JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário

Sumário:
I- A apresentação de documentos fora dos articulados, é possível nos termos estatuídos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 423.º do CPC, devendo, contudo, ser justificada a razão da sua apresentação tardia e a indicação dos factos que se visam demonstrar, de forma a que o tribunal possa aferir da pertinência e necessidade de tal junção.
II- Não estando ainda designada data para julgamento nos autos, justificando a parte a razão da prova documental apresentada, indicando os factos que com ela visa provar, a não apresentação de qualquer razão para aquela junção tardia, fora dos articulados, não obsta ao deferimento de tal junção, que fica apenas condicionada ao pagamento de uma multa, que o tribunal recorrido deverá fixar, à luz do art.º 423.º n.º 2 do CPC.

Texto Integral

I-/ Relatório:

1. (…), SGPS, S.A., interpôs, nos termos dos artigos 916.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 490.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, contra, entre outros com demais sinais nos autos, AA e BB, na qualidade de herdeiros na herança indivisa de CC, a presente ação declarativa especial de consignação em depósito.
2. Citados os réus, a Ré AA contestou e deduziu reconvenção, afirmando que o fazia por si e também na qualidade de indicada herdeira, refutando, contudo, que o acervo hereditário demando seja “titular” de qualquer participação acionista na sociedade alvo, afirmando-se titular exclusiva, e em nome próprio, de 2208 ações ao portador, representativas do capital acionista da aludida sociedade, dominada “(...) - Imobiliária S. A.”. Nesse contexto, alega, a errada identificação da qualidade em que a Ré intervém na presente lide constitui uma exceção dilatória inominada que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, ex vi, o disposto nos arts.º 576.º n.º 1 e n.º 2 e 577.º, todos do CPC (tanto mais que intentou já ação especial de liquidação das suas participações sociais naquela sociedade (...) contra a aqui autora, que, autuada sob o número 32098/15.1T8LSB, corre os seus termos pela 1.ª Secção de Comércio- J2 da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa). Impugna no mais a matéria alegada e, discordando do valor de aquisição proposto, deduz reconvenção, pedindo a condenação da reconvinda, a «3.1 Majorar a contrapartida pecuniária oferecida pelas ações de que é titular a Ré/reconvinte na sociedade supra referida (sociedade participada dominada - “(...)-Imobiliária, S. A.”) no valor mínimo de € 45.054,24 por esta discordar da contrapartida que lhe foi oferecida, sem prejuízo de valor mais elevado que se vier a apurar em sede de avaliação judicial; 4. Condenar-se a Autora/reconvinda, a pagar à Ré/reconvinte o valor real, verdadeiro, justo e perfeito, das ações de que esta é titular na sociedade participada dominada, “(...) - Imobiliária, S.A.”, superior ao valor oferecido, no preço que vier a ser fixado, acrescido de juros legais desde a data da propositura, pela ora Ré/reconvinte e ali Autora, da ação de liquidação de participações sociais que com o número 32098/15.1T8LSB corre termos pela 1.ª Secção de Comércio – J2 da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, até integral pagamento, complementando aquela o depósito já consignado pelo valor da diferença que vier a ser apurada nos termos do disposto no art.º 1021.º do CC, ex vi, o disposto no n.º 3 do art.º 1068.º do CPC».
3. BB não contestou, apresentando, todavia, requerimentos nos autos, em 11/04/2016, onde, em suma, se afirma legítimo titular, em nome próprio, de 2.596 ações da sobredita sociedade (...), junta documentação e termina a alegar que deve ser admitido no presente processo nessa mesma qualidade.
4. Em 19/04/2016, em resposta, a Ré AA, com exceção da carta dirigida ao “Conselho de Administração da Cimianto – Gestão de Participações, S. A.” datada “de agosto de 1989”, expressamente impugnou todos os restantes documentos juntos com os referidos requerimentos, quer quanto ao seu teor quer quanto aos efeitos e, consequentemente a prova que, com os mesmos, se pretendia fazer e/ou obter.
