Sumário[1]
1 – A cessão de créditos é um dos pressupostos da admissibilidade de habilitação, o negócio jurídico pelo qual se dá a transmissão da coisa, direito ou dever em litígio. A habilitação pressupõe a transmissão, mas não se confunde com ela: enquanto que o negócio jurídico celebrado entre o cedente e o cessionário transmite a coisa, direito ou dever, a habilitação coloca o cessionário na posição processual do cedente, considerando-os, aliás, a mesma parte processual.
2 - O direito de apresentar alegações para o efeito da abertura do incidente de qualificação da insolvência é um direito processual, que apenas pode ser exercido no próprio processo de insolvência, pelos legitimados previstos: administrador da insolvência e qualquer interessado, que, nos termos do art. 30º do CPC, inclui os credores reclamantes.
3 – O direito de apresentar alegações para o efeito da abertura do incidente de qualificação da insolvência não é um direito de crédito e não é garantia ou acessório de créditos – e nesse sentido não está regulado pelo regime civil da cessão de créditos; sendo um direito processual o habilitado na posição processual de quem o exerceu beneficia dessa iniciativa do cedente, tal como beneficia do facto de este ter reclamados créditos tempestivamente.
4 – Uma vez aberto o incidente de qualificação da insolvência, por despacho judicial irrecorrível, ele prosseguirá a respetiva tramitação, mesmo que o respetivo requerente inicial deixe de intervir ou estar representado nos autos.
________________________________________________
[1] Da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC.
7 – Em 01/06/2020 foi junto ao processo principal, mediante o requerimento refª 26312627 substabelecimento nos termos do qual P5, advogado “em conformidade com o disposto no artigo 44º, nº3 do Código de Processo Civil, substabelece, sem reserva, individual ou conjuntamente, nas suas Ilustres Colegas, Dra. P6 (…), P7 (…), Dra. P8 (…) e Dra. P9 (…), os poderes forenses que lhe foram conferidos pela Caixa Gral de Depósitos, SA nos processos constantes da lista anexa (…)”, lista da qual constam os presentes autos.
8 – P5, advogado, apresentou em 08/07/2024 o requerimento refª 39882630, no qual “vem, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 47º, nº 1 do CPC, renunciar ao mandato que lhe foi conferido pela Caixa Geral de Depósitos, S. A.”
*
4. Fundamentação de direito
4.1. Nulidade da sentença
Argumentam os recorrentes que não consta do processo qualquer interpretação da lei que permita concluir no sentido de que a cessionária tomou a posição da cedente em todos os apensos dos presentes autos, incluindo o apenso D (qualificação da insolvência) e que tal, por si só, implica a nulidade do despacho proferido.
Em sede de conclusões, na sequência da argumentação expendida quanto à inexistência de requerente no presente incidente, referiram que existe uma nulidade porque o Meritíssimo Juiz tinha o dever de não despachar contra legem, tendo praticado um ato que a lei não admite (nulo), de conhecimento oficioso desta Relação.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do art. 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art. 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas.
O primeiro exercício é o da subsunção das nulidades arguidas às diversas alíneas do art. 615º, exercício que os recorrentes não efetuaram.
Não se coloca qualquer questão subsumível à causa de nulidade prevista na alínea a) do nº1 do art. 615º do CPC.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art. 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art. 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[3], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[4] STJ de 08/02/2024 (Nuno Pinto Oliveira – 995/20), 10/05/2021 (Henrique Araújo - 3701/18), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro - 121/11), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas - 08A2179) e os Acs. TRL de 18/04/2024 (Carla Cristina Figueira Matos – 7115/20), 11/03/2021 (Inês Moura - 1074/18) e de 18/04/2024 (José Manuel Monteiro Correia – 1912/21)[5], entre muitos outros.
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
A nulidade apontada à decisão recorrida, ao ser alegada a inexistência de qualquer interpretação da lei que permita concluir no sentido a que chegou o tribunal, configura a arguição de nulidade por falta de fundamentação de direito, prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC, que nestes termos passaremos a conhecer.
