SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO COLECTIVO
PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
Sumário

1-O disposto no nº 5 do art.º 34º do CPT não é aplicável à suspensão do despedimento colectivo.
2- No momento da instauração da presente providência a requerente ainda não tinha recebido a compensação legal pelo despedimento.
3-A requerente colocou a compensação legal à disposição da requerida quando foi notificada para se pronunciar quanto à matéria da excepção de aceitação do despedimento que, entretanto, fora arguida pela requerida em sede de oposição à providência.
4- À luz do Acórdão Uniformizador do STJ de 17.04.2024 dever-se-á considerar que a requerida procedeu à devolução atempada da referida compensação, pelo que se mostra ilidida a presunção de aceitação do despedimento.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
AA instaurou em 18.11.2024 providência cautelar de suspensão de despedimento colectivo contra “Apwpt Gestão, S.A.”, pedindo a suspensão do despedimento, com as legais consequências. Requereu ainda “a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”.
A empregadora apresentou oposição em 11.12.2024, arguindo por excepção a preterição da obrigatoriedade de constituição de Advogado e a aceitação do despedimento pela requerente. Apresentou ainda defesa por impugnação.
Em 12.12.2024 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Notifique a requerente para, até ao final do dia de hoje atenta a data designada para a audiência final, informar, se procedeu à devolução da compensação paga pela ré, até 18.11.2024.
Em caso afirmativo, deve juntar comprovativo.»
Em 12.12.2024 a requerente informou o seguinte:
«(…) A requerente não procedeu à restituição de qualquer quantia a título de compensação até 18/11/2024 uma vez que não haveria recebido qualquer montante a esse título, bem como ainda se encontrava em funções.
Tanto que apenas estaria prevista a sua saída para dia 28 de novembro, tendo sido notificada para entregar o material de trabalho (cf. Doc. 1).
Deverá ainda ser dada nota que, à data de 26 de novembro de 2024, dia em que a requerida fora citada no âmbito dos presentes autos, a empregadora (ora requerida) ainda não havia transferido quaisquer créditos laborais ou compensações, tendo efetuado uma transferência bancária, cuja receção apenas se verificou-se a 29/11/2024 (cf. Doc. 2).
Também a dia 29/11/2024, a requerida envia um certificado de trabalho e declaração de desemprego, mas sem remeter qualquer recibo de vencimento.
Ora se o pedido de suspensão do despedimento foi do conhecimento da requerida a 26/11/2024, é gritante o facto da mesma ter pago a compensação e procurar usar- se da presunção legal.
Ainda como agravante, a 26/11/2024, por notificação entre mandatários, foram solicitados pelo signatário os recibos de vencimento (no máximo de 48 horas – a fim de observar o último dia de trabalho), pois em outubro de 2024, a requerente nada recebeu a título de vencimento, tendo solicitado a retificação dos recibos pois os créditos laborais não estariam devidamente calculados. Assim seria imperativo perceber quais as contas que foram pagas e se tais valores incluíam (ou não) a compensação.
Mesmo após pleno conhecimento da requerida do pedido de suspensão do despedimento, a mesma não se absteve de pagar a compensação (cujo com os demais créditos e retificações), sem apresentar o respetivo recibo de vencimento (onde consta o que fora pago e a que titulo), numa tentativa de se aproveitar da presunção legal (que presume a requerente desde já ter sido feito com má-fé).
A 06/12/2024 voltou o mandatário da requerente a insistir no assunto, considerando a ausência de resposta (desde 26/11/2024) por parte da entidade patronal (e seus mandatários), uma vez que contestamos também o pagamento de eventual compensação (e respetivos montantes) e ainda decorria duvidas sobre os créditos pagos (face à inexistência de recibo de vencimento que permitisse aferir os montantes).
Apenas a 10 de dezembro de 2024, pelas 16h50, é que a mandatária da requerida juntou os recibos solicitados e teve a requerente conhecimento que haviam pago também a compensação (quando esta última já conhecia o processo) (Cf. Doc. 3)
Até à data a requerente desconhecia o valor da sua compensação e a que respeitava o crédito que havia sido transferido.
Neste sentido, no dia de ontem a requerente analisou os documentos enviados e, no presente dia, efetuou o deposito da compensação por meio de DUC considerando que desconhece o IBAN da requerida.