5. A Autora replicou, pugnando pelo indeferimento da exceção dilatória invocada e alegando desconhecimento sobre a factualidade invocada pela ré AA no que concerne à titularidade das ações em causa, pugnando também pelo indeferimento do pedido reconvencional.
6. Marcada audiência prévia para o dia 15/05/2017, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio, factos assentes e temas da prova. Na mesma diligência e em ata foram apreciados e admitidos os requerimentos probatórios, sendo determinada a realização de perícia. Nada se disse quanto à exceção invocada na contestação de AA, aludida em 2, nem nenhuma pronúncia teve os requerimentos apresentados pelo Réu BB, aludidos em 3, aditando-se apenas o rol de testemunhas por este indicado em ata de audiência prévia.
7. Na continuação da tramitação dos autos, e após vicissitudes várias sem interesse para a presente recurso, em requerimento de 20/02/2025, a ré AA requereu (a) a junção aos autos de 9 documentos e (b) a notificação da Autora e de BB para juntarem aos autos, no prazo de 10 dias, cópia do contrato de compra e venda de ações da (...) celebrado entre si em 2011, assim como cópia das ordens de transferência dessas ações e ainda (c) a notificação da Autora para juntar aos autos, no prazo de 10 dias, cópia do ficheiro de identificação dos titulares de ações da CIMALONGA, em 2015, que lhe terá sido entregue pela Interbolsa.
Para tanto, num longo e prolixo requerimento de 32 artigos, no que ao caso agora interessa, alegou a necessidade de junção dos sobreditos documentos, para demonstração do primeiro tema dos elencados temas da prova (“Da titularidade, pelos Réus, de ações da (...) - IMOBILIÁRIA, S.A.”). Argumentando a divergência de posições com o réu, seu irmão, BB, alega que ambos foram demandados nos autos na qualidade de herdeiros de seu pai, CC, invocando, todavia, cada um deles (ainda que este co-réu não tivesse contestado a ação), a titularidade, em nome próprio, das ações representativas do capital social da (...).
Pede então, ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por reputar de óbvio interesse para a decisão da causa, a junção de 9 documentos, a saber:
- declaração escrita e assinada do pai dos Réus, CC, datada de Junho de 2011, a reconhecer que havia colocado à disposição do filho, BB, ainda em vida da mãe, entre outras, 1.821 ações da (...), e que a sua filha AA tinha direito ao mesmo número de ações, que se encontravam na posse dele, não fazendo tais ações parte da herança da mãe nem pai, sendo suas por direito - Doc. 1.
- manuscrito alegadamente redigido pelo Dr. M … (advogado e testamenteiro do pai dos réus, arrolado como testemunha nos autos) de onde resulta que o número total de ações da (...) na família era de 2.596 + 1.821 = 4.417 ações, e que este número deveria ser dividido por 2 (pelos dois filhos), devendo ser transferidas para a filha, 2.209 ações e, para o filho, 387 ações – Doc. 2;
- assento de óbito do pai dos réus, CC, ocorrido a 13.05.2012 - Doc. 3;
- extrato da carteira de títulos detida no Banco Espírito Santo associada à conta de depósitos à ordem com o n.º …006, da qual faziam parte 2.596 ações da (...) - Doc. 4;
- declaração assinada pelo réu, juntamente com o testamenteiro do pai, Senhor Dr. M …, datada de 22.03.2013, reconhecendo que os títulos pertenciam à irmã, ordenando a sua transferência para a conta em nome desta – Doc. 5.
- emails do Réu BB para o Banco Espírito Santo, de 05.11.2012, 12.11.2012 e de 14.01.2013, reconhecendo inequivocamente que a Ré AA era a proprietária das ações, que chegaram a estar depositadas numa outra conta, pelo Réu titulada, no Banco BIG – Docs. 6 e 7.
