011 a Embargada recebeu como contragarantia, também do “Fundo de Contragarantia Mútuo” o valor de 15.000,00€ referentes ao contrato de Garantia nº ...42 cujo incumprimento deu origem ao preenchimento da Livrança nos temos plasmados na carta de cobrança constante do Doc. 14 da contestação.

Consta também dos autos um contrato, o Doc.8 anexo à contestação da Embargada, assinado em 30 de Agosto de 2016, entre a Embargada ( B... ) e a D..., SA, entidade que representa juridicamente o “Fundo de Contragarantia Mútuo” (FCGM) e que atualmente dá pelo nome de Banco de Fomento, S.A..

58ª) Tal contrato foi junto pela Embargada na tentativa de justificar a sua legitimidade para cobrar os valores que inscreveu abusivamente nas Livranças e que à luz da Portaria 1354 de 1999 que regula a atividade do FCGM e que, como a aqui Embargante bem deixou expendido nos presentes Autos, no requerimento de impugnação de documentos, tal portaria estabelece, no seu “Artigo 16º - Sociedade gestora “, que “A administração do FCGM cabe à D..., S. A., de acordo com o previsto no artigo 4º do Decreto-Lei 229/98, de 22 de Julho”, e por outro define no subsequente Artigo 17º Alinea c), que, é a D..., S. A., adiante “brevitatis causa” D..., e apenas ela, que tem capacidade para obrigar e representar o FCGM em juízo e fora dele.

O que em concomitância com Artigo 5º da mesma Portaria, que estabelece no seu ponto 3 que “3 — O Fundo ficará sub-rogado nos direitos dos beneficiários das garantias prestadas pelas sociedades de garantia mútua na medida dos reembolsos que tiver efetuado.”

59ª) É entendimento do Tribunal a quo que “os Beneficiários das Garantias” são as entidades que concedem o crédito,

60ª) Então, descendo ao caso concreto, segundo a lei e a jurisprudência publicada, no que respeita ao direito de sub-rogação, temos que:

- Na sub-rogação ocorre uma sucessão, uma transmissão do crédito – que mantém a sua identidade e os seus acessórios.

- O sub-rogado continua o direito de crédito anterior, no todo ou em parte, consoante a sub-rogação seja total ou parcial.

- Num contrato, com garantia prestada por sociedade de garantia mútua, uma vez accionada a garantia e pago o valor total do crédito em dívida, a sociedade que garantiu o crédito e pagou a dívida fica sub-rogada nos direitos do credor. (116245/21.0YIPRT.G1 Eva Almeida - Sub-Rogação - Legitimidade - Acordão TRG 09/29/2022

Unanimidade -: Apelação Improcedente- 2ª secção cível

Sumário:

I - Na sub-rogação ocorre uma sucessão, uma transmissão do crédito – que mantém a sua identidade e os seus acessórios, apesar da modificação subjectiva operada.

II - O sub-rogado continua o direito de crédito anterior, no todo ou em parte, consoante a sub-rogação seja total ou parcial.

III - Num contrato de mútuo bancário, com garantia prestada por sociedade de garantia mútua, uma vez accionada a garantia e pago o valor total do crédito em dívida, a sociedade que garantiu o crédito e pagou a dívida fica sub-rogada nos direitos do credor.

IV - Tendo tal sociedade de garantia mútua comunicado ao Banco, a quem satisfez o crédito, e à devedora, tal sub-rogação, face à mudança subjectiva da titularidade do direito de crédito, o Banco carece de legitimidade para demandar a devedora, com fundamento no contrato de mútuo que com ela celebrou, exigindo-lhe o pagamento do valor que já recebeu.)

61ª) Ora, nos presentes autos, o credor é a Embargada (B...) que obteve o direito de crédito por sub-rogação, pois a Embargada ficou sub-rogada nos direitos do Banco 1..., mas no momento em que recebeu os pagamentos feitos pelo FCGM (Em 26 de Maio de 2011) nasceu um novo direito de crédito por sub-rogação, o FCGM ficou sub-rogado em parte do direito de crédito, na percentagem do valor pago à B..., aqui Embargada, ilidindo imediatamente a legitimidade da Embargada (B...), para cobrar essa parte da dívida ( 22.500€ + 15.000€ ) = 37.500€.

62ª) A sentença recorrida enferma por isso de clamoroso erro de julgamento, quando, ao debruçar-se sobre o preenchimento abusivo das livranças, e das relações de sub-rogação resultantes dos pagamentos efetuados pela B... ao Banco 1... e pela FCGM à B..., conclui que

«Em suma, os pagamentos parciais feitos pelo FCGM à B... não extinguiram a dívida da A... e dos avalistas/executados perante a B.... E o FCGM, enquanto financiador de todo o sistema de garantia mútua, fica sub-rogado nos direitos dos bancos perante as sociedades de garantia mútua nos montantes que lhes tenha reembolsado.

Ou seja, o FCGM fica com o direito de exigir da B... que esta lhe pague as quantias que por si lhe foram entregues, quando a B... as receber por parte dos clientes dos bancos.».

63ª) Tais parágrafos são absolutamente conflituantes entre si, aparentando que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada do princípio da sub-rogação aplicado ao caso vertente.

64ª) Configurando grave erro de julgamento, Que motivou a decisão errada relativamente ao preenchimento abusivo das livranças.

65ª) Uma palavra final quanto à não verificação de qualquer caso julgado relativamente à aqui apelante que não foi interveniente nos apensos “A.” e “B.”, onde aliás, como se demonstrou não existiam determinados elementos probatórios analisados no presente recurso.

66ª) E, neste conspecto, de pouco serve pois um contrato assinado em 30 de Agosto de 2016, junto pela embargada como Doc.8 com a contestação, para tentar “ressuscitar” direitos de crédito que morreram em 26 de maio de 2011, até porque as Livranças em questão foram preenchidas um ano antes da respetiva assinatura, i. é, em 20 de Agosto de 2015.

67ª) O que ficou dito, embora de conhecimento oficioso, foi arguido pela Embargante atempadamente como nulidade, no seu requerimento de impugnação de documentos, invocando no seu Artº 58º o ponto 3 do Artº 726 do NCPC onde se pugna pelo “indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.”

68ª) Da arguida genuinidade, dos dizeres, do contrato assinado em 30 de agosto de 2016 entre a Embargada ( B... ) e a D.... SA, entidade que representa juridicamente o “Fundo de Contragarantia Mútuo” (FCGM) e que atualmente dá pelo nome de Banco de Fomento SA. junto aos presentes autos como Doc.8 da contestação da Embargada.

69ª) Sem conceder que um contrato assinado em 30 de agosto de 2016 não releva para uma sucessão de factos que ocorreram entre Maio de 2011 e Agosto de 2015, percebe-se que a junção de tal documento foi uma tentativa da Embargada plantar nos autos um embrião de legitimidade que lhe permitia tentar manter vivo o direito de crédito e cobrança da parte da divida que já não lhe pertence desde 2011 fruto do que anteriormente se deixou dito.

70ª) Embora o contrato de 30 de agosto de 2016, sub judice, contenha no seu Artº 5 uma suposta transmissão de direito de cobrança entre as partes, sucede que mesmo que o contrato pudesse ser aproveitado nestes autos, nunca o poderia ser porque o contrato não é genuíno, não é legitimo, não é válido, conforme se demonstrou em sede de audiência de julgamento.

71ª) Tal contrato foi assinado pelo Sr. II na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da B..., aqui embargada.

73ª) A embargante acedeu à informação pública constante da Certidão do Registo Comercial da B... e sucede que em 30 de Agosto de 2016 o Presidente do Conselho de Administração da B..., não era o Sr. II. O Sr. II só foi empossado como Presidente do Concelho de Administração da B... em 23 de novembro de 2017.

74ª) O Presidente do Conselho de Administração da B... em 30 de Agosto de 2016 era exatamente o Sr. CC e que assinou esse mesmo contrato mas na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da D... em representação do FCGM ( Fundo de Contragarantia Mútuo ) Sr. esse CC que prestou testemunho nestes Autos na qualidade de Presidente do Fundo à época e que a instâncias da Embargante, certamente por mero lapso afiançou que em 30 de Agosto de 2016 não era ele o Presidente do Conselho de Administração da B..., quando efetivamente era, como é público e de conhecimento oficioso por parte do tribunal, não podendo ser ignorado este relevante facto para averiguar da genuinidade “dos dizeres” do contrato e da sua legitimidade.

75ª) Ou seja, em 30 de agosto de 2016 o Sr. CC era concomitantemente Presidente do Conselho de Administração das duas entidades que outorgam o Contrato junto aos Autos como Doc. 8 da contestação da Embargada.

76ª) Portanto, em 30 de Agosto de 2016, O Sr. CC era:

- Presidente do Conselho de Administração da D.... SA, entidade que representa juridicamente o “Fundo de Contragarantia Mútuo” (FCGM) e que atualmente dá pelo nome de Banco de Fomento SA. E, ao mesmo tempo, - Presidente do Conselho de Administração Embargada ( B... ).

77ª) Esta informação pode ser consultada online no Portal do registo comercial em:

https://eportugal.gov.pt/espaco-empresa/empresa-online/consultar-acertidao-permanente

Utilizando os seguintes códigos:

- B..., S.A. - NIPC: ...19.

Código de acesso: ...65

- D..., S.A. (Atual Banco de Fomento SA.) NIPC:

...55

Código de acesso: ...49

78ª) Esta espécie de jogo de espelhos ficou plasmada também no testemunho do Sr. FF que outorgou o contrato na qualidade de Procurador da D.... SA, entidade que representa juridicamente o “Fundo de Contragarantia Mútuo” (FCGM) e que atualmente dá pelo nome de Banco de Fomento SA. mas que sabe-se lá porquê, confirmou e é verificável nas certidões mencionadas, que à data, 30 de Agosto de 2016 exercia também o cargo de Administrador do outro Outorgante do contrato, a B....

79ª) Esta testemunha a instâncias da meritíssima juíza afiançou ao Tribunal, também certamente por mero lapso, que em 30 de agosto de 2016 o Presidente do Conselho de Administração da B... era o Sr. II o que se verifica ser completamente falso.

80ª) Ou seja, temos um documento da pretensa contraprova da embargada, o contrato Doc. 8, em que estas duas pessoas que Outorgam em representação do FCGM e exercem paralelamente funções de Presidente da Administração e Administrador de outra identidade que outorga o Contrato, B..., num contrato no qual estas duas pessoas conferem à B... um direito de cobrança de créditos em nome da entidade que representam.

81ª) Sendo certo que quem outorga na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da B..., não era à data, o Presidente do Conselho de Administração só tendo sido empossado em novembro de 2017.

82ª) Nestes termos ficou provada a não genuinidade dos “dizeres” do Contrato e a sua inutilidade como documento de prova do que quer que seja nos presentes Autos.

83ª) Quanto à terceira Livrança de 28,00€ e da qual ninguém mais quis falar diga-se que tal montante nunca foi devido à Embargada pois a divida foi liquidada na integra ao Banco 2... SA. E a Embargada não fez qualquer prova de que tivesse pago o que quer que fosse em nome da Embargante ao Banco 2....

84ª) Tudo isto é lamentável. Com contrato, ou sem contrato, prova-se o preenchimento abusivo:

85ª) Mesmo que por redução ao absurdo se considerasse que o contrato é prova válida, basta fazer contas básicas para verificar que a Embargada não liquidou aritmeticamente os valores que recebeu e esqueceu-se de deduzir o valor de 3.919,72€.

86ª) E, portanto, preencheu as Livranças de forma abusiva, devendo este Tribunal Superior daí retirar as legais consequências e absolver a Embargante do pedido.

