I - O inquisitório não é uma panaceia para a omissão da diligência devida pela parte, sendo certo que ao Juiz não cabe a determinação de todas as diligências susceptíveis de “contrariar” ou “infirmar” os resultados de outros meios de prova produzidos nos autos, quando essa realidade infirmatória não resulte antes manifestada na prova efectivamente produzida ou apresentada. Esse é que é o cerne do pressuposto juízo da necessidade ou utilidade probatória que justifica o recurso à iniciativa oficiosa.
II - Sempre que um solo, apesar de não dispor de todas as infraestruturas urbanísticas, se encontrar em zona classificada como urbana ou urbanizável, por instrumento de gestão territorial, deve ser classificado e valorizado, como solo apto para construção. Apesar de não dispor de infraestruturas, de acordo com o instrumento de gestão territorial, está destinado a adquirir as infraestruturas referenciadas no art. 25º/2 a) do Código das Expropriações. A potencialidade edificativa assenta em elementos objetivos, sendo legítima a expetativa do proprietário de poder construir.
III - A dedução prevista no art. 26º, nº9 do CE visa apenas o reforço das infra-estruturas já existentes e não a criação de novas infra-estruturas relativamente a uma parcela que delas não usufruía, porquanto, como decorre do disposto no mesmo art. 26º, nº7, o terreno é valorizado em função das infra-estruturas de que já beneficia e é nestas situações que se justifica a aplicação do disposto no nº9, considerando as despesas necessárias ao reforço dessas infra-estruturas. Se o terreno não é valorizado pela existência de infra-estruturas (nos termos do nº7), não poderá ser considerada a dedução de qualquer despesa para a sua realização, na medida em que isso traduziria uma dupla penalização para o expropriado.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Felgueiras - Juiz 1
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Maria Isoleta Costa
2º Adjunto: João Maria Venade
I.
Nos presentes autos de expropriação litigiosa por utilidade pública, em que é entidade expropriante o Município ... e expropriada AA, vieram as partes apresentar recurso do acórdão arbitral que fixou em € 32.849,90 o montante a pagar pela expropriação da Parcela 57.1, com a área de 3.691m2 a desanexar do prédio rústico “...”, de Eucaliptal e mato, com área total de 7.100m2, situada no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras e em € 31 862,00 o montante a pagar pela expropriação da Parcela 57.2, prédio rústico “...”, de eucaliptal e mato, com a área de 3700m2, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número ..., da freguesia ....
A expropriada pugnou pela incorreção dos valores atribuídos, sustentando deverem ascender, respetivamente aos valores de € 98.264,00 e € 51.200,00, com fundamento em que que a área expropriada deve ser considera apta a construção nos termos do artigo 25.º, n.º 2 al. c) da Lei 168/99de 18 de setembro e o seu valor determinado por comparação com transações de imóveis semelhantes.
A expropriante defende também a incorreção dos valores atribuídos pelo acórdão arbitral, os quais devem ser reduzidos, por se tratarem de terrenos florestais, insuscetíveis de construção, sendo que o critério usado pelos Srs. Árbitros para chegarem ao valor proposto padece de lapso, devendo ser utilizado o critério do artigo 27.º da Lei 168/99 de 18 de setembro, pugnando pelo valor máximo de € 5,00m2.
Foi deferido o pedido de expropriação total da Parcela 57.1, com a área total de 7.100 m2 – cf. Despacho de 12.02.2023 - sendo ainda admitida a rectificação dos valores peticionados em conformidade com a expropriação total e ainda quanto à parcela 57.2 por mero erro de cálculo, pelo que expropriada pugna pelo valor de € 122.830,00 quanto à (totalidade) parcela 57.1 e pelo valor de € 64.010,00 quanto à parcela 57.2.
Teve lugar a diligência instrutória de avaliação da parcela expropriada, a que alude o artigo 61, nº 2. do Código das Expropriações, vindo a ser apresentado relatório, conforme consta do documento com a ref.ª 9760079 de 01.07.2024.
Devidamente notificadas nos termos e para os efeitos do artigo 64.º do Código das Expropriações, a Entidade Expropriante apresentou as alegações que constam da ref.ª 10293756, segundo as quais considera que a decisão arbitral recorrida deve ser anulada, fixando-se o valor da justa indemnização por aplicação do disposto no artigo 27.º do Código das Expropriações, isto é, com base na classificação como solo apto para outros fins e não apto a construção. Subsidiariamente, que fosse acolhida a conclusão a que chegou o Senhor Perito Arq. BB, apesar de se tratar de posição minoritária, quanto aos valores indemnizatórios.
A expropriada apresentou as apresentou as alegações que constam da ref.ª 10291686, segundo as quais alega não concordar com o valor proposto pela maioria dos peritos, por ter não ter sido considerado o acréscimo de 1% ao índice fundiário fixado em 7%, por ter sido indevidamente aplicada ao resultado da avaliação o fator de risco na percentagem máxima de 15% uma vez que os srs. Peritos ponderaram a variável de comercialização, a qual é legalmente inadmissível e por não ter sido realizada a atualização referida no artigo 24.º, n.º 1 do Código das Expropriações.
Foi então proferida sentença, a qual julgou improcedentes os recursos interpostos e, em consequência, decidiu:
1 - Fixar em € 63.403,00 (sessenta e três mil quatrocentos e três euros) a indemnização a atribuir pela expropriação da parcela 57.1 com a área total de 7.100m2, do prédio rústico “...”, situada no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras;
2 – Fixar em € 31.969,40 (trinta e um mil novecentos e sessenta e nova euros e quarenta cêntimos) a indemnização a atribuir pela expropriação da parcela 57.2, com a área de 3700m2 do prédio rústico “...”, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número ..., da freguesia ....
Foi requerida pela expropriada a retificação de erro material da sentença, por não constar no segmento decisório a necessidade de se proceder à atualização dos montantes indemnizatórios ali fixados na sentença, nos termos do disposto no artigo 24º, n.º 1 do CE, a qual foi deferida, nos seguintes termos: Os montantes referidos em 1) e 2) serão atualizados de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do Código das Expropriações.
Desta decisão de rectificação, rectius, do segmento reformado da sentença não foi interposto recurso.
Foi da sentença interposto recurso principal, pela entidade expropriante, mediante as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, por a mesma padecer de erro no julgamento da matéria de facto e de incorreta aplicação do direito.
2.ª O Tribunal a quo aderiu acriticamente ao laudo maioritário elaborado em sede de peritagem, sem que previamente tivesse sindicado a legalidade das opções assumidas naquele laudo, e sobretudo da sua adequação em face das conclusões assumidas em sede de sentença, incorrendo assim em manifesto erro de julgamento.
3.ª A decisão aqui em crise padece de ilegalidade por violação do artigo 27.º, n.º 1, do CE, impondo-se a sua revogação e substituição por outra que fixe o valor de acordo com o referido preceito legal.
4.ª Porquanto, apenas virtualmente as parcelas em causa poder-se-iam subsumir no conceito de “solo apto para construção”, uma vez que, de modo autónomo, não reuniam quaisquer condições imperativas de edificabilidade.
5.ª Razão pela qual deve o facto 14 dado como provado ser substituído em conformidade com o referido supra.
6.ª Contudo, mesmo que assim não fosse – o que não se admite e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio –, o valor da justa indemnização sempre teria de ser calculado tendo por base o n.º 2 do artigo 26.º do CE, uma vez que existiam elementos que o permitiam e que a aqui Recorrente protestou juntar, caso o Tribunal os considerasse úteis.
7.ª O douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão e cedeu ao automatismo de considerar que não existiam elementos que permitissem aplicar o n.º 2 do artigo 26.º do CE.
8.ª Consequentemente, o douto Tribunal a quo incorreu em manifesta violação do princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411.º do Código de Processo Civil.
9.ª Mas na eventualidade de não se aceitar tal entendimento – o que não se admite apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio – sempre se diria que a douta sentença andou mal na aplicação dos critérios constantes dos n.ºs 7 a 10 do CE.
10.ª Assim, urge a substituição da douta sentença recorrida por outra que se mostre compatível com a factualidade fáctica, determinando necessariamente a redução do índice fundiário atribuído.
11.ª Ademais, impõe-se a substituição da decisão aqui em crise por outra que, atendendo às concretas características da parcela, considere o valor dos encargos no reforço das infraestruturas de pelos menos 30%, tal como o considerou o perito Arq. BB.
12.ª A correção da douta sentença do Tribunal a quo, nos termos acima aduzidos, permite concluir que o valor da justa indemnização devida à Expropriada deveria ter sido fixado em não mais do que €52.900,00 – tal como definido pelo Senhor Perito Arq. BB.
13.ª Apenas assim se garante o princípio da igualdade, que expressamente proíbe o tratamento desigual de expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento onde exista um fundamento material para o efeito – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2019, proferido no âmbito do Processo n.º 2885/07.0TBVCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Bem assim foi interposto recurso subordinado pela expropriada, mediante as seguintes conclusões:
1- A decisão proferida pelo Tribunal a quo, aderindo sem reservas aos Relatório Pericial produzido nos autos, concluiu que, em relação a ambas as parcelas em discussão (57.1 e 57.2), o valor unitário do solo é de 8,93€/m2, no seu estado e data de referência da DUP e, em consequência, fixou o valor da justa indemnização em, respetivamente, 63.403,00€ e 31.969,40€ - sem prejuízo da atualização legal de tais montantes ao abrigo do disposto no artigo 24º, n.º1 do Código das Expropriações.
2- Para assim concluir, a decisão recorrida baseou a sua decisão num relatório pericial que aplicou o método do cálculo em função custo de construção, previsto no artigo 26º, n.º 4 e seguintes do Código das Expropriações, o qual considerou, entre o mais, um “índice fundiário” (artigo 26º, n.º 4 e 5 do CE) de 3 Código das Expropriações – Anotado e Comentado, Ana Isabel Pacheco, Luis Alvarez Barbosa, 2022., p. 116, 7%, sem majoração de qualquer mais-valia por alegada inexistência de qualquer dos itens previstos no artigo 26º, n.º 5 do CE.
3- Se estivermos perante um “acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela”, pode ser majorado o índice fundiário até um máximo de 1,5% e, não obstante a matéria de facto dada como provada nos pontos 13, o Tribunal a quo aderiu acriticamente ao relatório pericial, não tendo procedido à majoração correspondente a essa mais-valia quanto à parcela 57.1, nem tendo explicado o motivo pelo qual não o fez.
4- Nessa medida, a sentença do tribunal recorrido ser revogada nesta parte e ser substituída por outra que aplique um índice fundiário de 8% em relação à parcela 57.1, com a consequente alteração do valor da justa indemnização fixado.
5- Por outro lado, na aplicação do método do cálculo em função custo de construção, foi também ponderado, no relatório pericial, um fator de desvalorização (fator de risco) de 15% (valor máximo), nos termos do disposto no artigo 26º, n.º 10 do CE, tendo o Tribunal a quo referido não ver qualquer motivo para divergir da aplicação dessa percentagem.
