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EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
RETIFICAÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário
Sumário 1. Tendo o juiz fixado, no despacho inicial (de 11-04-2024) que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, o valor do rendimento indisponível, fazendo constar do segmento dispositivo que “o rendimento disponível que o(a) Devedor(a) venha a auferir, no prazo de 3 (três) anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, que se denomina, período da cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, calculada por referência a cada um dos doze meses do ano”, considerando ainda, em sede de fundamentação jurídica, nomeadamente, que “[n]o que respeita à fixação do montante mensal a excluir do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, tem o tribunal em atenção as seguintes linhas de orientação: // (…) c) No valor a fixar deverá atender-se, por um lado, a que o valor anual da remuneração mínima mensal garantida é paga 14 meses por ano, o que actualmente corresponde a 1,167 vezes o valor mensal legalmente fixado (€ 820,00), e por outro a que as entregas de rendimento disponível são imediatas (art.º 239.º, 4, c), do CIRE), pelo que o valor do rendimento disponível deve ser fixado por referência a 12 meses, para que o devedor possa, em cada mês, saber o que pode reservar a assegurar a sua subsistência, e o que deve entregar de imediato ao fiduciário”, conclui-se que o tribunal de 1.ª instância, na fixação do rendimento indisponível, durante o período de cessão e no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante (art. 239.º, nº3, alínea b) i) do CIRE), procedeu a uma ponderação dos valores auferidos a título de subsídios (de Natal e férias) assim balizando a conduta dos intervenientes processuais. 2. Decorrido o primeiro ano do período de cessão, apresentando o fiduciário o relatório anual sobre o estado da cessão (arts. 61.º, n.º 1 e 240.º, n.º 2 do CIRE) não pode a insolvente, por via de reclamação apresentada quanto a esse relatório, encetar discussão sobre a forma de cômputo do rendimento indisponível considerando valores alusivos a subsídio de férias e subsídio de Natal – propugnando que o valor a entregar mensalmente pelo insolvente é alcançado pela fórmula: RMMG x 14 : 12 e, portando, procedendo a um cômputo diferente do efetuado pelo fiduciário – porquanto essa questão mostrava-se e mostra-se ultrapassada, proferido que foi aquele despacho (de 11-04-2024), que não foi impugnado e transitou em julgado (art. 621.º do CPC), vinculando os intervenientes processuais e esta Relação. 3. Justifica-se, nesse contexto, o juízo de improcedência do pedido de retificação desse relatório formulado pela insolvente com a aludida fundamentação.
Texto Integral
RELATÓRIO
(i) FI, apelante, apresentou-se à insolvência em 09-01-2024, formulando pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido decretada a insolvência por sentença proferida em 11-01-2024, transitada em julgado.
Em 11-04-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor, em síntese:
“(…) No presente caso mostram-se observados os requisitos estabelecidos no art.º 236.º, n.º 3, do CIRE, não tendo sido suscitado, nem se verificando, obstáculo à admissão do pedido (cfr. art.º 238.º, do CIRE). // Sendo no entanto de assinalar que a exoneração, a final, não abrange os créditos enumerados no art.º 245.º, n.º 2, do CIRE. // No que respeita à fixação do montante mensal a excluir do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, tem o tribunal em atenção as seguintes linhas de orientação: // a) A remuneração mínima mensal garantida legalmente fixada constitui valor referência para fazer face às despesas de habitação, alimentação e despesas correntes de água, luz, gás e transportes públicos (passe) do cidadão médio, adulto, para um «sustento minimamente digno». // b) Havendo outros elementos no agregado familiar, são atendidas as despesas proporcionais à idade, condição de saúde e social desses elementos, sempre de acordo com o padrão médio acima referido. // c) No valor a fixar deverá atender-se, por um lado, a que o valor anual da remuneração mínima mensal garantida é paga 14 meses por ano, o que actualmente corresponde a 1,167 vezes o valor mensal legalmente fixado (€ 820,00), e por outro a que as entregas de rendimento disponível são imediatas (art.º 239.