87ª) Ou ainda à luz da data de preenchimento das Livranças, 20 de Agosto de 2015 e da outorga do contrato, 30 de Agosto de 2016 e atento a que obrigação de pagamento à B..., foi cumprida pelo FCGM em 26 de maio de 2011 considerar sempre o disposto na Portaria 1354 de 1999 que regula a atividade do FCGM e que determina que “ 3 — O Fundo ficará sub-rogado nos direitos dos beneficiários das garantias prestadas pelas sociedades de garantia mútua na medida dos reembolsos que tiver efetuado.”

88ª) E bem assim em concomitância o artigo 644.º, do Código Civil (o fiador que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, nomeadamente, o de exigir o cumprimento) seria então ao FCGM, que tem personalidade jurídica própria conforme bem referiu o Sr. CC, seu presidente à data e não à Embargada que cabia cobrar o valor alegadamente em divida

89ª) Termos em que o Tribunal a quo deveria ter absolvido a Embargante da instância, por verificação da ilegitimidade activa da Embargada (arts 278º, n.º 1, al.e) e 577º, al.e) do Cód de Proc Civil).

E Assim Decidindo Vossas Excelências Farão a Já Costumada Justiça.”


*

Contra-alegou a recorrida, deduzindo as seguintes conclusões:

“1. Não houve violação de caso julgado por dois motivos.

2. Em primeiro lugar porque o Tribunal da Relação de Lisboa se limitou a revogar um despacho de indeferimento liminar e a ordenar o prosseguimento dos autos, o que sucedeu, e, no final da tramitação do

processo, o Tribunal Recorrido se limitou a não dar como provada a superveniência subjetiva de que dependia a tempestividade dos embargos.

3. Em segundo lugar, porque o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra invocado pela Embargante recaiu sobre um despacho que já fora revogado pelo Tribunal Recorrido.

4. Por outro lado, esta Veneranda Relação de Coimbra não deve conhecer do recurso da decisão da matéria de facto da Embargante dado que esta desrespeitou de forma ostensiva todos os ónus que sobre si impendiam:

(i) Não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (artigo 640º, n.º 1, al. a) do CPC);

(ii) Não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640º, n.º 1, al, b) do CPC);

(iii) Não indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigo 640º, n.º 1, al. c), do CPC); e,

(iv) E não indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640º, n.º 2, al. a) do CPC).

5. O pagamento realizado pelo FCM à Embargada não extinguiu a dívida da Embargante. É um pagamento que visa assegurar a solvência do sistema de garantia mútua.

6. Tal pagamento também não impede a Embargada de continuar a exigir o pagamento da dívida à Embargante dado que o FCGM ficou sub-rogado nos direitos do banco beneficiário da garantia sobre a Embargada e não nos direitos da Embargada sobre a Embargante.”.


*

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar o recurso, sendo que as questões a decidir consistem em apreciar:

I. Violação do caso julgado formal: alcance do Acórdão de 14-06-2022 (conclusões 2 a 10);

II. Impugnação da matéria de facto relativa ao tema da superveniência dos embargos (conclusões 11 a 43);

III. Impugnação da matéria de facto relativa ao preenchimento das livranças (conclusões 44 a 56);

IV. Erro de julgamento (conclusões 57 a 89).


*

A. Fundamentação de facto

Na 1.ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A 20 de Agosto de 2018, “B..., S.A.”, intentou execução ordinária para pagamento de quantia certa de 62.197,23 euros, com fundamento em três livranças, contra “A.... Lda.”, AA e BB, tendo pedido a citação urgente (por se encontrar próxima a data da prescrição).

2. A execução funda-se em três livranças de que a exequente é portadora, no valor respetivamente de € 28,86, € 22 431,33 euros e € 32 646,94 euros, com local e data de emissão “..., 2015.08.20” e com vencimento em 31-08-2015, subscrita pela “A...” e aval do executado AA, constando ainda a assinatura do nome de BB como avalista (cf. fls. 8 vº. a 10, do processo principal).

3. No requerimento executivo, na secção sob o título “Factos”, ficou a constar o seguinte: “ A Exequente é legítima portadora de livranças no valor de € 32.646,94 (trinta e dois mil, seiscentos e quarenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), de € 28,86 (vinte e oito euros e oitenta e seis cêntimos) e de € 22.431,33 (vinte e dois mil, quatrocentos e trinta e um euros e trinta e três cêntimos), vencidas e não pagas” - cfr. Doc. 1, 2 e 3.

A tal valor acrescem juros vencidos e vincendos, e respectivo imposto do selo, até efectivo e integral pagamento, assim como despesas e honorários do Agente de Execução.”.

4. A executada “A..., Ld.ª” foi citada na ação executiva em 13 de Setembro de 2018.

5. Os presentes embargos foram instaurados em 23 de Janeiro de 2019.

6. O executado AA, embargante no Apenso B, é legal representante da embargante “A..., Ld.ª” neste apenso.

7. Os executados “A..., Ld.ª” e AA possuem o mesmo mandatário.

8. No apenso B, a contestação da exequente, que continha os documentos 6 e 7, mormente os “recibos de quitação”, foi notificada ao mandatário do aí embargante, executado AA, através de envio eletrónico em 19-12-2018.

9. No dia 5 de Dezembro de 2008, no exercício da sua atividade, a Exequente celebrou com a empresa A..., Unipessoal (doravante apenas “A...”), um acordo destinado à prestação de uma garantia autónoma, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ...18 a favor do Banco 1... S.A. (“Banco 1...., S.A.”) destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 50.000,00 no âmbito de um contrato celebrado entre aquela instituição financeira e a referida empresa – cfr. Documento junto.

10. No dia 3 de Abril de 2009, a Exequente celebrou novamente com a empresa A... um acordo destinado à prestação de uma garantia autónoma, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ...14 a favor do Banco 2..., S.A. destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00, no âmbito de um contrato de empréstimo celebrado entre aquela instituição financeira e a referida empresa – cf. Documento junto.

11. No dia 11 de Setembro de 2009, a Exequente celebrou novamente com a empresa A... um acordo destinado à prestação de uma garantia autónoma, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ...42, a favor do Banco 1...., S.A., destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00, no âmbito de um contrato de empréstimo celebrado entre aquela instituição financeira e a referida empresa – cfr. Documento junto.

12. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração dos três contratos acima referidos, a A... entregou à Exequente, ora Embargada, as três respetivas livranças em branco, por si subscritas e com o aval do executado AA e que também continha o nome da executada BB no lugar de avalista.

13. A aqui embargante subscreveu os três acima aludidos contratos, juntos como Documentos 1, 2 e 3, com a contestação.

14. Nos referidos contratos as assinaturas foram objeto de reconhecimento notarial (cfr. Documentos juntos).

15. De acordo com a cláusula 4.ª consignada em cada um dos três contratos, antes aludidos, consta: “Para garantia de todas as responsabilidade que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão: entregar, nesta data, à SGM, livrança em branco, por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” (sublinhado e negrito nossos) – v. Documentos juntos.

16. No âmbito da garantia n.º ...18, o Banco 1... interpelou a B... para proceder ao pagamento do valor total de € 28.125,00 (vinte oito mil, cento e vinte e cinco euros) correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida pela A... (cfr. documento junto).

17. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

18. Na mesma altura, no âmbito da garantia n.º ...42, o Banco 1... interpelou a B... para proceder ao pagamento do valor total de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta euros) correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida pela A... (cfr. documento junto).

19. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

20. Através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de maio de 2011 a executada A... para, tendo presente o contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º ...18, celebrado em 05.12.2008, para proceder ao pagamento de € 28.125,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto).

21. Também através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de Maio de 2011 a executada A... para, tendo presente o contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º ...42, celebrado em 11.09.2009, para proceder ao pagamento de € 18.750,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto).

22. Em 1 de Junho de 2011, a B..., como primeiro contraente, celebrou Contrato de “assunção e acordo de regularização de dívida” com os dois executados A... e AA, enquanto segundo contraente e terceiro contraente.

23. Desse contrato ficou a constar que em cumprimento das garantias prestadas n.ºs ...18 e ...42 a B... pagou efetivamente ao Beneficiário as importâncias solicitadas; e a segunda contraente confessou-se devedora à primeira contraente da importância global de € 46 875,00, valor atualmente em dívida, aceitando liquidar o valor em dívida em 84 prestações mensais e sucessivas (cf. Doc. junto).

24. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...18, a importância de 28.125,00 euros em 25/05/2011 (cf. documento junto).

25. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 75 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 22.500,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...18, emitida pela B... (cfr. documento junto).

26. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...42, a importância de 18.750,00 euros em 25/05/2011 (cfr. documento junto).

27. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 78 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 15.000,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...42, emitida pela B... (cfr. documento junto).


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            Não se provou:

a) Que a aqui embargante apenas teve conhecimento dos 11 (onze) documentos juntos na contestação apresentada pela exequente “B..., S.A.”, no apenso B (embargos de executado movidos pelo co-executado AA) em 17 ou outro dia subsequente de dezembro de 2018 (tal como é referido no 5.º parágrafo da página 11 do acórdão do TRCoimbra de 14-06-2022) ou em janeiro de 2019.


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Por consulta, análise e verificação de todo o processo electrónico, regista-se que foram autuados os seguintes apensos ao processo de execução n.º 6297/18.2T8CBR:[2]

(1) Apenso A: Embargos de executado de BB, instaurados em 27-09-2018 – julgados improcedentes por sentença de 31-05-2021, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2022, transitado em julgado (sumário: A relação entre a “B...” e o “Fundo de Contragarantia Mútuo” não diz respeito e não interfere com a relação entre a “B...” e os Executados, sendo autónoma, por razões especiais, explicadas pelo respetivo regime legal. / A Executada, avalista, continua devedora perante a B..., apesar dos pagamentos do referido “Fundo” à B...);

(2) Apenso B: Embargos de executado de AA, instaurados em 03-10-2018 – julgados improcedentes por sentença de 04-08-2020, confirmada por  Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-09-2021, transitado em julgado (sumário: I - A relação entre a “B...” e o “FCGM” não diz respeito e não interfere com a relação entre a “B...” e os Executados, sendo autónoma, por razões especiais, explicadas pelo respetivo regime legal. II - Invocando a prescrição prevista no art.310, e), do Código Civil, o executado não concretizou as prestações que estavam em causa, para consideração, relativamente a cada uma delas, do decurso dos 5 anos);

(3) Apenso C: Embargos de executado de A..., Unipessoal, Lda., instaurados em 23-10-2019 – julgados improcedentes por sentença de 17-06-2024, objecto do presente recurso;

(4) Apenso E: Reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, do despacho do tribunal a quo, de 25-02-2021, de não admissão do recurso do embargante AA – indeferida por decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-05-2020;

(5) Apenso F: Recurso de apelação em separado, apresentado pela embargante BB em 17-06-2021 – julgado improcedente por decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2021 (e 21-10-2021), confirmada em conferência por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021;

(6) Apenso G: Reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, do despacho do tribunal a quo, de 23-05-2021, de não admissão do recurso da embargante A..., Unipessoal, Lda. – indeferida por decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2021, a qual foi revogada em conferência por Acórdão de 18-01-2022, que declarou a Relação hierarquicamente incompetente para decidir da reclamação – por estar em causa um recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça –, tendo o STJ, por decisão singular de 21-03-2022, confirmado o despacho de não admissão do recurso de revista;

(7) Apenso H: Impugnação judicial do indeferimento de apoio judiciário de BB – indeferida por decisão do tribunal a quo de 13-10-2021;

(8) Apenso I: Reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, do despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-05-2022, que ordenou o desentranhamento das alegações de recurso e que não admitiu o recurso de apelação de BB – indeferida por decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2020 de não conhecimento do objecto da reclamação;

(9) Apenso J: Reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, do despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-05-2023, de não admissão de recurso de revista de BB – indeferida por decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de 03-07-2023, confirmada em conferência por Acórdão do STJ de 10-10-2023;

(10) Apenso K: Recurso de apelação em separado de A..., Unipessoal, Lda., do despacho oral proferido em sede de julgamento na sessão de 23-04-2024 – julgado improcedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-01-2025.