- extrato da conta de título do réu BB, de Julho de 2010, de onde resulta a venda à (...), SGPS, S.A., das 1.821 ações da (...) - Doc. 8.
- contrato de compra e venda de ações celebrado entre o Réu BB e a (...) das aludidas 1821 ações - Doc. 9.
8. Pronunciaram-se sobre o requerido a Autora e o Réu BB, que, em moldes globais, pugnaram pelo indeferimento do requerido, alegando, a primeira, apenas que parte da documentação cuja solicitação é feita por notificação à autora não tem interesse para a sorte dos autos ou é impossivel de satisfazer, e o segundo que a Requerida aproveita o seu requerimento para proceder à junção de documentos que se destinam a fazer prova de factos não atempadamente invocados (porquanto o deveriam ter sido em resposta ao Requerimento de 11 de Abril de 2016), devendo ser desentranhados, ou, assim se não entendendo, ser a ré condenada na multa prevista no artigo 426.º do CPC. Impugna também a factualidade invocada no requerimento e documentos juntos, impugnada por não corresponder à verdade.
9. Por despacho de 09-05-2025, foi indeferida a requerida junção, ali se considerando também que inexistia fundamento legal para o requerimento em apreciação, não se alcançando ao abrigo de que dispositivo legal pretendia a Ré alegar novos factos que não aduziu na contestação. Ali se consignando também que «E ainda que pretendesse justificar esta alegação factual com o argumentado no requerimento apresentado em 11.4.2016 por BB, certo é que, volvidos quase 9 anos, é manifesto que qualquer pronuncia é extemporânea. Em suma, não assiste à Ré o direito de, na fase em que os autos aguardam a realização de perícia, vir alegar novos factos, nem juntar nova prova para os comprovar. Por outro lado, também não lhe assiste agora o direito de apresentar novos requerimentos de prova, mormente de solicitação de documentos a terceiros, posto que a fase processual para o efeito já terminou há muito, tendo sido proferido despacho saneador em 15.5.2017».
10. Inconformada com tal decisão, dela recorreu AA, finalizando o seu recurso com as seguintes conclusões:
«1.ª Interpõe-se recurso do despacho proferido a 09.05.2025, restringindo-se o objeto do recurso à decisão que não admitiu a junção de documentos requerida pela Ré, ora Recorrente, a 20.02.2025.
2.ª A decisão é recorrível autonomamente, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, na medida em que rejeita meios de prova (prova documental).
3.ª O despacho recorrido não admitiu o requerimento de 20.02.2015, nem os documentos que com ele a Recorrente pretendia juntar aos autos, para prova da titularidade das ações a que respeita a aquisição potestativa em causa, por parte da Ré Recorrente, no confronto com o Réu seu irmão, BB.
4.ª Nos presentes autos, discute-se a titularidade, pelos Réus, de ações da (...) - IMOBILIÁRIA, S.A., matéria que foi levada ao primeiro tema da prova – cfr. ata da audiência prévia de 15.05.2017.
5.ª A Ré AA e o seu irmão, o Réu BB, demandados na qualidade de herdeiros de seu pai, CC, vieram invocar, cada um deles, a titularidade, em nome próprio, das ações representativas do capital social da (...), sendo as suas posições inconciliáveis.
6.ª Para decidir a causa, o tribunal terá que apreciar os meios probatórios que permitam provar quem eram os titulares das ações que foram objeto de aquisição potestativa e em que quantidade (tema da prova 1), e após tal decisão da matéria de facto deverá condenar a Autora a pagar, a cada titular assim apurado, o valor correspondente ao seu conjunto de ações.
7.ª A junção de documentos feita naquele requerimento da Recorrente, destinada a provar ser ela a titular de um determinado número de ações da (...), adquiridas pela Autora potestativamente, tem manifesto interesse para a resposta a dar ao tema da prova 1 e para a decisão da causa.
