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LISTA DE CREDORES
PRAZO DE APRESENTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário
Sumário I- Atento o disposto nos artigos 128º a 131º do CIRE, sendo a lista definitiva de créditos reconhecidos e a lista de créditos não reconhecidos apresentadas pelo Administrador da Insolvência no prazo previsto pelo n.º 1 do artigo 129.º do CIRE, não têm as mesmas que ser notificadas aos credores e ao insolvente, notificação essa que apenas se impõe nos casos previstos no n.º 4 deste mesmo preceito. II- Na situação referida em I- e com excepção dos casos referidos neste nº 4 do artigo 129º, todos os demais intervenientes, estão sujeitos ao ónus de acompanhamento e consulta do processo, de modo a que, decorrido o prazo fixado na sentença para a reclamação de créditos e o prazo de 15 dias para que sejam apresentadas as listas definitivas de créditos pelo Administrador da Insolvência, possam inteirar-se do seu teor e, se assim o entenderem, apresentar impugnação nos termos estabelecidos no artigo 130º, nº 1, do CIRE. III- No caso de as listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos terem sido apresentadas para além do prazo de 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, deve ter lugar a notificação das mesmas a todos os interessados, incluindo aos insolventes, sob pena de ocorrer violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo. IV- Verificando-se a apresentação da lista dos créditos reconhecidos nos termos referidos em IV- e tendo sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos sem que tenha havido lugar à notificação da lista, a forma de reagir à nulidade ocorrida por violação dos princípios ali referidos é através da interposição de recurso da referida sentença.
Texto Integral
I - Relatório
L… M… I… M… e C… R… M… P… S… M… foram declarados insolventes por sentença proferida em 24/07/2024 (sendo igualmente essa a data da publicação do anúncio e o respectivo edital foi afixado em 25/07/2024), sentença essa transitada em julgado.
Nessa sentença foi fixado o prazo de 30 dias para efeitos de reclamação de créditos.
Em 16/09/2024, pela Sra. Administradora da Insolvência (AI) foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, tendo anexado ao mesmo, para além do mais, a lista provisória de credores a que alude o artigo 154.º, bem como a respectiva notificação destas peças processuais ao Ilustre mandatário dos insolventes.
Em 09/10/2024, a AI apresentou a lista definitiva dos créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, tendo sido autuado o competente apenso de reclamação de créditos.
A lista em causa não foi objecto de impugnação, tendo, em 26/05/2025, sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, na qual se pode ler: “(…) No caso concreto, na ausência de impugnações, nem de erro manifesto, homologo a lista apresentada, considerando que os autos principais foram encerrados por insuficiência da massa, e que foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante. * IV - Pelo exposto, nos termos dos arts. 129/1 e 130/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redacção dada pelo DL 57/2022, de 25-8, homologo a lista de credores reconhecidos apresentada pelo/a Administrador/a da Insolvência e julgo verificados os créditos ali expressos em euros nos seus precisos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos: I… S… S… I.P. – Centro Distrital C… -Privilegiado -22 184.36 (Reversões M… P…, Lda) N… B…, S.A. Comum 9 522.33 S… - STC, S. A. Comum 83 728.28 (contrato mútuo cessão de créditos C…) E… F… S… P… habilitada (W… B…, S.A.) Comum 5 708.78 (…) VI - Pelo exposto, deverão ser pagos da seguinte forma: 1- crédito do ISS privilegiado; 2- os demais comuns de forma rateada, sobre o eventual produto da fidúcia. (…)”
*
Os insolventes apresentaram recurso dessa sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1 - Os Recorrentes apresentaram-se à Insolvência que foi declarada por sentença proferida em 24/07/2024, já transitada em julgado.
2 - A Administradora da Insolvência, em 16/09/2024, juntou aos autos relatório, nos termos do artigo 155º do CIRE.