6- Acontece, porém, que no relatório pericial, para se apurar aquele valor percentual sobre o aludido fator de desvalorização, não só foi ponderado aquilo que se designou como “risco de comercialização” – que não se encontra legalmente previsto –, como não foi apresentada uma única concreta razão do motivo pelo qual, no presente caso, existe um fator corretivo pela inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva, especialmente que justifique a aplicação do máximo valor percentual legalmente admissível, sendo certo que este fator corretivo não é de aplicação automática, estando a sua aplicabilidade condicionada à demonstração efetiva da existência de risco ou de esforço construtivo - vd. Ac. RL de 1/7/2010, Márcia Portela, Proc. nº 2596/05.1TMSNT.L1.
7- Nessa medida, deve ser, nesta parte, revogada a sentença proferida e substituída por outra que considere este fator de risco em termos muito mais razoáveis, nunca superior a 7%.
Responderam-se reciprocamente recorrente e recorrida, nos termos que dos autos resultam.
II. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência:
1. Da falta de realização de diligências probatórias “oficiosas” e sua consequência;
2. Do erro de julgamento em matéria de facto, quanto ao ponto 14º dos factos demonstrados;
3. Do erro de julgamento quanto à qualificação do solo da parcela expropriada e quanto à aplicação dos coeficientes de valorização e desvalorização/correcção a aplicar de acordo com o Código das Expropriações.
III.
1.
Em causa a arguição da falta de determinação “oficiosa” pelo tribunal à parte para a junção por ela de documentos que aquela havia declarado/protestado juntar, “se o tribunal o houvesse por conveniente”…
Desde logo, como anota A. Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, anotação ao art. 630º do CPC, ainda quando deva submeter-se ao regime geral de impugnação da legalidade do uso[1] de poderes-dever, a invocação da ausência dos pressupostos definidos pela lei[2] ou a alegação de que o acto extravasa o quadro das possibilidades legais[3], essa possibilidade apenas opera, quando colocado em causa no recurso da decisão final o objecto da prova, no quadro da necessária impugnação da matéria de facto provada ou não provada.
O poder de determinação oficiosa de diligências probatórias é discricionário em si, ainda quando vinculado à verificação efectiva das condicionantes previstas nas normas que o estabelecem, interesse ou virtualidade probatória. Assim, a omissão da determinação oficiosa de junção de documentos não é recorrível a se com fundamento na sua ilegalidade, designadamente pela verificação das referidas condicionantes.
É-o apenas e só quando haja recurso sobre a matéria de facto à demonstração da qual se dirigia a diligência probatória não oficiosamente ordenada, invocada a falta desta como razão para o erro de julgamento.
É o que é determinado pela coerência sistemática do processo civil, num sistema que, após a reforma do CPC, como é generalizadamente reconhecido, intendeu reforçar os poderes do juiz quanto à tramitação processual e à produção da prova, robustecendo a oficiosidade, quer mediante a ampliação dos poderes de direcção e iniciativa, quer, reflexamente, na limitação aos recursos versando sobre tais decisões. Sobre a questão, por todos, A. Geraldes, loc. cit. e Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 380.
O juiz é o destinatário da prova, cabendo às partes o principal papel na indicação/requerimento, apresentação dos meios de prova e realização desta, na tentativa de demonstração dos factos que interessam à boa decisão da causa, em linha com os princípios processuais do dispositivo (que rege ainda em sede probatória, do que o ónus da prova se constitui como a mais imediata e gravosa consequência) e da autorresponsabilidade das partes.
De todo o modo, o artigo 411.º do CPC (princípio do inquisitório) estabelece um “poder-dever” do juiz, incumbindo-lhe realizar ou ordenar oficiosamente as diligências relativas aos meios de prova propostos pelas partes, como aquelas não requeridas, na medida em que julgue que aquelas são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio relativamente a factos que o Tribunal pode (e deve) conhecer.
No âmbito do princípio do inquisitório, previsto no art. 411º do CPC, não incumbe ao juiz apenas ordenar as diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes. Sempre, além desta prova de iniciativa oficiosa, “ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio” (como mostra o segmento do citado dispositivo legal: “mesmo oficiosamente”)[4].
O juiz como condutor do acto processual do julgamento e, neste, da produção da prova, não apenas pode, como tem de (em termos que infra melhor resultarão) determinar a realização das diligências probatórias que tenha como necessárias ao esclarecimento dos factos relevantes.
Em si, de forma autónoma e em abstracto, sem a impugnação concomitante e relevante da matéria de facto adquirida ou indemonstrada ou quando dirigindo-se ao apuramento de outra matéria de facto relevante à decisão e descurada (omitida), não é admissível o recurso autónomo/interlocutório da decisão de omissão da determinação imposta pela regra legal da oficiosidade.
Ora, o recurso interposto quanto à omissão da determinação oficiosa da junção de documentação pela parte pelo juiz relaciona-se, ainda quando não expressa e invocadamente, com a impugnação de matéria de facto passível de relevar, em sede agora de enquadramento jurídico dos factores ou critérios de avaliação das parcelas expropriadas …
É o que justifica a apreciação da argumentação expendida, mas no segmento ou enquadramento respectivo, o da omissão na decisão de matéria de facto relevante, reconduzindo-se a uma verdadeira e própria impugnação do julgamento de facto quanto ao facto, desconsiderado ou desatendido, dos valores médios das construções na área envolvente da parcela, nos termos e para os efeitos do art. 26º, n.º 2 do CE, no pressuposto já da classificação do solo como para outros fins, bem assim ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, nos termos agora do n.º 5 do artigo 23º do mesmo Código…
Assim é que, tendo em vista a obtenção do valor da justa indemnização, designadamente por referência ao valor real e corrente de mercado, o CE estabelece nos arts. 25º a 32º diversos critérios específicos tendo em conta a natureza dos bens expropriados, sem perder de vista a “válvula de escape” prevista no art. 23º/5 do CE a que, em última análise, poderão as partes lançar mão. Como adverte JOSÉ OSVALDO GOMES[5]: “(…) os critérios específicos são meramente instrumentais em relação aos critérios gerais (…) e, em última linha, relativamente ao princípio da justa indemnização” não podendo os mesmos “afastar o valor real e corrente dos bens expropriados, nem impedir que seja atribuída em cada caso concreto uma justa indemnização, ou se preferirmos, que o expropriado seja compensado integralmente dos danos sofridos. (…) Daqui decorre que, no caso de os critérios específicos não assegurarem uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelos expropriados, estão a violar os princípios da justa indemnização, da igualdade ou da proporcionalidade, não podendo ser aplicados in casu”. Assim, o valor que resultar da utilização dos critérios estabelecidos nos artºs 26º e segs. do CE, só será de postergar se se constatar, em concreto, que o mesmo não corresponde à justa indemnização e que o valor desta se obtém com o auxílio de um outro critério, maxime do art. 23º/5 do CE.
Assim justificado o conhecimento da questão suscitada,
Sempre temos para nós que a omissão pelo juiz de uma iniciativa oficiosa de prova que se lhe impusesse, tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá reger-se no quadro da regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma.
Não sufragamos também o entendimento de que o meio processual único para a arguição da nulidade (processual) decorrente da omissão, como violação legal do princípio do inquisitório, seja a reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão, no prazo de dez dias (arts. 149.º e 199.º, n.º 1, do CPC) após o encerramento da produção de prova ou mesmo após a notificação da sentença (esta enquanto último momento até ao qual passível de reabertura a audiência, para realização do meio de prova de iniciativa oficiosa[6]), podendo ser interposto recurso da decisão que incida sobre a mesma reclamação. Caso em que, sempre a nulidade processual arguida apenas nas alegações de recurso se deveria considerar sanada, por não respeitar a vício da decisão recorrida e na medida em que não se reporta ao indeferimento de uma reclamação oportunamente apresentada. Nessa tese, a nulidade processual decorrente da preterição do inquisitório convocada pela recorrente deveria ter sido objecto de reclamação, no prazo de dez dias a contar das ocasiões acima aventadas, perante o tribunal recorrido, nos termos da segunda parte do art. 196.º e arts. 197.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, todos do CPC, uma vez que não se coloca a hipótese prevista no n.º 3 da última disposição. Não tendo sido deduzida tempestivamente tal reclamação perante o tribunal a quo, sempre se verificaria o efeito preclusivo de perda da faculdade de exercício.
A exemplo do que sugerem Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, em As outras nulidades da sentença cível, Julgar Online, setembro de 2024, p. 1 a 79[7], a p. 48, a propósito de uma hipótese paralela ou assimilável, que vem a ser a da violação de norma legal expressa sem a estatuição da consequência respectiva, a saber, a inobservância da regra da contraditoriedade, parece-nos que a prevalência da apelação como meio impugnatório explica que a violação do art. 411º do CPC não caia inevitavelmente nas malhas do regime de arguição previsto no art. 195.º e seguintes, quando o recurso é admissível.
Desta decisão caberá recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir sem a realização necessária do meio de prova que se impunha).
Isto posto, cabe aferir da efectiva violação do art. 411º pelo Tribunal.
O exacto critério legal que delimita a intervenção do tribunal e que importa aplicar no caso concreto vem tão só a ser o de saber se a diligência probatória pretendida (a 2ª perícia)– independentemente da iniciativa das partes – é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Quanto ao conteúdo actual do princípio do inquisitório[8].
A dinâmica evolutiva do processo civil tem-se desenhado na oposição dialética entre dois princípios aparentemente contraditórios – dispositivo e inquisitório –, evidenciando um sentido de sucessivas transigências do primeiro e prevalecimento do segundo, com vista à realização da verdadeira aspiração do processo, afirmada nos artigos 8º, nº 1 e 411º do CPC: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
Uma das linhas mestras do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – que alterou o artigo 645º, nº 1 do CPC de 1961, atribuindo-lhe uma redacção igual à do artigo 526º, nº 1 do CPC actual (inquirição por iniciativa do tribunal) –, tal como definidas no seu preâmbulo, era a de privilegiar a decisão de fundo sobre a decisão meramente formal, através de uma atitude mais interventiva do Juiz – cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.”
Nas palavras do legislador de 1995 cabia ao processo civil procurar a verdade material, em vez de se privilegiarem aspectos formais, que não assumem verdadeira importância perante o objectivo de boa aplicação do Direito Substantivo ao caso concreto – cfr. citado diploma legal: “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.”
A verdade material a que se refere o legislador reconduz-se à absoluta correspondência entre afirmações sobre factos e a realidade dos mesmos através da produção da prova. Esta verdade material será, rectius, desejavelmente tenderá a ser aquela “verdade processual”, que os diversos meios de prova permitam apurar.
A maior prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo foi explicada da seguinte forma no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Procede-se a uma ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se consideram razoáveis e adequados. (…)
Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
Ora, “o CPC de 2013 acentuou a tendência para o reforço dos poderes do juiz e da sua compreensão como deveres, com a correlativa compressão do princípio do dispositivo (em sentido amplo) e os inerentes riscos no plano das garantias processuais fundamentais do cidadão perante o uso ou não uso de tais poderes/deveres… (…).
O CPC de 2013 acentuou o carácter público da função jurisdicional civil, enquanto função estadual ao serviço da justa composição de litígios de acordo com a verdade material. Com efeito, a descoberta da verdade material envolve um alto interesse do Estado e assim se promove a confiança na justiça dos tribunais. O poder de livre disposição reconhecido à vontade individual mantém-se na fase do impulso inicial e de identificação do objecto do processo; porém, a partir do momento em que as partes submetem o litígio ao tribunal todo o decurso do processo passa a ser dominado quase exclusivamente pela ideia de que a função jurisdicional deve observar as exigências da justa composição do litigio e esta é uma incumbência do juiz, não está dependente da vontade das partes…”[9].
