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RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
Sumário
1 – O assistente não tem legitimidade para recorrer desacompanhado do MP relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir. 2 – O assistente tem também um interesse próprio e concreto na resposta punitiva, podendo impugnar qualquer decisão judicial recorrível que afecte os seus direitos ou interesses legítimos. 3 – A solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade do assistente para a interposição de recurso, ou seja, o seu interesse em agir, deverá ser encontrado caso a caso, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal tem procedido a um alargamento da possibilidade de interposição de recurso por parte do assistente e até sobre os seus poderes. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 105/22.7GACTX-B.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Genérica do Cartaxo – J1 * I – Relatório:
(…) veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
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O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 143.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, determinando-se que a pena de prisão fosse executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com autorização de saída do arguido para prestação de actividade profissional.
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A assistente interpôs recurso da decisão do Tribunal de 1ª instância por não concordar com o cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
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O arguido interpôs igualmente recurso.
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O Ministério Público não interpôs recurso.
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O recurso interposto pela assistente não foi admitido com a seguinte fundamentação:
«Compulsado o requerimento de interposição de recurso em referência, verifica-se que a assistente se limita a discutir o cumprimento da prisão aplicada em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, peticionando o cumprimento da prisão em estabelecimento prisional pelo arguido. Apreciando. Dispõe o artigo 69.º do CPP, que «1. Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as exceções da lei. 2. Compete em especial aos assistentes: (. . .) c) Interpor recurso das decisões que os afetem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça». Por sua vez o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP, estabelece que «Têm legitimidade para recorrer: (...) b) O arguido e o assistente, das decisões contra eles proferidas.». E o n.º 2 preceitua que «Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir». Por seu turno, o Assento n.º 8/99 (publicado no DR n.º 185, Iª série, de 10.08.1989), fixou jurisprudência no sentido de que o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir. Subjacente a esta tese, está, como se refere no Acórdão do STJ de 27.05.2015, proferido no âmbito do Proc. 118/08.1GBAND.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt «a rejeição de alguma forma de instrumentalização do processo penal em função da vindicta privada. A espécie e medida da pena correspondem ao exercício do ius puniendi, ao núcleo punitivo próprio do Estado, cuja defesa cabe ao Ministério Público, e não aos particulares. Não pode dizer-se que o assistente seja, de algum modo, afetado, e salvas as situações em que demonstre um concreto interesse em agir, pelas opções do tribunal quanto à espécie e medida da pena». Não tendo a assistente manifestado um concreto interesse em agir, direto, próprio e diverso da mera pretensão, manifestando concordância com a espécie e medida da pena aplicada, falece-lhe legitimidade para recorrer do regime de cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido. Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 401.º, n.º 1, alínea b) e 2 e 414.º, n.º 2, do CPP, rejeita-se o recurso interposto pela assistente, porquanto não tem a mesma legitimidade para tanto».
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Foi apresentada reclamação contra a não admissão do recurso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
* II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
* III – Enquadramento jurídico:
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[1] do Código de Processo Penal.
Na articulação entre os artigos 69.º[2] e 401.º[3] do Código de Processo Penal, resulta que, em matéria de recurso penal, a lei não reconhece legitimidade ao ofendido ou ao queixoso para apresentar recurso, mas apenas àquele que se tiver constituído assistente – o que é o caso.
Aquilo que se pergunta é se, na realidade, a recorrente tem interesse em agir e pode impugnar por via recursal a medida da pena aplicada – por pretender a aplicação de uma sanção efectiva de privação da liberdade –, quando o Ministério Público concordou com a dosimetria da punição?
Quanto a este assunto importa atentar na jurisprudência contida no assento n.º 8/99 (actualmente denominado acórdão de uniformização de jurisprudência), que estabeleceu que: «o assistente não tem legitimidade para recorrer desacompanhado do MP relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir»[4].
Posteriormente, em 2011, no âmbito do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2011, o Supremo Tribunal de Justiça editou jurisprudência que impôs a interpretação que «em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público»[5].
E, mais recentemente, em 2020, por intermédio do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 2/2020, foi consagrada a tese que «o assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada»[6].
Apenas com base na jurisprudência uniformizada nota-se uma expansão no sentido de ampliar a intervenção efectiva do assistente na conformação e desenvolvimento do processo penal, valorizando positivamente as soluções legislativas vertidas nos artigos 69.º, n.º 2, alínea c)[7], 401.º, n.º 1, alínea b)[8], 437.º n.º 5[9] e 450.º, n.º 1, alínea b)[10], todos do Código de Processo Penal.
Desta constelação normativa resulta, desde logo, uma dupla realidade que o assistente pode acompanhar o recurso do Ministério Público, desde que não seja em favor do arguido e, de igual modo, se admite que quando o Ministério Público não recorre, o assistente possa impugnar qualquer decisão judicial que afecte os seus direitos ou interesses legítimos, contanto seja recorrível.