º, 4, c), do CIRE), pelo que o valor do rendimento disponível deve ser fixado por referência a 12 meses, para que o devedor possa, em cada mês, saber o que pode reservar a assegurar a sua subsistência, e o que deve entregar de imediato ao fiduciário. // Sendo ainda de referir que a opção do devedor se apresentar à insolvência com um pedido de exoneração do passivo restante exige como contrapartida para a sua concessão que o devedor realize um esforço sério na gestão dos seus rendimentos, nomeadamente limitando os seus gastos à aquisição dos produtos e dos serviços estritamente necessários a uma vida sã e digna. O que poderá implicar a alteração de hábitos de consumo com vista à adequação do seu padrão de vida ao rendimento. //No presente caso resulta provado, pelos documentos apresentados, pelo relatório do Administrador(a) de Insolvência, e por confissão da Devedora, que: // - A Devedora, nascida em 20.01.1968, exerce funções de motorista de TVDE, auferindo um rendimento médio mensal de € 900,00 (novecentos euros), a recibos verdes; // - Reside em arrendada, suportando o valor mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros); // - Tem os encargos normais relacionados com a água, telecomunicações, transportes, alimentação, roupa, as quais rondam a quantia de € 520,00 mensais. // Tendo em conta a realidade apurada, à luz dos critérios supra expressos, afigura-se ajustada a fixação da quantia a excluir do rendimento disponível a entregar em cada um dos 12 (doze) meses do ano, destinada a assegurar o sustento da devedora (art.º 239.º, 3, b), i), do CIRE) em montante equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor mensal o valor da retribuição mínima mensal garantida, actualmente € 820,00. // III. Decisão // Decide-se assim admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e em consequência: // (…) c) Determinar que o rendimento disponível que o(a) Devedor(a) venha a auferir, no prazo de 3 (três) anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, que se denomina, período da cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, calculada por referência a cada um dos doze meses do ano. // d) Sob pena de não lhe ser concedido, a final, o pedido de exoneração do passivo restante, durante este período de três anos, o(a) Devedor(a) fica obrigado(a) (art.º 239º, n.º 4, do CIRE): // • Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado; // • Entregar imediatamente ao Fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; // • Informar o tribunal e o Fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 (dez) dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; // • Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. // e) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 230.º, 1, e), 232.º, 6, 233.º, 7 e 248.º, 1, do CIRE, declarar encerrado o processo de insolvência, unicamente para efeitos de início do período de cessão, relegando para final do procedimento a decisão sobre o encerramento nos termos propostos. // Notifique, publique e registe – art.º 247.º, do CIRE” (sublinhado nosso).
Despacho notificado à insolvente e respetivo mandatário judicial por comunicação de 11-04-2024, não tendo sido objeto de impugnação.
(ii) Em 16-05-2025 o fiduciário apresentou relatório indicando, em síntese, como segue:
1. Determinou o douto despacho inicial de admissão do período de exoneração do passivo restante datado de 11.04.2024 que, ( … )
2. Ou seja, dita-se que se encontra eximida à disponibilização o montante mensal de € 984,00 (novecentos oitenta e quatro euros) até DEZEMBRO/2024;
3. A partir desta data, atenta a actualização do salário mínimo nacional, encontrava-se à disponibilização o montante de € 1.044,00 (Mil e quarenta e quatro euros);
4. Neste contexto, o insolvente, no que concerne ao hiato temporal supra mencionado, auferiu os seguintes montantes:
ANO/2024 / 2025
Abril/2024 a Março/2025
Mês
Valor Líquido
Valor a entregar
Montante Entregue
DIFERENÇA1
Abril/2024
458,84
0
0
0
Maio/2024
1.033,58
49,58
49,58
0
Junho/2024
931,31
0
0
0
Julho/2024
870,07
0
0
0
Agosto/2024
944,38
0
0
0
Setembro/2024
946,49
0
0
0
Outubro/2024
1.358,63
374,63
0
- 374,63
Novembro/2024
1011,7
27,7
0
- 27,70
Dezembro/2024
1.030,82
46,82
90,05
+ 43,23
Janeiro/2025
968,39
0
0
0
Fevereiro/2025
1.006,77
0
0
0
Março/2025
1.034,94
0
369,96
+ 369,96
TOTAL
11595,92
498,73
509,59
+ 10,86
5. Assim, conforme resulta do quadro supra e relativamente ao hiato temporal que medeia Abril/2024 a Março/2025, resulta que a insolvente cedeu à Massa Fiduciária a quantia excedente de € 10,86 (dez euros e oitenta e seis cêntimos), o qual será considerado no próximo relatório.
6. Neste contexto e no que importa aos termos do presente procedimento a fiduciária declara o cumprimento, por parte do obrigado aos termos da exoneração, e no que ao hiato temporal de Abril/2024 a Março/2025 diz respeito, dos deveres encontrados no art.º 239.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE”.