Esta superioridade da verdade material sobre a forma é a razão de ser da opção feita pelo legislador mediante a consagração do princípio do inquisitório em matéria da instrução do processo em detrimento (“com forte compressão”) do princípio do dispositivo - é significativo disso mesmo a expressão sistemática da inserção do artigo 411.º do Código de Processo Civil, logo nas disposições gerais do Título V, Instrução do processo, na actual redacção.
Como referem A. Geraldes/ P. Pimenta/Luís Sousa, no seu CPC Anotado, Volume I, p. 484, o artigo 411º do CPC faz apelo à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.
Acrescentam ainda noutro lugar (loc. cit., p. 484), que, apesar da rigidez para que o art. 423.º do CPC (Prova Documental) parece apontar, “em parte associada ao princípio da auto-responsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º”.
No mesmo sentido, Profs. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (op. cit., p 501) que destacam justamente que ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, “na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.
Ainda no mesmo sentido, refere J. M. Gonçalves Sampaio[10] que: “Sendo certo que o juiz não pode, nem deve, em princípio, substituir-se à parte, atento o princípio do dispositivo, temos para nós que, após a Reforma de 1995-1996, o juiz passou a ter uma intervenção mais activa na instrução do processo, devendo fazer uso do poder-dever conferido pelo normativo do nº 3 do artigo 265.º (princípio do inquisitório) sempre que as circunstâncias e a boa instrução do processo o aconselhem, visando, em última instância […] obter um melhor apuramento da verdade material e justa composição do litígio”.
A definição do dever funcional do juiz emergente da norma processual convocada, como “poder-dever” subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, vigora apenas com os limites que se sintetizam no acórdão da RG de 14.05.2020 (relator: Alcides Rodrigues - citando Nuno Lemos Jorge)[11]:
«I- O uso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos:
i) a admissibilidade do meio de prova;
ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado;
iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio;
e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer»
Assim, a amplitude dos poderes/deveres do juiz, decorrentes do princípio do inquisitório pode impor que o julgador admita, por exemplo, um requerimento probatório ainda que apresentado intempestivamente sempre que existam fortes razões para concluir que os meios de prova em causa podem contribuir decisivamente para a apreciação do mérito das pretensões das partes[12].
Deste modo, caso a parte tenha omitido o cumprimento dos seus deveres processuais, concretamente na apresentação dos requerimentos probatórios no tempo adjectivamente oportuno, o juiz poderá ainda assim exercitar o poder-dever conferido pelo artigo 411º, quando resulte da instrução da causa que as diligências probatórias em causa são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Reitera-se, o que é decisivo para a admissibilidade do exercício deste poder-dever conferido pelo princípio do inquisitório é que os meios de prova admitidos ou ordenados sejam relevantes para o esclarecimento da verdade e a apreciação da factualidade que o tribunal tem que conhecer para apreciação do mérito da causa, independentemente da vontade de qualquer uma das partes na sua produção (e da tempestividade dessa iniciativa).
Em conclusão, como anota Paulo Pimenta[13], “o equilíbrio do nosso quadro legal resulta da intersecção das duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever”.
“Nessa medida, também não deve ser confundido aquilo que é próprio do princípio do inquisitório, em que a actuação do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória, com uma pretensa auto-responsabilidade das partes em sede probatória (…). Na verdade, o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória. Para isso muito contribuirá o zelo probatório das partes. De todo o modo, uma vez verificados os pressupostos que lhe impõem as incumbências previstas pelo art. 411º, é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes”[14].
Como resume Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, página 175, no âmbito da instrução do processo, o monopólio que pertencia às partes, de prova de factos alegados, deixou de existir. O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade.
O juiz tem a iniciativa de ordenar o depoimento testemunhal nos termos do artigo 526º, bem como determinar junção de documentos (artigo 436.º), ordenar a realização de prova pericial (artigo 467º, nº 1), uma 2.ª perícia (artigo 487º, nº 2), a realização de inspecção judicial (artigo 490º), ouvir pessoas após alegações (artigo 607º, nº 1) e ouvir as partes (artigo 452º, nº 1). Esta panóplia de alterações quanto aos poderes do juiz do processo, como refere o Prof. Lebre de Freitas, veio dar um novo paradigma do que é o princípio do inquisitório no processo civil português.
Em sintonia, Nuno Lemos Jorge, loc. cit., p. 61, afirma mesmo que na nova formulação decorrente da alteração do Código de Processo Civil de 1995, cabe ao juiz “a iniciativa da prova”.
No artigo que vem de citar-se indigitam-se os perigos e/ou problemas que se podem colocar no uso deste poder dever. Assim, “no que diz respeito aos poderes instrutórios do juiz, há que reconhecer que, antes de mais, eles encontram um limite natural nas garantias das partes, assumindo particular importância, neste caso, a garantia de imparcialidade do tribunal (…). É este o difícil equilíbrio a gerir: demasiadas concessões às sugestões probatórias das partes podem transformar o juiz num instrumento de uma (ilícita) fuga aos ónus probatórios das partes; demasiada insensibilidade às pretensões de uso, pelo juiz, dos seus poderes instrutórios podem implicar o incumprimento do poder-dever previsto no n.º 3 do artigo 265º” (págs. 69/70).
Finalmente, afirma-se uma outra limitação ao exercício deste poder-dever conferido pelo princípio do inquisitório que é o de tal exercício não poder ser uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira e indesculpavelmente negligentes das partes em violação do princípio da auto-responsabilidade.
Sempre a determinação oficiosa das diligências probatórias com invocação do princípio inquisitório só deverá ser efectuada, quando resulte da instrução da causa que as diligências probatórias em causa são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (não decorrendo apenas da visão probatória subjectiva das partes).
Se a necessidade de realização da diligência probatória não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção da mesma resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido (da sua sugestão), a qual não deverá ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.
É, assim, absolutamente indispensável para o exercício deste poder-dever do Juiz que as diligências probatórias admitidas ou ordenadas oficiosamente pelo tribunal (independentemente de terem ou não surgido da iniciativa das partes) sejam “necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” - como expressamente impõe o legislador no citado art. 411º do CPC.
Não se tem como determinante já que a possibilidade da prova o possa ser mediante outros meios efectivamente produzidos, i.é., não se exige a imprescindibilidade do meio de prova a ordenar oficiosamente.
Contudo e decisivamente, cabe atender, a um tempo, ao modo como foi requerida a prova em causa pela expropriante/recorrente e ao resultado da prova efectivamente produzida, em termos de se impor concluir pela inexistência de omissão pelo Sr. Juiz de diligência instrutória relevante e por isso que pela inexistência da nulidade processual convocada.
Desde logo, a Recorrente protestou juntar documentação relativa a negócios de venda de parcelas alegadamente na situação das expropriadas, por forma a provar o valor venal ou real, por comparação, “se o tribunal o considerasse necessário”.
Ora, na ocasião do requerimento e sabido que a única diligência obrigatória no processo em causa vem a sê-lo a da avaliação pericial, previsivelmente suficiente e completa à elucidação das questões de facto pertinentes, não se vê como se podia impor ao Tribunal qualquer juízo sobre a necessidade ou utilidade probatória daqueles elementos de prova.
Sempre não cabe ao Tribunal esclarecer a parte sobre a conveniência probatória na junção de documentos aos autos, mas a esta justificar a pertinência daqueles cuja junção tem por necessária à prova dos factos que julga importantes.
Após a avaliação pericial, se a Recorrente entendia que se impunha o recurso aos elementos “excepcionais” acima caracterizados, cabia-lhe a respectiva junção, mediante a alegação concomitante de que a mesma avaliação pericial enfermava de insuficiência ou necessidade de integração/rectificação, mediante a necessária intervenção do factor de correcção que agora convoca…
Ao Juiz não se apresentava, nem originariamente (em sede de apreciação do recurso da decisão arbitral e determinação das diligências instrutórias), nem então, após a avaliação, manifesta a insuficiência da prova produzida a alcançar o valor da justa indemnização, pela necessidade de intervenção de “cláusula de salvaguarda” ou ponderação de situações similares, pelo que apenas e só a parte podia vir justificar a necessidade e utilidade da junção de outros elementos de prova, tendentes a caracterizar a justificação para a correcção do valor alcançado (assim o sensível menor valor de mercado de prédios em idênticas condições)…
Nessa medida, não estando caracterizada a relevância probatória da junção dos documentos, não se vê como sustentar a violação de diligências instrutórias pelo Tribunal…
Não basta que a parte se reconduza nas alegações de recurso da decisão arbitral à existência de situações excepcionais, que justifiquem a consideração de factores particulares de avaliação da parcela expropriada/prédio. Tem que fazer a prova destas, mediante a junção dos documentos em que a estriba, admitindo-se também que, resultando a sua evidência/clareza da prova entretanto produzida (no caso, da avaliação pericial) possa o Juiz determinar, então, da produção de outra…
Nada disto sucedeu na situação decidenda. A entidade expropriante limitou-se a aludir ao valor pelo qual foram vendidos outros prédios nas imediações, no sentido de infirmar o valor atribuído em sede arbitral, optando por não juntar aos autos meios de prova da discrepância sensível que poderia justificar a “alteração” da avaliação como levada a cabo, pretendendo agora escudar-se na não realização pelo Juiz de uma diligência que os elementos constantes dos autos não impunham como necessária.
O inquisitório não é uma panaceia para a omissão da diligência devida pela parte, sendo certo que ao Juiz não cabe a determinação de todas as diligências susceptíveis de “contrariar” ou “infirmar” os resultados de outros meios de prova produzidos nos autos, quando essa realidade infirmatória não resulte antes manifestada na prova efectivamente produzida ou apresentada. Esse é que é o cerne do pressuposto juízo da necessidade ou utilidade probatória que justifica o recurso à iniciativa oficiosa. No caso, ausente.
Improcedente, pois, nessa parte o recurso, não se verificando a nulidade processual determinante da anulação do processado.
2.
Em face das alegações de recurso, vejamos agora da admissibilidade da apreciação do erro de julgamento quanto ao artigo 14º dos factos assentes, posto em causa pela Recorrente, a partir da prova efectivamente produzida e da fundamentação de facto da decisão recorrida.
Atente-se ao acórdão uniformizador do STJ nº 12/2023, de 17/10, que no seu segmento decisório diz não ser preciso que as conclusões do recurso expressamente contenham a indicação da decisão alternativa que o recorrente pretende [a alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC], desde que isso resulte evidente da motivação. Ora, na fundamentação, este acordão também diz que o mesmo princípio (ou seja, não é obrigatório constar das conclusões) deve ser aplicado aos meios de prova que o recorrente entende imporem outra decisão [a alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC]. Resta a alínea a) do nº 1 do artigo 640º do CPC - diz o mesmo acórdão, que tem obrigatoriamente de constar das conclusões, sob pena de rejeição, a indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
Tem-se, pois, analisados os termos do recurso, por caracterizado e passível de conhecimento o recurso da matéria de facto provada na sentença, sendo que apenas vem posto em causa o facto sob 14 dos assentes.