Junta-se DUC ... como depósito autónomo a fim de dispor o montante à requerida.»
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Em 18.12.2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Com a junção de procuração forense em favor do Senhor Dr. BB, com ratificação do processado, considero regularizado o processado.».
Na mesma data o Tribunal recorrido apreciou a a excepção peremptória da extinção do direito da requerente à impugnação do despedimento em virtude da aceitação desta e por força do recebimento da compensação, tendo-se em conta os seguintes factos:
1. Ré e autora subscreveram o escrito designado por “contrato de trabalho a termo certo”, junto a fls. 9 a 24 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo prazo de doze meses, com início em 19.02.2024 e cessando em 19.02.2025.
2. Por email de 17 de setembro de 2024, a requerida informou a requerente que, “No seguimento do processo de negociação, e não tendo alcançado um acordo, conforme informação que o Solicitador que a representa (Dr. CC) já lhe terá transmitido, pedimos-lhe que amanhã, quarta-feira dia 18, às 11h, compareça nas instalações da CCA (nossos advogados), para receber em mãos a comunicação inicial do processo formal de despedimento, e assinar a sua receção”.
3. Por escrito de 18 de setembro de 2024, junto aos autos com a oposição e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, remetido por correio postal e aviso de recepção, à requerente a ré comunicou que “decidiu iniciar um procedimento de despedimento coletivo com base nos motivos de mercado e estruturais infra vertidos, com a consequente cessação de contratos de trabalho. (…).”
4. No mesmo dia a requerida enviou email à DGERT, a comunicar o início do procedimento de despedimento colectivo.
5. A requerente recebeu a comunicação inicial em 25 de setembro de 2024.
6. No seguimento da comunicação inicial de intenção de despedimento, as trabalhadoras abrangidas constituíram comissão representativa ad hoc.
7. Após a fase de informações e negociações, por escrito de 4 de novembro de 2024, a requerida remeteu à requerente por carta registada a decisão final do despedimento colectivo, junta aos autos e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. A carta foi recepcionada pela requerente em 14 de novembro de 2024.
9. Em 28 de novembro de 2024, sendo a data de cessação do contrato em 29 de novembro de 2024, a requerida procedeu à transferência bancária da compensação legal e outros créditos, recepcionada pela requerente em 29.11.2024.
10. No dia 12.12.2024, após notificação do Tribunal para informar se tinha devolvido a compensação, requerente procedeu ao depósito do valor de 905,44€ recebido a esse título à ordem dos presentes autos.
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Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
«Julgo procedente a excepção peremptória da extinção do direito da requerente à impugnação/suspensão do despedimento em virtude da aceitação deste por força do recebimento da compensação e, em consequência, julgo extinto o direito de suspensão/impugnação do despedimento que esta pretendia fazer valer neste procedimento cautelar e absolvo a requerida.
Custas a cargo do autor (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Fixo o valor do procedimento cautelar em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).»
A requerente recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
1-O Tribunal a quo desconsiderou provas e factos essenciais que devia ter considerado para a edificação da sua decisão final.
2-Não considerou – e devia ter considerado - que pelo facto da recorrida não ter previamente discriminado a natureza e valor de cada item que integrou no montante global que fez transferir, sem prévio aviso, para a recorrente, impediu esta de detectar a exacta verba a devolver a ela.
3-Também não considerou – e devia ter considerado – o atraso que a própria requerida provocou na detecção/identificação da exacta verba correspondente à compensação, pelo retardamento do envio do recibo legal devido.
4-Por isso não considerou – e devia ter considerado – a culpa da recorrida no ocorrido, e concomitantemente, no justo impedimento que a recorrente sofreu involuntariamente e sem culpa sua, para poder cumprir o ónus de devolução em menor tempo do que aquele verificado.
5-E com estas omissões, o Tribunal a quo, decidindo como decidiu, acabou na verdade por beneficiar a infractora recorrida, a qual mercê das suas faltas e comportamentos contrários à Lei, e manobras dilatórias, e estratégia obscura, acaba por se ver recompensada com uma decisão de todo injusta.