3 - Em 09/10/2024, a AI apresentou a lista definitiva dos créditos reconhecidos a que alude o artigo 129º do CIRE, tendo sido autuado o competente apenso de reclamação de créditos.
4 - A Exma. AI não cumpriu o prazo legal para apresentação nos autos da lista definitiva de credores e não cumprindo tal prazo nem por isso cuidou de notificar tal lista aos credores em geral e, em especial, aos Devedores/Insolventes, os aqui Recorrentes.
5 - Em 26/05/2025 foi proferida Sentença de verificação e graduação de créditos, na qual se pode ler: “(…) Pelo exposto, nos termos dos arts. 129/14 e 130/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redacção dada pelo DL 57/2022, de 25-8, homologo a lista de credores reconhecidos apresentada pelo/a Administrador/a da Insolvência e julgo verificados os créditos ali patentes expressos em euros nos seus precisos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos: I… S… S… IP – Centro Distrital de C… – Privilegiado 22 184.36 (reversões M… P…, Lda); N… B…SA Comum 9 522.33; S… – STC, SA Comum 83 728.28 (contrato mútuo cessão de créditos C…); E… F… S… P… habilitada (W… B… SA) comum 5 708.78 (…)”.
6 – A Secção do Tribunal remeteu notificação da Sentença de Graduação de Créditos, em 27/05/2025 que a receberam em 30/05/2025, como se infere da consulta do Registo dos CTT.
7 - Os Insolventes não foram notificados da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do 129º do CIRE (para exercício estatuído no artº 130º do CIRE), pelo que, sempre serão nulos todos os actos que hajam sido praticados subsequentemente à apresentação da referida lista, por violação do princípio do contraditório e ao abrigo do disposto no artº 195º nº 2 do NCPC.
8 - Assim, vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 6, proferida a 26 de Maio de 2024, que decidiu julgar verificados todos os créditos reconhecidos pela Sra. Administradora da Insolvência.
9 - Nem os Insolventes, nem o seu Mandatário foram notificados da lista definitiva de credores elaborada pela AI nos termos do artigo 129º do CIRE, o que equivale a dizer que à devedora foi obliterada a possibilidade de sobre a mesma se poder pronunciar, impugnando-a nos termos do disposto no artigo 130º do mesmo diploma legal.
10 – E, proferida a sentença de verificação e graduação de créditos sem que tenha sido dada a conhecer aos ora Recorrentes (aqui Insolventes), por qualquer meio, a lista definitiva apresentada pela Senhora AI, nos termos do artigo 129º do CIRE, e, por consequência, a possibilidade de os mesmos se pronunciarem acerca do seu conteúdo, verifica-se uma clara e frontal violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo, o que aqui se suscita e invoca para os efeitos requeridos.
11 - A Mma. Juiz “a quo” não podia ignorar que os Recorrentes, sendo principais interessados na discussão dos créditos a verificar que ia graduar na sentença recorrida, nunca foram notificados de nenhum dos factos relevantes para este efeito (mormente, da lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos), e tendo-o feito, deixou de conhecer uma questão muito relevante subjacente a decisão ora recorrida que estava obrigada a conhecer.
12 - Nos presentes autos havia questões prévias e nulidades sobre as quais a Mma. Juiz “a quo” se deveria ter pronunciado e deixou de o fazer e que impediam prolação da douta sentença ora recorrida - designadamente a exclusão injustificada do processo, dos principais interessados no mesmo (os aqui Insolventes) com subsequente prejuízo grave dos seus interesses.
13 - A sentença ora recorrida é assim nula por violação do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) do NCPC, tal como é nulo todo o processado posterior à apresentação da lista definitiva elaborada pela Senhora AI, nos termos do disposto no artº 129º do CIRE.
14 - Na sentença proferida, que declarou a Insolvência dos aqui Recorrentes foi dispensada a Assembleia de Credores e fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.