São os seguintes os:
A) Factos provados
1) Por deliberação da Assembleia Municipal ..., de 29 de setembro de 2020, objeto de publicação no Diário da República, 2.ª série, n.º 243, de 16 de dezembro de 2020, foi aprovada Declaração de Utilidade Pública com carácter de urgência da expropriação e posse administrativa de noventa e três parcelas necessárias à execução do projeto “Áreas de Acolhimento Empresarial – Plano de Urbanização do Alto das Barracas (Expansão)”.
2) A Declaração de Utilidade Pública exarada por o Aviso n.º 20267/2020, de 24 de novembro, publicado no Diário da República – 2.ª série, parte H, N.º 243 de 16 de dezembro de 2020 e retificada pelo Aviso n.º 8510/2021, de 3 de maio, publicado no Diário da República – 2.ª Série, n.º 89, de 7 de maio de 2021 e pelo Aviso n.º 22845/2021, de 26 de novembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 236, de 7 de dezembro de 2021.
3) Entre as parcelas abrangidas na deliberação encontram-se as parcelas:
a. 57.1. com a área de 3.691m2 a desanexar do prédio rústico “...”, de Eucaliptal e mato com área total de 7.100m2, situada no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número ..., da freguesia ....
b. 57.2, prédio rústico “...”, de eucaliptal e mato, com a área de 3700m2, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número ..., da freguesia ....
4) Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela 57.1 em 07 de maio de 2021.
5) Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela 57.2 em 07 de maio de 2021.
6) Por despacho de 12.02.2023 foi deferido incidente de expropriação total da parcela 57.1, tratando-se de expropriação total, com a área de 7 100,00m2.
7) A parcela 57.1 tem uma forma de paralelogramo irregular, alongado, com pendente no sentido norte/sul na ordem dos 20%.
8) A parcela/prédio total, é constituída por solo ligeiramente inclinado, de origem granítica e textura franco-arenosa, com boa profundidade, alguma disponibilidade hídrica, possuindo boa aptidão para a produção florestal.
9) A parcela tem acesso directo, por caminho florestal, em terra não infraestruturado.
10) A parcela confronta de Norte: CC; Sul: Limite de Freguesia; Nascente: DD; Poente: EE.
11) O prédio dista cerca de 5 km do centro urbano e cívico da cidade de Felgueiras (medidas em linha reta), onde se situam os equipamentos públicos mais relevantes e dista cerca de 1.300 metros do aglomerado urbano de Paços, de características semi-rurais, constituído por casas de habitação isoladas do tipo unifamiliares com dois pisos.
12) Em termos de qualidade ambiental, a zona onde o prédio se insere caracteriza- se pela ausência de focos de poluição, pelo que podemos concluir que possui uma boa qualidade ambiental.
13) Quanto a infraestruturas, o prédio tem acesso por caminho de terra batida, acessível a veículos, que atravessam o prédio, sem quaisquer infraestruturas urbanísticas.
14) O solo da referida parcela é apto a construção por estar destinado de acordo com instrumento de gestão territorial a adquirir tais características.
15) A parcela 57.2 tem uma forma paralelogramo, alongada, no sentido norte/sul.
16) É constituída por solo ligeiramente inclinado, de origem granítica e textura franco-arenosa, com boa profundidade, alguma disponibilidade hídrica, possuindo boa aptidão para a produção florestal.
17) A parcela confronta de Norte: FF; de Sul: Limite de Freguesia; de Nascente: EE; de Poente: DD.
18) O prédio/parcela dista cerca de 5 km do centro urbano e cívico da cidade de Felgueiras (medidas em linha reta), onde se situam os equipamentos públicos mais relevantes e dista cerca de 1.300 metros do aglomerado urbano de Paços, de características semi-rurais, constituído por casas de habitação isoladas do tipo unifamiliares com dois pisos.
19) Em termos de qualidade ambiental, a zona onde o prédio/parcela se insere caracteriza-se pela ausência de focos de poluição, pelo que podemos concluir que possui uma boa qualidade ambiental.
20) Quanto a infraestruturas, o prédio/parcela tem acesso por caminhos de terra não acessível a veículos, sem quaisquer infraestruturas urbanísticas.
21) Foi realizada arbitragem tendo sido atribuídos os seguintes valores:
a. à parcela (na expropriação ainda parcial) 57.1 o valor de € 32.849,90;
b. à parcela 57.2 o valor de 31.862,00€;
22) Foi proferido despacho de adjudicação à entidade expropriante.
23) Foi elaborada peritagem coletiva, tendo sido atribuído, por maioria absoluta (4) dos peritos, os seguintes valores:
a. à parcela 57.1 o valor de € 63.403,00;
b. à parcela 57.2 o valor de € 31969,40;
24) O perito indicado pela entidade expropriante atribuiu, os seguintes valores:
a. à parcela 57.1 o valor de € 35.500,00;
b. à parcela 57.2 o valor de € 17.900,00.
A diferenciação entre matéria de facto e matéria de direito assume particular dificuldade quando se empregam termos que, para além do seu sentido jurídico, têm uma generalizada significação na linguagem corrente[15], isto é, quando esses termos expressam um significado médio em consequência da experiência comum sobre os conteúdos referidos com a sua utilização.
Desde logo, o art. 607/4 do CPC, nos termos do qual o tribunal só deve consignar os factos que julga provados e não provados, exclui a pronúncia, nesta sede, sobre questões de direito, sendo que, tradicionalmente, se englobam neste conceito, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos, os quais são, no dizer de Helena Cabrita, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra: Coimbra Editora, 2015, pp. 106-107, “ aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa” ou, dito de outro modo, aqueles que se fossem considerados provados ou não provados levariam a que toda a ação ficasse resolvida, em termos de procedência ou improcedência, com base nessa única resposta.
A título de exemplo, cita-se STJ de 28.09.2017 (809/10.7TBLMG.C1.S1), relatado por Fernanda Isabel Pereira, no qual se entendeu que, “[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito.”
Este entendimento estrito tem sido objeto da crítica da doutrina, em especial de Miguel Teixeira de Sousa, “Anotação ao Acórdão do STJ de 28.9.2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1”, Blog IPPC, Jurisprudência 784, https://blogippc.blogspot.com/ [17.10.2023] (O autor retomou o tema em no escrito “Factos conclusivos": já não há motivos para confusões!”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2023/06/factos-conclusivos-ja-nao-ha-motivos.html), que, a propósito, escreve que, “[e]nquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra (…).
A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. (…) Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.”
Da nossa parte, entendemos que é preferível um entendimento eclético.
Com efeito, ainda na vigência do CPC de 1961, o mesmo STJ notou, em Acórdão de 13.11.2007 (07A3060), relatado por Nuno Cameira, que “[t]orna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.” E acrescentou que “não pode perder se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas.”
Já no âmbito do CPC de 2013, o STJ, em Ac. de 22.03.2018 (1568/09.1TBGDM.P1.S1), relatado por Abrantes Geraldes, considerou que a inexistência no CPC de 2013 de um preceito como o do art. 646/4 do CPC de 1961 “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui matéria de facto e matéria de direito.” Escreveu-se ali que “[n]o que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961 (…) A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961 (…)”
O relator deste Acórdão, Conselheiro António Abrantes Geraldes, renovou este entendimento na sua obra Recursos em Processo Civil (7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, pp. 354-355), ao escrever que, em resultado da modificação formal da produção de prova em audiência, que passou a ter por objeto temas de prova, e da opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja matéria de direito ou matéria conclusiva que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso (...) A patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como matéria de facto provada pura e inequívoca matéria de direito…”
Sem prejuízo, como salientado no Acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021 (671/20.1T8BGC.G1), relatado por Raquel Batista Tavares, “não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “factos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido”… (e, acrescentamos, a causa de defender). De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”.
No mesmo sentido, o Acórdão da mesma Relação de 31.03.2022 (294/19.8T8MAC.G1), relatado por Pedro Maurício, sintetiza a questão nos seguintes termos: “[a]figura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor.” E, sufragando RP 07.12.2018 (338/17.8YRPRT), acrescenta que: “Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais.”
Deste modo, tendo presente que a linha divisória entre o facto e o direito não é linear, tudo dependendo, no dizer de Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Coimbra: Almedina, 1982, p. 270, “em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes”, há sempre que verificar se o facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo que importa para uma decisão justa.
Ainda quando os factos conclusivos estejam diretamente relacionados com o thema decidendum, apenas são a desconsiderar quando impeçam ou dificultem de modo relevante a percepção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor. Certo estar no caso o objeto da pretensão dependente do significado real da expressão técnico-jurídica proposta (estar destinado de acordo com instrumento de gestão territorial a adquirir tais características), há que concluir que estamos perante matéria de conclusiva de direito e que tal expressão não pode ser submetida a prova e integrar a decisão sobre matéria de facto.
Como se adiantou, afirmações conclusivas, sobretudo quando correspondam ao objeto do litígio ou à questão a decidir, confundindo-se com o ‘conceito chave’ da solução jurídica da causa, devem ser excluídas ou consideradas não escritas. Como, mais uma vez, se concluiu no aludido aresto, deve-se ter por “não escrita” “a enunciação [que se] revele conclusiva”, mormente nos casos em que, citando o Acórdão do STJ de 14-07-2021, essa enunciação encerre um juízo “contendo (…) em si mesmo a decisão da própria causa” ou em que “se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Na situação decidenda, ao invés de consignar os factos mesmos que permitem extrair a conclusão total e completamente jurídica sob o impugnado ponto 14º dos factos assentes, deu-se como demonstrada, justa e literalmente, a hipótese da previsão legal respectiva.
Como resulta do que antecede, tem-se por totalmente inconveniente o procedimento, na medida em que totalmente ausentes da matéria de facto os pressupostos reais, efectivos ou materiais do juízo conclusivo assumido, em termos de ser insindicável a correcção da conclusão…
Por isso que, nos termos expostos, se decide da eliminação daquele segmento[16].
Impõe-se já a ampliação, nos termos e para os efeitos agora do art. 662º, n.º 1 do CPC, da matéria de facto, mediante a consideração agora das realidades subjacentes ao juízo jurídico eliminado.
E é nesta sede que importa relevar, sem mais, a prova integrada pelos instrumentos legais de integração das parcelas expropriadas, assim o PDM ..., sendo incontroverso o facto que se decide pois levar ao ponto 14º dos provados: No PDM ..., o prédio integra as seguintes categorias de espaço: - Ordenamento: Zona Industrial; - Condicionantes: Sem Condicionantes” e, além disso, “encontra-se inserido no Plano de Urbanização ... – ..., aprovado pela Assembleia Municipal ... em 27-04-2001, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 70, de 23 de Março de 2002, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2002.”.
A questão agora da qualificação do solo a partir deste facto adquirido integra matéria de direito, pelo que é nessa sede que se conhecerá da argumentação da Recorrente.
3.
A) da classificação do solo
Está, neste segmento, em causa a determinação da justa indemnização a fixar pela expropriação de duas parcelas, sem esquecer da procedência do pedido de expropriação total acima assinalado.
Há que salientar que o direito à indemnização devida pela expropriação, como extensão do direito à propriedade privada e decorrência do princípio do Estado de Direito Democrático, tem sido também entendido como um direito de natureza análoga à dos direitos fundamentais, englobado no conteúdo do direito de propriedade. Nos termos impostos pela Constituição da República Portuguesa, “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (artigo 62º, nº 2, sendo o mesmo também afirmado no artigo 1310 º do Código Civil): esta justa indemnização é de tal modo relevante que é pressuposto da expropriação e há uma sinalagmaticidade entre expropriação e o pagamento de justa indemnização.