6-Determinando a Lei, para a ilisão da presunção, a devolução da totalidade da verba paga a título de compensação, e não se encontrando esta evidenciada, concretizada e/ou separada, mas sim misturada numa quantia global transferida sem aviso explicativo ou recibo prévio – o que até impedia a certeza do seu real recebimento -, para acatar a interpretação do Tribunal a quo do conceito de curto prazo, e para não correr o risco de apenas – e já que pelo menos 3 valores, da autoria da requerida, já constavam dos autos (873,,22€, 902,20€ e 905,44€) – o pagamento insuficiente equivaleria ao mesmo incumprimento - só a devolução da totalidade das verbas recebidas poderia satisfazer o normativo (ainda que do mesmo passo provocasse a destruição da vida da requerente, que deixaria de pagar as suas rendas e contas, e não poderia comer, nem dar de comer à sua Família).
7-Não colhe como fundamentação justa nem correcta que a Recorrente tinha recebido antes da providência, uma carta com o valor da compensação, pois os autos, para além daquele da carta, já comportavam outros 2, posteriores, e acima aludidos, e até ainda podia ser um 4º valor, ficando a recorrente na incerteza quanto à quantia certa.
8-A verdade é que o valor recebido de 5.219,02 até podia nem conter o da compensação (905,44€), tal era a dívida da recorrida para a recorrente – cuja, ainda hoje, 2025, não está ainda nem resolvida nem solvida.
9-Pelo que o Tribunal a quo, se desconhecedor dessas negociações e pagamentos em falta (veja-se o elenco de créditos constantes do recibo), jamais devia ter afirmado que o valor era sabido, e partir do pressuposto que este tinha incluído o montante transferido, outrossim, convidava as partes para o devido esclarecimento.
10-É a própria recorrida que, de um modo ou outro, traz aos autos essas variações dos valores da compensação, a fls., que o Tribunal a quo não atendeu, sendo que a dúvida do valor exacto persistiu na mente da recorrente até ao dia em que viu o mesmo fixado e discriminado no recibo das contas finais, tardiamente enviado a 10.12.24, (e só ao mandatário, note-se)
11-Obviamente que falhou ao Tribunal a quo, perante o circunstancialismo específico do caso, a devida apreciação do prazo despendido pela requente para a devolução da verba, ponderado que devia ter sido por critérios de, e com base em data segura do conhecimento do seu pagamento, e pelo concreto valor efectivo.
12-Sendo ainda que, do mesmo passo, e sem conceder quanto aos motivos do impedimento da recorrente, o Tribunal a quo foi incapaz de qualificar como irrazoável ou excessivo, o prazo de apenas cerca de 14 dias, (forçadamente) usado pela aqui recorrente – sendo que na verdade foi de +/- 48h depois de confirmar-se o recebimento, e o valor concreto da compensação, até constituir depósito.
13-O Tribunal a quo, simplesmente desconsiderou para a formação da sua convicção e decisão, todo o circunstancialismo fáctico relativo às dificuldades criadas à recorrente, e alheias a esta, para que esta pudesse devolver a totalidade exacta da verba, como ignorou a conduta tipicamente pró-activa, diligente, igual à de um cidadão médio, bom pai de família, colocado perante os mesmos problemas, que esta teve, para colocar a verba à disposição da requerida, e ao menos a esta luz, devia de o ter considerado e valorado, em favor da requerente
14-Também falha, e muito o Tribunal a quo, quando afirma que o IBAN do ordenador da transferência consta da respectiva ordem dada ao Banco. Nada menos verdadeiro, como hoje quase toda a gente bem sabe. Aliás, foi atempadamente junto ao processo o documento da transferência, que o Tribunal a quo também não atendeu ou valorou, pelo qual se vê que não contém IBAN da recorrida.
15-E face ao que lhe é carreado pela requerente, ao invés de pedir mais esclarecimentos e aprofundar a questão, e até facultar o contraditório, resolveu prolatar decisão, que acaba por ser precipitada, mal decidida, logo injusta.