8.ª Decorre diretamente da lei, sem margem para quaisquer dúvidas, que tal junção de documentos é possível, ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, norma que foi ignorada no despacho recorrido e que dispõe que «se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (…)».
9.ª Nos presentes autos, não se chegou ainda à fase de marcação do julgamento, pelo que resulta da referida norma, de forma inequívoca, que qualquer das partes pode juntar documentos aos autos, ainda que se sujeite à eventual aplicação de multa.
10.ª O tribunal não pode recusar a junção de documentos feita aos autos nos exatos termos permitidos pelo artigo 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, mesmo que entenda que o requerimento que acompanhou a junção não é admissível, na parte em que contém a alegação de novos factos, por ser intempestivo.
11.ª No máximo, o que o tribunal a quo poderia ter feito era não admitir o requerimento na parte em que expõe novos factos, mas não podia recusar os documentos, atendendo ao texto da lei, para além da sua óbvia relevância para a prova do tema 1.
12.ª A norma do artigo 423.º, n.º 2, não suscita qualquer dúvida doutrinal ou jurisprudencial: defendendo-se unanimemente que, até ao momento aí referido, a parte é livre de proceder à junção de documentos.
13.ª Entendeu a Recorrente que, sendo inequívoco o seu direito à junção de documentos, seria útil e conveniente apresentar explicações sobre o teor dos mesmos e sobre o que demonstram, pois, a matéria não é de apreensão evidente ou linear - e foi isso que fez no seu requerimento de 20.02.2025.
14.ª Como quer que seja, tais explicações, dadas no requerimento, sempre poderão ser apresentadas em sede de audiência de julgamento, estando os documentos juntos ao processo em momento anterior, pelo que a admissão do requerimento e a admissão dos documentos não são a mesma coisa, são duas questões diferentes.
15.ª Acresce que, sem os documentos recusados, fica irremediavelmente comprometida a boa decisão da causa.
16.ª Tais documentos devem ser admitidos nos autos, sob pena de violação do direito à prova, essencial à defesa judicial dos direitos invocados (artigo 346.º do Código Civil e artigos 3.º, n.º 3, 415.º, n.º 1, e 423.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e de violação do direito fundamental ao processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
17.ª Normas que foram violadas no despacho recorrido que, por isso, deve ser revogado por outro, que admita a junção aos autos dos 8 documentos que acompanharam o requerimento da Ré.
18.ª A sucumbência da Recorrente é de é de Eur 136.631,04, valor que se indica nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos, deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita a junção aos autos dos 8 documentos que acompanham o requerimento da Recorrente de 20.02.2025».
7. Admitido posteriormente o recurso interposto e remetidos os autos a este Tribunal da Relação, cumpre agora apreciar e decidir, o que faremos singular e sumariamente, com dispensa da intervenção da conferência, tal como o permite o art.º 656.º do CPC.
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II-/ Questões a decidir:
Estando o âmbito do presente recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, como decorre dos arts.º 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, tem então este tribunal que apreciar, apenas e tão só, se a decisão tomada pelo tribunal a quo, no sentido de indeferir a junção aos autos dos nove documentos apresentados pela recorrente em requerimento de 20/02/2025, padece de erro de julgamento.
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III-/ Fundamentação de facto:
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
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IV-/ Do mérito do recurso:
Centra a recorrente o seu recurso na argumentação de que o tribunal a quo errou ao não admitir a junção aos autos dos documentos por si apresentados, quando tais documentos sempre poderiam ter sido juntos à luz do art.º 423.º do CPC, para o que ainda estava em tempo, ainda que mediante pagamento de multa.
Entrando assim na apreciação de tal questão, cumpre atentar, desde logo, que, em matéria probatória, o art.º 341.º do Código Civil (CC) prevê que «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos», determinando o art.º 342º n.º 1 do mesmo código que «Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado».