(iii) Notificada, a insolvente apresentou requerimento, em 26-05-2025, com o seguinte teor, em síntese:
“3 – Do teor do relatório anual junto aos autos e das contas apresentadas, decorre que a Exma. Fiduciária calculou o valor indisponível recorrendo à fórmula matemática: - RMMG x 1,2 = €820,00 X 1.2 = €984,00 (2024); - RMMG x 1,2 = €870,00 X 1,2 = € 1044,00 (2025). // Sucede que, // 4 – Conforme vem sendo defendido em recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5/03/2024 (Proc. nº 386/23.9T8VPV-C.L1 e Proc. nº 12296/23.5T8SNTF.L1, Relatora: Desembargadora Renata Linhares de Castro), é nosso entendimento que deverá recorrer à fórmula que engloba anualmente os subsídios de férias e de Natal, considerando como base de cálculo de cada mês um duodécimo de 14 meses de RMMG, ou seja, aplicando-se ao caso concreto da insolvente: // - RMMG x 1,2 = €984,00 x 14:12 = €1.148,00 (2024); - RMMG x 1,2 = € 1.044,00 x 14:12 = € 1.218,00 (2025). // Assim, // 5 – O montante mensal eximido à disponibilização até Dezembro de 2024 será de € 1.148,00. // 6 – O montante mensal eximido à disponibilização até Março de 2024 será de € 1.248,00. // 7– Pois que julgamos ser esta a posição que se mostra mais equilibrada e consentânea com os princípios subjacentes ou da fixação dos rendimentos a excluir da sessão (com vista à salvaguarda de um sustento minimamente condigno da devedora). // NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, entende-se que deverá a Exma. Fiduciária proceder à rectificação das contas apresentadas no seu relatório, relativamente ao período de cessão de Abril de 2024 a Março de 2025, o que desde já mui respeitosamente se requer”.
(iv) Em 19-06-2025 foi proferido o seguinte despacho (despacho recorrido)
“Em 16.05.2025, a Fiduciária apresentou relatório anual referente ao período de abril de 2024 a março de 2025.
Por requerimento de 26.05.2025, a Insolvente veio requerer a retificação das contas apresentadas para o referido período por considerar que o cálculo dos rendimentos deve ser efetuado anualmente, incluindo os subsídios de férias e Natal.
Por requerimento de 12.06.2025, veio a Fiduciária indicar que o rendimento apurado e a ceder pela Devedora é aferido mensalmente e não anualmente.
Cumpre decidir.
O rendimento apurado e a ceder pela Devedora deve ser calculado mensalmente, já que apenas assim se percebe que o valor seja fixado em valor correspondente a quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em 820,00 €, reportados a 14 meses, tal como resulta do despacho inicial de exoneração do passivo restante – cf. despacho de 11.04.2024.
O próprio artigo 239.º n.º 4, alínea c) do CIRE define tal obrigação de entrega como sendo imediata e não computada no final do ano.
Assim, improcede a pretensão da Insolvente, que deverá proceder ao depósito das aludidas quantias na conta da massa fiduciária.
Notifique”.
(v) Não se conformando, a insolvente apelou formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do despacho judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 5, proferido a 19 de Junho de 2025, invocando-se a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil. 2. A Recorrente requereu a rectificação das contas apresentadas pela Fiduciária porquanto entende que os cálculos do rendimento indisponível foram efectuados com recurso a fórmula matemática errada, sendo que é seu entendimento que o cálculo dos rendimentos indisponíveis deve ser efectuado, em cada mês, com recurso a um duodécimo de 14 meses de RMMG. 3. No caso concreto, a Fiduciária efectuou os cálculos com recurso a um duodécimo de 12 meses de RMMG e foi contra a correcção e justiça desse cálculo que a ora Recorrente se insurgiu e sindicou, requerendo a rectificação dos cálculos apresentados. 4. Em excerto algum do requerimento atravessado aos autos pela ora Recorrente em 26/05/2025 decorre que a mesma tenha requerido ou alegado que “o cálculo dos rendimentos deve ser efectuado anualmente” e não mensalmente. 5. Aliás, a ora Recorrente sempre apurou e cedeu os rendimentos disponíveis mensalmente e não anualmente, sendo que, conforme decorre do próprio relatório anual apresentado pela Fiduciária, a mesma efectuou cedências de rendimentos em Maio e Dezembro de 2024 e Março de 2025 (e não no final de cada ano) e resulta até que “a insolvente cedeu à Massa Fiduciária a quantia excedente de € 10,86 (dez euros e oitenta e seis cêntimos)”. 6. A Mmª Juiz a quo, incompreensivelmente, acabou por se pronunciar acerca de questões que não foram sequer suscitadas pela ora Recorrente e omitiu pronúncia acerca da questão/matéria, efectivamente, submetida à sua apreciação. 7. Não tendo o douto tribunal a quo conhecido da “questão temática central”, ou seja, atinente ao thema decidendum, constituído pelo pedido ou causa de pedir constante do requerimento atravessado aos autos, o despacho ora recorrido padece de vício de omissão de pronúncia, sendo nulo, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC, sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com que V. Exas. sempre doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, em consequência, ser conhecida a nulidade suscitada e obtida pronúncia acerca do mérito da questão, efectivamente suscitada (thema decidendum) no requerimento ,atravessado aos autos pela ora Recorrente em 26/05/2025. MAS V. Exas., como sempre, decidirão por forma a fazer JUSTIÇA”.