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B. Fundamentação de Direito.

I. Violação do caso julgado formal: alcance do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022 (conclusões 2 a 10).

Começa a recorrente por sustentar que, atendendo ao teor do Acórdão supra, operou-se caso julgado formal relativamente à questão da tempestividade dos presentes embargos, estando o tribunal a quo a violar essa decisão, transitada em julgada (com a prolação do subsequente Acórdão de 13-12-2022, que o confirmou, na sequência de pedido de reforma da exequente).

Diz a recorrente, ademais, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, “analisando de forma exaustiva o articulado de oposição, apresentado pela ora apelante, extraiu dos arts.1º, 7º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º e 43º, todos do articulado em questão, os fundamentos concretos para “…demonstrar que não lhe é imputável o não conhecimento dos factos supervenientes até ao termo do prazo contado da citação.” (fls.9, 10 e 11 do citado Aresto)” (sic).

De harmonia, sustenta que “A violação do dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível, como se deixa arguido para todos os devidos efeitos legais, da decisão que assim veio a ser proferida, nomeadamente por o objeto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (arts. 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), II parte, ambos do CPC)” – conclusão 10.ª.

Em contra-alegações a exequente/embargada aduz que o Acórdão em causa limitou-se a revogar o despacho de indeferimento liminar e a ordenar o prosseguimento dos autos, o que sucedeu, e, no final da tramitação do processo, o tribunal recorrido cingiu-se a não dar como provada a superveniência subjectiva de que dependia a tempestividade dos embargos.

Apreciando.

Como é ostensivo, não assiste razão à recorrente.

O art. 728.º do CPC epigrafado “oposição mediante embargos”, prescreve nos seus n.ºs 1 e 2:

“1- O executado poder opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.

2- Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado. (…)”.

In casu, a embargante/recorrente veio alegar a superveniência subjectiva dos embargos, afirmando, em síntese, que deduziu oposição à execução em 23-01-2019 por ter tido conhecimento dos embargos de executado, movidos pelo co-executado AA, legal representante da aqui recorrente, e da contestação aí apresentada, pela apelada e exequente, e dos 11 documentos que a acompanhavam em 17-12-2018 – Apenso B.

Escreveu-se na fundamentação do citado Acórdão:

“Para Miguel Teixeira de Sousa “pode suceder que o facto que constitui fundamento dos embargos ocorra depois do prazo normal da sua dedução ou que, apesar de anterior a esse prazo, o executado só tenha conhecimento dele após o decurso do mesmo; na primeira situação, o facto é objectivamente superveniente; na segunda, a superveniência é subjectiva”.

Já José Lebre de Freitas considera que “a oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação do executado art.º 728-1.

Há, no entanto, a possibilidade de embargos supervenientes:

- quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado;

- quando este tiver conhecimento do facto (ex: o pagamento efetuado por um seu antecessor) depois da sua citação”.

“Na situação excecional da matéria da oposição ser superveniente, corre um novo prazo de 20 dias sobre a ocorrência ou o conhecimento do facto para o executado se poder opor novamente ou pela primeira vez, se ainda não o fizera”.

“Cabe sempre ao embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição.

Não são de indeferir liminarmente, por extemporaneidade, os “embargos supervenientes”, quando se mostre controvertida a alegada superveniência subjetiva da matéria da oposição. [3]

Ou seja, a única questão que o Acórdão de 14-06-2022 decidiu foi que podem ser deduzidos embargos supervenientes, quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado ou quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação, cabendo ao embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objectiva ou subjectiva) da matéria da oposição, tendo-os admitido liminarmente.

Deste modo, impende(ia) sobre a executada/embargante o ónus de demonstrar que não lhe é(era) imputável o não conhecimento dos factos supervenientes até ao termo do prazo contado da citação; suposto é, claro está, que os factos sejam não só supervenientes, mas também que constituam fundamento legal para dedução de oposição à execução.

Por conseguinte, inexiste caso julgado quanto à questão da superveniência dos embargos, tendo a decisão em causa cingido a revogar o despacho de indeferimento liminar e a ordenar o prosseguimento dos autos.

II. Impugnação da matéria de facto

A recorrente, ao longo das suas prolixas e pouco claras conclusões, veio atacar a decisão da matéria de facto estabelecida na 1.ª Instância, sem, contudo, indicar, em qualquer momento, quais os factos provados concretos a que se reporta ou quais os factos provados que devem ser tidos por não provados e vice-versa.

Por esse motivo, a recorrida pugna pela rejeição liminar do recurso da decisão da matéria de facto da embargante “dado que esta desrespeitou de forma ostensiva todos os ónus que sobre si impendiam” elencados no art. 640.º do CPC.

Analisemos esta questão.

A interposição de um recurso jurisdicional exerce-se através de requerimento que contenha a fundamentação e o pedido, de modo a delimitar o objecto da impugnação, esclarecendo o n.º 2 do art. 637.º do CPC, que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade” e impondo o n.º 1 do art. 639.º, ao recorrente, o dever de “apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão”.

No que toca ao recurso incidente sobre a matéria de facto o n.º 1 do art. 640.º do CPC estabelece: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Destarte, sendo impugnada a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, o recorrente além de ter necessariamente de cumprir os ónus de alegação, de especificação e de conclusão, deve, de harmonia com as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, particularizar obrigatoriamente, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios para proferir nova decisão, (iii) e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, Proc. n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1.

Detalha-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2024, Proc. n.º 3674/21.5T8VIS.C1.S1: “O regime relativo ao ónus de impugnação importa, desde logo, que o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões – 640.º, n.º 1, a) –, também deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, numa relacionação clara dos meios de prova com cada um dos pontos de facto que se pretende alterar e quando a impugnação se funde, no todo ou em parte em prova gravada, indicar em termos precisos, as passagens da gravação relevante ou proceder à sua transcrição – art.º 640 n.º 1, b) e n.º 2 –, e ainda deixar de forma expressa e inequívoca a indicação da decisão que a devia ter sido proferida quanto às questões de facto impugnadas, no atendimento dos meios de prova produzida, art.º 640, n.º 1, c), todos do CPC”.

Arreda-se, desta forma, a admissibilidade de recursos genéricos com fundamento em erro na decisão de facto, assentando os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC, a cargo do recorrente, nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, tendo por finalidade garantir a seriedade do recurso.[4]

Por sua vez, no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – cf. al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC.

Em suma, “Não cumpre o ónus de especificação previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o recorrente que se limita a consignar a hora do início e do termo de cada depoimento, indicando uma súmula de excertos do teor de tais depoimentos” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-09-2024, Proc. n.º 4667/20.5T8VIS.C1.S1.

O incumprimento dos requisitos enumerados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, implica a rejeição do recurso atinente à matéria de facto, porquanto, para que se altere a decisão da matéria de facto da 1.ª Instância, não basta divergir da leitura que esta fez da factualidade em litígio – ao considerar determinados factos provados e outros não provados –, impondo-se demonstrar que ocorreu erro no julgamento que contrarie, de forma clara e evidente, as regras da ciência da lógica e da experiência, apontando, de modo inequívoco, para o julgamento do facto num sentido diverso, tendo o recorrente, como antes se realçou, a obrigatoriedade de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; devendo, ainda, indicar, com exactidão, as passagens gravadas em que se funda o seu recurso.

É por isso claro que o recurso em análise, no que à impugnação da matéria de facto atine, não está minimamente conforme aos ditames legais aplicáveis, uma vez que a embargante/recorrente, nem nas alegações, nem nas conclusões, refere ou indica quais os factos assentes que pretendia fossem dados como não provados, nem indica quaisquer factos que deveriam ser dados como assentes.

Podíamos, assim, cingir-nos a rejeitar o recurso sobre a matéria de facto.

Não obstante o referido, tem vindo a afirmar-se na jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, uma corrente (mais recente) que sustenta que, segundo um critério de proporcionalidade e da razoabilidade, os ónus enunciados no art. 640.º do CPC devem ser flexibilizados, desde que se garanta uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso.

In casu, não obstante a pecha já assinalada ao recurso sub judice, e ainda que se tentasse “remediar” as insuficiências assinaladas ao recurso sobre a matéria de facto – sendo manifestamente complexo deslindar inclusive as questões suscitadas… –, a verdade é que não se retira da audição e análise das provas produzidas em julgamento qualquer uma das conclusões recursivas que a apelante sustenta, como se passa a demonstrar.

II. Da superveniência dos embargos (conclusões 11 a 29):

a) Se há contradição dos pontos de facto assentes n.ºs 17) e 19) com os factos assentes n.ºs 24) e 26).

É a seguinte a redacção dos indicados factos provados n.ºs 17 e 19 e n.ºs 24 e 26:

17. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

19. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

24. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...18, a importância de 28.125,00 euros em 25/05/2011 (cf. documento junto).

26. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...42, a importância de 18.750,00 euros em 25/05/2011 (cfr. documento junto)..

Como é notório inexiste qualquer contradição entre a factualidade em apreço: com efeito, o facto de se considerar provado, sob os n.ºs 17 e 19, que a exequente/embargada realizou pagamentos ao Banco 1... em 16-05-2011 não é contraditado pelo facto de nos recibos de quitação, emitidos pelo Banco 1..., este ter declarado que recebeu da “C..., S.A.” as importâncias de € 28 125,00 e de € 18 750,00 em 25-05-2011.

Trata-se, evidentemente, de realidades diversas que não colidem – uma coisa é a data provada dos pagamentos e outra, diversa, é a declaração da data desses pagamentos, inserta nos recibos de quitação, com a divergência de alguns dias, o que se poderá dever, inclusive, a questões de ordem burocrática e administrativa de processamento do Banco 1... que não beliscam, minimamente, a ocorrência dos pagamentos daqueles valores (facto essencial provado).

Improcede, assim, este ponto do recurso.

b) Se a apelante apenas tomou conhecimento da existência dos recibos de quitação emitidos pela B... (factos assentes n.ºs 25 e 27) quando o mandatário comum ao executado no apenso B foi notificado dos mesmos com um articulado ali apresentado pela exequente embargada, notificado em 19-12-2018 (conclusão 16).

O tribunal a quo deu como provado:

“25. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 75 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 22.500,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...18, emitida pela B... (cfr. documento junto).

27. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 78 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 15.000,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...42, emitida pela B... (cfr. documento junto).”

Porém, o tribunal a quo reputou que não ficou provado:

“Que a aqui embargante apenas teve conhecimento dos 11 (onze) documentos juntos na contestação apresentada pela exequente “B..., S.A.”, no apenso B (embargos de executado movidos pelo co-executado AA) em 17 ou outro dia subsequente de dezembro de 2018 (tal como é referido no 5.º parágrafo da página 11 do acórdão do TRCoimbra de 14-06-2022) ou em janeiro de 2019.”

Neste segmento expendeu a 1.ª instância, “No que respeita ao facto não provado, encontra-se expressamente impugnado pela exequente/embargada em sede de contestação, não tendo sido produzida qualquer prova pessoal nesse sentido, isto é, houve total ausência de prova nesse sentido.”

E expendeu-se na decisão sob recurso, de forma correcta: “…caberá sempre à embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição, tal como a lei processual civil dispõe no que se refere aos “articulados supervenientes” (cf. art. 588º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

No caso em análise, a embargante entende que foi feito pagamento parcial da dívida reclamada pela exequente, porquanto esta recebeu do Fundo de Contragarantia Mútua («FCGM») vários montantes. E ficou provado que a exequente enviou cartas à embargante dando conhecimento dos pagamentos por si realizados ao Banco 1... no âmbito das garantias autónomas referidas e interpelando-a a proceder ao pagamento de tais quantias até 24 de Maio de 2011 – Cf. Doc. 9 e 10.