15 - Os artigos 128º a 131º do CIRE estabelecem um regime de prazos encadeados e sequenciais, uns com os outros, o que vale dizer, que são consecutivos, sendo que cada um deles se inicia, com o término do que o precedeu.
16 - Não foram os Insolventes, nem o seu mandatário, notificados da lista de credores a que alude o artigo 129º, n.º 2 do CIRE, dessa forma não lhes tendo sido possível apresentar impugnação à mesma, o que consubstancia violação frontal dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.
17 - Não é legítimo ao tribunal conhecer de quaisquer questões (de facto ou de direito) sem que as partes tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem, designadamente, para evitar as denominadas decisões surpresa.
18 - Assim, se uma decisão for proferida com preterição do contraditório, como aquela decisão aqui em causa, é a mesma nula, por excesso de pronúncia, já que foi alcançada sem ter sido dada possibilidade aos Insolventes de sobre a mesma se pronunciarem.
19 - Pelo que deveriam ter sido notificados os Insolventes da lista definitiva de credores reconhecidos, apresentada pela AI, de modo a que os mesmos pudessem reagir, designadamente, impugnando-a nos termos previstos pelo artigo 130º.
20 – Poderia concluir-se que a falta de notificação da lista apresentada pela AI aos aqui Insolventes, não traduz qualquer violação dos princípios do contraditório e de um processo equitativo, não configurando nulidade, já que lhes seria exigível o acompanhamento do processado, porém, tal circunstância, pressuporia que a montante todos os prazos tivessem sido cumpridos, o que não sucedeu.
21 - Pois que, como se infere dos autos, a AI apenas deu cumprimento ao estatuído no nº 1 do artigo 129º no dia 09/10/2024, ou seja, decorrido mais de um mês (42 dias) desde o término do prazo previsto para as reclamações de créditos, não tendo sido respeitado o prazo de 15 dias para a apresentação da lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
22 – Ora, o início de cada um desses prazos está dependente do término daquele que lhe foi imediatamente anterior, dessa forma também condicionando aquele que lhe é subsequente.
23 - Quando as listas são apresentadas para além do prazo legalmente previsto (no caso 15 dias), o início do prazo que lhe é imediatamente seguinte, designadamente, o de 10 dias para impugnação das listas, já poderá não ser determinável nos exactos termos em que atrás se descreveu, na sequência e consecutividade que os caracteriza, desde logo, por perda dos parâmetros objectivos para poder controlar o momento dessa apresentação, que passa a ser incerto.
24 - Tal situação acarreta para os interessados um ónus indefinido e justamente para evitar que tal ocorra, como tem vindo a ser decidido pela nossa jurisprudência, quando a lista a que se reporta o artigo 129º não tenha sido apresentada no prazo previsto no seu nº 1, justificar-se-á já que seja a mesma notificada aos intervenientes.
25 - Aliás nesse sentido se pronunciou o Acórdão TRL de 26/11/2019 (Proc. n.º
14966/17.8T8SNT-F.L1-1, relatora Amélia Sofia Rebelo), “O incumprimento do prazo legal para apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência, associado a subsequente preterição da notificação da mesma aos credores, consubstancia nulidade suscetível de influir na decisão da causa por preterição do contraditório, nulidade que cumprirá declarar pelo tribunal da 2ª instância se, entretanto, não se apresentasse sanada com a admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos (…) O descrito regime e os respetivos pressupostos ficam porem prejudicados se o Administrador da Insolvência não cumprir com a junção da lista de credores no prazo legal para o efeito previsto (15 dias após o termo do prazo para reclamação de créditos), posto que, a partir daí, torna incerta, indeterminável e imprevisível a data do início do prazo para apresentação de impugnação à lista que, no mínimo, pressupõe que esta conste dos autos”. E, continua: “Nesse contexto, de incumprimento do prazo para junção da lista de créditos pelo Administrador da Insolvência, impõe-se que seja este a obviar às consequências do seu próprio incumprimento, procedendo à notificação da lista de créditos a todos os que nela constam inscritos, pois que só assim resulta potenciado o pretendido efetivo exercício do contraditório na medida em que, naquele cenário, não podem aplicar-se as regras (de prazos sucessivos e ausência de notificações) previstas pelos arts. 130º, nº 1 e 131º, nº 1 e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”.