(vi) Em 06-08-2025 foi proferido despacho de admissão do recurso, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado da nulidade invocada como segue:
“Arguição de nulidade
Nas alegações apresentadas, o Recorrente concluiu pela nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
A arguição é subsumível à previsão do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Nos termos do art.º 617.º, n.º 1, do CPC, cumpre apreciar.
Nos termos da disposição legal referida a decisão é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
A única pretensão deduzida pela Recorrente, que foi apreciada no despacho recorrido, foi a retificação dos cálculos apresentados pela Administrador(a) de Insolvência no seu relatório.
No entendimento deste tribunal não se verifica qualquer nulidade.
Porém, V.Ex.as. apreciando, melhor decidirão”.
Cumpre apreciar
II. FUNDAMENTOS
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, n.º 3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;
- Na procedência da invocação de nulidade e em apreciação substitutiva, sobre o critério de cômputo do valor fixado pelo tribunal de primeira instância como correspondendo ao valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor, para os efeitos a que alude o art. 239.º, nº3, alínea b) i) do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, na perspetiva da inclusão/exclusão dos valores auferidos a título de subsídios (Natal e férias), se essa análise for juridicamente admissível, na fase em que o processo se encontra. Justificando-se proferir decisão sumária nos termos dos arts. 652.º, 1, alínea c) e 656.º do CPC.
2. A apelante sustenta que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia que ocorre, nos termos do art. 615º, nº1, alínea d) do CPC quando o juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, tendo por contraponto o excesso de pronúncia.
“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, constitui nulidade de sentença quer a falta de apreciação, isto é o “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão”, quer a apreciação de causas de pedir não invocadas, quer de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes [ [1] ].
Como acontece relativamente a outros vícios suscetíveis de afetar a sentença e que também são cominados com a nulidade importa, no entanto, não confundir a omissão/excesso de conhecimento com as hipóteses em que o juiz se limita a expor o seu raciocínio, efetuando um juízo valorativo e considerando determinadas “linhas de fundamentação jurídica” [ [2] ]; está, então, em causa, eventual erro de julgamento e não qualquer vício de natureza formal que inquina a sentença.
Como também não pode confundir-se “questões” com “argumentos”. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [ [3] ].
A apelante entende que o tribunal não apreciou da questão que suscitou no seu requerimento de 26-05-2025, mais precisamente, sobre se o cômputo das quantias devidas pela insolvente relativas ao 1.º ano do período de cessão, ponderando o valor do rendimento disponível/rendimento indisponível, deve ou não ter em conta as quantias auferidas a título de subsídios (de Natal e de férias), sendo o entendimento da apelante que a fiduciária, na elaboração desse cômputo, “deverá recorrer à fórmula que engloba anualmente os subsídios de férias e de Natal, considerando como base de cálculo de cada mês um duodécimo de 14 meses de RMMG”, ou seja, aplicando-se ao caso concreto da insolvente, a fórmula “RMMG x 1,2 = €984,00 x 14:12 = €1.148,00 (2024)” (em 2024) e “RMMG x 1,2 = € 1.044,00 x 14:12 = € 1.218,00” (em 2025).
Ora, sobre essa concreta questão o tribunal de 1.ª instância emitiu efetivamente uma pronúncia quando remete para o despacho proferido em 11-04-2024, nos moldes em que o fez. Precisando.