Ora, se o facto em causa, que origina os embargos supervenientes, já ocorreu em 2011 – v. factos assentes sob os n.ºs 24) a 27) - aquando da citação é que a executada sociedade deveria ter questionado a exequente, de modo a obter todas as informações pertinentes para poder defender-se desde logo e, querendo, deduzir os embargos à execução dentro dos vinte dias que dispunha contados da data em que foi citada na execução principal. Note-se que o alegado desconhecimento da embargante sobre os recibos de quitação juntos no apenso B, que não ficou demonstrado, não se confunde com o próprio facto superveniente (pagamentos parciais feitos à exequente por uma entidade que não é parte).

A recorrente não assinala, de forma minimamente perceptível ou consistente, qualquer meio de prova que infirme os factos assinalados (provados e não provado) e que inquine esta conclusão.

Por conseguinte, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, improcede esta questão recursiva.

c) Se a apelada nunca poderia ter dado conhecimento à apelante, em 16-05-2011, dos “negócios” que celebrou com a D... dez dias mais tarde, em 26-05-2011 (cf. recibos de quitação constantes dos factos assentes n.ºs 25 e 27).

Assevera a recorrente, a este propósito, que a apelada enviou duas concretas missivas à aqui apelante, que constam dos factos assentes n.ºs 20 e 21, em 16-05-2011, i.e., “em data muito anterior à data em que emitiu os recibos de quitação à D..., em 26-05-2011” (sic), que é a que consta dos factos assentes n.ºs 25 e 27.

Salvo o devido respeito, a recorrente faz uma leitura truncada desta factualidade, impondo-se reproduzir, de novo, a totalidade dos factos alinhados como provados na sentença, sob os n.ºs 16 a 27, por uma questão de coerência lógica:

16. No âmbito da garantia n.º ...18, o Banco 1... interpelou a B... para proceder ao pagamento do valor total de € 28.125,00 (vinte oito mil, cento e vinte e cinco euros) correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida pela A... (cfr. documento junto).

17. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

18. Na mesma altura, no âmbito da garantia n.º ...42, o Banco 1... interpelou a B... para proceder ao pagamento do valor total de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta euros) correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida pela A... (cfr. documento junto).

19. A B... realizou tal pagamento ao Banco 1... em 16 de Maio de 2011 (cfr. documento junto).

20. Através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de maio de 2011 a executada “A...” para, tendo presente o contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º ...18, celebrado em 05.12.2008, para proceder ao pagamento de € 28.125,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto).

21. Também através de carta registada com aviso de receção, a exequente interpelou em 16 de maio de 2011 a executada “A...” para, tendo presente o contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º ...42, celebrado em 11.09.2009, para proceder ao pagamento de € 18.750,00 euros até ao dia 24 de maio de 2011 (cfr. documento junto).

23. Desse contrato ficou a constar que em cumprimento das garantias prestadas n.ºs ...18 e ...42 a B... pagou efetivamente ao Beneficiário as importâncias solicitadas; e a segunda contraente confessou-se devedora à primeira contraente da importância global de € 46.875,00, valor atualmente em dívida, aceitando liquidar o valor em dívida em 84 prestações mensais e sucessivas (cf. Doc. junto).

24. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...18, a importância de 28.125,00 euros em 25/05/2011 (cf. documento junto).

25. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 75 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 22.500,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...18, emitida pela B... (cfr. documento junto).

26. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...42, a importância de 18.750,00 euros em 25/05/2011 (cfr. documento junto).

27. E também mercê do Recibo de Quitação de fls. 78 v.º, a “B..., S.A.” declarou ter recebido a importância de 15.000,00 euros do “Fundo de Contragarantia Mútuo” em 26 de Maio de 2011, por força da contragarantia por este prestada à garantia n.º ...42, emitida pela B... (cfr. documento junto).

Ou seja, o que emerge desta factualidade é que a apelada foi interpelada pelo Banco 1... para proceder ao pagamento dos valores de € 28 125,00 – correspondente à garantia n.º ...18 – e de € 18 750,00 – correspondente à garantia n.º ...42 –, tendo realizado esse pagamento ao Banco 1... em 16-05-2011, e, na mesma data, interpelou a apelada, através de cartas registadas com aviso de recepção, para proceder ao pagamento daqueles mesmos valores até ao dia 24-05-2011, tendo em atenção os contratos subjacentes à emissão daquelas garantias bancárias, celebrados, respectivamente, em 05-12-2008 e em 03-04-2009. Por sua vez, os recibos de quitação a que se reportam os factos assentes n.ºs 25 e 27 relacionam-se, apenas, com o recebimento daqueles montantes, pela apelada, através do Fundo de Contragarantia Mútuo, no dia 25-05-2011, ou seja, no dia subsequente à data limite de pagamento por parte da apelante.

Não há, desta feita, qualquer ligação entre os factos assinalados que permita retirar deles a leitura que a apelante faz.

Improcede, assim, esta questão recursiva.

d) Se os factos provados n.ºs 10 e 11 devem ser considerados não provados (conclusões 21.ª a 24.ª)

Trata-se, porventura, do único momento do recurso da matéria de facto em que a recorrente dá cumprimento expresso ao estatuído no art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.

Diz a recorrente que do depoimento do legal representante da apelada, DD – sessão de 16-04-2024, entre 12:34:12 horas às 12:49:16 horas –, entre os 04m:29s até aos 10m:11s (que reproduziu), se pode concluir o seguinte:

“23.ª Relativamente aos documentos nºs. 9 e 10, juntos com a contestação da embargada-exequente, que correspondem aos factos dados como assentes em “10.)” e “11.)”, o legal representante da embargada, nem foi capaz de garantir que tais cartas, com os correspondentes dizeres, foram sequer remetidas à aqui apelante.

24ª) Colocando assim em crise igualmente tais factos que já estavam aprioristicamente dados como assentes em “10.)” e “11.)” (sic)

Vejamos o teor dos documentos.

O documento n.º 9 da contestação consiste numa carta registada com aviso de recepção, datada de 16-05-2011, sob o assunto “Solicitação de pagamento”, remetida pela exequente à executada a solicitar o pagamento do valor de € 28 125,00 até ao dia 24-05-2011;

O documento n.º 10 da contestação consiste numa carta registada com aviso de recepção, datada de 16-05-2011, sob o assunto “Solicitação de pagamento”, remetida pela exequente à executada a solicitar o pagamento do valor de € 18 750,00 até ao dia 24-05-2011.

Procedendo à audição integral daquele depoimento, resulta que DD é o director da área de acompanhamento e recuperação de crédito na B..., onde trabalha desde 2006, e que representou em juízo a exequente/embargada, por procuração. As suas declarações centraram-se na matéria dos documentos n.ºs 9, 10 e 12 juntos com a contestação. A testemunha, além do que a recorrente transcreveu, salientou que a carta deveria ser de alguém da área de contencioso, possivelmente JJ da Direcção Jurídica e de Contencioso. Afirmou que já viu este tipo de documentos antes; são cartas enviadas após a B... pagar as garantias, explicitando que a exequente presta garantias de bom pagamento. Quando é pedido o pagamento, a B... paga ao beneficiário e envia estas cartas à empresa devedora a informar do pagamento efectuado. Referiu, ainda, que é uma carta habitual e que, em 2011, o tratamento do processo de pagamento ao beneficiário era tratado na área de contencioso, incluindo esta fase de envio da carta.

Por sua vez, nos factos assentes em apreço consignou-se:

“10. No dia 3 de Abril de 2009, a Exequente celebrou novamente com a empresa A... um acordo destinado à prestação de uma garantia autónoma, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ...14 a favor do Banco 2..., S.A. destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00, no âmbito de um contrato de empréstimo celebrado entre aquela instituição financeira e a referida empresa – cf. Documento junto.

11. No dia 11 de Setembro de 2009, a Exequente celebrou novamente com a empresa A... um acordo destinado à prestação de uma garantia autónoma, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ...42, a favor do Banco 1...., S.A., destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00, no âmbito de um contrato de empréstimo celebrado entre aquela instituição financeira e a referida empresa – cfr. Documento junto”.

Patentemente, não há qualquer tipo de relação entre o depoimento em apreço, os documentos analisados e os factos indicados, não se conseguindo compreender, de todo, a impugnação apresentada, que, manifestamente, improcede.

e) Se os recibos de quitação correspondentes aos factos assentes n.ºs 8, 24 e 26, eram documentos internos da apelada, que eram totalmente desconhecidos da aqui embargante, até à data da apresentação da contestação pela embargada no Apenso B (conclusões 20.ª e 25.ª a 29.ª)

Aduz a recorrente, outrossim, que, na mesma sessão de julgamento, depôs como testemunha CC, antigo Presidente do Conselho de Administração da apelada – entre as 10:04:37 horas e as 11:18:28 horas –, e que do seu testemunho entre a 1h:06m:55s até a 1h:08m:00s (que reproduziu), extrai-se que a testemunha foi o signatário de dois documentos denominados como recibos de quitação, constantes da resposta dada aos factos dados como assentes sob os n.ºs 8, 24 e 26 (docs. n.ºs 6 e 7 juntos à contestação da embargada), tendo a testemunha respondido que se tratavam de “actos administrativos” ao ser questionado sobre se “eram um documento interno das empresas ou se, pelo contrário, eram comunicados aos clientes que beneficiavam dos empréstimos” e que “tais documentos se referiam efectivamente a documentos internos da sociedade B..., que eram totalmente desconhecidos da aqui embargante, como dos demais executados até à data da apresentação de tal articulado pela embargada no apenso “B”.

Dos factos provados em causa, resulta o seguinte:

8. No apenso B, a contestação da exequente, que continha os documentos 6 e 7, mormente os “recibos de quitação”, foi notificada ao mandatário do aí embargante, executado AA, através de envio eletrónico em 19-12-2018.

24. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...18, a importância de 28.125,00 euros em 25/05/2011 (cf. documento junto).

26. Através do Recibo de Quitação emitido em 25 de Maio de 2011, o “Banco 1..., S.A.” declarou ter recebido da “C..., S.A.”, por força da garantia n.º ...42, a importância de 18.750,00 euros em 25/05/2011 (cfr. documento junto).

A este propósito, por claríssima, reproduz-se a motivação do tribunal a quo, a qual não foi minimamente beliscada pela recorrente em sede de impugnação de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade acima elencada perante a não impugnação/acordo (v. art.ºs 46.º e 574.º/2, do CPC), toda a documentação oportunamente junto aos autos, assim como os documentos juntos no Apenso B (embargos de executado, já decididos em definitivo), o requerimento executivo e título executivos juntos no processo executivo principal e os depoimentos das testemunhas CC, FF, HH e GG, assim como o depoimento de parte da embargada através do Dr. DD (cf. artigo 607.º, n.º 4, in fine do Código de Processo Civil), bem como mediante a análise e ponderação crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, destacando-se os seguintes elementos:

– a prova documental produzida em audiência final foi valorada nos termos e para os efeitos dos artigos 362.º a 387.º, do Código Civil: o requerimento executivo, onde constam os factos elencados e a indicação da liquidação da obrigação; e os títulos executivos e documentos juntos com o requerimento executivo; os documentos juntos pela embargante e embargada neste apenso e os documentos juntos com a contestação no apenso B (embargos de executado).

Quanto aos documentos que foram impugnados pela embargante e cuja genuinidade foi posta em causa, foram considerados os depoimentos das testemunhas: CC, FF, GG e depoimento de parte da embargada através do Dr. DD. Mais concretamente, a testemunha CC confirmou que o documento n.º 8 era o que celebravam naquela data; foi um dos fundadores da “B...”; outorga o documento em representação da Sociedade de contra garantia mútua (D...), na qualidade de representante do Conselho de administração; a 1.ª assinatura é dele (relatando a característica dos dois pontos) e a outra assinatura é do Dr. FF; recorda-se ter sido presidente da D... até fevereiro de 2017 e hoje é apenas presidente da “E...”; a instâncias afirma ainda que a Dra. GG era, à data do documento n.º 6 (recibo de quitação), diretora administrativa e financeira da D....