Pode ainda ler-se no referido Acórdão: “Assim, o que é expectável e devido, por legalmente previsto, é que a lista de créditos seja apresentada pelo Administrador da Insolvência até ao termo do prazo legal para o efeito previsto. Quando assim não suceda e quando aquele incumprimento não é colmatado com a notificação da lista de credores simultaneamente com a junção (tardia) da mesma aos autos, ocorre violação do principio constitucional do acesso à justiça previsto pelo art.º 20º da CRP traduzida em omissão perturbadora do pleno e efetivo exercício do contraditório que, nos termos do art.º 195º do CPC e caso não seja sanada até à prolação da sentença, produz a nulidade desta por idónea a influir no exame ou na decisão da causa.”.
26 - Não tendo ocorrido qualquer notificação da apresentação tardia da lista e tendo os insolventes apenas tido conhecimento de que a mesma já havia sido apresentada aquando da sua notificação da sentença de verificação e graduação de créditos, mostrava-se já precludida qualquer possibilidade de os mesmos deduzir impugnação ao abrigo do disposto no artigo 130º.
27 – O sujeito processual não logra cumprir prazos a jusante, quando estes estão
interligados/relativizados a prazos a montante que, malogradamente, não são cumpridos por quem os devia cumprir, e nada mais se fazendo para remediar tal omissão que por bulir com princípios processuais básicos – como seja o do contraditório e de um processo equitativo – é grave e inquina, irremediavelmente, todo o processo posterior.
28 - Daí resulta a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, no sentido em que procedeu à verificação e graduação de créditos sem se assegurar que o podia fazer, mormente, que a montante haviam sido cumpridos os trâmites processuais indispensáveis ao cabal exercício do contraditório, a qual foi proferida quando constavam já dos autos os elementos dos quais resulta a concreta data em que a AI apresentou a lista a que se reporta o artigo 129º, nº 1.
29 – Devendo por tal ser declarada a nulidade do processado após a apresentação da lista definitiva apresentada pela AI, incluindo a sentença recorrida, devendo os autos de reclamação de créditos prosseguir com a notificação de tal lista aos Insolventes, para que estes querendo, como efectivamente querem, os impugnarem, mormente, o crédito da credora segurança social, que têm por inexistente.
Terminaram peticionando que a sentença recorrida seja declarada nula por violação do princípio do contraditório p. e p. no artº 3º do NCPC e do direito a um processo equitativo p. e p. no artº 20º da CRP e, consequentemente, seja declarado nulo o processado posterior à apresentação da lista definitiva a que se reporta o artigo 129º, nº 1 do CIRE, incluindo a sentença recorrida e determinado o prosseguimento dos autos de reclamação de créditos com a notificação de tal lista aos Recorrentes/Insolventes.
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Não foram apresentadas Contra-Alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, sendo que o mesmo é admissível e foi recebido na forma e efeitos devidos.
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Aquando da prolação do despacho que admitiu o recurso, a Mmª Juiz da 1ª instância pronunciou-se no sentido que a sentença não enferma da nulidade invocada.
* II- Objecto do Recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, importa analisar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, por violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo, em virtude de os insolvente não terem sido notificados da lista de credores a que alude o artigo 129.º, n.º 2 do CIRE e, em consequência, não lhes ter sido possível apresentar impugnação à mesma.
