I - A omissão de pronúncia a que se refere a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP significa a ausência de tomada de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
II - A ratio decidendi do acórdão sob reclamação radicou numa questão de ordem processual relacionada com o tempo de dedução do incidente de suspeição dos juízes desembargadores que julgaram o recurso, não no seu objeto, convocando, como fundamento de direito, o art. 44.º do CPP, segundo o qual o requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis «até ao início da conferência nos recursos».
III - Tendo o requerimento sido apresentado em momento posterior à conferência, não era tal requerimento legalmente admissível.
VI - Assim, não havia que cindir, como pretendem os requerentes, nem o objeto nem o tempo da intervenção dos juízes, conferindo-lhes autonomia para se conhecer da pretensa suspeita relativamente a atos processuais posteriores (conhecimento da nulidade) relacionados com a prolação do acórdão já adotado.
V - Para além disso, a rejeição do requerimento por inobservância do termo do prazo estabelecido no art. 44.º do CPP obstava, como continua a obstar, a que se conheça dos alegados fundamentos da recusa (art. 608.º, n.º 2, do CPC).
VI - Termos em que, não havendo omissão de pronúncia, por nada mais haver a decidir, se indefere o requerimento de arguição da nulidade.
I. Relatório
1. AA eBB, arguidos, com a identificação dos autos,
Notificados do acórdão de 02.01.2025, que, nos termos do artigo 45.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, recusou o requerimento de recusa dos Senhores Juízes Desembargadores CC, juiz desembargador relator, e DD, juiz desembargador adjunto, e das Senhoras Juízas Desembargadoras EE, presidente da ....ª Secção, e FF, juíza desembargadora adjunta, intervenientes no julgamento do recurso que interpuseram do acórdão condenatório do Juízo Local Criminal do ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com fundamento em ter sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 44.º do mesmo diploma,
Vêm, agora, «apresentar reclamação» desse acórdão, «nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.º 1e 379.º,n.º 1, al .c) do CPP, art.º 53.º, al. b) da LOSJ, no art.º 425º, nº 4 do CPP, e dos artigos 615.º, nº 4 (1ª parte), 617º, n.º 6 e 666.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por força do art.º 4º do CPP», dele deduzindo «nulidade», e suscitar «a inconstitucionalidade de norma legal acolhida no acórdão», concluindo o seu requerimento nos seguintes termos:
«1. No acórdão com a referência citius ... datado de 02.01.2025 de que se reclama decidiu-se pela rejeição do Incidente de Suspeição com pedido de recusa, com fundamento na intempestividade.
2. O acórdão não apreciou o incidente nos exactos termos em que foi traçado pelos reclamantes, sendo por isso nulo, verificada a omissão de pronúncia nos termos do disposto nos artigos 615º, nº 4, 1ª parte, 617º, nº 6 e 666º, nº 2 do CPC, aplicável por força do artº 4º do CPP.
3. Ora, o incidente suscitado foi instaurado em 17.12.2024, e visava a intervenção dos Senhores Juízes Desembargadores visados na conferência designada para dia 18.12.2024, dia seguinte ao da dedução do incidente, o que ocorreu,- e não a conferência de 06.11.2024, questão que os Senhores Juízes Conselheiros não abordaram no Acórdão.
4. No Acórdão, os Senhores Juízes Conselheiros consideraram que os reclamantes visaram a conferência de 06.11.2024, que tipificaram como objecto do incidente, o que não corresponde ao sentido em que o incidente foi deduzido e ao que alegaram.
5. Porque, após a prolação da decisão em 06.11.2024, os reclamantes apresentaram Reclamação para a Conferência e impetraram pedido para que os reclamantes se julgassem impedidos, os Senhores Magistrados visados não se pronunciaram sobre esse impedimento, não foi admitido o Recurso ao STJ e foi proferido Despacho com a marcação da Conferência para dia 18.12.2024 para prolação de nova decisão, o que se visou afastar.
6. Do Acórdão reclamado consta que os requerentes questionam o acórdão de 06.11.2024 e que o requerimento de recusa foi apresentado em 17.12.2024 e tem por objeto, para além do mais, a anterior intervenção das Senhoras Juízas Desembargadoras e dos Senhores Juízes Desembargadores na elaboração e assinatura do acórdão de 06.11.2024 e na Conferência do mesmo dia, em que foi adoptado e que desse acórdão foi apresentada Reclamação com arguição de nulidade em 26.11.2024 e apresentado recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 10.12.2024, não admitido por despacho de 12.12.2024. “
7. Decidindo que, com base apenas nestes factos, e nos termos do artº 45.º, n.º 4, primeira parte, do CPP, o Tribunal deve proceder à apreciação preliminar do requerimento, recusando-o, se for caso disso, na pressuposta ocorrência de motivo que obste ao conhecimento de mérito. Como sucede no caso de o requerimento ser apresentado fora de prazo. Assim, tendo o requerimento sido apresentado após a conferência em que o acórdão foi adoptado, impõe-se, como se decide, a sua rejeição, por inobservância do prazo estabelecido no artigo 44.º do CPP. A rejeição impede que se apreciem os invocados fundamentos da recusa.”