Do despacho recorrido consta expressamente que «a mesma [habilitada Promontoria Mars Designated Activity Company] tomou a posição da Requerente Caixa Geral de Depósitos, quer através da sentença de habilitação de cessionário proferida a 14.04.2021 no apenso V, quer pela sentença de habilitação de cessionário proferida a 24.03.2023 no apenso AA. Nessa sequência, tomou a posição da credora cedente em todos os apensos dos presentes autos, incluindo no presente apenso D.»
Ora compulsados os apensos e decisões referidos – todas as decisões proferidas em apensos destes autos e notificadas aos ao recorrentes – verifica-se a absoluta veracidade do afirmado neste segmento da fundamentação, ou seja, que a credora Promontoria foi habilitada na posição da credora CGD, SA.
A discordância dos recorrentes quanto aos efeitos e implicações da habilitação de cessionário não se analisa em qualquer omissão, sendo percetível de forma linear porque concluiu o tribunal que a credora em causa tomou a posição da cedente em todos os apensos, incluindo o presente: porque foi habilitada.
Não se verifica, nestes termos, a arguida nulidade.
Nada foi alegado que possa ser subsumido ao fundamento de nulidade previsto quer na primeira parte da alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC – contradição entre a decisão e seus fundamentos – quer na segunda parte da mesma alínea – obscuridade ou ambiguidade que tornem a decisão ininteligível.
Não há, igualmente qualquer alegação subsumível às alíneas d) e e) do nº1 do art. 615º do CPC: verificando-se, aliás que o juiz se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas, indeferindo, nada tendo conhecido além destas e pronunciando-se apenas sobre estas.
A alegação de que o juiz decidiu contra legem não acarreta nulidade da decisão proferida – trata-se de alegação de que o juiz errou na aplicação do direito, ou seja, de erro de julgamento, a dilucidar enquanto mérito do recurso e não de qualquer nulidade.
Improcedem, assim, as arguidas nulidades.
*
4.2. Efeitos da cessão de créditos e habilitação de cessionário na tramitação do incidente de qualificação da insolvência
No caso concreto, tendo sido requerida a abertura de incidente de qualificação da insolvência, após a entrada em vigor da lei nº 16/2012 de 20 de abril[6] por um credor que, entretanto, cedeu o seu crédito, pretendem os recorrentes a extinção da instância do referido incidente, que foi oportunamente declarado aberto nos termos do nº2 do art. 188º na versão do CIRE então em vigor[7].
Os recorrentes pediram a extinção da instância, alegando que a requerente do incidente, a CGD, SA, saiu do processo, dado que o seu mandatário apresentou renúncia em 2023 no processo principal e neste apenso reiterou tal renúncia sem que a mandante se tivesse pronunciado.
Daqui extraíram que deixou de haver autor/requerente neste incidente e que, por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, por a parte ser ilegítima e por tal equivaler a uma desistência do pedido deve ser extinta a instância.
Foram os seguintes os fundamentos da decisão recorrida, que indeferiu tal pedido:
“Com efeito, a mesma tomou a posição da Requerente Caixa Geral de Depósitos, quer através da sentença de habilitação de cessionário proferida a 14.04.2021 no apenso V, quer pela sentença de habilitação de cessionário proferida a 24.03.2023 no apenso AA. Nessa sequência, tomou a posição da credora cedente em todos os apensos dos presentes autos, incluindo no presente apenso D.
As renúncias ao mandato da Caixa Geral de Depósitos, devidamente requeridas pelo seu Mandatário, em nada consubstanciam impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nem a amálgama de consequências processuais que os Requeridos agora preconizam (aliás, “misturando” causas tendentes à extinção da instância que são diferentes entre si).
Ademais, tal como é reconhecido no primeiro requerimento em presença, à data da solicitação das renúncias, a própria Caixa Geral de Depósitos já não era credora nos presentes autos, mas sim a ora Requerente e Habilitada, tendo a sua habilitação efeitos em todos os apensos envolvidos e decorrentes da declaração de insolvência.