* III - Fundamentação
A) De facto
Com relevância para a decisão, encontram-se provados os factos vertidos no relatório que antecede e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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B) O Direito
Estabelece o art. 1º, nº 1, do CIRE – diploma a que reportam as normas a seguir citadas se outro não for indicado – que: O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
O processo de insolvência traduz-se em processo de execução universal e concursal que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação do património para afectação do respectivo produto na satisfação dos direitos dos credores. Execução universal porque, conforme resulta da definição de massa insolvente que consta do art. 46º, nº 1 e 2, esta “(…) salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”. Concursal porque, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza –cfr arts. 90º, 128º e 146º.
Assim sendo, aquando da prolação da sentença que declare a insolvência ter-se-á de fixar o prazo dentro do qual poderão ser apresentadas as reclamações de créditos, prazo esse que, no presente caso, foi fixado em 30 dias – cfr. artigo 36.º, n.º 1, al. j).
E, como resulta do artigo 128.º, n.ºs 1 e 2, nesse prazo, as reclamações terão que ser efectuadas por requerimento endereçado ao AI. Sobre cada um dos credores incide um ónus de reclamação cujo incumprimento poderá constituir impedimento a que os seus interesses/créditos sejam satisfeitos, designadamente por não lhes ser viabilizado que beneficiem do produto da liquidação do activo (desde logo em face do previsto no artigo 173.º). Porém, para além dos créditos que tenham sido reclamados, o AI deverá igualmente reconhecer aqueles que, apesar de o não terem sido, constem da contabilidade do devedor ou cheguem ao seu conhecimento por qualquer outro meio (artigo 129.º).
Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, o Administrador de Insolvência junta aos autos lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos; nos 10 dias seguintes qualquer interessado pode impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz e, nos 10 dias seguintes, qualquer interessado pode responder; no caso de a impugnação se dirigir a outro credor, o dito prazo de 10 dias inicia-se com a notificação da impugnação ao credor impugnado, a partir da qual este, e só este, tem a faculdade e o ónus de responder à impugnação sob pena de esta ser julgada procedente (salvo caso de erro manifesto por aplicação extensiva do art. 130º, nº 2 do CIRE).
Dispõe o n.º 1 do artigo 129.º - “Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”. Deste normativo, observado que seja o referido prazo e ressalvando a excepção legal prevista pelo nº4 do mesmo artigo, não decorre qualquer obrigatoriedade de notificação pelo AI ou pela secretaria, das listas apresentadas, listas essas que terão de observar o disposto nos nºs 2 e 3 do aludido artigo 129.º.
E esta obrigatoriedade também não resulta de qualquer outro preceito, tanto mais que, durante o prazo fixado para as impugnações e as respostas, “e a fim de poderem ser examinados por qualquer interessado e pela comissão de credores, deve o administrador da insolvência patentear as reclamações de créditos, os documentos que as instruam e os documentos da escrituração do insolvente no local mais adequado, o qual é objecto de indicação no final das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos” – artigo 133.º.
Na situação prevista no n.º 4 do artigo 129.º - com relação aos credores cujos créditos não tenham sido reconhecidos, credores cujos créditos sejam reconhecidos sem que tenham sido reclamados ou credores cujos créditos sejam reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação -, os credores são avisados por carta registada com aviso de recepção (ou nos moldes previstos no artigos 128.º, n.ºs 2 e 3), iniciando-se a contagem do prazo para a impugnação a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição – artigo 130.º n.º 2.
Não estando em causa situação enquadrável no referido n.º 4, uma vez decorrido o prazo fixado na sentença para a reclamação de créditos e o previsto para o AI apresentar a lista e sem que se imponha qualquer notificação, recai sobre os intervenientes processuais, incluindo o devedor, o ónus de se inteirarem do estado do processo – cfr. artigo 134.º, n.º 5 - com vista a ponderarem a eventual apresentação de impugnações relativamente ao seu próprio crédito ou a algum dos demais créditos.
No caso de as listas a que se reporta o artigo 129º terem sido apresentadas no prazo previsto no seu n.º 1 é este o procedimento que resulta da lei e que deve ser adoptado.
