CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NULIDADE DA SENTENÇA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
SANÇÃO ACESSÓRIA
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Sumário

I. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias sobre as quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa, referindo-se estas àquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à sua apreciação e às que sejam de conhecimento oficioso.
II. O vício de omissão de pronúncia não será convocável se o tribunal apenas tiver deixado de emitir pronúncia sobre determinada questão por virtude da solução jurídica que haja conferido a outra que a precedia, determinando, assim, que o seu conhecimento fique prejudicado.
III. Não padece de omissão de pronúncia a sentença que, julgando inverificado o erro sobre a ilicitude, não dedicou expressa pronúncia quanto a factos que porventura pudessem conduzir à especial atenuação da coima, na medida em que daquela inverificação resultou prejudicada a apreciação dos pressupostos dos quais dependia a atenuação especial da coima.
IV. A atenuação especial da coima, fora dos casos previstos na lei, está dependente da prova de factos, anteriores ou posteriores à prática do ilícito contraordenacional, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
V. Por força do disposto no art.º 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o legislador quis equiparar, para efeitos de aplicação da sanção acessória de publicidade, a conduta do agente que integre ilícito muito grave e a do agente que reincide na prática de factos graves, não estando a expressão «praticada com dolo ou negligência grosseira» reservada para a reincidência em contraordenação grave.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. A sociedade “Frescos D’Alrota, Lda.” foi condenada, por via da decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT):
i. no pagamento da coima de € 2.244,00 (22 UC’s) pela prática de factos integradores do ilícito contraordenacional previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 36.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2020, de 30 de Agosto; e,
ii. na sanção acessória de publicidade.
2. Inconformada, a arguida interpôs recurso da decisão proferida pela autoridade administrativa para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro.
3. Recebido o recurso, foi designada data para realização da audiência de discussão e julgamento.
4. Discutida e julgada a causa, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal decide não conceder provimento à impugnação judicial e, consequentemente, decide:
1 – Manter a decisão administrativa nos seus precisos termos, mantendo a condenação da Recorrente pela prática da contraordenação muito grave por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 25º da Lei n.º 27/2010, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 36º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 de 4 de fevereiro, conjugada com as alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 14º da Lei n.º 27/2010 de 30 de agosto (não apresentação dos 28 dias anteriores), na coima de 22UC, ou seja, em € 2.244,00 (dois mil duzentos e quarenta e quatro euros) e ainda na sanção acessória de publicidade.
Manter como solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima os seus gerentes, AA e BB, nos termos do artigo 551º, n.º 3 do Código de Trabalho.
(…)».
5. A arguida, inconformada com a decisão da 1.ª instância, dela interpôs recurso, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
«A)
O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que negou provimento à impugnação apresentada pela ora Recorrente e confirmou a decisão da entidade administrativa que a condenou pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punida pela alínea b) do nº 1 do art.º 25.º, da Lei nº 27/2010 de 30 de Agosto, por violação ao disposto no nº 2 do artigo 36.º do Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 04 de Fevereiro, do Parlamento Europeu e do Conselho, numa coima de € 2.244,00 (dois mil duzentos e quarenta e quatro euros), condenando os seus gerentes solidariamente no respectivo pagamento, bem como na aplicação da sanção acessória de publicidade.
B)
A ora Recorrente suscitou, subsidiariamente, na petição de recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima, duas questões distintas uma tendo por base o erro sobre a ilicitude da infracção, erro este não censurável, nos termos de art.º 17.º do Código Penal e outra tendo por base o erro censurável, mas que, considerando as circunstâncias do caso, permite a atenuação especial da coima, sendo esta reduzida a metade nos seus limites mínimos e máximos.
C)
Sucede que, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido formulado pela Recorrente a título subsidiário, de atenuação especial da coima, fixando-se o seu valor no limite mínimo reduzido a metade, nos termos do disposto nos art.s 9º, nº 2, e 18º, nº 3, do RGCO.
D)
O art.º 379.º, do Código de Processo Penal, dispõe no seu n.º 1, al. c), que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
E)
A nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pela referida norma, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
F)
Tendo a Recorrente requerido expressamente que fosse aplicada a atenuação especial da coima pelo seu limite mínimo reduzido a metade, apesar da eventual censurabilidade do seu comportamento, por entender estarem verificados os seus pressupostos, e tendo o Tribunal a quo omitido pronúncia sobre esse pedido, estamos perante uma nulidade da sentença.