Esta justa indemnização deve traduzir a “adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida” (Ac. do T.Const. nº 52/90, proc. 173/89, D.R., I Série, de 30/3/90), atendendo às circunstâncias específicas de cada caso concreto, nomeadamente à potencial edificabilidade do terreno em causa (cfr. preâmbulo do D.L. 438/91, de 9/11, que aprovou o Código das Expropriações) e respeitando os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, C.R.P. anotada, 2ª ed. revista e ampliada, 1º vol., pág. 331).
O dano material suportado pelo expropriado deverá corresponder ao valor de mercado do bem expropriado (vide Ac. do T.Const. de 23/3/84, D.R., II Série, de 30/7/84 e Ac. da R.P. de 14/2/89, C.J., tomo I, pág. 190), ou seja, ao seu valor comum, ou ainda, ao seu valor de compra e venda (neste sentido, Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pág. 129[17]).
Conforme já escreveu o Tribunal Constitucional “a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. (...) Há-que observar um princípio de igualdade e proporcionalidade – um princípio de justiça em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 243/2001, publicado no Diário da República n.º 153/2001, Série II de 04/07/2001, páginas 11119 - 11121).
A expropriação por utilidade pública, como transmissão coativa típica sempre esteve e continua a estar sujeita a dois grandes princípios constitucionais: o seu condicionamento a fins de utilidade pública legitimamente declarada e a exigência da correspondente indemnização, visando esta compensar o sacrifício pessoal assim imposto e garantindo a observância do princípio de igualdade violado com a privação do respetivo direito.
Por ela pretende-se garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial que sofreu. Antes de mais, há que ter em conta que se não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública, como claramente dispõe o artigo 23º do Código das Expropriações, o qual esclarece que tal prejuízo correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Costumam-se atribuir três ideias mestras à noção da justa indemnização: a mesma não pode ser meramente nominal, irrisória ou simbólica, mas tem que compensar integralmente o concreto dano imposto ao expropriado; tem que impedir que o expropriado suporte um dano ou sacrifício não exigido aos não expropriados, mas também não pode conceder-lhe um enriquecimento face ao que lhe foi retirado; e não deve ter em conta elementos de valorização que são puramente especulativos e mais-valias ou aumentos de valor que tenham a origem na própria declaração de utilidade pública ou que resultem de circunstâncias posteriores à resolução de expropriar (como decorre das alíneas a), c) e d) do Artigo 23.º do Código das Expropriações).
E assim tem sido defendido que o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo[18].
Já se referiu que o nº 5 do artigo 23º do Código das Expropriações contém uma “válvula de escape” ou uma “cláusula de salvaguarda”, nos termos da qual o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes do Código deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo atender-se a outros critérios para alcançar aquele valor.
A referência para o cálculo da indemnização é a data da declaração de utilidade pública (reforça o artigo 24º nº 1 deste Código), mas esta deve ser atualizada à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação. E por isso para a fixação do valor, não se consideram as benfeitorias voluptuárias ou úteis e informações, licenças ou autorizações administrativas realizadas e requeridas após à notificação da resolução de expropriar.
Essencial é que na determinação da “justa indemnização” se tomem em consideração todos os elementos valorativos do prédio - capacidade e potencialidade edificativa, localização, envolvimento - que numa análise objetiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado nunca possam nem devam ser desprezados postergando fatores de ordem puramente especulativa[19].
No regime legal definido, o legislador elegeu como objetivo a prosseguir nos critérios legalmente previstos para o cálculo do valor da indemnização o da correspondência com o valor real e corrente do bem expropriado (n.os 1 e 5 do artigo 23.º do Código das Expropriações). Para este efeito, estabeleceu um conjunto de elementos ou factores de cálculo variáveis consoante o objeto da expropriação consista num solo, num edifício ou numa construção.
No que respeita à indemnização devida por solos expropriados, o regime legal assenta na distinção entre “solo apto para construção” e “solo para outros fins”, tendo o legislador adotado um critério concreto na definição da aptidão edificativa. Desta forma, se em abstrato, todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, pode comportar edificação, na classificação a empreender em concreto, a recondução de cada solo expropriado a uma das referidas categorias implica o preenchimento de requisitos objetivos.
O conceito de solo apto para construção é um conceito jurídico-normativo que, como a generalidade, senão a totalidade dos conceitos jurídicos, não é de natureza ôntico-naturalística, mas de natureza axiológico-normativa, é dizer «valorativa», isto é, os parâmetros indicados na lei para a densificação do mesmo conceito, não se referem apenas às características físicas do terreno, mas sim ao seu valor económico-jurídico, tendo em pauta que se trata de um conceito destinado exactamente a permitir um justa indemnização em consonância com os ditames da ordem jurídico-constitucional.
Não basta, destarte, ter em consideração os valores médios do mercado para, consoante os mesmos, se proceder à determinação ou cálculo do valor indemnizatório. Vem aqui a propósito recordar uma brevíssima passagem da declaração de voto de vencido do Exmº Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, Rui Moura Ramos, no Acórdão nº 145/05, de 16-03-2005, daquele Tribunal, exactamente sobre questão referente à classificação de solos, para efeitos indemnizatórios decorrentes de expropriação, e que se prendia com invocada violação do princípio da igualdade, do seguinte teor: «Considero, com efeito, que, tratando-se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados – a análise da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação – não deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes». Mais adiante, lê-se na citada declaração de voto: «o mercado é a interacção do conjunto de vendedores e compradores, actuais ou potenciais que se interessam pela transacção de determinado produto» (Fernando Araújo, Introdução à Economia, Vol. 2ª ed., Coimbra) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos». É evidente que, com isto, não se pretende negar o relevo do mercado concorrencial na avaliação dos preços dos terrenos expropriados, designadamente, mediante o cotejo com os que possuindo características similares, não foram objecto de expropriação. Tal é, aliás, uma das referências ou índices a atender na determinação desse valor, maxime, quando esteja em causa o princípio da igualdade, de relevo jurídico-constitucional (artº 13º da CRP).
Mas o que jamais pode ser indiferente a tal cálculo é a realidade normativa resultante da classificação legal dos terrenos, sob pena de, assim não acontecendo, se vulnerar exactamente o princípio de igualdade constitucionalmente tutelado. É o que melhor resultará infra.
O montante da indemnização pretende criar uma situação que se aproxime da melhor forma daquela em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria a existente se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa. Conforme resulta do preâmbulo do Código respectivo e como se observa no Ac. STJ 16 de março de 2017[20] “[…]a introdução da distinção entre solos aptos para construção e solos para outros fins teve como objetivo alcançar uma forma mais adequada de fixação do valor dos terrenos expropriados, em obediência aos princípios constitucionais da justa indemnização (nº 2 do artigo 62º da Constituição) e da igualdade (artigo 13º, nº 1, também da Constituição), e tomando em consideração “a jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito do artigo 30º do Código” então “revogado”.[…]
Pretendeu-se, assim, consagrar na lei a relevância da “potencial aptidão edificativa dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano”, ressalvando, no entanto, eventuais “restrições ou até mesmo proibições ao direito de construção”, resultantes, por exemplo, de servidões ou de regulamentos”. No estudo publicado por PEDRO ELIAS DA COSTA[21], defende-se na interpretação do art. 25º, que “o legislador, ao definir um solo apto para construção, não adotou um critério abstrato de aptidão edificativa, já que, teoricamente, todo o solo rústico é passível de edificação, mas, antes, um critério concreto de potencialidade edificativa”. Adianta, ainda, o mesmo autor e no mesmo lugar, que “não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de poderem preencher alguma das alíneas do nº 2 do artigo 25º, os solos que apresentem: falta de condições materiais que permitam a edificação; ervidões non aedificandi; proibição de construção imposta por lei ou regulamento”.
FERNANDO ALVES CORREIA, no estudo publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência[22] refere, que para a determinação das espécies de terrenos que integram a classe de solo apto para construção, “[n]ão adotou o legislador, na linha do Código de 1991 […] um critério abstrato de aptidão edificativa – já que, abstrata ou teoricamente, todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, é passível de edificação -, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa. Na definição do solo apto para construção, teve o legislador em conta, […] elementos certos e objetivos[…].”[ainda a p. 50].
Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência citando-se, entre outros, os Ac. STJ 16 de março de 2017, Proc. 11/06.2TBVPA.G1.S1, Ac. STJ 16 de novembro de 2017, Proc. 10160/08.7TBVNG.P1.S1 e Ac. STJ 11 de maio de 2017, Proc. 6592/11.1TBALM.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nos termos do art.25º/2 c), no que ao caso importa, considera-se apto para construção o solo que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a).
O plano diretor municipal por natureza e objeto constitui o instrumento de gestão territorial adequado para proceder à ordenação do território definindo as áreas em que é possível a construção. De acordo com o art. 9º/2 a) da Lei de Bases da Politica de Ordenamento do Território e do Urbanismo em vigor à data da publicação da declaração de utilidade pública, ”o plano diretor municipal, que, com base na estratégia de desenvolvimento local, estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como os parâmetros de ocupação, considerando a implantação dos equipamentos sociais, e desenvolve a qualificação dos solos urbano e rural”.
Nos termos do art. 18º/ 2/b) DL 380/99 de 22 de setembro (diploma que fixou o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial), “os instrumentos de gestão territorial estabelecem os objetivos quantitativos e qualitativos que asseguram a coerência do sistema urbano e caracterizam a estrutura do povoamento”, e para esse efeito “os planos municipais de ordenamento do território estabelecerão, no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respetivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo adequados à concretização do modelo do desenvolvimento urbano adotado”.
O art.69º do citado diploma define os planos municipais de ordenamento do território como os “instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios” os quais “estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental”.
Os planos municipais de ordenamento do território, como se prevê no art. 70º do diploma citado, visam estabelecer: “ a) A tradução, no âmbito local, do quadro de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional; b) A expressão territorial da estratégia de desenvolvimento local; c) A articulação das políticas sectoriais com incidência local; d) A base de uma gestão programada do território municipal; e) A definição da estrutura ecológica municipal; f) Os princípios e as regras de garantia da qualidade ambiental e da preservação do património cultural; g) Os princípios e os critérios subjacentes a opções de localização de infraestruturas, equipamentos, serviços e funções; h) Os critérios de localização e distribuição das atividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços; i) Os parâmetros de uso do solo; j) Os parâmetros de uso e fruição do espaço público; l) Outros indicadores relevantes para a elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial”.
Em conformidade com o art. 71º, do mesmo diploma, “o regime de uso do solo é definido nos planos municipais de ordenamento do território através da classificação e da qualificação do solo”.
Nos termos do art. 72º a “classificação do solo determina o destino básico dos terrenos, assentando na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”, definindo-se o “solo rural, aquele para o qual é reconhecida vocação para as atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou que seja ocupado por infraestruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano” e “solo urbano, aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano”.
Da conjugação dos preceitos citados decorre que sempre que um solo, apesar de não dispor de todas as infraestruturas urbanísticas, se encontrar em zona classificada como urbana ou urbanizável, por instrumento de gestão territorial, deve ser classificado e valorizado, como solo apto para construção. Apesar de não disporem de infraestruturas, de acordo com o instrumento de gestão territorial estão destinados a adquirir as infraestruturas referenciadas no art. 25º/2 a) do Código das Expropriações. A potencialidade edificativa assenta em elementos objetivos, sendo legítima a expetativa do proprietário de poder construir.