Invocam os insolventes que, no caso dos autos e uma vez que a AI apenas apresentou a lista de créditos reconhecidos decorrido mais de um mês do termo do prazo previsto para as reclamações de créditos, não foi respeitado o prazo de 15 dias para a sua apresentação, pelo que tinha que ter tido lugar a notificação dessa lista aos mesmos. Dizem que lhes foi obliterada a possibilidade de impugnarem a lista nos termos do disposto no artigo 130º, da qual só tiveram conhecimento aquando da notificação da sentença e que tal procedimento se traduz na violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.
Com estes fundamentos, concluem que a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia, no sentido em que foi efectuada a verificação e graduação de créditos sem que o tribunal se tenha assegurado que haviam sido cumpridos os trâmites processuais indispensáveis ao cabal exercício do contraditório.
Resulta dos autos que a Administradora da Insolvência apenas deu cumprimento ao estatuído no nº 1 do artigo 129º no dia 09/10/2024, ou seja, decorrido mais de um mês desde o término do prazo previsto para as reclamações de créditos, não tendo, assim, sido respeitado o prazo de 15 dias para a apresentação das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
Como se diz no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10/12/2024, Proc. n.º 6905/23.3T8SNT-B.L1, relatora Renata Linhares de Castro, subscrito pela ora relatora enquanto 1ª adjunta e que pode ser consultado in www.dgsi.pt, acórdão esse que seguiremos de perto por mantermos o entendimento ali expendido: «Quando as listas são apresentadas para além do prazo legalmente previsto (15 dias), o início do prazo subsequente (10 dias para impugnação das listas) já poderá não ser determinável nos exactos termos em que se descreveu (contagem automática e sucessiva de todos os prazos aplicáveis), desde logo por passar a ser incerto o momento dessa apresentação, acarretando para os interessados o ónus de, findos os 15 dias, diariamente, terem de consultar o processo para se inteirarem da exacta data em que aquela ocorreu[1](o que, em termos abstractos, poder-se-á até prolongar-se por períodos temporais bastante alargados). Precisamente para evitar que assim suceda, como a jurisprudência tem vindo a decidir, na eventualidade de a lista a que se reporta o artigo 129.º não ter sido apresentada no prazo previsto no seu n.º 1, justificar-se-á já que seja a mesma notificada aos intervenientes (notificação essa que, insiste-se, a ter sido cumprido esse prazo, e não estando em causa a situação aludida no seu n.º 4, careceria de ser efectuada). Como se sumariou no acórdão desta Secção de 26/11/2019 (Proc. n.º 14966/17.8T8SNT-F.L1-1, relatora Amélia Sofia Rebelo), “O incumprimento do prazo legal para apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência, associado a subsequente preterição da notificação da mesma aos credores, consubstancia nulidade suscetível de influir na decisão da causa por preterição do contraditório, nulidade que cumprirá declarar pelo tribunal da 2ª instância se, entretanto, não se apresentasse sanada com a admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos (…)”. Mais se podendo ler neste aresto: “(…) o referido sistema legal de prazos sucessivos pressupõe que o início do primeiro prazo corresponda a uma data certa conhecida ou cognoscível por todos os interessados para que estes, com o grau de certeza e segurança que a matéria exige, possam prever e determinar o início do prazo seguinte, e assim sucessivamente. (…) O descrito regime e os respetivos pressupostos ficam porem prejudicados se o Administrador da Insolvência não cumprir com a junção da lista de credores no prazo legal para o efeito previsto (15 dias após o termo do prazo para reclamação de créditos), posto que, a partir daí, torna incerta, indeterminável e imprevisível a data do início do prazo para apresentação de impugnação à lista que, no mínimo, pressupõe que esta conste dos autos. Por outro lado, não é exigível que a mora do Administrador da Insolvência no cumprimento daquela obrigação resulte no agravamento da posição dos credores, onerando-os com a incerteza e o encargo de a ela obviar através da consulta diária dos autos, para aferir se a lista foi ou não entretanto junta, e em que data.” E, continua: “Nesse