G)
Pois, ainda que se entenda que o erro em que caiu o comportamento da Recorrente merece censura, afigura-se que os factos em causa são, passiveis de especial redução da coima para metade do valor, nos termos dos artigos 9.º, nº 2, e 18.º, nº 3, do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, por verificação dos respectivos pressupostos e sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou.
H)
De facto, a infracção foi cometida a título de negligência e, portanto, com culpa reduzida;
I)
A Recorrente não tem registadas condenações, nem anteriores nem posteriores à contraordenação em causa, que já ocorreu há mais de 05 (cinco) anos, sendo, por isso, reduzidas as exigências de prevenção especial;
J)
Acresce que a Recorrente não retirou qualquer benefício económico com a prática da infracção.
K)
Estamos, assim, perante uma atuação da Recorrente nos quadros de erro, ainda que censurável, mas que, atendendo às circunstâncias descritas e às reduzidas exigências de prevenção é passível dessa redução expressamente prevista na lei.
L)
Ao não proceder à pretendida atenuação especial da coima, com redução dos limites mínimos e máximos da coima, o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da coima.
M)
Verificando-se a invocada nulidade de omissão de pronúncia e o consequente erro na determinação da coima, impõe-se que a mesma nulidade seja sanada.
N)
Face ao exposto, deve a invocada nulidade ser declarada e, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aplique a coima pelo valor mínimo legal reduzido a metade, por se reputar adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto.
O)
A Recorrente foi, ainda, condenada na sanção acessória de publicidade nos termos do disposto no art.º 562.º, n.º 1 do Código do Trabalho, mas, no entendimento da mesma, não o podia ter sido.
Vejamos,
P)
Dispõe o art.º 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho o seguinte: «No caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.»
Q)
Para que a Recorrente seja condenada na sanção acessória de publicidade, nos termos daquela disposição legal, têm que se encontrar preenchidos dois requisitos, o primeiro ter praticado uma contraordenação muito grave ou ser reincidente num contraordenação grave e o segundo tê-la praticada com dolo, ou negligência grosseira.
R)
No presente caso não se encontram preenchidos aqueles dois requisitos, pois, embora a contraordenação em causa seja qualificada como muito grave, contudo, a Recorrente não a praticou com dolo ou negligência grosseira.
S)
Na Sentença recorrida, apenas se refere que a Recorrente teve uma conduta de “omissão negligente”, que corresponde à negligência inconsciente que se observa quando o agente não previu, como podia e devia ter previsto, a realização do acontecimento, ou seja, não chegou sequer a representar a possibilidade da realização do facto.
T)
No caso há que ponderar ainda, como circunstância que beneficia a Recorrente, que a mesma não possui antecedentes contraordenacionais.
U)
Não se tratando de dolo ou negligência grosseira, como é o caso, não se encontram preenchidos os requisitos legais previstos no art.º 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho para ser aplicada à Recorrente a sanção acessória de publicidade.
W)
Nestes termos e nos demais de Direito deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso e em consequência disso, revogar a douta sentença recorrida, também na parte que aplicou à Recorrente a sanção acessória de publicidade».
Conclui, a final, a recorrente no sentido de dever «conceder-se provimento ao (…) recurso e, em consequência:
A) (…) ser declarada a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo por omissão de pronúncia;
B) [ser] a Douta Sentença (…) revogada e substituída por outra que aplique a coima pelo valor mínimo legal reduzido a metade, por se reputar adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto;
C) [ser] a Recorrente (…) absolvida da aplicação da sanção acessória de publicidade, por falta da verificação dos seus pressupostos legais».
6. O recurso foi admitido por despacho datado de 25 de Fevereiro de 2025.
7. O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando, a final, pela manutenção da sentença recorrida.
8. O recurso foi remetido a este Tribunal.
9. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer sufragando a posição assumida pelo Ministério Público na 1.ª instância.
10. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente nada veio alegar ou requerer.
11. Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II. Objecto do recurso
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que a recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação, onde sintetiza as razões da discordância do decidido e resume as razões do pedido – arts. 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto, sucessivamente, no art.º 60.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações Laborais (RGCOL), aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e nos arts. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), este com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Assim, presentes as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões a conhecer: (i) da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; (ii) da atenuação especial da medida da coima; (iii) da inexistência dos pressupostos que determinam a aplicação da sanção acessória de publicidade.
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III. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
1. Nas suas alegações de recurso, assim como nas respectivas conclusões, assinala a recorrente a nulidade da decisão proferida pelo tribunal a quo por, no seu ver, ser esta omissa quanto à por si suscitada atenuação especial da coima à luz do disposto nos arts. 9.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, do RGCO.
2. Estatui o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, que «[é] nula a sentença: (…) c) [q]uando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias sobre as quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa, referindo-se estas àquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à sua apreciação (art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e às que sejam de conhecimento oficioso, isto é e quanto a estas últimas, as questões que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, como tal, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir, mas já não os simples argumentos, opiniões ou motivos que a parte interessada se prevaleça em ordem a sustentar a sua defesa1.
De salientar, ainda, que o vício em presença não será convocável se o tribunal apenas tiver deixado de emitir pronúncia sobre determinada questão por virtude da solução jurídica que haja conferido a outra que a precedia, determinando, assim, que o seu conhecimento fique prejudicado.
3. No recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela ACT alegou a ora recorrente, no que ora releva, ter agido sem consciência da ilicitude do facto o que, no seu ver, demandaria a exclusão da culpa à luz do disposto no art.º 9.º, n.º 1, do RGCO, por o erro não lhe ser censurável.
Subsidiariamente alegou, caso se concluísse pela censurabilidade do erro, que, então, a coima deveria ser especialmente atenuada, uma vez que os factos foram praticados a título negligente e também porque da sua prática não retirou qualquer benefício económico.
A Mm.ª Juiz a quo, na decisão por si proferida, ponderou como segue:
«A Arguida vem alegar que não tinha consciência da ilicitude, por considerar que não era necessário emitir as declarações para os dias em falta, o que deverá excluir a sua culpa da conduta em causa, nos termos do artigo 17º do Código Penal.
Dispõe o artigo 17º, n.º 1 do Código Penal que:
“Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.”
A empresa em causa tem obrigações acrescidas de dar formação aos seus motoristas sobre a utilização de tacógrafos e das obrigações inerentes à utilização dos mesmos. A norma do artigo 36.º n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04 de Fevereiro é muito clara ao dispor que o motorista deve ter consigo qualquer registo manual dos 28 dias anteriores. Ou seja, sendo um tacógrafo digital, a informação deve estar no registo do cartão do tacógrafo ou, não constando deste, o motorista deve ter o registo manual. A falta de elementos que permitam verificar a actividade do motorista nos 28 dias anteriores constitui uma contraordenação.
Estando a Empresa obrigada a prestar formação aos seus motoristas, ainda que estivesse em erro sobre a ilicitude da sua conduta, o seu erro era-lhe censurável. No entanto o Tribunal não considera demonstrado o erro sobre a ilicitude alegado, termos em que tal situação não se verifica, não havendo qualquer causa de exclusão da culpa da Arguida, ou que motive a atenuação especial da coima que lhe é aplicável nos termos do n.º 2 do referido artigo 17º do Código Penal».
O excerto ora transcrito não consente que, neste conspecto, possa ser atendida a invocada nulidade da sentença, na dimensão que pela recorrente lhe é emprestada. Na verdade, a Mm.ª Juiz a quo dedicou expressa pronúncia quanto à questão do erro sobre a ilicitude do facto, afastando-a. Assim procedendo estava, logicamente, prejudicada a questão de saber se o alegado erro era ou não censurável e, sendo-o, se se podia ou não estar em presença de uma situação que justificasse a atenuação especial da coima. Como seguramente não desconhecerá a recorrente, a apreciação da censurabilidade ou não censurabilidade do erro só se justificaria se, a montante, a Mm.ª Juiz a quo tivesse concluído, face ao acervo dos factos dados como provados, que a recorrente havia agido em erro sobre a ilicitude dos factos. Não tendo assim concluído, naturalmente que não se lhe impunham quaisquer considerações sobre a censurabilidade ou não censurabilidade de um erro que, em rectas contas, considerava inexistente.