A questão colocada pela apelante no requerimento objeto do despacho recorrido é questão que se projeta no passado, daí que se alcance a pretensão de retificação do cômputo efetuado pelo fiduciário relativamente a período já decorrido (1.º ano do período de cessão).
O tribunal recorrido, pese embora acentuando que “o rendimento apurado e a ceder pela Devedora deve ser calculado mensalmente” e que a obrigação de entrega é “imediata e não computada no final do ano” não tratou, em rigor, de apreciar de qualquer questão relacionada com o momento do vencimento da obrigação da insolvente, ao contrário do que parece entender a apelante, parecendo razoavelmente evidente que, no momento em que a questão foi colocada pela insolvente – depois do relatório anual apresentado pelo fiduciário, que concretamente referiu as entregas efetuadas ao longo do tempo, durante o primeiro ano do período de cessão –, a insolvente já tinha procedido a essa entrega com base numa cadência mensal e não anual.
Assim, afigura-se-nos não ser a essa matéria que a 1.ª instância se reportou quando, apreciando do requerimento apresentado pela insolvente, remeteu para o despacho proferido em 11-04-2024, nos termos em que o fez, sendo que a fundamentação expressa pela 1.ª instância no despacho recorrido para julgar improcedente a pretensão formulada tem como suporte, exatamente, o conteúdo desse despacho, a que expressamente alude e interpreta, matéria a que adiante se voltará.
Em suma, podendo ser parca a fundamentação, no âmbito da questão colocada pela insolvente e delimitada no requerimento em causa, o certo é que ela existe e foi essa apreciação que esteve na base do segmento decisório da 1.ª instância pelo que, a ocorrer qualquer vício de natureza formal a inquinar o despacho recorrido, o mesmo não se subsume ao vício de omissão de pronúncia a que alude a alínea d) do número 1 do art. 615.º do CPC, justificando-se diferente enquadramento, que esta Relação pode fazer (art. 5.º, n.º 3 do CPC), mais precisamente, no âmbito do vício da ininteligibilidade da decisão recorrida, previsto no art. 615.º, n.º1, alínea c) do CPC.
O art. 669.º, n.º 1, al) a do CPC, na redação anterior à Lei 41/2013 de 26/06, permitia à parte requerer ao tribunal que proferiu a sentença “[o] esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”, sendo aplicável à 2ª instância nos termos do art. 716.º.
Tratava-se, pois, de permitir a aclaração da decisão ou dos fundamentos respetivos com vista, exclusivamente, a esclarecer alguma passagem de texto cujo sentido não se alcance (obscuridade) ou que permita interpretações diferentes (ambiguidade).
Com o novo CPC eliminou-se essa possibilidade, mas o legislador ampliou o leque das nulidades de sentença, consagrando a nulidade da decisão quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” – alínea c) do referido preceito. Ou seja, o vício em causa é a ininteligibilidade da decisão, sendo o motivo gerador a obscuridade e/ou a ambiguidade.
No caso em apreço, a Juiz concluiu conforme consta do segmento dispositivo do despacho recorrido, indicando que “[a]ssim, improcede a pretensão da Insolvente, que deverá proceder ao depósito das aludidas quantias na conta da massa fiduciária]” quando não se colocava qualquer situação em que a insolvente devesse depositar quaisquer outras quantias, pois o fiduciário até concluiu terem sido depositados 10,86€ que não eram devidos, indicando que esse excedente “será considerado no próximo relatório”, sendo, pois, patente a incongruência do despacho recorrido.
Mesmo que se admita que a pretensão formulada pela insolvente se projetava igualmente no futuro porquanto, defendendo um modo de aferição do valor do rendimento indisponível diferente daquele que foi efetuado pelo fiduciário, a insolvente pretende afinal que o tribunal aprecie dessa atuação em ordem a delimitar a atuação dos intervenientes nos 2.º e 3.º anos do período de cessão, assim conformando a instância incidental de exoneração do passivo restante, o certo é que dificilmente se alcança o sentido da referência feita no segmento decisório, de que a insolvente “deverá proceder ao depósito das aludidas quantias na conta da massa fiduciária”, sem qualquer outra formulação acrescida, tendo por referência não já o 1.º ano do período de cessão mas os anos subsequentes.