Por fim, ainda que assim não se entendesse, sempre subsistiriam os pareceres vindos do senhor Administrador da Insolvência e do Ministério Público, no sentido de a insolvência vir a ser declarada ou qualificada como culposa, ambos com legitimidade para a promoção do presente incidente na direção dessa mesma qualificação (cf. artigo 188.º do CIRE).”
Os recorrentes alinham os seguintes argumentos:
- os efeitos da cessão de créditos celebrados entre a CGD e a Promontoria são apenas os previstos no art. 582º nº1 do CC, transmitindo-se apenas o crédito e as garantias e outros acessórios que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente;
- o cessionário não pode ficar na causa juntamente com o cedente para que este faça valer direitos que não foram objeto de transmissão;
- os pareceres juntos aos autos não foram devidamente fundamentados nem documentados;
- sem requerente os pareceres apresentados pelo Ministério Público e pelo Administrador da Insolvência são inócuos.
Apreciando:
A habilitação por transmissão entre vivos, regulada no art. 356º do CPC (sendo ainda relevante o disposto no 263º do mesmo diploma) é uma das formas previstas de modificação subjetiva da instância.
Pressupõe a transmissão do direito (ou coisa) ou dever litigioso, sendo, porém, facultativa, dado que nos termos do nº1 do art. 263º do CPC a transmissão não afeta a legitimidade processual do transmitente.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa[8] em anotação ao art. 356º “por via do incidente de habilitação do cessionário, permite-se que o cedente seja substituído no processo pelo cessionário, o qual adquire a posição processual que o cedente tinha no pleito, não sendo admissível que continuem ambos na lide.”, o que é unanimemente acolhido na jurisprudência[9].
São pressupostos da admissibilidade de habilitação: “pendência de uma ação; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação, por ato entre vivos e conhecimento da transmissão durante a ação.”[10]
A habilitação do cessionário apenas visa a modificação dos sujeitos da lide e os seus efeitos são de natureza meramente processual[11].
A cessão de créditos é um dos pressupostos da admissibilidade de habilitação, o negócio jurídico pelo qual se dá a transmissão da coisa, direito ou dever em litígio. A habilitação pressupõe a transmissão, mas não se confunde com ela: enquanto que o negócio jurídico celebrado entre o cedente e o cessionário transmite a coisa, direito ou dever, a habilitação coloca o cessionário na posição processual do cedente, considerando-os, aliás, a mesma parte processual[12].
Como começámos por referir, a habilitação, neste caso, é facultativa, pelo que a cessionária podia ter optado por, celebrado o negócio, não se habilitar, permanecendo apenas titular dos créditos cedidos e não tomando a posição processual do credor originário – atento o regime do art. 263º do CPC.
Não foi essa a opção tomada pelo que, e como se escreveu quer no Ac. TRE de 07/11/2019 (Mário Silva - 1898/18), quer no Ac. TRG de 24/04/2019 (José Alberto Moreira Dias - 4490/16) “o incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa, tão só, produzir modificação nos sujeitos da lide (modificação subjetiva, como a designam os arts. 261.º e 262.º, al. a), do Código de Processo Civil). Essa modificação opera-se colocando o adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio no lugar e na posição processual que o cedente ocupava no processo, para que a causa prossiga entre os atuais titulares da relação jurídica controvertida. O habilitado, sucedendo na posição processual do cedente, passa a exercer os mesmos direitos e fica sujeito ao cumprimento das mesmas obrigações processuais que àquele competiam, sem interferir com o objeto da causa (iii). Produz, deste modo, efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir (iv).”