contexto, de incumprimento do prazo para junção da lista de créditos pelo Administrador da Insolvência, impõe-se que seja este a obviar às consequências do seu próprio incumprimento, procedendo à notificação da lista de créditos a todos os que nela constam inscritos, pois que só assim resulta potenciado o pretendido efetivo exercício do contraditório na medida em que, naquele cenário, não podem aplicar-se as regras (de prazos sucessivos e ausência de notificações) previstas pelos arts. 130º, nº 1 e 131º, nº 1 e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Assim, o que é expectável e devido, por legalmente previsto, é que a lista de créditos seja apresentada pelo Administrador da Insolvência até ao termo do prazo legal para o efeito previsto. Quando assim não suceda e quando aquele incumprimento não é colmatado com a notificação da lista de credores simultaneamente com a junção (tardia) da mesma aos autos, ocorre violação do principio constitucional do acesso à justiça previsto pelo art. 20º da CRP traduzida em omissão perturbadora do pleno e efetivo exercício do contraditório que, nos termos do art. 195º do CPC e caso não seja sanada até à prolação da sentença, produz a nulidade desta por idónea a influir no exame ou na decisão da causa.” Aliás, sobre tal questão já o Tribunal Constitucional se tinha pronunciado no seu acórdão n.º 16/2018, de 10/01/2018 (Proc. n.º 978/2016, relatora Joana Fernandes Costa), no qual se pode ler: “sempre que o administrador da insolvência apresentar as listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos depois de volvido o prazo de quinze dias de que para o efeito dispõe, contado a partir do termo final do prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declaratória da insolvência, a regra do desencadeamento automático do prazo seguinte a partir do esgotamento do prazo imediatamente anterior deixa de poder funcionar; neste caso, o prazo para a impugnação da lista dos créditos reconhecidos só poderá iniciar-se com a prática do acto correspondente ao da sua efectiva apresentação na secretaria judicial e a possibilidade de o insolvente determinar, a partir da mera notificação da sentença que declara a insolvência, o termo inicial do prazo de que dispõe para exercer a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 130.º do CIRE é, obviamente, eliminada. // Por isso, se a dispensa de notificação das listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos se mantiver nas situações em que o administrador da insolvência incumpre o prazo fixado no artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, será somente através da diária deslocação à secretaria judicial, onde aquelas listas são entregues, que, ao contrário do que se prevê para o conjunto de credores a que alude o artigo 132.º, n.º 2, o insolvente poderá tomar conhecimento, em momento compatível com o seu aproveitamento integral, do dies a quo do prazo para impugnação dessas listas, faculdade que lhe é conferida pelo artigo 130.º, n.º 1, do referido diploma legal. (…)”. Mais se acrescentando: “Tal ónus, já em si conflituante com os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, torna-se mais problemático ainda em face do efeito cominatório quase pleno que a lei associa à falta de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência: independentemente da maior ou menor latitude consentida pela interpretação do conceito, é seguro que será apenas nos casos de «erro manifesto» que, na falta de impugnação, o juiz deixará de proferir de imediato sentença de verificação e graduação de créditos, limitando-se aí a homologar a lista dos credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos reconhecidos em atenção ao que conste dessa lista (artigo 130.º, n.