Admite-se, pois, que ao remeter para o despacho aludido (“[o] rendimento apurado e a ceder pela Devedora deve ser calculado mensalmente, já que apenas assim se percebe que o valor seja fixado em valor correspondente a quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em 820,00 €, reportados a 14 meses, tal como resulta do despacho inicial de exoneração do passivo restante – cf. despacho de 11.04.2024. // O próprio artigo 239.º n.º 4, alínea c) do CIRE define tal obrigação de entrega como sendo imediata e não computada no final do ano”.) a 1.ª instância não foi feliz na indicação do seu percurso de avaliação como suporte da conclusão a que chegou; efetivamente, insiste-se, não se quedou pelo juízo de improcedência da pretensão formulada pela insolvente, de “retificação” do cômputo feito pelo fiduciário aquando da apresentação do relatório anual sobre o estado da cessão (cfr. os arts. 61.º, n.º 1 e 240.º, n.º 2), mas acrescentou ainda que a insolvente “deverá proceder ao depósito das aludidas quantias na conta da massa fiduciária]”.
Assim sendo, o vício formal que inquina o despacho recorrido prefigura-se não como de nulidade por omissão de pronúncia mas, mais singelamente, de nulidade por estarmos perante um despacho ininteligível em razão de ambiguidade/obscuridade (art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC), sendo que a alteração na subsunção tem interesse meramente académico porquanto sempre se imporia, em qualquer das hipóteses, uma análise substitutiva por parte da Relação (art. 665.º, n.º 1 do CPC), o que passa a fazer-se.
3. O Salário Mínimo Nacional (SMN), atualmente designando por Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) foi fixado, em 2024, data em que foi proferida a decisão que fixou o valor do rendimento indisponível em 820,00€ mensais e foi atualizado, com efeitos a 1 de janeiro 2025, para € 870,00 pelo Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de novembro.
Atento o teor da “reclamação” apresentada pela insolvente e que foi objeto do despacho recorrido estava em causa sindicar o entendimento sufragado a propósito dos moldes como devem ser ponderados, quanto a esta matéria, as quantias auferidas pelo insolvente a título de subsídios (de férias e de Natal), sendo que esta Relação vem adotando entendimento no sentido de que, como já se deu nota no acórdão deste TRL de 22-03-2022 “[a] contabilização do valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor, para efeitos de fixação do montante a entregar ao fiduciário, durante o período de cessão e no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante (art. 239.º, nº3, alínea b) i) do CIRE), deve ser feita ponderando a inclusão dos valores auferidos pelo insolvente a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal; assim, fixando o juiz o rendimento indisponível em montante equivalente a 1 (uma) retribuição mínima mensal garantida, o valor a entregar mensalmente pelo insolvente é alcançado pela fórmula: RMMG x 14 : 12” [ [4] ] [ [5] ].
Essa discussão, que a insolvente pretendeu encetar com o referido requerimento, mostrava-se e mostra-se ultrapassada, proferido que foi o despacho de 11-04-2024, transitado em julgado (art. 621.º do CPC) pelo que, pese embora confirmando-se esse entendimento por parte desta Relação, nos termos indicados pela apelante, essa constatação é juridicamente irrelevante.
Lendo aquele despacho e considerando que o mesmo, como qualquer ato jurídico, deve ser interpretado desde logo ponderando o seu teor (art. 238.º, n.º 1 do Cód. Civil), temos que o tribunal de 1.ª instância, na fixação do rendimento indisponível, há muito tinha considerado dever atender-se às quantias em causa (subsídios), como decorre da fundamentação expressa e supra sublinhada.
Assim, referiu-se nesse despacho que:
(i) “No que respeita à fixação do montante mensal a excluir do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, tem o tribunal em atenção as seguintes linhas de orientação: (…) c) No valor a fixar deverá atender-se, por um lado, a que o valor anual da remuneração mínima mensal garantida é paga 14 meses por ano, o que actualmente corresponde a 1,167 vezes o valor mensal legalmente fixado (€ 820,00), e por outro a que as entregas de rendimento disponível são imediatas (art.º 239.º, 4, c), do CIRE), pelo que o valor do rendimento disponível deve ser fixado por referência a 12 meses, para que o devedor possa, em cada mês, saber o que pode reservar a assegurar a sua subsistência, e o que deve entregar de imediato ao fiduciário”;
(ii) “Tendo em conta a realidade apurada, à luz dos critérios supra expressos, afigura-se ajustada a fixação da quantia a excluir do rendimento disponível a entregar em cada um dos 12 (doze) meses do ano, destinada a assegurar o sustento da devedora (art.º 239.º, 3, b), i), do CIRE) em montante equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor mensal o valor da retribuição mínima mensal garantida, actualmente € 820,00”;
Em conformidade, o Juiz proferiu (iii) “III. Decisão // Decide-se assim admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e em consequência: // (…) c) Determinar que o rendimento disponível que o(a) Devedor(a) venha a auferir, no prazo de 3 (três) anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, que se denomina, período da cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, calculada por referência a cada um dos doze meses do ano”.