16-Ao contrário, o Tribunal a quo, na decisão sob recurso, sem a mínima prova de suporte, e a despeito das explicações justificativas que lhe foram imediatamente comunicadas pela recorrente, sobre o seu impedimento, permitiu-se discorrer e a tirar ilações críticas da conduta da recorrente, mormente quando diz “Por outro lado, certo é que recebido o recibo no dia 10 de Dezembro ainda assim a requerente não devolveu a compensação nessa data, não colhendo a justificação, como acima referido, do desconhecimento do IBAN da requerida. Por outro lado, admitindo este argumento, não fez a requerente qualquer diligência (por ex. o envio de um email) junto da requerida para saber esse mesmo IBAN. «Estamos por isso certos, que não fosse a requerente interpelada pelo Tribunal para se pronunciar sobre esta concreta questão e, muito provavelmente não teria feito a devolução. É o encadeamento dos factos ocorridos que nos conduz a esta conclusão.”,.», as quais, crê-se, violam patentemente as regras do conhecimento que um Juiz deve ter do comportamento quotidiano de um bom pai de família, cidadão mediano colocado perante os problemas criados pela falta de identificação de um valor exacto transferido a título de compensação e da falta de um IBAN para retorno da verba não aceite, e como tal, resultou que tais ilações e críticas resultam senão abusivas, pelo menos injustas e injustificáveis.
17-Por tudo o exposto, propende-se que existiu, para além de excesso de pronúncia em certas matérias, em que sem prova alguma que o habilitasse, o Tribunal deu como verificados alguns factos, há seguramente erro in judicando ou erro de julgamento, que é um vício substancial que afectou o conteúdo da decisão, que urge corrigir.
18-O Tribunal a quo desconsiderou e/ou julgou mal e/ou interpretou mal os factos que lhe foram submetidos a apreciação, mormente nos requerimentos e articulados da recorrente e até da requerida, e violou as regras do conhecimento que um Juiz deve ter do comportamento do cidadão médio, confrontado com estes circunstancialismos, levando-o a uma decisão absolutamente injusta,
19-Existiu por isso erro de julgamento.Nestes termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas ditarão, deve ser concedido provimento à presente Apelação, por provada, e, em consequência, deve revogar-se a Sentença recorrida, substituindo-a por outra, sem os assinalados vícios que deram errado provimento à excepção invocada, que portanto deve ser declarada improcedente, tudo de modo a permitir-se apurar a bondade do pedido inicial da recorrente.
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A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. A Recorrida apenas foi notificada das Alegações de Recurso da Recorrente em 27 de janeiro de 2025, conforme alegado pelo Mandatário daquela, no Requerimento com a Ref. Citius 51172924, pelo que as presentes contra-alegações, apresentadas em 11 de fevereiro de 2025, são tempestivas, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 80.º conjugado com o n.º 3 do artigo 81.º, ambos do Código de Processo do Trabalho (“CPT”).
2. As Alegações de Recurso da Recorrente não colocam em causa nenhum dos 10 pontos de facto dados como provados na Sentença do douto Tribunal a quo, nem cumprem o ónus previsto nos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil (“CPC”), carreando outrossim novos (incorretos) factos para os autos, que não podem ser alvo de apreciação em sede de recurso, não podendo o Tribunal ad quem deles conhecer, o que desde já se requer.
3. Acresce que, a Recorrente alega que a Recorrida agiu de má-fé, adotando comportamentos contrários à Lei, manobras dilatórias e estratégia obscura, nomeadamente por, mesmo após ter sido citada/notificada do procedimento cautelar, ter feito a transferência de montantes para a Recorrente, e por a Mandatária da Recorrida ter demorado a facultar o recibo de vencimento final ao Mandatário da Recorrente.
4. Em primeiro lugar, ao transferir a compensação para a Recorrente até ao fim do aviso prévio, ocorrido em 29 de novembro de 2024 (cfr. ponto de facto 9 dado como provado na Sentença do Tribunal a quo e não colocado em causa pela Recorrente), a Recorrida cingiu-se a cumprir o disposto na lei (cfr. n.º 5 do artigo 363.º do Código do Trabalho (“CT”)).
5. Em segundo lugar, e quanto ao recibo final, omite a Recorrente que, contrariamente à conduta por si adotada nos meses anteriores (cfr. DOC. A), em que também não se encontrava presencialmente nas instalações da Recorrida, e já se encontrava em curso o despedimento coletivo, a Recorrente não solicitou tal recibo diretamente à Recorrida, tendo optado por solicitar (novamente) os recibos à Mandatária da Recorrida.
6. A demora na partilha do recibo pela Mandatária da Recorrida, que ocorreu por motivos profissionais (conforme decorre da citação da correspondência efetuada pelos Mandatários da Recorrente em clara violação do dever de sigilo profissional), não pode consubstanciar má-fé por parte da Recorrida, uma vez que a Recorrente poderia sempre solicitar-lhe informação/documentação diretamente, conforme vinha fazendo até então.