Denota-se dos argumentos a recurso que se confundiu cessão de créditos com habilitação processual, a modificação subjetiva na relação de crédito com a modificação subjetiva da instância: tal confusão é especialmente patente quando os recorrentes alegam que não podem ficar na lide cedente e cessionário para os efeitos de ser exercido um direito que não se transmitiu, ou seja, entendendo que a apresentação de alegações para os efeitos previstos no art. 188º do CIRE é um direito que não se transmitiu mediante o negócio de cessão de créditos.
O direito de apresentar alegações nos termos do nº1 do art. 188º do CIRE – para o efeito de abertura de incidente de qualificação da insolvência -, é o exercício de um direito na dimensão processual do procedimento, que pode ser efetuado pelo titular de crédito que tenha reclamado créditos.
Prescrevia, ao tempo, o art. 188º do CIRE:
«1 - Até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
2 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius.
3 - Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa.
4 - O parecer e as alegações referidos nos números anteriores vão com vista ao Ministério Público, para que este se pronuncie, no prazo de 10 dias.
5 - Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é insuscetível de recurso.
6 - Caso não exerça a faculdade que lhe confere o número anterior, o juiz manda notificar o devedor e citar pessoalmente aqueles que em seu entender devam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias; a notificação e as citações são acompanhadas dos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público e dos documentos que os instruam.
7 - O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.
8 - É aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações.»
Trata-se de uma faculdade que, exercida, permite a abertura do incidente de qualificação da insolvência e integra-se na situação subjetiva do credor no processo[13] – que, para este efeito, dá impulso processual ao incidente, sendo avaliada a aptidão dos factos alegados pelo juiz para os efeitos previstos no nº2 do art. 188º.
O direito de apresentar alegações para o efeito da abertura do incidente de qualificação da insolvência é um direito processual, que apenas pode ser exercido no próprio processo de insolvência, pelos legitimados previstos: administrador da insolvência e qualquer interessado, que, nos termos do art. 30º do CPC, inclui os credores reclamantes.
Não é um direito de crédito e não é garantia ou acessório de créditos – e nesse sentido não está regulado pelo regime civil da cessão de créditos.
É um direito processual e, como tal, o habilitado na posição processual de quem o exerceu beneficia dessa iniciativa do cedente[14], tal como beneficia do facto de este ter reclamados créditos tempestivamente.
Para todos os efeitos processuais cedente e cessionário são a mesma parte, uma vez decretada a habilitação.
Por outras palavras e respondendo diretamente aos argumentos dos recorrentes – não se trata de um direito que houvesse que ser transmitido quando da cessão de créditos, mas antes de uma faculdade que, uma vez exercida no processo, não depende do prosseguimento no processo do exato interessado que o exerceu.
O que significa que não sobrevem, pela cessão de créditos e habilitação processual de outrem na posição que detinha o credor que requereu a abertura do incidente de qualificação, qualquer causa de ilegitimidade, de inutilidade ou de impossibilidade superveniente da lide: ao tempo em que foi exercido, este direito processual foi exercido por quem tinha o direito de o fazer, o que aliás resultou na abertura do presente incidente de qualificação da insolvência e subsequente tramitação.
Resulta da tramitação seguida que a CGD, para usar a linguagem do recurso “saiu do processo” não porque o seu advogado renunciou ao mandato[15], mas porque a Promontoria se habilitou nos autos, após transmissão de todos os créditos e habilitação nos mesmos termos – pontos 5 e 6 da matéria de facto provada.
Aqui chegados estamos em condições de afirmar a nossa total concordância com os fundamentos adiantados pelo tribunal a quo: uma vez aberto o incidente de qualificação da insolvência, por despacho judicial irrecorrível, ele prosseguirá a respetiva tramitação podendo intervir o administrador da insolvência, o Ministério Público[16], e, na resposta a eventual oposição por parte dos requeridos qualquer interessado que tenha posição contrária – 188º nº7 do CIRE.
Mais, por via da aplicação do art. 11º do CIRE, a base factual da imputação da insolvência como culposa só se estabiliza no final dos articulados, não estando por qualquer forma limitada pelos factos alegados pelo requerente nas alegações iniciais.