O que daqui resulta é que o juiz procedeu a uma ponderação dos valores auferidos a título de subsídios de forma diferente daquela correspondente à desta Relação, a que se aludiu, mas ainda assim procedeu a essa ponderação, balizando a conduta dos intervenientes processuais, nomeadamente, para o que ora interessa, da insolvente e do fiduciário, vinculando os mesmos e impondo-se igualmente a esta Relação. Daí que tenha fixado como rendimento indisponível o valor correspondente a “1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, calculada por referência a cada um dos doze meses do ano” e não o valor correspondente estritamente a uma RMMG.
Atente-se que a apelante indicou, na petição inicial em que deduziu o pedido, a seguinte factualidade:
- “Atualmente, a devedora trabalha como motorista de TVDE, como empresária em nome individual e a recibos verdes, auferindo um rendimento médio mensal de € 900,00 (novecentos euros)” (art. 7.º).
- “A devedora tem encargos mensais no valor de aproximadamente € 865,00 (oitocentos e sessenta e cinco euros), sendo que os mesmos se distribuem da seguinte forma: * Renda habitacional – € 350,00 (Doc.1) * Água, electricidade e gás – € 95,00 (Docs. 2 e 3) * Telefone, televisão e internet – € 70,00 (Doc. 4) * Alimentação e produtos de higiene e limpeza – € 350,00” (art. 8.º) [ [6] ].
O tribunal atendeu a essa factualidade nos moldes que o juiz a deu por provada no referido despacho, quantificando as despesas mensais em 870,00€ (350,00€ + 520,00€), pelo que a fixação do valor do rendimento indisponível no montante equivalente a 984,00€/mês, em 2024 (correspondente a 1,2 de RMMG), isto é, superior a uma RMMG (que era, à data, de 820,00€ ), só se compreende pela inclusão dos valores auferidos a título de RMMG, 14 vezes ao ano, que o tribunal, na fundamentação, cuidou de indicar corresponder a um valor “que actualmente corresponde a 1,167 vezes o valor mensal legalmente fixado (€ 820,00)”, sendo essa “uma linha de orientação” a atender [ [7] ].
Sendo inequívoco que o tribunal concluiu a sua valoração determinando que a insolvente, no período da cessão, deve ceder ao fiduciáriotodos os rendimentos auferidos “com exclusão da quantia equivalente a 1,2 (um vírgula dois) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, calculada por referência a cada um dos doze meses do ano”, a 1.ª instância conclui no despacho recorrido que as entregas são mensais e “imediatas” – desde que verificado o respetivo condicionalismo, evidentemente.
Se a insolvente, quanto ao despacho de 11-04-2024, tinha alguma dúvida quanto à fundamentação assim expressa e/ou sentido da decisão, o mecanismo próprio seria o recurso desse despacho, sendo que não usou dessa factualidade no momento oportuno; ao invés, procedeu à entrega das quantias em causa ao fiduciário, mensalmente, nos moldes que este expôs e que a insolvente não questionou, quer quanto às datas das entregas, quer quanto aos valores entregues, sendo que, como decorre do que se expôs, esse cômputo foi corretamente elaborado pelo fiduciário em função da determinação constante daquele despacho, tendo até sido aceite pela insolvente na contabilização que a própria foi efetuando ao longo desse período.
Não é admissível, no contexto apontado, que pretenda agora (em 2025), a coberto de uma reclamação incidindo sobre o relatório apresentado pelo fiduciário, propugnar uma retificação do cômputo do valor indicado por aquele como correspondendo ao rendimento indisponível alusivo ao 1.º ano do período de cessão, invocando que deve ser sufragado um entendimento sobre questão que o despacho de 11-04-2024 já havia resolvido, sem impugnação da insolvente.