A testemunha FF declarou que é economista, que geriu a “D..., SA” e há três anos passou para o Banco Português do Fomento; reconhece o documento n.º 8, tendo funções como procurador da D...; confirma a sua assinatura e dos outros colegas que assinaram, mormente do Dr. CC; admitindo como verdadeiras todas as restantes assinaturas, para além da dele.

O depoimento de parte da embargada, representada pelo Presidente Dr. DD, que confirma ter poderes para representar a B... e as cartas enviadas depois do pagamento das garantias pela B...; prestou depoimento isento e credível.

Por fim, o depoimento da testemunha GG que referiu que entre 2011 a 2020 trabalhou na D..., que prestava serviços de contabilidade e de apoio financeiro à B...; atualmente é diretora coordenadora da Direção Geral de Gestão Financeira do Banco de Fomento; confirma as duas assinaturas por si efetuadas nos dois documentos 6 e 7, juntos pela embargada na contestação apresentada no apenso B (também embargos de executado), confirmando ter uma procuração da B... que lhe permitiam assinar.

Em nenhum momento, o depoimento das testemunhas ou o depoimento de parte da embargada abalou ou sequer beliscou minimamente o teor dos documentos juntos aos autos e ao apenso B, tal como acima referenciado.

Note-se que não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena. Neste caso, a embargante impugnou a genuinidade de alguns documentos e a embargada demonstrou a sua veracidade nos termos antes enunciados; mas, ainda que não tivesse ficado demonstrada a veracidade dos documentos, a verdade é que tais documentos, livremente apreciados pelo tribunal, são suficientemente seguros quanto aos factos em causa dados como assentes (v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28.04.2016, no processo n.º 332/13.8TBSRT.L1-2, e de 05.10.2007, no processo n.º 1612/2007-6, disponíveis em www.dgsi.pt).

Quanto à junção de documentos, temos de atender ao disposto no artigo 423.º, do Código de Processo Civil, que estipula que 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

De harmonia com os artigos 362.º e 363.º, do Código Civil, a prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.

Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

Ora, a entrega de documentos nos processos, o que deverá ocorrer nos termos do art.º 423 do Código de Processo Civil, implica que não pode ser disponibilizado, por exemplo, um código de acesso a uma certidão, já que deve ser junta uma cópia do documento em si ao processo eletrónico ou juntando em papel na audiência final, não um código de acesso para que o tribunal aceda, pelos seus meios, ao referido documento. É à parte que incumbe aceder à certidão e juntá-la aos autos. Note-se que, também nesta situação, importante é que se atente ao Código de Processo Civil, o qual tem prevalência sobre qualquer portaria.

– quanto à prova testemunhal, esta é valorada nos termos do artigo 396.º do Código Civil, e foram inquiridas, como acima mencionado, as seguintes testemunhas: CC, FF, HH e GG, as quais não se pronunciaram sobre a concreta matéria inserida nos temas de prova, nomeadamente, a questão da superveniência dos embargos no que respeita ao momento em que a aqui embargante obteve conhecimento relevante para deduzir os presentes embargos.

A inquirição das testemunhas ficou acima relatada quanto à sua pertinência e veracidade sobre a matéria da impugnação quanto a alguns dos documentos.

A valoração da prova testemunhal foi efetuada ao abrigo do princípio da livre apreciação, com recurso às regras da experiência e da normalidade do acontecer, excluindo, naturalmente, os factos cuja prova a lei exija especial formalidade, que só possam ser provados por documentos ou aqueles que se encontram plenamente provados quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes (v. artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).

Os factos provados nos pontos 1) a 8) gizaram-se no requerimento executivo e seu conteúdo, assim como na análise dos títulos apresentados e documentos juntos neste apenso e no apenso B, que se consideram verdadeiros, apesar da impugnação da embargante (remetendo-se para a fundamentação antes expendida a este propósito).

Os factos descritos nos pontos 9) a 27) fundou-se na conjugação dos depoimentos das testemunhas CC, FF, HH e GG, que foram claras e diretas e nos mereceu credibilidade e fiabilidade por se afigurarem ser sérios, assertivos e objetivos, e ainda o depoimento de parte da embargada através do Dr. DD, não nos tendo sido suscitada dúvida ou reserva quanto à sua veracidade, cotejado com todos os documentos juntos neste apenso e no apenso B, passando pelo requerimento executivo e títulos apresentados na execução.” (sic).

Procedendo à audição integral da prova produzida, apenas nos apraz registar, em aditamento ao supra consignado, o seguinte, no que tange ao testemunho de CC: o mesmo clarificou que não conhecia a sociedade executada A..., e só soube da sua existência ao ser chamado para testemunhar no processo, tendo explicitado que ajudou a financiar milhares de empresas ao longo de 30 anos e não se recorda de todas. Por seu turno disse conhecer “muito bem” a exequente B..., tendo sido seu presidente e um dos fundadores. Identificou o contrato celebrado entre as sociedades de garantia mútua (SGM) e o Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM), que regula a contragarantia parcial, referindo que esse contrato regula a relação entre as SGM, incluindo a B..., e o FCGM gerido pela SGM. Assinou este contrato em representação da SGM, na qualidade de presidente do conselho de administração. Explicou que as SGM garantem empréstimos bancários a empresas. Se a empresa não pagar, a garantia é accionada e a SGM paga ao banco. A SGM acciona a contragarantia parcial junto do FCGM e recebe uma parte. O FCGM era gerido pela SGM que fazia a gestão do fundo e o back office das SGM, as quais são obrigadas a recuperar os valores pagos junto da empresa devedora, e se recuperarem, devem reembolsar o FCGM proporcionalmente – analisou especificamente a cláusula 5.ª.

Tudo equacionado, e sopesado o depoimento em causa, não se vislumbra qualquer motivo para alterar a matéria de facto estabelecida nos factos provados, nem, tão pouco, como supra se referiu, no que concerne ao facto não provado [“(…) a aqui embargante apenas teve conhecimento dos 11 (onze) documentos juntos na contestação apresentada pela exequente “B..., S.A.”, no apenso B (embargos de executado movidos pelo co-executado AA) em 17 ou outro dia subsequente de dezembro de 2018 (…) ou em janeiro de 2019”].

f) Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia: art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (conclusões 30.ª a 43.ª).

A recorrente defende que o tribunal a quo não se pronunciou, como se impunha, sobre o teor de dois documentos apresentados ex novo nos presentes autos, a saber, o teor das duas cartas enviadas pela embargada – mas não enviadas à aqui apelante – aos dois co-avalistas em 24-07-2014 – cf. documento n.º 12 da contestação –, as quais foram expressamente impugnadas pela embargante no seu requerimento de 30-03-2023 (ref.ª citius n.º 7977016).

Sustenta que tratando-se de “matéria nova que deveria ter sido objeto de análise na presente sentença, e que não foi, existindo nessa medida omissão de pronúncia que se deixa expressamente invocada nos termos previstos no art.615º, nºs.1, al.d), e 4, do CPC ou, assim não se entendendo, redundando em erro de julgamento, importa desde já proceder à seguinte delimitação”.

E desenvolve:

39ª) E, a apreciação de tais cartas remetidas e assinadas pela embargada são igualmente fundamentais para apreciar a questão do preenchimento abusivo das duas livranças,

40ª) Já que o valor total em dívida à data de 24 de julho de 2014, reclamado então pela embargada - mesmo sem contemplar a dedução dos valores constantes dos dois recibos de quitação que a exequente já tinha recebido - ascendia à quantia de €.:43,123,66, face ao valor primitivo que era de €.:46,875,00.

41ª) Sendo certo que, quando a embargada interpôs a execução, em 20 de agosto de 2018, inscreveu como valor de capital a quantia de: “€.:55,107,13” (!?), que foi o quantitativo com que a embargada preencheu as livranças em 20 de agosto de 2015 (!?).

42ª) O mesmo é dizer que, o valor alegadamente em dívida, por artes mágicas, no espaço de um ano e um mês, disparou doze mil euros!

43ª) Tais cartas, repete-se eram absolutamente desconhecidas da aqui apelante, até à notificação do aqui signatário, da peça processual de contestação emanada da embargada, ocorrida em 13.03.2023 (cfr. ref.ª citius nº7930841)!

            Salvo o devido respeito, sem qualquer razão.

O teor das cartas em apreço causa é inócuo para a apreciação da causa, e não pode ser dissociado do Acordo de regularização da dívida celebrado em Junho de 2011 – constante da matéria de facto provada sob os n.ºs 22 e 23: “22. Em 1 de Junho de 2011, a B..., como primeiro contraente, celebrou Contrato de “assunção e acordo de regularização de dívida” com os dois executados A... e AA, enquanto segundo contraente e terceiro contraente. /23. Desse contrato ficou a constar que em cumprimento das garantias prestadas n.ºs ...18 e ...42 a B... pagou efetivamente ao Beneficiário as importâncias solicitadas; e a segunda contraente confessou-se devedora à primeira contraente da importância global de € 46 875,00, valor atualmente em dívida, aceitando liquidar o valor em dívida em 84 prestações mensais e sucessivas (cf. Doc. junto)” – não oferecendo dúvidas o que a exequente/embargada alegou na sua contestação de 13-03-2023:

124.º - Sendo que a Exequente remeteu cartas aos Executados no dia 24 de Julho de 2014 a informar que o montante em dívida nessa data ascendia a € 43.123,66 (quarenta e três mil, cento e vinte e três euros e sessenta e seis cêntimos) e que caso não recebesse proposta viável de regularização da dívida teria de proceder à propositura de acção judicial para cobrança dos valores pendentes (cf. Doc. 12).

125º - Tal sucedeu apenas cerca de seis meses após o último pagamento, o que é perfeitamente justificado visto que os pagamentos nunca foram pontuais e aliás chegaram a ser efectuados com cerca de quatro meses de intervalo, send exemplo disso os pagamentos feitos em 7/02/2012 e 10/12/2012 (tendo os imediatamente anteriores sido feitos, respectivamente, em 28/11/2011 e 8/08/2012).

126º - Só 20 de Agosto de 2015, depois de se terem gorado todas as tentativas da Exequente de que a Embargante cumprisse voluntariamente as suas obrigações, é que a Exequente remeteu cartas à Embargante e seus avalistas a informar os termos de preenchimento da livrança, com a advertência de que em caso de não pagamento até à data de vencimento – 31 de Agosto de 2015 – procederia à competente acção judicial.

Acresce que a ignorância de teor dessas missivas pela embargante não colhe, porquanto a carta foi remetida ao executado AA, que é o legal representante da embargante A... – facto provado n.º 6 –, não se compreendendo, de todo em todo, o desconhecimento invocado sobre as cartas em questão.

Então o legal representante da embargante, que é uma sociedade unipessoal apenas por ele representada, não tomou qualquer posição quando recebeu tal missiva?

Se a embargante deduziu os embargos de executado, devia ter sido neles deduzida toda a defesa relativa à relação subjacente que já tinha ocorrido, não podendo aceitar-se que só com a notificação daquelas cartas neste processo, enviadas pela embargada aos dois co-avalistas em 24-07-2014 (como afirma a própria embargante) tomou conhecimento da sua existência.

Evidentemente, a embargante poderia, agindo de forma prudente e diligente, como lhe era devido, ter procurado obter os elementos factuais em questão aquando da preparação da sua defesa à execução, no âmbito dos embargos e a sua implicação no caso e a sua relação com o embargante  AA, seu legal representante, colocam-na numa posição em que é exigível que procure saber da relação subjacente pelo menos aquando da defesa originária.

Além disso, nos embargos, considerando que a execução foi instaurada contra a sociedade e os co-avalistas, caso a embargante dependesse dos seus conhecimentos, seria possível a esta solicitar que aqueles a esclarecessem da evolução da relação subjacente.

Assim, o pretenso desconhecimento da embargante relativamente às cartas que constituem o documento n.º 12 da contestação assenta numa sua negligência grave, pelo que não pode ser aceite.