7. A invocada má-fé, comportamentos contrários à Lei, manobras dilatórias e estratégia obscura estarão, assim, do lado da Recorrente, e não da Recorrida, isto porque a Recorrente nunca pôs em causa (diretamente ou através dos seus Mandatários) o montante da compensação, nem solicitou qualquer informação para eventual reembolso/colocação à disposição da mesma junto da Recorrida – nem extrajudicialmente, nem no seu Requerimento Inicial –, tendo outrossim alegado factos que não correspondem à realidade.
8. Nas suas Alegações e Conclusões, a Recorrente invoca, em suma, que: (i) a Recorrida transferiu um montante global de € 5.219,02 sem aviso prévio; (ii) não discriminou previamente a natureza e valor de cada item que integrou no montante global que fez transferir; (iii) tal montante poderia não conter o montante da compensação, por haver dívidas da Recorrida; e (iv) a Recorrida provocou um atraso na deteção/identificação da exata verba correspondente à compensação, pelo retardamento do envio do recibo de vencimento.
9. Nenhum dos argumentos da Recorrente tem, no entanto, suporte na realidade, pelos motivos seguintes: (i) desde pelo menos 18 de novembro de 2024 (data da propositura do procedimento cautelar) que a Recorrente tinha conhecimento da Decisão Final de despedimento, datada de 4 de novembro de 2024, e junta como DOC. 20 com a Oposição, na qual foram indicados, de forma expressa e discriminada, os montantes que seriam pagos a título de compensação e créditos laborais, tendo-se aí referido que tais montantes seriam pagos por transferência bancária até à Data da Cessação, que se previa ocorrer a 19 de novembro de 2024; (ii) com os atrasos provocados pela Recorrente na notificação da Decisão Final, a Recorrida foi forçada a atualizar a Data da Cessação, bem como os montantes dos créditos, conforme consta da comunicação recebida pela Recorrente em 14 de novembro de 2024 (cfr. DOC. 27 junto com a Oposição e pontos de facto 7 e 8 dados como provados na Sentença do Tribunal a quo e não colocados em causa pela Recorrente); (iii) a Recorrente nunca alegou dívidas da Recorrida, pelo que as mesmas, ainda que inexistentes, não poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso; e (iv) a (não) entrega imediata do recibo de vencimento não determina a (i)licitude do despedimento.
10. Aliás, considerando-se a Recorrente oficialmente notificada da Decisão Final de despedimento em 14 de novembro de 2024 (cfr. ponto de facto 8 dado como provado na Sentença do Tribunal a quo e não colocado em causa pela Recorrente), a Data da Cessação só poderia ocorrer 15 dias depois (cfr. ponto de facto 1 dado como provado na Sentença do Tribunal a quo e não colocado em causa pela Recorrente, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 363.º do CT), o que se verificou em 29 de novembro de 2024.
11. A transferência bancária efetuada pela Recorrida em 28 de novembro de 2024 e recebida pela Recorrente em 29 de novembro de 2024 (cfr. ponto de facto 9 dado como provado na Sentença do Tribunal a quo e não colocado em causa pela Recorrente) foi tempestiva, sabendo a Recorrente o montante da compensação que lhe fora pago, nos termos do DOC. 20 e do DOC. 27 juntos com a Oposição, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pelo que a realidade é que, caso a Data da Cessação não tivesse sido atualizada, assim como o montante da compensação pago pela Recorrida, a Recorrente estaria a alegar no seu Recurso que a Recorrida não procedeu ao pagamento integral da compensação (o que não corresponde à realidade), uma vez que, para a Recorrente, a Recorrida sempre agiria mal, fosse de que forma fosse.
12. Conforme referido na Oposição com a Ref.ª Citius 50752985, em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a uma compensação, prevista e calculada nos termos do artigo 366.º do CT, e o recebimento da compensação pelo trabalhador faz operar a presunção legal de aceitação do despedimento (cfr. n.º 4 do artigo 366.º do CT), só podendo a mesma ser ilidida através do procedimento previsto no n.º 5 do mesmo preceito legal, que dispõe: “A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em
simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último”.