Assim é que, nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 25º explica-se o que se considera como solo apto para construção, considerando a sua potencialidade edificativa. E neste conceito, de solo apto para construção, integra-se aquele: (…)c) (…) que está destinado a adquirir as infraestruturas descritas na alínea a), de acordo com instrumento de gestão territorial.
É patente, face às alíneas b) e c) da norma consideranda que o solo como sendo apto para a construção não tem necessariamente como pressuposto a imediata possibilidade de construir. Tem sido considerado que solo apto para a construção tanto pode ser aquele que já possui capacidade edificativa como aquele que reúne condições para em futuro próximo vir a ter essa mesma capacidade.
Todo o solo que não pode ser considerado como “solo apto para construção”, classifica-se como “solo para outros fins” (artigo 25.º, n.º 3).
Divergem as partes sobre se para calcular a indemnização se devem atender aos critérios estipulados para os solos aptos para construção ou não.
Importa, em primeiro lugar, verificar se da matéria de facto provada resultam preenchidos algum ou alguns dos critérios enunciados no nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações.
Decisivo é o aditado ponto 14º dos factos assentes. Assim é que as áreas das parcelas expropriadas, bem como o prédio de onde foram destacadas, enquadravam-se no Plano Director Municipal ... em Zona Industrial; Sem Condicionantes, inseridas no Plano de Urbanização ... – ..., zonas estas quanto às quais não resultou provado que a edificabilidade esteja condicionada.
Esta classificação permite que se considere que, como se concluiu na decisão recorrida, estavam destinadas, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a), sem condicionantes.
Face até ao fim da expropriação e à execução em curso de infraestruturas com vista à urbanização para instalação de indústrias da zona, é mister concluir que as parcelas se incluem em área em que a breve trecho existirão instalações de actividade empresarial/industrial, estando ultrapassado o uso “virtual ou hipotético”, para sê-lo já real ou efectivo.
A natureza ainda florestal dos prédios, bem como o uso que deles tem vindo a ser feito, não são como vimos os critérios a que recorre a lei para classificar os solos, mas os estabelecidos no artigo 25º do Código das Expropriações. A classificação do prédio como rústico (irrelevante, pois, o recurso a normas de classificação fiscal do imóvel) ou a utilidade que dele tem vindo a ser retirada não são fatores que ganhem relevo para a sua capacidade edificativa nos termos em que é acolhida pelo nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações.
Foi já analisada a forma como as áreas das parcelas expropriadas, bem como o prédio de onde foram destacadas se encontram em área com aptidão para a construção de edifícios para a actividade industrial, sem condicionantes. A área envolvente, como se viu, compreenderá, a muito breve trecho, uma zona industrial.
A referência aos fins atribuídos ao prédio/parcelas pelos instrumentos de planeamento municipal, conjuntamente com as estruturas já em execução, concedem-lhe potencialidade edificativa com suficiente proximidade para que se considere tal capacidade na sua classificação. Enfim, não resulta que não havia uma séria e justa expetativa de nelas poder construir pelos seus beneficiários (no momento da declaração de utilidade pública). Bem ao contrário…
Assim, adiante-se, tendo em conta os critérios jurídicos aludidos há que manter a classificação operada na sentença do solo como apto para a construção.
Tem existido ampla controvérsia sobre o cálculo da justa indemnização relativa a parcelas expropriadas que beneficiem das características elencadas no artigo 25º, nº 2 do Código das Expropriações, mas em que as leis e regulamentos de gestão territorial à data da declaração da sua utilidade pública lhe retiram qualquer potencialidade edificativa. O nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações pressupõe que o solo apto para a construção pode estar, por plano municipal de ordenamento do território, destinado a zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos, estabelecendo que se o plano é posterior à aquisição do prédio, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções, existentes ou que seja possível edificar, nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada. Esta norma encontrava-se inserida no âmbito do “Cálculo do valor do solo para outros fins” no anterior código das Expropriações (artigo 26º nº 2 do DL 428/91), embora sem a agora imposta restrição quanto à data da aquisição do prédio, mostrando que também o legislador não tem sido unívoco sobre a influência que os entraves legais e regulamentares à construção devem ter na classificação dos solos quanto à aptidão construtiva e quanto ao cálculo da justa indemnização.
Esta norma “teve como finalidade evitar as manipulações das regras urbanísticas por parte da Administração, nomeadamente na classificação dolosa e preordenada de um terreno como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, com vista à sua desvalorização e ulterior aquisição, por expropriação, mediante o pagamento de uma indemnização de um valor correspondente ao do solo não apto para construção (v., nesse sentido, Fernando Alves Correia, Código das Expropriações e outra legislação sobre expropriações por utilidade pública, Aequitas, 1992, pp. 23-24 e A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, ob. cit., pp. 145-146 e José Osvaldo Gomes, Expropriações por utilidade pública, Texto Editora, 1997, pp. 195-196). Prescindindo da prova da atuação dolosa nessas intervenções a dois tempos, o legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data dessa classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização equivalente ao seu valor venal à data da expropriação, mas sim com uma indemnização que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que não foram atingidos por aquela restrição de uso.” Em sentido paralelo o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2017: “Seguro é que, com a salvaguarda legal que agora emerge do art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações, o legislador visou tutelar interesses dos proprietários de terrenos que, conquanto não sejam formalmente classificados como terrenos para construção, apresentam, ainda assim, potencialidade construtiva que sai prejudicada pela atribuição de alguma das aludidas classificações por parte de planos municipais de ordenamento do território.” Assim, aqui defende-se que este critério deve ser reservado a solos que atestam uma aptidão ou vocação objetiva para a edificabilidade, atenta a sua localização, acessibilidades, infraestruturas urbanísticas e desenvolvimento urbanístico da zona, mas que a classificação atribuída pelo plano municipal não lhe atribui tal finalidade.
Já no Ac. n° 131/88 do Tr. Const., em que se declarou inconstitucional a norma constante do nº 1 do art. 30° do Cód. das Expropriações de 1976, se vincava que deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, o jus aedificandi, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Conforme se tem ponderado em vários acórdãos do mesmo Tribunal, como v.g., no Ac. nº 243/2001, DR, Série II, de 04/06/2001, «se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado. Também importa referir que, conforme se considerou no Ac. do Tr. Const. n° 20/2000, DR, Série II, de 28/04/2000, a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como solo apto para construção, pois não se baseia na existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
A questão que se nos apresenta nos autos é justamente o reverso da que vem de elencar-se.
Desde logo, não resulta da matéria de facto que as características da parcela ou imóvel do qual são a destacar determinassem, de acordo com o Regulamento do Plano de Urbanização ou o RGEU, mormente as regras convocadas pela entidade expropriante, a insusceptibilidade ou proibição de construção. Sequer a inviabilidade ou a extrema dificuldade no licenciamento de uma obra e edifício para fins industriais. Sempre a “exigência” implicada pela necessidade de execução autónoma de infraestruturas com vista à obtenção de licença para construção se constitui tão só como um factor ou critério a ponderar, no sentido da desvalorização da parcela. Não determinam que se exclua a aptidão construtiva, nos termos e para os efeitos do Código das Expropriações, nos termos expostos.
Improcedente também a argumentação pela expropriante, nos termos da qual se não fosse a obra que originou a presente expropriação e a construção no prédio não seria possível…
É que, sendo, como o reconhece a expropriante, o PDM perfeitamente eficaz à data da DUP, a capacidade edificativa da parcela emerge sem mais daquele instrumento, por dele decorrer que a parcela está destinada a ter as características que a classificam como apta à construção…
A obra para a execução da qual foram as parcelas expropriadas é, justamente, consequência dessa aptidão, correspondendo à criação e pela expropriante das infraestruturas que facilitam ou operacionalizam a aptidão construtiva gizada na classificação…mas desta não são condição. Não vem a ser a obra que gera a aptidão construtiva, ainda quando se reconheça que a execução da mesma tornará exponencialmente mais fácil a verificação dos pressupostos regulamentares de licenciamento de construções na área…
Na verdade,
Parece-nos de toda a utilidade, a contrario senso, o critério encontrado nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 333/2003 e 557/2003: “Não tendo o proprietário, [pela integração do terreno na RAN], expectativa razoável de ver o terreno desafetado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.”
Mais do que mera expectativa, em função da classificação no PDM, a possibilidade de construção na situação decidenda aproxima-se já da certeza, na medida da execução do Plano de Urbanização, em termos de dotação do local das infra-estruturas a que se refere agora a alínea a) do n.º 2 do art. 25º do Código das Expropriações…
Precisamente porquanto se entende que há que considerar que por via da indemnização pela expropriação segundo o critério assumido o expropriado conseguirá obter pela parcela expropriada um valor que o proprietário de prédios vizinhos não expropriados - com idênticas características e a mesmíssima classificação - lograria obter caso o pretendesse alienar no mercado.
Em síntese conclusiva: a determinação do tipo de solo apto para a construção depende dos pressupostos e requisitos previstos no artigo 25º do CE, considerando-se por exclusão de partes solo apto para outros fins os solos que não se enquadram em nenhuma das referidas alíneas do nº 2 e que, por isso, considera-se que não têm potencialidade edificativa. Cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 11.10.2012, Processo n.º 9748/06.5TBMTS.P1, relator Desembargadora Judite Pires. Para a determinação de solo apto para a construção ou para outros fins o CE adotou um critério concreto de potencialidade edificativa, de acordo com elementos certos e objetivos.
Na esteira de JOSÉ VIEIRA FONSECA: “Sem prejuízo de outras necessárias considerações e de diferentes critérios, parece-nos possível, face ao Código das Expropriações de 1999, apresentar a seguinte classificação dos solos indemnizáveis de acordo com uma específica capacidade urbanística: (a) os que se integram em alguma das alíneas do artigo 25.º, n.º 2, do Código; (b) os que preencham os requisitos do artigo 26.º, n.º 12, do mesmo Código; (c) os que se encontrem classificados no plano como podendo receber uma solução urbanística; (d) aqueles que sejam expropriados para a execução de soluções urbanísticas ou adstritos a este fim (sublinhados nossos); (e) e os que justifiquem, de acordo com os critérios das anteriores categorias, a aplicação analógica deste regime indemnizatório. O denominador comum a estas categorias de solos e, consequentemente, o critério estruturante que lhe está subjacente, não é uma ideia recente: falamos da muito próxima ou efectiva aptidão urbanística dos solos, um tópico que nos parece encerrar virtualidades para ser apresentado com critério geral na classificação indemnizatória dos solos expropriados. Trata-se afinal, de um mero desenvolvimento da “muito próxima ou efectiva capacidade edificativa” que, com diferentes significados, tem suportado várias posições do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria. (…) - a edificação é só um dos elementos a considerar no urbanismo e as razões que suportam a autonomização de um critério indemnizatório relativo a edifícios valem nos seus exactos termos para o que essa edificação exige e implica, a jusante e a montante, designadamente para as infra-estruturas urbanísticas e para a capacidade urbanística dos solos.” Sempre este normativo não prevê um elenco cumulativo, e, dentro de cada alínea, o respectivo elenco também não é absoluto[23].