Pelo exposto, improcede esta questão recursiva.

III. Impugnação da matéria de facto relativa ao preenchimento das livranças (conclusões 44 a 56):

a) Indeferimento de junção de certidões permanentes (conclusões 44 a 48);

No que se reporta a esta questão a Relação já se pronunciou expressamente por decisão transitada em julgada no âmbito do apenso K, através do Acórdão de 14-01-2025, tendo exarado, entre o mais:

“(…) 6. Resultando dos elementos disponíveis que a executada/recorrente terá tido a possibilidade de introduzir, nos autos, por via eletrónica (tramitação eletrónica dos processos), a certidão que pretendia juntar, não se entende por que razão o não fez.

De igual modo, também não se vê justificada a não obtenção dos documentos em causa em papel, para eventual junção na sessão seguinte da audiência de julgamento.

De resto, com aquele seu requerimento (e, agora, o presente recurso), acabou por perturbar o curso/marcha da audiência e do processo, bem sabendo que lhe cabia, sim, cooperar na condução e intervenção no processo, como se prevê nos art.ºs 7º e 8º do CPC.

7. Os princípios que norteiam o processo civil - v. g., autorresponsabilidade das partes, igualdade das partes, economia processual e celeridade processual - e o que nos é dado conhecer, neste recurso, apontam, claramente, para o dever de a executada ter assumido e demonstrado uma maior prontidão e colaboração, ao seu alcance, pois, se assim o entendesse, poderia implementar os procedimentos previstos nos art.ºs 77º, 78º-A, n.º 1 e 78º-F, n.º 1, do Código do Registo Comercial - o que não fez -, disponibilizando, por exemplo, a “informação constante da certidão em sítio da Internet” (na expressão utilizada pela recorrente).

8. Por conseguinte, no descrito circunstancialismo e atendendo, ainda, ao preceituado, nomeadamente, nos art.ºs 4º, n.ºs 1 e 217, 5º, 28º, n.º 118 da Portaria n.º 280/2013, de 26.8 (que regulamenta a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais - na sua redação atual), 10º, n.º 1, 11º e 12º da Portaria n.º 121/2021, de 09.6 (que regulamenta o arquivo eletrónico de documentos lavrados por notário e de outros documentos arquivados nos cartórios, a certidão notarial permanente e a participação de atos por via eletrónica à Conservatória dos Registos Centrais) e 73º, 75º19, 77º, n.ºs 1 e 320 e 78º-H, n.º 1, alínea a) e 115º, do Código do Registo Comercial (aprovado pelo DL n.º 403/86, de 03.12), não será de concluir que “a entrega a qualquer autoridade pública ou entidade privada do código de acesso à certidão permanente equivale, por imperativo legal e para todos os efeitos, à entrega de uma certidão do registo comercial”, ou que “estava a embargante desde logo dispensada de juntar aos autos as certidões em suporte de papel”.

9. Ademais, encontrando-se a audiência de julgamento na sua fase final e relativamente ao se, quando e como da (demais) intervenção do Tribunal a quo, a Mm.ª Juíza, ao apreciar e decidir as questões suscitadas nos autos (incidentes e mérito dos embargos), se necessário ou conveniente, sempre poderá/deverá lançar mão dos poderes-deveres dos art.ºs 7º, 411º21, 417º, 436º e 607º, n.º 1, do CPC.

10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais [nomeadamente, os art.ºs 368º do CC, 110º, n.º 122, do Código do Registo Predial (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06.7), 75º do Código do Registo Comercial, 20º, n.º 4, da CRP e 6º, 411º, 413º, 423º e 436º do CPC]”.

Por sua vez, na parcela ora em causa, o tribunal a quo, na sentença recorrida, teceu as seguintes considerações, que acompanhamos: “[A] entrega de documentos nos processos, o que deverá ocorrer nos termos do art.º 423 do Código de Processo Civil, implica que não pode ser disponibilizado, por exemplo, um código de acesso a uma certidão, já que deve ser junta uma cópia do documento em si ao processo eletrónico ou juntando em papel na audiência final, não um código de acesso para que o tribunal aceda, pelos seus meios, ao referido documento. É à parte que incumbe aceder à certidão e juntá-la aos autos. Note-se que, também nesta situação, importante é que se atente ao Código de Processo Civil, o qual tem prevalência sobre qualquer portaria.”

Acresce referir, outrossim, que a factualidade que pretensamente a embargante pretendia provar com a junção desses documentos nem sequer foi alegada na petição inicial dos embargos, sendo certo que nessa ocasião, atendendo às datas em causa, podiam  e deviam ter sido alegados os factos e anexas as certidões, não se compreendendo que a recorrente se limite a afirmar que “a junção de tais documentos prendia-se principalmente com a matéria do Doc.8 e, ainda, com a dos Docs.6 e 7 da contestação”, razão pela qual também esta questão recursiva improcede.

b) Consideração dos factos constantes do doc. n.º 12 da contestação (conclusões 49 a 56).

Após aludir ao testemunho de HH – sessão de 16-04-2024, entre as 11:23:21 horas e as 11:56:10 horas, retomado às 11:56:38 horas e concluído às 12:33:38 horas, mencionando as respostas entre os 12m:21s até ao 13m:32s e entre os 18m:30s até ao 20m:20s (que transcreveu), a recorrente explana que essas declarações corroboram as conclusões 37.ª a 40.ª, e 41.ª a 43.ª, afirmando que “tais factos, relativos ao Doc.12 da contestação, deveriam ter sido levados aos factos assentes, e não foram”.

Efectuada a audição integral do testemunho de HH, coordenadora da recuperação de crédito na B..., onde trabalha há 15 anos, a testemunha indicou conhecer a A..., bem como o seu gerente, AA, tendo tido contactos com o mesmo.

O seu testemunho centrou-se nos procedimentos internos da B..., na relação entre o Departamento de Recuperação de Crédito e o Departamento Jurídico, na forma como os valores da dívida eram comunicados e actualizados (capital vs. capital + juros), e na gestão de acordos de pagamento, embora com limitações na recordação de detalhes específicos

Foi-lhe exibido o documento n.º 12 da contestação, uma carta da B... dirigida a AA, datada 24-07-2014, com a referência "DRC" (Departamento de Recuperação de Crédito). Esta carta informava que a A..., AA e BB tinham uma dívida de € 43 123,66 à B..., referente a duas operações contraídas em 04-05-2011, no montante global de € 46 875,00 e explicou que, nesta data, a B... estava a solicitar aos avalistas o valor para pagar as duas operações.

Foi-lhe exibido, ainda o documento n.º 14, uma carta de 20-08-2015, dirigida ao legal representante AA, com a referência "JUR" (Jurídico), explicando que a mudança da referência de "DRC" para "JUR" significa que o processo deixou de ser acompanhado pelo departamento de recuperação de crédito e passou para o departamento jurídico. Nesta carta, era solicitado o pagamento de € 28 125,00 referente a uma garantia executada, mais € 8140,60 de juros de mora e outros valores, totalizando € 55 171,30.

Explicou a discrepância entre o valor de € 43 123,66€ (doc. n.º 12) e € 55 171,3€ (doc. n.º 14), referindo que a primeira carta, emitida pelo departamento de recuperação de crédito, solicitava exclusivamente o valor de capital em dívida e que quando o processo transita para o contencioso e se preenchem as livranças, são calculados os juros de mora até à data do preenchimento, justificando a diferença de valores.

Resumindo, ao contrário do pugnado pela recorrente, não resulta do testemunho em causa qualquer tipo de dúvida quanto aos procedimentos da exequente/embargada e ao cálculo dos montantes inscritos nas livranças, sendo inócua a leitura que a embargante faz do documento n.º 12, pelos motivos já supra expostos.

Improcede, assim, esta questão recursiva.


*

            Em suma: visto o supra exposto, julga-se totalmente improcedentes as questões atinentes à impugnação da matéria de facto.

*

IV. Erro de julgamento (conclusões 57.ª a 89.ª).

a.

Relativamente à questão da superveniência dos embargos, para lá das considerações já tecidas anteriormente neste Acórdão, sempre se dirá que a avaliação da 1.ª instância é absolutamente correcta e isenta de dúvidas:

“A embargante refere ter deduzido oposição superveniente, com fundamento no facto de apenas ter tido conhecimento dos dois documentos apresentados no Apenso B, documentos 6 e 7, quando a contestação foi notificada ao aí embargante e que lhe foi transmitida logo após.

O art.º 728º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estabelece a possibilidade de instauração de “embargos supervenientes” nos seguintes casos: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado (superveniência objetiva); b) quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação (superveniência subjetiva).

José Lebre de Freitas (cf. A Ação Executiva, 6ª Edição, Coimbra Editora, pág. 223) escreve que: “A oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação do executado … Há, no entanto, a possibilidade de “embargos supervenientes”: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado; b) quando este tiver conhecimento do facto (ex: o pagamento efectuado por um seu antecessor) depois da sua citação.”

A este propósito a doutrina tem vindo a afirmar que no primeiro caso estamos perante uma superveniência objetiva; enquanto no segundo caso estamos perante uma superveniência subjetiva (v. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, em A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 243).

De qualquer modo, caberá sempre à embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição, tal como a lei processual civil dispõe no que se refere aos “articulados supervenientes” (cf. art. 588º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

No caso em análise, a embargante entende que foi feito pagamento parcial da dívida reclamada pela exequente, porquanto esta recebeu do Fundo de Contragarantia Mútua («FCGM») vários montantes. E ficou provado que a exequente enviou cartas à embargante dando conhecimento dos pagamentos por si realizados ao Banco 1... no âmbito das garantias autónomas referidas e interpelando-a a proceder ao pagamento de tais quantias até 24 de Maio de 2011 – Cf. Doc. 9 e 10.

Ora, se o facto em causa, que origina os embargos supervenientes, já ocorreu em 2011 – v. factos assentes sob os n.ºs 24) a 27) - aquando da citação é que a executada sociedade deveria ter questionado a exequente, de modo a obter todas as informações pertinentes para poder defender-se desde logo e, querendo, deduzir os embargos à execução dentro dos vinte dias que dispunha contados da data em que foi citada na execução principal. Note-se que o alegado desconhecimento da embargante sobre os recibos de quitação juntos no apenso B, que não ficou demonstrado, não se confunde com o próprio facto superveniente (pagamentos parciais feitos à exequente por uma entidade que não é parte).

E ao não recolher as informações necessárias para poder embargar, esgotando todos os seus argumentos de defesa (princípio da concentração da defesa e da preclusão), a embargante violou o princípio da preclusão, que impõe que todos os fundamentos da ação, quer todos fundamentos da defesa sejam alegados de uma vez, cabendo alegar logo todos os que afigurem essenciais e relevantes, para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, e os que pareçam secundários, na eventualidade de serem também relevantes. E este princípio tem a ver com exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e visa impedir que algum deles use a tática de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno.

Deste modo, face a todo o supra consignado, não tendo a embargante demonstrado a superveniência (subjetiva) destes embargos, como lhe competia, considera-se que não se mostram justificados nos termos do art.º 728º, n.º 2, do Código de Processo Civil, julgando-se improcedentes os embargos.” (sic).

Aliás a apelante não põe em crise o exarado pelo tribunal recorrido – reitera-se de modo correcto e isento de dúvidas –, nada mais se oferecendo referir a esse respeito, citando-se, em completo, as palavras do Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, 28-03-2023, Proc. n.º 2143/20.5T8SRE-E.C1, a propósito de uma situação muito semelhante à debatida neste recurso:

“No âmbito do art. 728, nº 2, do Código de Processo Civil, a superveniência subjetiva não deve ser aceite quando o conhecimento da parte é indesculpavelmente tardio, assentando o seu desconhecimento anterior numa sua negligência grave, por nada ter feito, podendo fazê-lo, em momento oportuno (aquando dos embargos originários), para obter o conhecimento em causa.