13. O recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de abril de 2024, relatado pelo Juiz Conselheiro JÚLIO GOMES, no âmbito do processo n.º 474/21.6T8MTS.P1.S1, determinou o seguinte:
“Para que possa ser ilidida a presunção de aceitação do despedimento constante do n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, com as alterações que, entretanto, lhe foram introduzidas) a totalidade da compensação recebida pelo trabalhador deverá ser devolvida por este até à instauração do respetivo procedimento cautelar ou ação de impugnação do despedimento, sendo esse o significado da expressão “em simultâneo” constante do n.º 5 do mencionado artigo 366.º”
14. No caso sub judice, a Recorrente optou por apresentar um procedimento cautelar de suspensão preventiva do despedimento, e não devolveu a compensação paga pela Recorrida até ser interpelada pelo Tribunal para o efeito.
15. Mas mesmo considerando que a Recorrente só recebeu a compensação aquando da data final do prazo de aviso prévio, ou seja, posteriormente à propositura do procedimento cautelar, o douto Tribunal ad quem já determinou o seguinte noutro aresto:
“(…) II. A lei não faz derivar da propositura do procedimento cautelar de suspensão do despedimento e da ação de impugnação que se lhe associa o efeito de ilisão da presunção de aceitação do despedimento nos casos em que, aquando daquela propositura, o trabalhador não haja ainda recebido do empregador a compensação pelo despedimento por os efeitos deste último terem sido diferidos, por força do aviso prévio, para momento ulterior.
III. Naqueles casos, a impossibilidade inicial de devolução da compensação não tem a virtualidade de se estender para toda e qualquer fase do processo, daí que o trabalhador tenha que a devolver ou colocar à disposição do empregador logo que a receba.”
16. De tudo o exposto resulta claro que a Recorrente recebeu o montante da compensação tempestivamente em 29 de novembro de 2024, e não procedeu à sua devolução/colocação à disposição de imediato, tendo alegadamente efetuado o depósito após 13 (treze) dias da receção da compensação, e somente no seguimento de notificação do Tribunal a quo para se pronunciar sobre a exceção de aceitação do despedimento invocada pela Recorrida.
17. É, assim, por demais evidente que a Recorrente não afastou a presunção de aceitação do despedimento prevista no n.º 4 do artigo 366.º do CT, pelo que o seu direito de
suspensão/impugnação do despedimento foram extintos.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso.
A recorrida respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.
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II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se procede a excepção peremptória de aceitação do despedimento.
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III- Apreciação
Antes da apreciação da questão acima indicada, cumpre referir que a recorrida juntou com as alegações cópias de e-mails datados de Julho, Outubro e Novembro de 2024.
Estatui o art.º 651º, nº1, do CPC que «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento na 1ª instância».
A situação em apreço não se enquadra em quaisquer das hipóteses previstas no citado preceito legal.
Importa, por isso, proceder ao desentranhamento dos documentos de fls. 357 e 358 e à sua oportuna entrega ao apresentante.
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Vejamos, agora, se procede a excepção peremptória de aceitação do despedimento.
Refere a sentença recorrida:
«A entidade empregadora alega que a autora aceitou o despedimento porque recebeu a compensação devida pela cessação do contrato por extinção do posto de trabalho.
Dispõe o artigo 366º, n.º 4 e 5 do Código do Trabalho, “4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.
5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último”.
A natureza juris tantum da presunção prevista no acima transcrito n.º 4 do artigo 366º do Código do Trabalho não suscita dúvidas e, por tal motivo, o facto legalmente - a aceitação do despedimento - pode ser ilidido nos termos previstos no n.º 5 do mesmo artigo 366º do Código do Trabalho.
De acordo com o disposto no artigo 344º, n.º 1, do Código Civil, as regras gerais relativas ao ónus da prova invertem-se, face à existência de uma presunção, pelo que tem a seu favor a presunção escusa de provar o facto que dela deriva, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 350º do mesmo código.
No caso, em face da factualidade provada, verifica-se que em 28.11.2024 a requerida pagou à requerente a compensação, o que configura a presunção prevista no n.º 4 do artigo 366º do Código de Trabalho.