8. Mas, os factos alegados pelos reclamantes, e desconsiderados no acórdão de 02.01.2025, foram também que os reclamantes requereram que os Senhores Juízes Desembargadores visados se considerassem impedidos - Reclamação para a Conferência de 26.11.2024 – Refª. Citius ... - artº 40º, nº 1, alíneas c) e d), para os efeitos do artº 41º, nº 2 e 3 do CPP, pedido sobre o qual não se pronunciaram;
9. No despacho de 12.12.2024 com a Refª. Citius ..., foi designado o dia 18.12.2024 para nova Conferência e prolação, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, de decisão sobre a Reclamação apresentada pelos ali recorrentes, sem contraditório do MºPº.
10. Noutro conspecto, a interpretação do artº 44º do CPP tem de ser apreciada à luz do objecto da suspeição e, no caso concreto, o que se pretende é que os Senhores Juízes visados não procedam à Conferência designada para 18.12.2024, - e não de 06.11.2024 -, sendo que dada a nulidade invocada – incontornável – dela decorreria a nulidade do acórdão de 06.11.2024, o julgamento dos autos e a decisão, sendo admissível, no caso concreto, sanar a actuação suspeita e impedir a influência na decisão da Reclamação uma vez que, in casu, a suspeita recai sobre o Colectivo – e não sobre um Magistrado do Coletivo – de que decorreria a utilidade do incidente.
11. Pelo que, tendo os factos que determinaram a suspeição ocorrido durante e após a conferência de 06.11.2024 e antes da conferência de 18.12.2024, terá de concluir-se pela sua tempestividade.
12. Dada a tramitação dos autos este incidente não se traduz num acto inútil pois que o poder Jurisdicional dos Mmos. Juízes visados não se esgotou naquele acórdão de 06.11.2024, tanto que, apenas não publicaram a decisão da conferência de 18.12.2024, em virtude da instauração do incidente.
13. Não admitir e julgar a suspeição, não determinando a recusa dos Senhores Juízes Desembargadores visados com o fundamento invocado no Acórdão de que se reclama, constitui nulidade e redundaria num esvaziamento injustificado do instituto da suspeição, permitindo-se dessa forma a continuidade da actuação suspeita, mesmo num quadro de utilidade do instituto, pois que ainda é a possível sanar a atuação suspeita.
14. Os reclamantes já afirmavam que os fundamentos do recurso que interpuseram da sentença de primeira instância não foram apreciados, o que resultava não só da total omissão de pronúncia sobre a matéria de facto impugnada, tendo presentemente constatado que os 9 (nove)volumes que constituem a prova documental dos autos -3 (três) Livros de Ocorrências e 6 (seis) Dossiers Individuais de dois jovens - , e sobre a qual incidiu, em grande parte, a impugnação da matéria de facto, não foi sequer remetida ao Tribunal da Relação de Lisboa e permanece na primeira instância!
15. O Acórdão de 25.01.2017, Procº. 10/11.2JALRA.C1-A , refere, a propósito do Acórdão 43/2004 do Tribunal Constitucional, que «o Código de Processo Penal estabelece restrições à possibilidade de suscitar a recusa de juiz, estabelecendo momentos a partir dos quais a recusa não pode ser invocada – o início da audiência, o início da conferência e o início do debate instrutório – quanto a factos conhecidos anteriormente. Pretende-se, assim, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do demandante, da recusa como, fundamentalmente, uma “utilização inútil”.
16. Do acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/2004 de 10.03.2004 em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040143.html, resulta, não obstante a mesma identidade da questão proposta, que os fundamentos divergem.
17. No caso sub judice, os factos ocorreram na Conferência e após esta, foram conhecidos em fase posterior à prolação do acórdão em Conferência e, o mais importante, é possível evitar a parcialidade da decisão que vai orientar o futuro dos autos – a nulidade do Acórdão de 06.11.2024, onde foi cometida, pois que o julgamento em Conferência terá de ser anulado e concretizado o julgamento em Audiência, que dará lugar a novo Acórdão.
18. Isto porque, ao contrário do que sucede com o referido no Acórdão do Tribunal Constitucional referido supra, não existe o risco de influência ali consignado, uma vez que este incidente de suspeição visa a recusa não de um Juiz, mas do Colectivo e da Senhora Juíza Presidente da 3ª Secção, colhendo o incidente neste caso TODA a utilidade, sendo possível corrigir e sanar a falta de parcialidade daquela decisão.
19. Termos em que, deverá ser conhecida a nulidade da decisão reclamada, revogando-a, substituindo-se por outra que, reconhecendo a utilidade do incidente na boa administração da justiça, conclua pela tempestividade do incidente de suspeição com pedido de recusa impetrado ser admitido e julgado procedente por, no caso concreto, resultar que a actuação dos Senhores Juízes Desembargadores Dr. CC, Dra. FF, Dr. DD e Dra. EE, constituiu motivo sério e grave, apto a gerar um sentimento de desconfiança sobre a sua idoneidade e imparcialidade, determinando a sua recusa, com as legais consequências.