Afigura-se-nos, pois, correta a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a pretensão de retificação formulada pela apelante concluindo-se que, nessa parte, se deve manter essa decisão, eliminando-se apenas o segmento decisório em que se refere que a insolvente “deverá proceder ao depósito das aludidas quantias na conta da massa fiduciária”.
*
Pelo exposto, ainda que com diferente enquadramento jurídico, julga-se procedente a reclamação por nulidade do despacho recorrido efetuada pela apelante e, consequentemente, suprindo a nulidade e alterando-se o despacho recorrido, julga-se improcedente o pedido de retificação formulado pela insolvente no requerimento apresentado em 26-05-2025.
Custas pela insolvente, na proporção de ½ (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
Notifique.
Lisboa, 01-09-2025
Isabel Fonseca ______________________________________________________ [1] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2017, vol. 2º, Coimbra: Almedina, p.737. [2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obr. e loc. citados. [3] Alberto dos Reis, 1984, Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra: Coimbra Editora, p. 143 (reimpressão). [4] Proferido no processo 15004/21.1 T8LSB-B. L1 (Relatora: Isabel Fonseca) acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais aqui referidos. [5] Esse entendimento foi igualmente o que se sufragou no acórdão desta 1ª secção de 02-05-2022, proferido no processo 2525/21.5T8BRR. L1 (Relatora: Isabel Fonseca), bem como noutros arestos desta secção de Comércio do TRL, para além daquele indicado pela apelante; cfr. ainda o acórdão de 22-09-2020, processo: 6074/13.7TBVFX-L1-1 (Relatora: Amélia Sofia Rebelo), em que se concluiu como segue:
“I – A concretização do principio da dignidade humana e a inviolabilidade constitucional do direito a uma retribuição mínima periodicamente atualizada (cfr. art. 59º, nº 2 da CRP) – que é válido para cada dia da semana, para cada semana do mês, e para o mês de cada ano –, exige, tal qual como na fixação do montante indisponível por necessário ao sustento minimamente condigno do exonerando, que na consideração da referência temporal para o apuramento do rendimento disponível objeto de cessão se atenda às particularidades do caso concreto, numa ponderação casuística suportada em premissas gerais que, antes de mais, tenham como critérios orientadores o desiderato legal e constitucional de assegurar/salvaguardar o sustento minimamente condigno do devedor e do respetivo agregado familiar, e o cumprimento dos princípios constitucionais da igualdade e, na concretização deste, da justiça relativa.// II - Do facto de o salário mínimo mensal nacional constituir um critério referência para fixação do montante necessário ao sustento minimamente condigno dos exonerandos, daí não decorre que o legislador pretendeu e previu o cálculo ou apuramento dos rendimentos disponíveis vinculado a uma cadência mensal, por referência estanque aos rendimentos auferidos em cada mês de cada ano do período de cessão, tando mais que, conforme art. 240º, nº 2 do CIRE, é anual a periodicidade para a elaboração e apresentação do relatório do período de cessão pelo Fiduciário”. // III – Perante a irregularidade dos montantes mensais dos rendimentos auferidos pelos exonerandos, com inclusão de meses com rendimentos de montante inferior ao judicialmente excluído da cessão de rendimentos, só através do apuramento dos rendimentos objeto de cessão por referência aos rendimentos anualmente auferidos é possível garantir aos devedores disporem, em cada mês de cada ano do período de cessão e por recurso aos rendimentos que ao longo do ano vão auferindo, de rendimentos de montante não inferior, ou de valor o mais aproximado possível, ao rendimento mensal indisponível fixado. // IV - Os valores de subsistência minimamente condigna associados à fixação do montante dos rendimentos dos devedores excluídos da cessão, merecem tutela legal e constitucional prevalecente sobre o interesse dos credores na cessão do rendimento disponível sucessiva e isoladamente determinado por referência aos rendimentos por aqueles auferidos em cada mês”. [6] Mais alegando que “reconhece um passivo actual de cerca de € 23.817,97 (vinte e três mil oitocentos e dezassete euros e noventa e sete cêntimos) e não detém qualquer activo para além da viatura automóvel Renault Captur, com a matrícula …-OL-…, que se encontra onerada com reserva de propriedade a favor do banco CREDIBOM, SA.” (art. 12.º). [7] Donde, como refere o fiduciário, à luz desse despacho o valor do rendimento indisponível, em 2024, era de 984,00€/més (1,2 de 820,00€) e em 2025 de 1.044,00€ (1,2 de 870,00€).