Subscrevemos aqui, para boa decisão deste caso, os ensinamentos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, domiciliado em www.dgsi.pt que passamos, na parte que releva, a transcrever:
“Podemos, pois, concluir que, não aceitando o despedimento e querendo impugná-lo, o trabalhador deverá recusar o recebimento da compensação ou proceder à devolução da compensação imediatamente após o recebimento ou em prazo curto, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art.º 366º, do Código de Trabalho de 2009.
Não lhe bastará, portanto, que declare perante a entidade patronal não aceitar o despedimento nem a compensação, impondo-se que assuma um comportamento consentâneo com aquele propósito, nomeadamente diligenciando pela devolução da compensação paga pela entidade empregadora, logo que a receba, caso o pagamento lhe seja oferecido directamente, em numerário ou cheque, ou, pelo menos, logo que tome conhecimento de que o valor da compensação lhe foi creditado na respectiva conta bancária, caso o pagamento se realize mediante conta bancária.
Trata-se, no fundo, de uma exigência decorrente do princípio geral da boa-fé que deve reger as relações entre empregador e trabalhador no contexto da relação laboral e que se mostre legalmente consagrado no art.º 126º, n.º 1, do Código do Trabalho, constituindo um dever recíproco, a cargo de ambas as partes”.
Ora no caso, é inequívoco que a requerente não procedeu à devolução da compensação até ser notificada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a excepção da aceitação da compensação. Não colhem os argumentos da requerente, primeiro o desconhecimento do Iban da conta da requerida uma vez que esta lhe fez uma transferência bancária sendo por isso saber desse mesmo iban e, em segundo, o facto de não lhe ter sido enviado o recibo, uma vez que o valor da compensação constava da decisão comunicada à requerente e a transferência ascendia ao montante global de 5.219,02€. Por outro lado, certo é que recebido o recibo no dia 10 de dezembro ainda assim a requerente não devolveu a compensação nessa data, não colhendo a justificação, como acima referido, do desconhecimento do Iban da requerida. Por outro lado, admitindo este argumento, não fez a requerente qualquer diligência (por ex. o envio de um email) junto da requerida para saber esse mesmo Iban. Estamos por isso certos, que não fosse a requerente interpelada pelo Tribunal para se pronunciar sobre esta concreta questão e, muito provavelmente não teria feito a devolução. É o encadeamento dos factos ocorridos que nos conduz a esta conclusão.
Por outro lado, podemos argumentar que tendo o procedimento cautelar sido proposto antes da decisão produzir efeitos, ilide a requerente a presunção de aceitação do despedimento. Não cremos. Com efeito, a requerente propôs este procedimento cautelar em 19.11.2024, data em que ainda não era devido o pagamento da compensação, sendo que aceitando o pagamento da compensação quando esta é paga, dá sim um sinal contrário ao primeiro sendo por isso lícito pensar que decidira com este pagamento aceitar o despedimento.
Pelo exposto, entende-se que no caso concreto, a requerente não ilidiu a presunção prevista no artigo 366º, n.º 4, do Código de Trabalho, do que decorre a procedência da excepção peremptória da extinção do seu direito à impugnação/suspensão do despedimento, que dá lugar à absolvição do pedido (artigo 576º, n.º 3 do Código processo Civil).»
Verificamos que no requerimento inicial a requerente, além da suspensão do despedimento, requereu ainda “a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”.
No âmbito do proc. nº 9173/19.8T8LSBL1 (no qual interveio na qualidade de relatora a ora relatora) foi proferido Acórdão em 25 de Setembro de 2019, onde se referiu:
«No caso concreto, o requerente invoca um despedimento verbal, pelo que não poderia instaurar acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (vide art.º 98º-C do CPT).
Perante a impossibilidade de cumprimento do disposto no nº 4 do art.º 34º do CPT, a questão que se coloca é se pode ser requerida a suspensão do despedimento.
Entendemos que a resposta deverá ser afirmativa, pelas razões que passaremos a indicar.
Importa distinguir as situações em que o despedimento foi comunicado por escrito das situações em que não foi efectuada a referida comunicação.
Só nas primeiras faz sentido a aplicação da norma ínsita no nº 4 do art.º 34º do CPT.
O que não significa que esteja vedada a instauração de procedimento cautelar de suspensão do despedimento nas demais situações.