Para além dos sobreditos arestos, no domínio dos recursos ordinários, o Supremo Tribunal de Justiça impôs uma visão mais alargada de poderes do assistente e da noção do interesse em agir, designadamente em acórdãos datados de 22/01/2015[11], de 27/05/2015[12], de 25/11/2015[13], de 25/10/2018[14] e 03/02/2021[15]. No mesmo sentido, neste Tribunal da Relação de Évora, podemos encontrar a decisão datada de 28/03/2023[16].
Nestas decisões foram considerados relevantes factores como o comportamento processual do assistente no decurso do processo e a relevância do bem jurídico violado na óptica do ofendido e da própria comunidade.
Esta jurisprudência destacou-se da linha que sublinhava que, por regra, o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada.
Na doutrina, Damião da Cunha defendeu que «o assistente pode interpor recurso restrito à questão da medida da pena, quando durante a audiência de julgamento ele tenha formulado um qualquer pretensão sobre tal matéria que não tenha merecido acolhimento na decisão final»[17].
Cláudia Cruz Santos sustentou que «ainda que as finalidades da punição que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, (…) não pode escamotear-se que o assistente tem também um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é justaposto ao interesse comunitário na realização da justiça. Nessa justaposição (…) é que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal»[18].
Efectivamente, tal como assinalou Paulo Pinto de Albuquerque, o recurso do assistente sobre a determinação da espécie e das sanções criminais não é uma vindicta privada, mas antes uma actividade verdadeiramente conformadora do direito. Prosseguindo, manifesta posição no sentido que é o próprio direito constitucional de protecção contra a vitimização primária, repetida e secundária que é, deste modo, gravemente posto em causa, com a negação ao assistente dos meios de reacção processual das mais importantes decisões que o afectam[19].
Apesar disso, não se concorda na íntegra com o pensamento de Pedro Albergaria, quando este autor conclui que «deve ser amplamente entendida a faculdade do assistente recorrer da decisão sobre a escolha ou medida da pena, não se lhe fazendo exigências adicionais à manifestação de desacordo sustentada na própria motivação e conclusões do recurso»[20].
Na verdade, a impor-se esta linha de pensamento bastaria a apresentação de um recurso para se encontrar viabilizado o pressuposto do interesse em agir e surgir a consequente necessidade de conhecimento do respectivo objecto por parte dos Tribunais Superiores. Não é isso que foi sucessivamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional. E até mesmo Pedro Albergaria acentua que o assistente não é afectado pela decisão em matéria de espécie e medida da pena, excepto se demonstrar que é afectado por ela[21].
Por outras palavras, na nossa óptica, ao assistente não pode ser negado a possibilidade de reagir relativamente às decisões que o afectam. No entanto, quanto à medida da pena, nos casos em que o Ministério Público não recorre, não pode fundar-se esse interesse numa mera retaliação contra o arguido e é necessário que o mesmo esteja escorado numa causa objectivamente legítima.
Por isso, comunga-se da posição do Supremo Tribunal de Justiça quando assevera que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade do assistente para a interposição de recurso, ou seja, o seu interesse em agir, deverá ser encontrado caso a caso[22]. E, como já se salientou, a jurisprudência do Supremo Tribunal tem procedido a um alargamento da possibilidade de interposição de recurso por parte do assistente e até sobre os seus poderes de iniciativa.
Impõe-se assim analisar a posição processual da assistente ao longo dos autos (na reclamação a requerente assinala que «tem interesse em agir, uma vez que acompanhou ativamente o processo – colaborou no inquérito, mesmo antes de lhe ter sido nomeado patrono; formulou requerimentos autónomos de prova; deduziu pedido civil (pese embora o indeferimento liminar); manifestou o seu ponto de vista – e, consequentemente legitimidade para recorrer, ainda que desacompanhado pelo Ministério Público» e, em particular, averiguar as razões invocadas no recurso interposto.
Da leitura da referida peça consta que a discordância quanto à medida da pena está dito que «é necessário atender aos antecedentes criminais do arguido, apresentando 18 condenações prévias, registando 2 antecedentes pela prática de crime de ofensa à integridade física, pelo que é manifesto que in casu as finalidades de punição não serão eficazmente prosseguidas com a aplicação de pena não privativa da liberdade», adiantando, com toda a razoabilidade que estas condenações continuam «a justificar uma intervenção próxima do arguido, de modo a fazê-lo sentir e interiorizar devidamente o desvalor da sua conduta, obviando de modo consistente a novas incursões criminosas».
Mais sublinhou que se considera que «o comportamento processual do arguido, de completa desresponsabilização, mesmo depois de confrontado com as imagens, é revelador da falta de colaboração do arguido na descoberta da verdade», concluindo que se trata de uma «situação em que a defesa da ordem jurídica, na afetação séria da fidelidade ao direito por parte da comunidade» impõe a aplicação de uma pena de prisão.
Para além das considerações de prevenção geral e especial, a assistente foca ainda o temor que a situação lhe causou que determinou que mudasse «a sua residência para outra cidade por medo do que o arguido lhe poderá fazer e aos seus filhos, relatando episódios posteriores aos factos em causa nos autos que a levaram a tomar tal decisão».