Em cumprimento deste ónus que incide sobre as partes, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a reconhecer um «direito à prova», como corolário do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), como o direito à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotado, Coimbra Editora, 4ª edição revista, Vol. I, pág. 415).
No que concerne à prova documental, de resto a que aos autos agora importa, forçoso se torna recorrer às regras adjetivas que regulam os termos em que a sua produção é processualmente admissível, o que se encontra regulado nos arts.º 423.º e sgs. do CPC, e bem assim às regras substantivas aplicáveis, no que se prende com o conceito e tipos de documentos, seu valor e força probatória, com assento nos artigos 362.º e segs. do CC.
A nível adjetivo, pela leitura conjugada dos arts.º 423.º n.º 1 e 443.º do CPC, resulta assim, e desde logo, que apenas devem ser juntos aos autos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que têm interesse para a decisão da causa, não devendo ser juntos, ou, sendo-o, impondo-se o seu desentranhamento, se se verificar que os mesmos são impertinentes ou desnecessários.
Quanto ao momento de apresentação dos documentos, o convocado art.º 423.º do CPC estipula que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, podendo os mesmos ser ainda juntos até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, com condenação em multa, o que não acontecerá se provarem que não puderam oferecer tais documentos com o articulado respetivo ou ainda, após esse limite temporal, documentos cuja junção não tenha sido possível até ao momento ou aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Revertendo aos autos, constatamos que a ré sustentou juridicamente a sua pretensão na junção dos documentos em causa (num total de 9) no art.º 423.º, n.º 2, do CPC, por os reputar de óbvio interesse para a decisão da causa, com vista a fazer prova do tema 1 dos temas de prova elencados.
Todos os nove documentos - devidamente elencados acima no relatório da presente decisão, no seu ponto 7 - reportam-se à discutida titularidade das ações entre ré recorrente e seu irmão, co-réu.
Ainda que muitos dos factos concretos alegados pela ré no requerimento em que pede a junção de tais documentos não tenham sido expressamente alegados na contestação que fez juntar aos autos, certo é que, naquele articulado, a ré invocou ser titular exclusiva e em nome próprio, de 2208 ações ao portador, representativas do capital acionista da sociedade alvo/dominada “(...) - Imobiliária S. A.”.
O tribunal entendeu selecionar como tema da prova “Da titularidade, pelos Réus, de ações da (...) - IMOBILIÁRIA, S.A.”.
Entendeu, todavia, o tribunal a quo, que com o requerimento em apreciação, pretendia a Ré alegar novos factos que não aduziu na contestação, ali concluindo que «E ainda que pretendesse justificar esta alegação factual com o argumentado no requerimento apresentado em 11.4.2016 por BB, certo é que, volvidos quase 9 anos, é manifesto que qualquer pronuncia é extemporânea. Em suma, não assiste à Ré o direito de, na fase em que os autos aguardam a realização de perícia, vir alegar novos factos, nem juntar nova prova para os comprovar. Por outro lado, também não lhe assiste agora o direito de apresentar novos requerimentos de prova, mormente de solicitação de documentos a terceiros, posto que a fase processual para o efeito já terminou há muito, tendo sido proferido despacho saneador em 15.5.2017».
Não concordamos com tal decisão.
Com efeito, ainda que se acompanhe o despacho recorrido quando afirma não estar justificada, do ponto de vista legal, a alegação de novos factos, até então não concretamente alegados nos autos, em simples requerimento dirigido aos mesmos em momento processual inadequado, e, como tal, sem sustentação legal, já tanto não acompanhamos quando afirma não assistir à Ré o direito de, na fase em que os autos aguardam a realização de perícia, vir … juntar nova prova para os comprovar.
Primeiro, porque a ré alega que a junção visa a prova do tema de prova 1, e, de facto, todos os documentos, analisados, prendem-se com a invocada titularidade de ações feita já em sede de contestação.