Conforme refere António Santos Abrantes Geraldes in “Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho”, págs. 13 e 14, o regime do Decreto- Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro estabeleceu a « distinção, ao nível do conteúdo do requerimento inicial, dos casos em que a suspensão se reporta a despedimento individual comunicado por escrito ( cuja impugnação siga a forma de processo especial dos arts.98º-B e segs. do CPT) em relação aos demais casos de despedimento individual não comunicado por escrito ou de despedimento colectivo».
E mais adiante refere o mesmo autor (op.cit, pág. 39): «(…) a formulação do pedido de impugnação constitui um requisito formal e específico do procedimento cautelar que seja instrumental em relação à acção com processo especial dos arts. 98º-B e segs».
Concluímos, assim, que não cumpre aplicar ao caso concreto o disposto no nº 4 do art.º 34º do CPT, pelo que procede a apelação.»
Ora, na situação em análise, a menção do disposto no nº 4 do art.º 34º do CPT, dever-se-á considerar com referência ao actual nº 5 do referido preceito legal.
Nos presentes autos não está em causa um despedimento individual, mas sim um despedimento colectivo. A acção principal segue a forma especial prevista no art.º 156º e seguintes do CPT.
Do exposto resulta que a acção principal não se considera instaurada com a presente providência (ao contrário da situação analisada no citado Acórdão desta Relação de 20.11.2024, relatora Desembargadora Susana Silveira- www.dgsi.pt ).
Verificamos ainda que, à data da instauração da presente providência, não tinha sido paga a compensação legal.
Deveremos, por isso, atender ao Acórdão Uniformizador do STJ nº 7/2024, de 17.04.2024 (publicado no Diário da República em 21.06.2024) onde se firmou a seguinte jurisprudência:
« Para que possa ser ilidida a presunção de aceitação do despedimento constante do n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, com as alterações que, entretanto, lhe foram introduzidas) a totalidade da compensação recebida pelo trabalhador deverá ser devolvida por este até à instauração do respetivo procedimento cautelar ou ação de impugnação do despedimento, sendo esse o significado da expressão “em simultâneo” constante do n.º 5 do mencionado artigo 366.º»
Refere o citado Acórdão do STJ : «(…) Em suma, e como se destaca no Acórdão deste Tribunal proferido a 12/10/2022, no processo n.º 1333/20.5T8LRA.C1.S1, “a expressão “em simultâneo” significa que o fim prosseguido pelo legislador ao elaborar a norma - a “ratio legis” -, se concretiza na prática simultânea de dois atos: a devolução da totalidade da compensação e outro ato associado, e não no imediatismo dessa devolução »( sublinhado nosso).
No caso em apreço, à data da instauração da providência, ainda não tinha sido paga, conforme referimos, a compensação, pelo que a ora recorrente não poderia proceder à sua devolução.
À luz do citado Acórdão Uniformizador, beneficia, assim, a recorrente do prazo mais dilatado ( o da instauração da acção principal) para proceder à devolução da compensação.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, importa considerar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2022- www.dgsi.pt onde se refere : « (…) atentos os elementos (i)textual da lei - “a letra da lei” -; (ii)teleológico – “a ratio legis” - e (iii)sistemático - “a unidade do sistema jurídico” -, a devolução da totalidade da compensação conjuntamente com o procedimento de suspensão de despedimento ou a declaração de oposição ao despedimento por extinção do posto de trabalho, respeitando os respectivos prazos processuais, consubstancia a ilisão da presunção, nos termos previstos no artigo 366.º, n.º 5 do CT.»
In casu, a requerente, no prazo processual concedido para se pronunciar quanto à matéria da excepção peremptória de aceitação, comprovou, conforme acima referimos, o depósito da compensação, com vista à sua entrega à requerida.
Assim e atento o Acórdão Uniformizador do STJ de 17.04.2024, consideramos que foi ilidida a presunção de aceitação do despedimento, pelo que improcede a excepção peremptória em apreciação.
Procede, desta forma, o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
- Determinar o desentranhamento dos documentos de fls. 357 e 358 e a sua oportuna entrega ao apresentante;
- Fixar em 1 UC a taxa de justiça a cargo da recorrida pelo incidente de desentranhamento;
- Julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida;
- Julgar improcedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento pela requerente e determinar a tramitação do presente procedimento cautelar.
Custas do recurso pela recorrida.
Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Junho de 2025
Francisca Mendes
Sérgio Almeida
Paula Pott