Feita esta análise do recurso interposto, conjugado com o teor da sentença proferida e dos comportamentos perpetrados na pessoa da assistente, não se pode afirmar que a intenção recursiva assenta apenas numa «forma de instrumentalização do processo penal em função da vindicta privada».
Em tese, podem assim existir interesses comunitários de prevenção geral e especial e razões de protecção da vítima que, na ausência de recurso por parte do Ministério Público, excepcionalmente, podem ser defendidos pela assistente na qualidade de coadjuvante do aparelho punitivo do Estado.
Claro que esta posição incorpora elementos de subjectividade, mas eles resultam de um processo intelectivo resultante das exigências balizadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e até do próprio Tribunal Constitucional que defendeu que «não se pode aceitar uma concepção tão redutora; o assistente surge como um verdadeiro sujeito processual, com atribuições próprias, permitindo-lhe a lei, pelo menos em determinadas situações, agir sozinho ou até contra o Ministério Público»[23].
Assim, como forma de maximizar o exercício do duplo grau de jurisdição, admite-se o recurso interposto, sem prejuízo da possibilidade do relator ter entendimento distinto, ao abrigo da norma consignada na 2.ª parte do n.º4 do artigo 405.º do Código de Processo Penal.
* IV – Sumário: (…)
* V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, concede-se provimento à reclamação, admitindo-se o recurso apresentado.
Sem tributação.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 04/06/2025
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[2] Artigo 69.º (Posição processual e atribuições dos assistentes):
1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2 - Compete em especial aos assistentes:
a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;
b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
[3] Artigo 401.º (Legitimidade e interesse em agir):
1 - Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
[4] Publicado no Diário da República n.º 185/1999, Série I-A, de 10/08/1999.
[5] Publicado no Diário da República n.º 1.ª Série 1-A, de 11/03/2011.
[6] Publicado no Diário da República I Série A de 27/01/2011.
[7] Artigo 69.º (Posição processual e atribuições dos assistentes):
1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2 - Compete em especial aos assistentes:
a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;
b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
[8] Artigo 401.º (Legitimidade e interesse em agir):
1 - Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
[9] Artigo 437.º (Fundamento do recurso):
1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 - O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.
[10] Artigo 450.º (Legitimidade):
1 - Têm legitimidade para requerer a revisão:
a) O Ministério Público;
b) O assistente, relativamente a sentenças absolutórias ou a despachos de não pronúncia;
c) O condenado ou seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias.
2 - Têm ainda legitimidade para requerer a revisão e para a continuar, quando o condenado tiver falecido, o cônjuge, os descendentes, adoptados, ascendentes, adoptantes, parentes ou afins até ao 4.º grau da linha colateral, os herdeiros que mostrem um interesse legítimo ou quem do condenado tiver recebido incumbência expressa.
[11] No acórdão de 22/01/2015, consultável em www.dgsi.pt, foi admitido que «o assistente, que viu os seus bens jurídicos lesados com a prática do crime, tem também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado: há um interesse concreto do assistente em uma resposta punitiva que entenda como justa tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos».
[12] No acórdão proferido em 27/05/2015, disponível em www.dgsi.pt, ficou assente que «tem legitimidade processual e interesse em agir, a assistente que recorre do acórdão da 1.ª instância, que desqualificou o homicídio, adoptando solução diversa da defendida pela assistente que aderiu à acusação pública (que imputava ao arguido a prática de um homicídio qualificado), lançando mão da forma de impugnação mais ampla e abrangente, nos termos do artigo 412.°, n.º 3 e 4, do CPP, e igualmente, com invocação de vícios decisórios – alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.° do CPP –, com vista à modificação da factualidade dada por provada e não provada na primeira instância e da qualificação do homicídio como qualificado e da medida da pena».
[13] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2015, publicitado em www.dgsi.pt, ficou consignado que «a aferição da legitimidade e interesse em agir dos recorrentes terá de ancorar-se na atitude assumida no processo».
[14] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2018, pesquisável em www.dgsi.pt, ficou firmado que «o assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas. Para ele poder recorrer, não haverá que fazer-lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constituiu assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)».
[15] No acórdão datado de 03/02/2021, disponibilizado em www.dgsi.pt, asseverou-se que «o Assistente pode recorrer desacompanhado do MP, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se for essa a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual».
[16] No acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/03/2023, integrado na plataforma www.dgsi.pt, pode ler-se que «o assistente tem interesse em agir e legitimidade quando interpõe recurso da decisão final proferida pela 1.ª instância que absolve o arguido».
[17] Damião da Cunha, A participação dos particulares no exercício da ação penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fascículo 1º. Janeiro-Março 1998, págs. 646/647.
[18] Cláudia Santos, Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 2008, págs. 159-160 e 165.
[19] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, págs. 224-225.
[20] Pedro Soares Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 101 e na mesma obra no Tomo I, em comentário ao artigo 69.º, § 17.
[21] Pedro Soares Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 100.
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2021, colocado na plataforma www.dgsi.pt
[23] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/2001, cuja leitura pode ser realizada em www.tribunalconstitucional.pt.