Os embargos são uma ação declarativa incidental e especial, pela qual o executado exerce a sua defesa na execução, que tem paralelo com a contestação, como meio impugnatório e de dedução de exceções.

Se a Avalista Embargante deduziu embargos de executado em 15.7.2021, devia ter sido neles deduzida toda a defesa relativa à relação subjacente que já tinha ocorrido, não podendo aceitar-se que só em 15.11.2021 tomou conhecimento das vicissitudes daquela relação, quando o seu ex-marido, sócio gerente da “A...”, troca a referida correspondência (e informação) com esta sua sociedade.

Tendo subscrito o pacto de preenchimento, tendo dado aval à sociedade, a Embargante poderia, agindo de forma prudente e diligente, como lhe era devido, ter procurado obter os elementos factuais em questão aquando da preparação da sua defesa à execução, no âmbito dos embargos originários.

A sua implicação no caso e a sua relação com o sócio gerente, mesmo que esteja dele divorciada, colocam-na numa posição em que é exigível que procure saber da relação subjacente pelo menos aquando da defesa originária.

Além disso, nos embargos originários, considerando que a execução foi instaurada contra os três sujeitos referidos, caso a Embargante dependesse dos seus conhecimentos, seria possível a esta solicitar que os demais esclarecessem a evolução da relação subjacente.

Assim, o pretenso desconhecimento da Embargante assenta numa sua negligência grave, pelo que não deve ser aceite” (sic).

Por conseguinte, os embargos pecam, de facto, por intempestivos, não tendo a embargante demonstrado a sua superveniência (subjetiva).

b.

Questões Novas.

Como emerge do art. 728.º do CPC, os embargos de executado são o meio de oposição à execução, que visa a extinção da mesma – total ou parcialmente –, mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva.

Constituindo os embargos de executado uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao processo de execução, neles deve o executado alegar todos os factos que são do seu conhecimento e que lhe servem de fundamento.

Lendo e relendo a petição de embargos de executado, apresentada em 23-01-2019, regista-se que as questões aí suscitadas pela embargante, ora apelante, foram, em síntese: (i) a alegada incorrecção dos montantes pecuniários inscritos nos 3 títulos executivos – preenchimento abusivo das livranças (arts. 1.º a 51.º); (ii) os pagamentos parciais realizados pela embargante (arts. 52.º a 59.º); (iii) a falta de resolução do contrato (arts. 60.º-A a 60.º-E); (iv) a prescrição do direito da exequente (arts. 68.º a 88.º). Nada mais.

Por sua vez, a sentença recorrida, lavrada em 16-06-2024, debruçou-se sobre todas aquelas específicas questões, conforme exarado no relatório daquela decisão:

“O objeto do litígio consiste em apreciar a questão da superveniência dos presentes embargos e das questões suscitadas sobre o abuso de preenchimento das livranças. / Note-se que os restantes fundamentos de embargos não integram o conceito de superveniência objetiva e/ou subjetiva, já que poderiam ter sido arguidos aquando da citação da sociedade para a execução – o que foi confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/06/2022”.

“Temas de prova

1. Da superveniência dos presentes embargos relativo ao facto de a aqui embargante ter tido conhecimento em 17 de dezembro de 2018 da contestação e 11 documentos apresentados por B..., S.A., no apenso B, referente a embargos de executado movidos pelo co-executado AA;

2. Do preenchimento abusivo das três livranças – apurando se as mesmas deveriam ter sido preenchidas com os seguintes valores: 1.ª com 2.689,96€; 2.ª com 2.579,53€; e 3.ª com zero, o que perfaz o montante global de 5.269,49€” – sic, pp.3 e 4 da decisão recorrida.

Estatui o n.º 1 do art. 627.º do CPC que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”

Constitui jurisprudência perfeitamente consolidada e pacífica a de que os recursos destinam-se apenas a reapreciar as questões decididas pelo tribunal a quo, e não a submeter a decisão do tribunal de recurso questões novas.

Lendo as conclusões de direito enumeradas nas conclusões 57.ª a 89.ª verifica-se que a apelante traz ao seu recurso questões de direito que não foram tempestivamente desencadeadas em sede de petição de embargos (ou de articulado superveniente legalmente apresentado) e que não foram, por conseguinte, objecto de qualquer tipo de apreciação e pronúncia pela 1.ª Instância em sede de decisão final.

Trata-se, concretamente, do teor das conclusões 65.ª a 82.ª, em que a recorrente vem suscitar, inovatoriamente, questões relacionadas com o conteúdo do contrato de 30-08-2016, intitulado “Contrato de contragarantia entre o Fundo de Contragarantia de Mútuo e (FCMG) e a B..., S.A.(SGM)” – cf. documento n.º 8 da contestação de embargos –, o qual nem sequer foi vertido nos factos provados –, daí pretendendo retirar – sem que tal aspecto alguma vez tenha sido suscitado tempestivamente no processo – uma pretensa ilegitimidade da exequente, decorrente desse documento.

O tribunal a quo, ao analisar a prova documental, v.g., o citado documento, verteu na sua motivação: Quanto aos documentos que foram impugnados pela embargante e cuja genuinidade foi posta em causa, foram considerados os depoimentos das testemunhas: CC, FF, GG e depoimento de parte da embargada através do Dr. DD. Mais concretamente, a testemunha CC confirmou que o documento n.º 8 era o que celebravam naquela data; foi u dos fundadores da “B...”; (…) A testemunha FF declarou que é economista, que geriu a “D..., SA” e há três anos passou para o Banco Português do Fomento; reconhece o documento n.º 8, tendo funções como procurador da D...; confirma a sua assinatura e dos outros colegas que assinaram, mormente do Dr. CC; admitindo como verdadeiras todas as restantes assinaturas, para além da dele. (…) Em nenhum momento, o depoimento das testemunhas ou o depoimento de parte da embargada abalou ou sequer beliscou minimamente o teor dos documentos juntos aos autos e ao apenso B, tal como acima referenciado.” (sic).

Sempre se dirá, ademais, não ser compreensível a alegação recursiva inovatória da embargante/apelante, porquanto, também no âmbito dos embargos de executado, a que corresponde o Apenso B, deduzidos pelo co-executado e legal representante da embargante AA, o mesmíssimo documento fora junto, por requerimento ali apresentado em 20-03-2019 – com a refª citius 4886293 –, não sendo aceitável que a aqui embargante desconhecesse esse documento.

Em todo o caso, escreveu-se no Acórdão de 07-09-2021, proferido naquele Apenso B, em análise desse documento, o seguinte, que corroboramos nesta sede:

“Sobre o uso do acordo entre a B... e o “Fundo de Contragarantia” (FCGM). O pretenso excesso de pronúncia.

O documento relativo ao acordo foi junto com o requerimento de 20.3.2019.

Notificado, o Executado nada opôs.

Foi este quem, servindo-se de documentos juntos pela B..., levantou a questão de esta estar paga parcialmente pelo referido Fundo (requerimento de 14.1.2019).

A B... veio então explicar a sua relação com o referido Fundo.

É fácil perceber que o contrato em causa não diz respeito à relação Exequente/Executados. Trata-se de uma relação autónoma, por razões especiais, explicada não apenas pelo contrato, mas também pela lei.

Naturalmente, esse contrato foi referido (lateralmente) para explicar a questão supervenientemente levantada pelo Executado, que foi rejeitada. Veremos depois que esta rejeição foi correta.

Pelo exposto, não ocorre qualquer excesso de pronúncia, decisão surpresa ou falta de contraditório.

(…) No contexto deste regime legal, o contrato outorgado entre a B... e o “FCGM”, em 30 de agosto de 2016, confirma aquelas disposições. Mesmo que fosse desconsiderado este contrato, como o desejava o Embargante, valeria sempre o regime legal” (sic).[5]

Tal como se sumaria no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-2021, Proc. n.º 5145/15.0T8PBL-A.C2.S1:

“I. O objecto dos embargos de executado é delimitado pelos fundamentos de oposição invocados na petição inicial dos embargos;

II. Como assim, apenas são atendíveis nos embargos os fundamentos invocados na petição inicial, não sendo lícito ao embargante ampliar os fundamentos de oposição no âmbito do recurso de apelação ou de revista”.

E desenvolve-se no citado aresto: “Não tendo o Executado suscitado no requerimento inicial dos embargos as questões relativas à alegada falta de comunicação aos mutuários da resolução do contrato, e falta de interpelação dos devedores para pagamento antecipado da dívida, não o pode fazer perante a Relação, pois que isso significaria colocar à apreciação do tribunal ad quem questões que representam alteração da causa de pedir, o que só pode fazer-se com o acordo das partes ou mediante confissão do réu, aceite pelo autor – art. 265º, nº 1 do CPC.

Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 2.10.2017, CJ AcSTJ, t.3, pag. 254:

«A causa de pedir nos embargos de executado é constituída pelos fundamentos invocados pelo executado para alcançar a extinção total ou parcial da execução.

Nos embargos de executado apenas são atendíveis os fundamentos invocados na petição inicial e os que sejam objetiva ou subjetivamente supervenientes, estando precludida a invocação de outros fundamentos no âmbito do recurso de apelação ou de revista.»”.

De harmonia com o exposto, reitera-se, uma vez que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo – que, aliás, eram do conhecimento da embargante dado que o seu legal representante tinha necessariamente conhecimento desses factos! –, uma vez que parte da matéria alegada pela recorrente configura questões novas, que não foram suscitadas pelas partes nos articulados destes embargos, nem o tribunal recorrido tomou conhecimento delas, mostra-se vedado à Relação pronunciar-se sobre as aludidas questões alinhavadas nas conclusões 65.ª a 82.ª.

c.

Consequência dos recebimentos pela embargada, em 26-05-20211, das contragarantias de € 22 500 e 15 000 do Fundo de Contragarantia de Mútuo; direito de sub-rogação e preenchimento abusivo das livranças (conclusões 57.ª a  64.º e 85.ª e 86.ª)

Diz a recorrente em síntese que “o credor é a Embargada (B...) que obteve o direito de crédito por sub-rogação, pois a Embargada ficou sub-rogada nos direitos do Banco 1..., mas no momento em que recebeu os pagamentos feitos pelo FCGM (Em 26 de Maio de 2011) nasceu um novo direito de crédito por sub-rogação, o FCGM ficou sub-rogado em parte do direito de crédito, na percentagem do valor pago à B..., aqui Embargada, ilidindo imediatamente a legitimidade da Embargada (B...), para cobrar essa parte da dívida ( 22.500€ + 15.000€ ) = 37.500€” (sic, conclusão 61.ª).

Vejamos se assim é.

O Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM), criado pelo DL n.º 229/98, de 22-07 modificado pelo DL n.º 46/2013, de 05-04, é uma “pessoa colectiva pública dotada de autonomia administrativa e financeira” – cf. art. 1.º do DL n.º 229/98, e o art. 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 1354-A/99, de 31-12 – que “tem por objecto garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelas Sociedades de Garantia Mútua no exercício, por estas, da actividade referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 211/98, de 16 de Julho de 1998” – cf. art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 229/98.

O FCGM prossegue a sua actividade essencialmente através da prestação de garantias a favor das Sociedades de Garantia Mútua (SGM), ocorrendo o pagamento pelo FCGM às SGM quando é solicitado a uma das SGM o pagamento da totalidade ou de parte de uma garantia por si assumida, circunstância em que “o Fundo fica constituído na obrigação de a reembolsar de uma percentagem do montante que houver pago igual à percentagem da contragarantia prestada pelo Fundo” – cf. art. 5º, n.º 1, da Portaria n.º 1354-A/99, de 31 de Dezembro.

O pagamento do FCGM às SGM tem lugar depois de estas liquidarem a importância devida ao Banco que beneficiava da garantia autónoma por si emitida e esse “reembolso terá lugar no prazo de três meses, sem juros, a contar da comunicação escrita da sociedade de garantia mútua, acompanhada do recibo de quitação emitido pelo beneficiário da garantia” – cf. art. 5.º, n.º 2, da Portaria n.º 1354-A/99.