Em conclusão, totalmente correcta a consideração do solo expropriado como apto para construção, como, de resto, até o perito da entidade expropriante sustentou.
Improcedente toda a argumentação recursiva nesse segmento.
B) Da desconsideração de critérios de desvalorização necessários, por legais
1. Desde logo, quanto à avaliação a fazer nos termos dos números 2 e 3 do artigo 26º do CE, perfeitamente subsistente a consideração, em sede de relatório pericial, como na sentença, da inexistência de elementos, mormente de prova[24], que permitam a aplicação daquele critério.
A aplicação do chamado método comparativo pressupõe a análise de um conjunto de elementos e informações, nomeadamente relativos aos preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos últimos 5 anos.
Em sede de avaliação de imóvel para efeitos de atribuição da justa indemnização pela sua expropriação o recurso a métodos comparativos, de mercado ou outros, não é a única forma de alcançar o valor “real e corrente” desses bens, como previsto no artigo 23º, número 5 do Código das Expropriações, apenas podendo recorrer-se tais métodos quando se disponha de elementos de facto que permitam a comparação com prédios com idênticas caraterísticas, como decorre do número 2 do artigo 26º do mesmo Diploma[25].
Ausentes dos autos esses elementos e informações, com o que impossível a aplicação do proposto/suscitado critério.
Justificado, pois, plenamente, o recurso ao critério do custo de construção, nos termos do n.º 4 do referido artigo 26.º, segundo o qual o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo de construção, em condições normais de mercado.
2. Do valor a atender em sede de índice fundiário e da desvalorização determinada pelos custos de infraestruturação e construção
Desde logo, assente-se em que o cálculo do valor respectivo envolve conhecimentos especiais que os peritos possuem e que não são normal ou geralmente acessíveis ao julgador pelo que, como é jurisprudência unânime, há que conferir especial força probatória à perícia ordenada pelo tribunal, designadamente aderindo às conclusões dos peritos nomeados pelo tribunal por estes merecerem maiores garantias de isenção, independência e imparcialidade. E, como sucede, havendo divergências nos valores a considerar quanto aos parâmetros do cálculo da indemnização entre os peritos nomeados pelo tribunal e o perito nomeado pela expropriante, a sentença recorrida e fundamentadamente louvou-se na posição dos senhores peritos nomeados pelo tribunal.
E, afigura-se-nos, com razão. Na verdade, no que respeita aos parâmetros do art. 26º do CE, afigura-se-nos serem equilibrados e suficientemente sustentados os critérios de avaliação utilizados pelo Srs. peritos nomeados pelo tribunal, os quais tomam em consideração as características da parcela existentes à data da D.U.P., atento o que consta do P.D.M. para a zona em questão.
Assim: o Índice de construção ponderado, de 0,40 m²/m²; o Preço unitário da construção, de 375,00€/m², Decisivamente, o Índice Fundiário (art.º 26.º n.ºs 6 e 7 do CE), na percentagem de 7,0% e o Factor de risco (art.º 26.º n.º 10 do CE), computado em 15,0%.
Entendemos estarem plenamente sustentados os valores encontrados pelos Srs. peritos, de acordo com o que se referiu, tendo em conta também as explicações que constam dos seus esclarecimentos, não havendo qualquer razão para reduzir o valor de 7% alcançado ou computar outras desvalorizações, como pugnado pela expropriante.
Aqui se consigna, por não despicienda, a consideração ali das áreas previstas no Plano de Urbanização ... – ..., mediante perequação, como dos esclarecimentos constantes dos autos resulta.
Sempre perfeitamente justificada a ponderação, com relação ao máximo de 15%, da inexistência de infra-estruturas de serviços e administração na zona envolvente da parcela, mediante depreciação, no confronto agora com a relativa proximidade à cidade de Felgueiras e com a proximidade a rede viária de tipologia e função principais, com a natureza de auto-estrada e relevante significado na ligação regional e mesmo nacional, desta feita implicando o índice fundiário alcançado.
O índice fundiário mostra-se assim devidamente ponderado e calculado, pelos peritos, sendo diferenciador daquelas outras situações, que como alega ao recorrente devem ser feitas, não se justificando, a nosso ver a alteração requerida, com fundamento em erro.
Adiante-se, atenta a inserção sistemática do seu objecto nesta sede, que não assiste qualquer razão à Expropriada, já que, manifestamente, a parcela não é servida de acesso rodoviário relevante para efeitos do CE.
Na verdade, a alínea a), do n.º 7 do artigo 26.º do CE estabelece: “A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostre justificada: a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente, junto da parcela – 1,5%”. (sublinhado nosso).
Nos termos da matéria assente, o acesso à parcela não tem tais características, pelo que, s.m.o., correcta a desconsideração da valorização pretendida.
Quanto agora às reclamadas deduções constantes dos n.ºs 8 a 10 do artigo 26.º do CE.
Prescreve o artº 26º nº8 do Código das Expropriações: «Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.»
Este segmento normativo transcreve o nº4 do artº 25º do Código de 1991.
Prevê ele um aumento ou diminuição do custo da construção em função das especiais condições ou circunstâncias do local que tal impliquem.
Em primeiro lugar as condições a considerar não são umas quaisquer, designadamente as situadas a montante, isto é, as necessárias para tornar efectiva a capacidade construtiva da parcela. Pois que tal alargaria demasiadamente a previsão legal e conferir-lhe-ia contornos de tal modo abrangentes e indefinidos que descambaria numa intolerável aleatoriedade.
Antes tais condições devem ser entendidas como reportadas aos próprios contornos físico-materiais da parcela que afectem[26] - para melhor: diminuindo-os, ou para pior: aumentando-os - os custos da construção.
Como sejam, p.ex., as sua características orográficas ou a sua inclinação, na medida em que é muito mais difícil e oneroso construir num terreno montanhoso e com um declive acentuado do que num terreno plano e sem tal declive ou inclinação.
Em segundo lugar porque não são quaisquer condições ou circunstâncias do terreno que justificam a aplicação deste segmento normativo, nem as suas consequências no preço da construção podem apenas ser medianas ou normais.
Importa que sejam condições especiais, ie. fora do comum, extraordinárias. E que a variação do custo da construção que elas acarretem seja substancial, relevante e acentuado, ultrapassando certos acréscimos ou aumentos que normalmente decorrem de certas dificuldades geralmente inerentes à actividade construtiva – cfr. Ac. da Relação do Porto de 19.04.2005, dgsi.pt, p.0521678.
No caso vertente nada se apurou e sequer emerge dos autos que a parcela expropriada encerre tais especiais condições.
Não se alcança que as suas condições materiais e os seus contornos e características físico-materiais sejam de tal jaez que agravem o custo de construção e, muito menos, substancialmente.
Sendo, assim, inadmissível subsumir este caso concreto na previsão deste segmento normativo.
Donde, não há qualquer redução a atender.
Como referiu a Relação do Porto, Acórdão de 1 de Junho de 2009, proc. n.º 4451/06.9TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt: “Quer o n.º 9, quer o n.º 10 do art. 26 representam factores de dedução no valor anteriormente encontrado, tendo em atenção a construção possível no local expropriado, ficcionando-se o seu loteamento e tentando repor o equilíbrio entre quem é e quem não é expropriado. Assim, no primeiro caso, serão deduzidas as despesas com o reforço necessário das infraestruturas e no segundo, as previsíveis despesas com a operação de loteamento e utilização do capital, que na realidade só existiriam na hipótese de verdadeira construção.”
Estatui o art. 26º n.º9: «Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.»
Este preceito é inovador em relação ao código de 1991, introduzindo um elemento redutor no calculo da indemnização.
Deve entender-se que as infra-estruturas a que se reporta são as mencionadas na al.a) do nº2 do artº 25º: acesso rodoviário, abastecimento de água, energia eléctrica e sistema de saneamento ou, nos termos da alínea b), as existentes no núcleo urbano em que o solo se insere.
Mais uma vez o legislador foi exigente para fazer actuar a previsão legal. Pois não se contenta com uma sobrecarga qualquer mas antes exige uma sobrecarga “incomportável”[27]. Compreendendo-se porquê. É que o valor das infra-estruturas normais já está considerado na não aplicação das diversas percentagens a elas atinentes referidas no n.º7 do citado art. 26º. Consequentemente, faltando uma ou mais dessas infra-estruturas, o seu valor não é tomado em conta para o efeito de aumentar a percentagem do valor do terreno em relação ao valor da construção.
E assim, a ausência das mesmas, provocando uma diminuição do valor do terreno, está obviamente a ser tomada em conta para o efeito do cálculo do mesmo valor – cfr. Ac. da Relação do Porto de 31.03.2004, dgsi.pt. p.0431552.
No esclarecimento lapidar dos Srs. Peritos: não existe qualquer reforço de infraestruturas porque estas serão a construir de novo. Na verdade o n.º 9 do artigo 26.º do C.E. aplica-se quando estamos perante uma área de construção ou urbanização que vai utilizar as infraestruturas pré-existentes, sendo necessário reforçá-las. No caso em análise, tudo é construído de novo e por isso não se aplica.
É a posição da jurisprudência.
A dedução prevista no citado art. 26º, nº9 visa apenas o reforço das infra-estruturas já existentes e não a criação de novas infra-estruturas relativamente a uma parcela que delas não usufruía, porquanto, como decorre do disposto no mesmo art. 26º, nº7, o terreno é valorizado em função das infra-estruturas de que já beneficia e é nestas situações que se justifica a aplicação do disposto no nº9, considerando as despesas necessárias ao reforço dessas infra-estruturas. Se o terreno não é valorizado pela existência de infra-estruturas (nos termos do nº7), não poderá ser considerada a dedução de qualquer despesa para a sua realização, na medida em que isso traduziria uma dupla penalização para o expropriado.
É nessa situação, em que o terreno foi valorizado pela existência de infra-estruturas que se justifica a dedução das despesas necessárias ao reforço das mesmas, porquanto não se justificaria que a parcela expropriada fosse valorizada pela existência de infra-estruturas (valorização essa que decorre do facto de a construção não ter que suportar o respectivo custo) quando, afinal, essas infra-estruturas, por serem insuficientes, têm que ser reforçadas e, como tal, exigem a realização de despesas com essa finalidade.
Neste caso, a dedução das despesas necessárias ao reforço das infra-estruturas existentes é a única forma de eliminar o benefício injustificado do expropriado que veria o valor do terreno aumentado, por força das infra-estruturas existentes, sem que o valor das despesas que teria que efectuar para o reforço dessas infra-estruturas se reflectisse nesse valor.
Neste sentido, ac. TRP Apelação nº 163/04.6TBARC.P1 - 3ª Sec, datado de 22/10/2009 (Relatora: Maria Catarina Gonçalves)- www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel e da mesma Relação de 04 de Janeiro de 2010, processo 825/06.3TBLSD-A.P1, desta feita na base de dados da dgsi. Ainda da Relação do Porto de 09.04.2024, 2783/21.5T8VLG.P1, na mesma base de dados.
Se a inexistência de infra-estruturas já é valorizada negativamente pela não aplicação das percentagens referidas no nº 7 (o que determina uma diminuição do valor do terreno), não poderá ser considerada qualquer dedução correspondente às despesas que são necessárias para a realização dessas infra-estruturas; um tal procedimento corresponderia a uma dupla penalização pela inexistência de infra-estruturas: o terreno seria desvalorizado, por esse motivo, em virtude de o seu valor não ser aumentado pela aplicação das percentagens referidas no nº 7 e seria novamente desvalorizado, pelo mesmo motivo, através da dedução ao valor do terreno das despesas necessárias à realização dessas infra-estruturas.