º 3, do CIRE). // Daqui resulta que o desconhecimento do termo inicial do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos não gera apenas a consequência de impedir o insolvente de contraditar a pretensão do credores reclamantes; por força do efeito cominatório atribuído à falta de impugnação, tal desconhecimento produz ainda o efeito de tornar o património do insolvente automaticamente responsável pela totalidade dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nos exatos termos em que o tiverem sido, salvo caso de erro manifesto. // Ora, a gravidade do efeito cominatório e preclusivo que a lei impõe ao insolvente não impugnante não pode deixar de reforçar a necessidade de uma certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade do ato que desencadeia o início do prazo dentro do qual poderá ser contestada a existência dos créditos reconhecidos, a exatidão do seu montante e/ou a qualificação que receberam do administrador da insolvência (…), tornando, por isso, mais problemática ainda, à luz do princípio do contraditório, a dispensa de notificação (…) da entrega da lista dos créditos reconhecidos, sempre que a mesma tiver lugar depois de esgotado o prazo previsto para esse efeito. // Ao comprometer determinantemente o exercício pelo insolvente da faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, a dispensa de notificação consentida pela norma impugnada afeta, em suma, uma projeção nuclear do princípio da proibição da indefesa, que assenta na inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão sem que ao sujeito processual pela mesma afetado seja previamente conferida a possibilidade de discutir e contestar a pretensão que nela obtém procedência e se intensifica perante o efeito cominatório e/ou preclusivo associado à inação processual.” Também aderindo a esta posição, vejam-se os acórdãos da Relação do Porto de 28/01/2021 (Proc. n.º 2422/20.1T8AVR-A.P1, relator Jorge Seabra) e de 04/04/2022 (Proc. n.º 421/17.0T8BGC-R.P1, relatora Eugénia Cunha) ou, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra de 04/05/2021 (Proc. n.º 4422/17.0T8VIS-B.C1, relator José Avelino Gonçalves). Sendo certo que, nos autos, ao contrário das situações tratadas nos citados arestos, não está em causa decidir da admissibilidade/tempestividade de qualquer impugnação que tenha sido apresentada à lista (designadamente por parte da insolvente), não se poderá deixar de concluir nos mesmos moldes, tendo as transcritas considerações plena aplicação. É que, não tendo ocorrido qualquer notificação da apresentação tardia da lista e tendo a insolvente apenas tido conhecimento de que a mesma já havia sido apresentada aquando da sua notificação da sentença de verificação e graduação de créditos, mostrava-se já precludida qualquer possibilidade de a mesma deduzir impugnação ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 1 (impugnação essa que, a ter sido apresentada, sempre se assumiria como juridicamente irrelevante, em face da sentença entretanto proferida). Nessa medida, a forma de reagir à nulidade ocorrida por violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo seria precisamente através da interposição de recurso da referida sentença, como aqui sucedeu (tanto mais que sempre tal nulidade se mostra acobertada pela própria sentença recorrida, a qual, como não pode deixar de ser, foi proferida quando constavam já dos autos os elementos dos quais resulta a concreta data em que a AI apresentou a lista a que se reporta o artigo 129.º, n.º 1).»
Por estes fundamentos e uma vez que, como se disse supra, a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos foi apresentada para além do prazo de 15 dias estabelecido na lei para o efeito e não teve lugar a notificação da mesma aos insolventes, tem o recurso que ser julgado procedente e ser declarada a nulidade do processado após a apresentação da lista em causa, incluindo a sentença recorrida, devendo os autos de reclamação de créditos prosseguir com a notificação de tal lista nos moldes e para os efeitos pretendidos e solicitados pelos recorrentes.
*** IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, declarar nulo o processado posterior à apresentação da lista a que se reporta o artigo 129.º, n.º 1 do CIRE, incluindo a sentença recorrida, prosseguindo os autos de reclamação de créditos com a notificação de tal lista nos termos requeridos pelos recorrentes.
Custas pela massa insolvente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 21/08/2025
Manuela Espadaneira Lopes
______________________________________________________ [1] Se o prazo para a prática de um determinado acto se inicia logo após o esgotamento daquele que se mostra fixado para a prática do acto imediatamente anterior, ocorrendo incumprimento do primeiro prazo, o seguinte apenas se terá por iniciado tendo subjacente o momento no qual o acto anterior tenha sido efectivamente praticado.