Sendo embora evidente que a Mm.ª Juiz a quo não dedicou expressa pronúncia quanto a factos que porventura pudessem conduzir à especial atenuação da coima, não menos evidente é que apenas assim procedeu por, antes, ter concluído pela inverificação dos pressupostos que legitimariam fosse convocável a aplicação do enunciado instituto. Assim, a ausência de pronúncia quanto aos pressupostos da atendibilidade do instituto da especial atenuação da coima, na medida em que deriva da solução jurídica conferida a questão que a precedia e que determina a sua prejudicialidade, não configura uma situação de omissão de pronúncia susceptível de conduzir à nulidade da sentença, daí que, neste conspecto, não mereça procedência o recurso.
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IV. Fundamentação de facto
1. Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1 - No dia 10 de Fevereiro de 2020, pelas 18h28, no Parque Norte, junto das Portagens da Ponte Vasco da Gama, a Guarda Nacional Republicana (GNR) realizou uma ação de fiscalização ao veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-ZX-.., propriedade da Arguida.
2 - Tal veículo era, naquela data, hora e local, conduzido pelo motorista CC, ao serviço da Arguida.
3 - O veículo pesado de mercadorias supra mencionado estava equipado com um aparelho de tacógrafo digital.
4 - No ato da fiscalização o Agente Autuante verificou que o referido condutor não se fazia acompanhar dos registos da sua atividade respeitantes aos 28 dias de trabalho, estando em falta os dias 25, 26 e 28 de janeiro de 2020 e os dias 02, 05, 06, 08, e 09 de fevereiro de 2020.
5 - O condutor não apresentou ao agente autuante, no momento da fiscalização, qualquer declaração de atividade ou qualquer outro documento que justificasse os dias em falta.
6 - A Arguida não organizou a atividade de transporte, que desenvolve, de forma a que a sua motorista tivesse consigo qualquer declaração/justificação, que comprovasse a ausência dos registos em falta.
7 - A Arguida ao proceder de acordo com o supra exposto ignorou a sua especial condição de empregadora que lhe impunha conduta diversa da conduta omissiva e negligente que adotou na organização e fiscalização do trabalho do motorista, pelo que a infração se mostra praticada.
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V. Fundamentação de Direito
1. A integração dos factos cuja prática é imputada à ora recorrente e a sua subsunção no tipo contraordenacional que resulta das disposições conjugadas dos arts. 36.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, e 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, não é já questão que integre o objecto do presente recurso.
O desacordo da recorrente cinge-se, agora, à que considera ser a justificada aplicação do instituto da atenuação especial da coima e, bem assim, a ausência dos pressupostos dos quais depende a aplicação da sanção acessória de publicidade.
2. O art.º 18.º, n.º 3, do RGCO, estatui que «[q]uando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade».
No regime geral das contraordenações surpreendemos várias normas em cuja previsão se contém a possibilidade de o julgador atenuar especialmente a punição pela contraordenação. É o caso dos arts. 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 3, e 16.º, n.º 3.
A aplicação subsidiária do Código Penal, prevista no art.º 32.º, do RGCO, remete-nos, contudo, para uma maior abrangência do instituto em causa, podendo a atenuação especial da coima justificar-se, para além das situações expressamente previstas na lei, «quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime2, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena» (art.º 72.º, n.º 1, do Código Penal).
2.1. A recorrente, no recurso que ora se aprecia, reedita a questão do erro sobre a ilicitude, embora não indique a que elemento típico do ilícito se refira, erro esse que, ainda que censurável, justificaria a atenuação especial da coima. Aduz, para o efeito, para além do exposto, que os factos lhe foram imputados a título negligente, serem reduzidas as exigências de prevenção especial e que dos factos não lhe adveio qualquer benefício económico.