Daí que a dedução em causa só deva ter lugar na hipótese o terreno ter sido valorizado em função de determinadas infra-estruturas e vir a ocorrer “o reforço das mesmas”.
Ora, no caso, o terreno não foi valorizado pela existência de qualquer infra-estrutura, pelo que inaplicável o factor de desvalorização convocado.
Por estas razões entendemos ser de manter a decisão, que foi acolhida pela maioria dos peritos, não aplicando o fator corretivo previsto nos nºs 8 e 9 do art. 26º do CE.
Foi atendida na situação decidenda a desvalorização implicada pelo risco ou esforço de construção, justamente em função do maior dispêndio implicado pela ausência de infraestruturas, nos termos e para os efeitos do nº 10 da disposição legal consideranda, perfeitamente justificado e razoavelmente avaliado em sede de relatório pericial maioritário, ascendendo já valor do máximo dos factores de ponderação legalmente previstos, a demonstrar que os Srs Peritos não descuraram o elevado custo de construção a suportar.
Quanto a essa desvalorização, considerada, a mesma logra fundamento no nº 10 do artigo em causa, preceito que tem como fundamento o princípio da igualdade na sua vertente externa. Ao avaliar-se um solo pela construção que nele seria possível efectuar, não se pode ignorar que o expropriado não suportou um risco e uma série de despesas que se iriam traduzir num encargo a pesar sobre a edificação construída. Estes custos são indispensáveis no cálculo da justa indemnização, como refere Pedro Elias da Costa, “influindo directamente no valor de mercado da parcela expropriada, já que são custos a que estaria sujeito um comprador normal que adquirisse o terreno em causa para fins edificativos.” (ob. cit., pag. 298-299)
Na jurisprudência, na interpretação do preceito sob o nº 10 do artigo 26º, convocado pela entidade expropriante, tem-se atribuído particular relevo à circunstância de tal factor não operar de forma automática, como manifestação do princípio da justa indemnização, pressupondo a apreciação concreta de factos e circunstâncias que permitam avaliar da inexistência do risco ou esforço inerente à actividade construtiva.
Vejam-se, a título meramente exemplificativo, os Ac. Rel. Porto 11.02.2010 (nº convencional JTRP 00043609), Ac. Rel Porto de 31.03.2009 (nº convencional JTRP 00042451), Ac. Rel. Porto 03.06.2008 (Proc. 0821914), todos em www.dgsi.pt, nos quais se sintetiza a posição expressa da seguinte forma: “ para o seu funcionamento exige-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva, relevante na situação concreta, capaz de justificar uma redução do valor da avaliação do solo apto para construção, ajustando os custos à realidade hipotética. (…) Na verdade a aplicação da dedução de forma sistemática, abstracta, “cega” e, quiçá, no seu máximo admissível, acarretaria a violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade, na medida em que se prejudicariam indevidamente os expropriados nos casos em que a efectiva construção, se não fora a expropriação, não acarretasse riscos ou esforços que originassem despesas ou encargos relevantes. Deve pois aceitar-se, que o funcionamento do factor correctivo pela inexistência de risco e esforço na actividade construtiva não é de funcionamento automático.
Isto e por um lado, porque a indemnização já é fixada por valores médios e por outro, porque no custo da construção, factor a tomar em consideração para cálculo do valor do terreno, já se entra em linha de conta com o esforço construtivo na situação concreta; e, finalmente, o risco construtivo nem sempre existe, desde logo se o expropriado, como acontece na maior parte das vezes, vender o terreno a alguém que depois vai construir. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 30.01.2024, já referido.
Assim, para funcionamento do factor correctivo previsto no aludido nº 10 do art. 26º, exige-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva relevante na situação concreta capaz de justificar uma redução do valor da avaliação do solo apto para construção, ajustando os custos à realidade hipotética.” (nº convencional JTRP00043609 – www.dgsi.pt)
Na situação decidenda, encontra-se justificada a aplicação do factor correctivo de 15% atinente aos custos da construção, porque se considerou que a expropriada vai receber o valor da indemnização, sem qualquer esforço, ou seja, sem realizar qualquer despesa correspondente aos encargos com a construção, num aproveitamento normal do terreno, quando a construção envolve um risco ou esforço.
Novamente recorrendo ao esclarecimento lhano dos Srs. Peritos: a possibilidade edificativa só foi possível de concretizar através da execução da operação de loteamento em curso. Ora, a edificabilidade na parcela sem infraestruturas é de elevado risco, razão pela qual os Peritos consideraram o risco máximo admissível de 15%.
Ora, justificadamente aplicada a percentagem máxima por este factor de risco, sendo que o local e as parcelas tinham acesso por caminho de terra batida, não infraestruturado e qualquer projeto que se viesse a apresentar para o terreno obrigava, quando menos, à execução de infraestruturas.
Com efeito, a ausência de infraestruturas (que apenas surgem com a execução da obra que justifica a expropriação) faz com que a nosso ver seja inegável a existência de um esforço ou risco grande a considerar para edificar a parcela nessas condições. A inexistência de arruamentos, sendo que a parcela é apenas servida por caminho de terra batida, dificultaria só por si, enormemente o processo edificativo.
Na medida da consideração agora da percentagem máxima de ponderação/desvalorização legalmente permitida, cabe considerar que o valor alcançado na sentença, por remissão para o laudo se encontra totalmente correcto.
Assim, os valores utilizados nos seus cálculos pelos Srs. peritos nomeados pelo tribunal, e considerados na sentença recorrida, que os analisou e considerou sustentados, parecem-nos estar de acordo com o referido princípio da justa indemnização.
Não merece, pois, acolhimento a pretensão da recorrente expropriante.
Nem também a da expropriada em sede de recurso subordinado.
III.
Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento aos recursos principal e subordinado, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelos Recorrentes.
Notifique.
Porto, 22 de Setembro de 2025
Isabel Peixoto Pereira
Isoleta de Almeida Costa
João Venade
_______________
[1] Ou não uso, acrescento nosso.
[2] Ou da evidência destes, no caso do não uso.
[3] Ainda Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anotado, III, tomo 1, 2ª edição, p. 23.
[4]Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, Vol. 2º, pág. 208.
[5] Expropriações por utilidade pública, 1ª ed., Lisboa, Texto editora, 1997, p. 167.
[6] A lei é generosa quanto ao momento até ao qual o tribunal pode ainda determinar a realização de diligências instrutórias, prescrevendo o artigo 607º, nº 1 do CPC, que, mesmo depois de recolher à sala de conferências para decidir, o tribunal, “se não se julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar mesmo as diligências necessárias”.
[7] Bem assim, como antecede, quanto à natureza do vício.
[8] Rita Lobo Xavier/Inês Folhadela/Gonçalo Andrade e Castro, in Elementos do direito processual civil - teoria geral; princípios; pressupostos”, págs. 142 e ss.
[9] Loc. cit nota anterior, págs. 144. V. também no mesmo sentido, pág. 152 da mesma obra.
[10]A Prova por documentos particulares na doutrina, na lei e na jurisprudência, pág. 224.
[11] Nuno Lemos Jorge, Os problemas instrutórios do juiz: alguns problemas”, “Julgar”, nº 3, 2007, págs. 75/6 (disponível na internet). Veja-se, quanto ao conteúdo do ‘poder-dever’ em causa, o acórdão da Relação de Lisboa, de 17.05.2018, in dgsi.pt: “O artigo 411º do Código de Processo Civil, determinando que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, consagra um claro poder-dever do juiz, com vista à plena realização dos fins do processo”.
[12] António Júlio Cunha, in Direito Processual Civil Declarativo, pág. 69.
[13] Processo Civil declarativo, pág. 343, nota 802
[14] Paulo Pimenta, loc cit. nota anterior, pág. 342.
[15] Cfr. o já longínquo Acórdão do STJ de 01.07.2004, no processo n.º 04B2285, na base de dados da dgsi.
[16] «O tribunal da Relação tem a liberdade de eliminar os pontos de facto fixados na sentença recorrida se os mesmos encerrarem juízos conclusivos, como sucede com aqueles que se reconduzem diretamente à resolução da questão jurídica em discussão nos autos» — acórdão do STJ de 16/11/2023, processo nº 2053/21.9T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt/.
[17] Fernando Alves Correia, in As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1992, p. 129, refere: “o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respetivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda, permitindo-lhe, assim, com o mesmo montante, adquirir, se quiser, outro bem idêntico ou semelhante e assegurando-lhe a inalterabilidade do ativo da sua situação patrimonial pela substituição daquele bem pelo respetivo valor equivalente, proporcionando-lhe dinheiro suficiente para assegurar a adequada substituição do bem de que foi privado e prevenindo com isso a violação do princípio da igualdade dos particulares perante os encargos públicos e da imparcialidade da atuação da Administração perante os bens particulares.”
[18] Cfr. Ac. Rel. Porto 21.09.89, CJ XIV, IV, 200; FERNANDO ALVES CORREIA “Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999” in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 132 - 1999-2000, Nº3898-3909.
[19] Cfr., entre outros, Ac. Rel. de Lisboa 12.04.94, CJ XIX, II, 109; Ac. Rel. de Lisboa 10.03.94, CJ XIX, III, 269
[20] Ac. STJ 16 de março de 2017, Proc. 11/06.2TBVPA.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[21] Guia das Expropriações Por Utilidade Pública, Coimbra, Almedina, Março de 2003, cit. pag. 267.
[22] O já citado Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999” in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133 – 2000-2001, Nº3910-3921, pag. 324.
[23] Cfr., por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.01.2015, Processo nº 416/09.TBLMG.C1; da Relação do Porto de 23.06.2005, Processo 0533426 e da mesma Relação de 21.06.2021, processo 1142/06.4TJPRT.P4, todos acessíveis na base de dados da dgsi.
[24] Sobre a questão de não caber ao tribunal a junção respectiva, aqui nos remetemos para a primeira questão apreciada neste recurso.
[25] Acórdão da Relação do Porto de 22.01.2024, processo 110/20.8T8MAI.P1, na base de dados da dgsi.
[26] Irrelevam, pois, nesta sede, os constrangimentos relacionados a exigências administrativas ou regulamentares da construção, posto que, como se verá, atendíveis noutros segmentos da norma considerada, sob pena de dupla desvalorização…
[27] Sempre esta norma deve ser aplicada com cautelas, cum granno sallis.
Em primeiro lugar porque, como já se referiu, ela não pode deixar de ser concatenada com o estatuído na parte restante do artº 26, rectius o seu nº7. Em segundo lugar porque se vislumbra sempre difícil, na prática, quantificar as despesas necessárias ao reforço das infra-estruturas. Em terceiro lugar porque constituindo normalmente o reforço das infra-estruturas um benefício para outros prédios adjacentes não pertencentes ao expropriado, não parece justo – por violação do princípio da igualdade e da atribuição da equitativa indemnização expropriativa– obrigar o expropriado a arcar sozinho com as correspondentes despesas a deduzir naquela indemnização – cfr. Alípio Guedes in Valorização dos Bens Expropriados, Almedina, 2003, p.90.