Nesse sentido se afirma, como o tribunal recorrido, a irrelevância do alegado dado que se seguiram os pareceres do administrador da insolvência e o Ministério Público.
Na verdade, se o credor CGD houvesse deixado de estar representado nos autos e não houvesse ocorrido habilitação, tal não determinaria o “desaparecimento” do direito processual já exercido nos autos e que já havia cumprido a sua função de assegurar a apreciação judicial então prevista no nº2 do art. 188º do CIRE, na redação vigente ao tempo.
O incidente foi requerido e, no caso, motivou a decisão de abertura do incidente – decisão aliás, irrecorrível, nos termos expressos da lei – que permanecerá aberto e será tramitado nos termos previstos.
Há requerente do incidente e o seu papel processual deve ser exercido por quem ocupou a respetiva posição processual, ou seja, podendo intervir e produzir prova nos termos já requeridos.
Não foi, igualmente, cometido qualquer erro na apreciação do direito aplicável, pelo que improcede integralmente a apelação.
*
As custas na presente instância recursiva devem ser suportadas pelos recorrentes, sem prejuízo do diferimento previsto no artigo 248º do CIRE – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil.
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando integralmente improcedente a apelação, manter a decisão recorrida.
Custas na presente instância recursiva pelos recorrentes, sem prejuízo do disposto no artigo 248.º do CIRE.
Notifique.
*
Lisboa, 16 de setembro de 2025
Fátima Reis Silva
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro
_____________________________________________________
[2] O qual não se mostra digitalizado.
[3] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[4] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[6] Alteração nos termos da qual o incidente de qualificação da insolvência passou a ter caráter eventual, dependendo da apresentação, por um dos interessados, de alegações no sentido da qualificação da insolvência como culposa - art. 188º nº1 do CIRE), sendo que, na não apresentação destas, o caráter fortuito da insolvência passou a ser obrigatoriamente declarado aquando do encerramento do processo (art. 233º nº6 do CIRE).
[7] Integralmente correspondente ao nº5 do mesmo art. 188º na versão ora em vigor, após a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro.
[8] Em Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Almedina 2022, pg. 451.
[9] Entre outros, neste exato sentido, os Acs. TRG de 24/04/2019 (José Alberto Moreira Dias - 4490/16), citado pelos recorrentes, TRP de 30/01/2012 (Maria Adelaide Domingos – 115/09) e TRP de 05/11/02 (Alziro Cardoso - 0220930).
[10] Idem, citando o Ac. TRL de 02/12/2015 (Ondina Carmo Alves – 691/11).
[11] Cfr. Ac. TRL de 11/03/2021 (Adeodato Brotas – 7428/12).
[12] Como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 285: “a identidade de partes é aferida pela qualidade jurídica dos sujeitos (art. 581º nº2), o que justifica, por exemplo, que o de cuiús e herdeiro ou transmitente e o adquirente sejam a mesma parte”.
[13] Castro Mendes e Teixeira de Sousa, em Manual…, já citado, pg. 19 referem que as situações subjetivas das partes são, fundamentalmente, ónus, poderes e deveres, caraterizando os ónus como situações cujo exercício é optativo para a parte, mas cujo exercício ou não exercício têm consequências, como no caso dos ónus processuais, mencionam que os poderes ou faculdades são em regra consumidos pelos ónus e os deveres como situações subjetivas passivas que impõem uma determinada conduta da parte.
[14] Tal como todos os demais credores, dado o disposto no art. 189º nº2, al. e), na versão em vigor à data da abertura do incidente de qualificação da insolvência.
[15] O que, na verdade, fez em 01/06/2020, quando foi junto aos autos substabelecimento sem reserva – facto nº 7.
[16] Para o Ministério Público e para o administrador da insolvência trata-se de um dever e não de uma faculdade – ambos terão que se pronunciar. Neste exato sentido ver Catarina Serra em O Incidente de Qualificação de Insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, Julgar nº 48, setembro/dezembro 2022, Almedina, pg. 17.