Segundo, porque ainda estamos em fase de perícia, não tendo sido designada data para julgamento.
Terceiro, porque não faz sentido indeferir o requerimento por entender que o mesmo dá resposta ao requerimento do réu já junto a 11/04/2016, quando, em momento algum, o tribunal se pronunciou, em concreto, sobre tal requerimento nem sobre a junção de documentos ali realizada. Atendeu a esse requerimento? O mesmo tem fundamento legal? Vai usar a documentação ali junta na decisão que vier a proferir?
Não competindo agora a este tribunal tomar posição sobre a tramitação processual em causa, certo é que, do ponto de vista da tempestividade da requerida junção documental, a recorrente tem razão. Com efeito, não sendo juntos em articulado inicial, onde se alegam os fundamentos da defesa, e os subjacentes ao pedido reconvencional deduzido, nada impede que tais documentos possam ser juntos até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, com condenação em multa, o que apenas não acontecerá se, num primeiro momento, se provar que não se puderam oferecer tais documentos com o articulado respetivo.
E ainda que um processo não seja um repositório de documentação sem sentido, deve ser permitida a junção daquela que, verdadeiramente, em face da matéria em discussão, da posição das partes e do enquadramento legal que se impõe, releva para que o tribunal disponha de todos os elementos probatórios que lhe permitam proferir uma decisão justa e conscienciosa.
Tal como referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (no CPC anotado, Vol. I, Almedina, pág. 521), «Os meios de prova, qualquer que seja a sua natureza, destinam-se à instrução da causa, a qual tem por objeto os temas da prova enunciados, ou, quando não tenha de haver lugar a essa enunciação, os factos necessitados de prova».
Ora, ainda que os sobreditos documentos não tenham sido juntos com o articulado em que a ré se arroga exclusiva titular das ações em causa (contestação/reconvenção apresentada), nada impedia a mesma de o fazer em momento posterior, tendo apenas o ónus de indicar a matéria que com tais documentos pretende provar (o que fez - tema 1, titularidade das ações) e justificar a razão daquela junção tardia. Justificação essa que, todavia, não foi dada nos autos, mas que não obsta à pretendida junção, condicionada que fica apenas ao pagamento de uma multa, tal como resulta de forma expressa da própria lei.
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC anotado, vol. 2º, 4ª edição, pág. 239), «.. a parte mantém a liberdade de observar o ónus que sobre ela impende, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final …. (…) a multa que sanciona o dever é aplicada, nos termos do art. 27º RCP, quando a parte só mais tarde o observa, sendo uma consequência da apresentação tardia do documento e não da omissão de o apresentar com os articulados (..)».
Daqui resulta, pois, que as partes podem apresentar os documentos que provem os factos em discussão na causa, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sancionando-se apenas esse comportamento, de não os ter apresentado com os articulados em que alegam os factos que visam com os mesmos demonstrar, com a aplicação de uma multa.
Neste sentido e enquadramento, terá o recurso que, sem mais, ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, que se substituiu por outro - a admitir a junção aos autos dos sobreditos documentos, por importarem à boa decisão da causa em face dos temas de prova (1), não se revelando impertinentes nem dilatórios (art.º 443.º do CPC),- ficando, contudo, tal junção, condicionada ao pagamento da multa que a Sra. Juíza a quo fixar pela sobredita junção extemporânea.
No mais, mostrando-se paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, que não envolveu diligências geradoras de despesas, e não havendo lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso, não são devidas custas na presente instância recursiva (arts.º 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC).
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V-/ Decisão:
Perante o exposto, na procedência do recurso intentado, revoga-se o despacho em crise, que se substituiu por outro que determina que nada obsta à junção dos nove documentos apresentados pela ré/recorrente, em requerimento de 20/02/2025, que fica, porém, condicionada ao pagamento de uma multa, que o tribunal recorrido deverá fixar, em face daquela junção tardia.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 04/09/2025
Paula Cardoso