A aplicação do preceituado no art.º 18.º, n.º 3, do RGCO, reclamava a prova de factos dos quais derivasse que a prática daqueles outros integradores do tipo contraordenacional decorria de erro da recorrente sobre os elementos do tipo. Ora, os factos provados, cuja sindicância está vedada a esta Relação por força do disposto no art.º 75.º, n.º 1, do RGCO, e 51.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, não denotam que a recorrente houvesse praticado os factos influenciada por erro sobre a ilicitude ou convicta que a sua prática não se subsumia a qualquer ilícito típico contraordenacional. Aliás, a recorrente, sendo sociedade que desenvolve a actividade de transporte e que, para o efeito, tem ao seu serviço motoristas que conduzem veículos pesados equipados com aparelhos de tacógrafo não pode escudar-se em erro sobre a ilicitude quanto a factos que, em bom rigor, são parte estruturante da sua actividade.
Não se extraindo, pois, dos factos provados que a recorrente haja agido em erro sobre a ilicitude, naturalmente que está vedada a atenuação especial da coima, tal como prevista no art.º 18.º, n.º 3, do RCGO.
Doutro passo, vistas as demais circunstâncias – alegadas – que, no ver da recorrente, legitimariam a atenuação especial da coima, há que reconhecer que, com excepção de os factos imputados o terem sido a título negligente – o que foi seguramente ponderado na aplicação da medida concreta da coima, atenta a sua evidente aproximação ao limite mínimo previsto –, nenhuma outra se surpreende no elenco dos factos provados, a saber, a desnecessidade de prevenção especial por não ter a recorrente praticado, antes do depois destes factos, outros integradores de ilícito contraordenacional e a ausência de benefício económico. Vale o exposto por dizer que não resultando provados factos de onde se extraia a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores à prática dos que são objecto do presente processo, ou contemporâneas deles, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa da recorrente ou a necessidade da pena, não há fundamento legal para a atenuação especial da coima.
Face ao exposto, improcede, também neste conspecto, o recurso.
3. Por fim, não se conforma a recorrente com a aplicação da sanção acessória de publicidade que lhe foi aplicada.
3.1. O art.º 562.º, n.º 1, dispõe que «[n]o caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade».
A aplicação da exposta sanção está, assim, dependente da verificação dos seguintes pressupostos: a de os factos integrarem a prática de ilícito contraordenacional muito grave, praticados com dolo ou negligência grosseira; ou, a arguida ser reincidente na prática de factos integradores de contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira.
No nosso ver, o segmento normativo que consta entre vírgulas quer referir-se a ambos os sujeitos anteriores, sendo que se apenas se referisse ao último – reincidência em contraordenação grave – não careceria de vírgulas.
Acresce que, ponderando a ratio da norma, é para nós claro que o legislador quis equiparar, em termos de desvalor da conduta, a do agente que comete factos integradores de ilícito muito grave e a do agente que reincide na prática de factos graves, sendo uns e outros legitimadores da aplicação da sanção acessória conquanto os factos hajam sido praticados com dolo ou negligência grosseira. Isto para dizer, finalizando, que a expressão «praticada com dolo ou negligência grosseira» não está reservada para a reincidência em contraordenação grave, antes sendo requisito de ambas as expressões que, em alternativa, constam do primeiro segmento da norma.
3.2. No caso que ora nos ocupa, os factos pelos quais a recorrente foi condenada integram a prática de ilícito contraordenacional muito grave, assim qualificado pelo art.º 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
Todavia, foi também entendido que os factos foram praticados a título negligente, não se evidenciando, nos que resultam provados, que a negligência possa reputar-se grosseira, caso contrário a coima concretamente aplicada não se situaria, como situou, tão próxima do limite mínimo legalmente previsto.
Se assim é, falha, então, um dos pressupostos dos quais depende a aplicação da dita sanção acessória, a saber, a prática dos factos a título doloso ou com negligência grosseira.
Nesta parte impõe-se, pois, conceder provimento ao recurso, donde a revogação da sentença na parte em que condenou a recorrente na sanção acessória de publicidade.
4. Atendendo a que só em parte mereceu provimento o recurso e que, no mais, ficou a recorrente vencida, fica também esta responsável pelas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – art.º 513.º, do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais.
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VI. Decisão
Em face do exposto:
i. Concede-se parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente na sanção acessória de publicidade;
ii. Nega-se, no mais, provimento ao recurso.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
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Lisboa, 18 de Junho de 2025
Susana Martins da Silveira
Paula Santos
Eugénia Maria Guerra
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1. Cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2011, proferido no Processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.  
2. No caso, com as devidas adaptações, à contra-ordenação.