O efeito legal que daí advém é o FCGM ficar “sub-rogado nos direitos dos beneficiários das garantias prestadas pelas sociedades de garantia mútua na medida dos reembolsos que tiver efectuado”– cf. art. 5.º, n.º 3, da Portaria n.º 1354-A/99.

Os beneficiários das garantias são os Bancos a favor de quem elas são prestadas, utilizando o art. 5º, n.º 2, da Portaria n.º 1354-A/99 a expressão “beneficiário da garantia” para se referir aos Bancos a quem as SGM pagam e de quem recebem o recibo de quitação.

Por conseguinte, como aduz a exequente/apelada, “a embargante e os avalistas executados são os ordenadores das garantias prestadas, não os beneficiários! A embargante e os avalistas executados não têm qualquer direito de crédito sobre a exequente por força das garantias por si prestadas; são os bancos a favor de quem as mesmas foram prestadas que têm esse direito”.

Nessa medida, garantindo o FCGM a obrigação das SGM perante os Bancos, é no direito destes sobre aquelas que o FCGM fica sub-rogado, pois a sub-rogação é uma forma de transmissão de créditos a favor de quem cumpre uma obrigação de outrem e sobre esse outrem – cf. art. 589.º e segs. do Código Civil.

Acresce que o FCGM não paga às SGM para estas liquidarem as obrigações dos clientes dos Bancos, mas sim para assegurar a sua solvabilidade e estas poderem cumprir obrigações próprias, honrando as suas garantias para com os Bancos, o que afasta a sub-rogação do FCGM nos créditos sobre os clientes dos Bancos, créditos esses que nem sequer existem, conclusão que é reforçada pela circunstância de os Bancos já não serem credores dos clientes quando o FCGM paga às sociedades de garantia mútua…

Revertendo ao caso em apreço, o FCGM pagou à exequente depois de esta ter pago ao Banco 1... e, por força desse pagamento, a exequente ficou sub-rogada nos direitos do Banco 1... sobre a embargante e seus garantes.

Quando o FCGM pagou à exequente/embargada, o Banco 1... já não era credor da embargante e dos seus avalistas pelo montante liquidado pela SGM, e, mercê do pagamento àquela instituição bancária, a exequente ficou sub-rogada nos direitos de crédito do Banco 1... sobre os seus clientes. 

O FCGM limitou-se a reembolsar a exequente parcialmente do que esta pagou para assegurar a sua solvabilidade e, assim, a de todo o sistema de garantia mútua.

Se o art. 5.º, n.º 3, da Portaria n.º 1354-A/99, não existisse, o FCGM só ficaria sub-rogado nos direitos dos Bancos perante as SGM se estas fizessem tal sub-rogação, caso a caso, sendo a ratio da existência desse preceito legal tornar desnecessário uma sub-rogação casuística e evidenciar que as SGM devem pagar ao FCGM parte do que conseguirem cobrar aos devedores dos Bancos.

Concluindo, o FCGM fica sub-rogado na posição do Banco, perante a exequente/embargada (SGM) e não perante os devedores originários dos mútuos.

Foi no contexto desse regime legal, aliás, que surgiu o contrato outorgado entre a exequente/embargada e o FCGM, em 30-08-2016, e aí se consignou, na cláusula 5.ª:  “Em caso de execução da garantia e subsequente acionamento da contragarantia prestada pelo FCGM, a SGM assegurará as diligências necessárias e adequadas, inclusive judiciais, tendentes à recuperação integral do crédito, utilizando para o seu efeito, em nome próprio, todos os colaterais de crédito de que disponha” (n.º 3); “Se, em virtude das diligências desenvolvidas pela SGM, nos termos do número anterior, esta conseguir recuperar do cliente ou de terceiros, total ou parcialmente, quaisquer valores de capital e respectivos juros de mora, deverá a SGM entregar ao FCGM, no pró-rata dos pagamentos por este realizados e atendendo à percentagem da cobertura da contragarantia face aos valores em dívida, os montantes recuperados” (n.º 2).

Mas mesmo que fosse desconsiderado este contrato, valeria sempre o regime legal acima sumariado, conhecido oficiosamente, acompanhando-se pari e passu a fundamentação e as decisões que foram exaradas nos Apensos A e B

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-09-2021, proferido no âmbito do Apenso B: A relação entre a “B...” e o “FCGM” não diz respeito e não interfere com a relação entre a “B...” e os Executados, sendo autónoma, por razões especiais, explicadas pelo respetivo regime legal.

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-03-2022, no âmbito do Apenso A: A relação entre a “B...” e o “Fundo de Contragarantia Mútuo” não diz respeito e não interfere com a relação entre a “B...” e os Executados, sendo autónoma, por razões especiais, explicadas pelo respetivo regime legal. / A Executada, avalista, continua devedora perante a B..., apesar dos pagamentos do referido “Fundo” à B....

Conforme resulta da fundamentação de ambos os Acórdãos – de 07-09-2021 e de 08-03-2022 –, o FCGM não paga às SGM para estas liquidarem as obrigações dos clientes dos Bancos. O pagamento feito pelo FCGM à exequente servirá para assegurar a solvabilidade desta e para que esta possa cumprir obrigações próprias.

Os pagamentos feitos pelo FCGM à B... não extinguem a dívida da A... e dos avalistas/executados perante a B....

O FCGM fica sub-rogado nos direitos dos Bancos perante as sociedades de garantia mútua nos montantes que lhes tenha reembolsado, ficando então com o direito de exigir da B... que esta lhe pague as quantias que por si lhe foram entregues, quando a B... as receber por parte dos clientes dos Bancos.

Pelo exposto, não beneficiando a embargante/executada dos pagamentos parciais do FCGM, a dívida mantinha-se.

No que tange, ainda, ao invocado abuso do preenchimento das livranças, recordamos que na cláusula 4.ª de cada um dos contratos, aceites pelas partes, consta: “Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão: entregar, nesta data, à SGM, livrança em branco, por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.”.

Desta forma, a exequente/embargada ficou contratualmente autorizada pela embargante a preencher as livranças pelo valor total da responsabilidade em dívida, quando o entendesse conveniente.

Na chamada livrança-caução ou livrança-garantia está subjacente um contrato de financiamento bancário – cf., v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-06-2023, Proc. n.º 4839/21.5T8FNC-B.L1-2 –, sendo comum no giro comercial, conforme explica Filipe Cassiano dos Santos, Livrança em branco, pacto de preenchimento e aval,  “Revista de Direito Comercial”, 08-03-2020[6], p. 199, que: “Uma sociedade e um banco acordam que, para garantir créditos deste perante aquela, emergentes de contratos de financiamento, a sociedade emita uma livrança em branco, destinada a ser preenchida no futuro, se e quando ocorrer o não cumprimento por parte da sociedade das suas obrigações contratuais e pelos montantes devidos por força do contrato de financiamento. É aquilo a que comummente se chama livrança-caução ou livrança-garantia: embora estruturalmente não estejamos perante uma caução ou uma garantia, a sua existência reforça a posição do banco como credor, sobretudo se, como é comum, à sociedade como “subscritor em branco” se juntarem sócios e (ou) gerentes ou administradores seus como “avalistas em branco” – a função prática desempenhada por um título assim emitido é a de caucionar ou garantir, adicionalmente ao património da sociedade, as dívidas desta. Esta prática é hoje, por regra, acompanhada pela emissão de um documento, assinado por aqueles que obrigam a sociedade, nessa qualidade, e por vezes também pelos sócios e (ou) administradores que assumem vínculos na livrança em branco, pelo qual se atribuem ao banco poderes para proceder ao preenchimento da livrança em branco, dentro de parâmetros especificados”.

Foi isso que ocorreu na situação vertente, tendo a exequente/embargada instaurado a execução com base nas livranças que constam dos factos provados, o que lhe permitiu limitar-se a invocar, no requerimento executivo, a relação cartular com a executada.

Por seu turno, era à embargante, na oposição à execução, que competia invocar a relação subjacente às livranças exequendas, enquanto matéria de excepção, cabendo-lhe o ónus de alegação e prova, o qual devia ser observado de forma concentrada, na petição de embargos, sob pena de preclusão, pois, como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 28-06-2022, Proc. n.º 2143/20.5T8SRE-F.C1: “Sendo o regime da obrigação cartular distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstração, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução, fundada em título cambiário, a apresentação desse título e a não demonstração pelo demandado, no caso de título emitido/entregue em branco, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento ou de outro fundamento válido de defesa/oposição”. E acrescenta-se: “Se o avalista embargante, deduzindo embargos de executado, no pressuposto – erróneo – de caber ao exequente o ónus de alegação e prova da relação subjacente à livrança, não deduz de forma cabal os fundamentos de oposição que poderia invocar, não lhe pode aproveitar a junção aos autos, pela contraparte, do contrato subjacente à emissão da livrança – o qual aquele bem conhecia, por nele ter sido outorgante em representação da entidade devedora, de que era o único sócio e gerente, tal como outorgou, do mesmo modo, na convenção para o preenchimento dessa livrança – para, contornando a preclusão referente ao que não alegou na petição de embargos, vir oferecer novos embargos de executado, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 728.º do NCPCiv., sob invocação de superveniência, para aproveitar as possibilidades não exploradas da relação subjacente, designadamente em matéria de execução contratual”.

Deste modo, e resumindo o supra exposto: o pagamento realizado pelo FCMM à exequente/embargada, na sequência da liquidação das garantias bancárias, não extinguiu a dívida da embargante, não impedindo a exequente de continuar a exigir o pagamento da dívida à embargante, com base nas livranças, uma vez que o FCGM apenas ficou sub-rogado nos direitos do Banco beneficiário da garantia sobre a embargada e não nos direitos da embargada sobre a embargante.

Por conseguinte, sendo a exequente B... a legítima portadora dos títulos executivos/livranças, é inequívoco que ela tem legitimidade para intentar a acção executiva, continuando a ser substancialmente, a credora dos executados, não ocorrendo qualquer abuso do preenchimento daqueles títulos.


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Em consonância com o acima exposto, não tendo a recorrente apresentado quaisquer fundamentos válidos que ponham em causa a sentença proferida, não tendo ocorrido qualquer erro na apreciação da prova ou na apreciação do direito, o recurso improcede na íntegra, recaindo sobre a apelante a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais, nos termos dos arts. 527.º, nºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do CPC.

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            Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC):

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela embargante/recorrente, nos termos do artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC.


Coimbra, 16 de Setembro de 2025

Luís Miguel Caldas

Francisco Costeira da Rocha

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Francisco Costeira da Rocha e Dr. Hugo Meireles
[2] Anota-se que inexiste qualquer Apenso D.
[3] O sublinhado é nosso.

[4] Como se enfatiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-06-2023, Proc. n.º 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1: “Para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 640.º do CPC, o apelante deve, em regra, indicar o ponto ou quais os pontos da matéria de facto impugnados a que se reporta cada um dos meios probatórios indicados e que justificam a alteração da decisão que incidiu sobre esses factos, formulando “uma compreensível correlação entre os meios probatórios invocados e os concretos pontos da matéria factual impugnados”. Nada impede, porém, que essa indicação seja feita em bloco, desde que seja possível apurar através da leitura das alegações de recurso quais os concretos pontos de facto que compõem cada bloco de factos indicado e, respeitando o referido bloco a diferentes realidades factuais, discriminar quais os meios probatórios que fundamentam a alteração da decisão que incidiu sobre cada uma das realidades factuais em causa.”.

[5] Sobre a o alcance da decisão vertida no Acórdão proferido no Apenso B, importa referir, conforme sublinhado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-10-2018, Proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1: “Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”. Por isso: “A autoridade de caso julgado, formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-05-2024, Proc. n.º 497/19.5BEPNF.P1.S1

[6]https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5e6949328f00da72b7265620/1583958326753/2020-05+-+191-322+-+LA-PV.pdf