Ainda,
20. Os Reclamantes suscitam a inconstitucionalidade do artigo 44.º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que, em fase de recurso, é possível a recusa de juiz até ao início da conferência, mesmo quando os factos forem conhecidos posteriormente, por já não se evitar adequadamente o risco de uma decisão parcial, quando, estando-se perante um tribunal colectivo, a suspeição incida sobre todos os Magistrados que o formaram (e ainda, no caso concreto, a Juiz Presidente da Secção) por não se verificar, nestas circunstâncias, o risco da influência de um Magistrado (suspeito) sobre os outros (não suspeitos) na decisão do recurso.
21. Entende-se que, no contexto dos autos (suspeição do colectivo) o risco da parcialidade será evitável com uma possível decisão favorável do pedido de recusa.
22. Ou seja, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão, mas, estribando a inevitabilidade do risco da parcialidade na possível influencia do Juiz visado sobre o Colectivo que julgou os autos, do qual fazia parte.
23. No caso dos autos, está em causa a parcialidade assacada a todos os membros do Colectivo que julgaram o Acórdão dos autos proferido em Conferência em 06.11.2024, tendo sido arguida a nulidade por se ter postergado uma formalidade legal – realização do julgamento em audiência – e os factos terem sido conhecidos dos recusantes após a publicação do acórdão de 06.11.2024 e antes do julgamento da Reclamação onde se arguiu essa nulidade, tendo o incidente sido suscitado antes da Conferência.
24. Posto o que, estando em causa a suspeição do Colectivo de Juízes que proferiu a decisão em conferência (e não apenas de um), não ocorre o alegado risco de influência na decisão futura e no desfecho dos autos, uma vez que, a decisão favorável do incidente de suspeição e a recusa dos Magistrados suspeitos faria com o processo tivesse de ser redistribuído a outros Magistrados e a decisão a proferir na conferência para apreciação da reclamação permitiria sanar a parcialidade da decisão anterior, revestindo por isso toda a utilidade.
25. A lógica que subjaz ao raciocínio do citado Acórdão do Tribunal Constitucional – a utilidade da suspeição - não encontra correspondência quando em causa está a suspeição com pedido de recusa do Colectivo de Juízes que julgou a causa.
26. Invoca-se a inconstitucionalidade do artigo 44º do Código de Processo Penal na interpretação dada pelo Acordão recorrido, - segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da Audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência, quando tal pedido de recusa incida sobre todos os Magistrados que compunham o Colectivo de Juízes ( no caso também a Senhora Juíza Presidente da Secção), por já não se verificar o fundado receio de influência do Juiz visado sobre os demais na decisão futura, reconhecendo-se a utilidade do incidente na reparação da parcialidade resultante do acórdão por aqueles proferido caso venha a ser deferida., - por violação dos artigos 20º, nº 1, da Constituição e, mais concretamente, no direito a um processo justo e equitativo, configurado como garantia de defesa no sentido do artigo 32º, nº 1, da função jurisdicional de julgar ou “a administração da Justiça em nome do povo” a que se refere o artigo artº 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá ser julgada procedente a invocada nulidade, revogando-se a decisão recorrida, substituída por outra que, por tempestivo, admita o incidente deduzido pelos reclamantes, seguindo os seus ulteriores termos, (…)»
2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal pronuncia-se sobre o requerimento agora apresentado, dizendo:
«[…]
Comecemos por dizer que o apelo aos artigos 615.º, n.º 4, 1.ª parte, 617.º, n.º 6, e 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por via do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, que estabelece que nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal, carece de fundamento porquanto inexiste qualquer caso omisso ou lacuna no Código de Processo Penal a respeito da matéria em questão (cf. os artigos 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
Quanto ao mais, é manifesta a falta de razão dos requerentes.
Na verdade, como bem se assinala no acórdão reclamado, os fundamentos da suspeição invocados no requerimento de 17 de dezembro de 2024 respeitavam à atuação funcional dos Srs. juízes desembargadores prévia à prolação do acórdão de 6 de novembro de 2024 e ao sentido do mesmo (ignoraram o pedido dos recorrentes para que o recurso fosse julgado em audiência e, em qualquer caso, decidiram antes da realização da conferência, fizeram constar do acórdão jurisprudência que não se encontra publicada em qualquer base de dados e factualidade – relatórios médicos e clínicos – que não reflete a verdade dos autos e não analisaram as provas e os fundamentos da impugnação da matéria de facto) o que, aliás, resulta bastante evidente do trecho «… considera-se inaceitável a postura processual adotada pelos Senhores Desembargadores visados na apreciação e tramitação do recurso interposto pelos recusantes, notória no aresto de 06.11.2024, cuja leviandade e gravidade determinaram este incidente …».
De resto, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que o pedido de recusa visasse a intervenção dos Srs. juízes desembargadores na conferência de 18 de dezembro de 2024 que apreciou a reclamação de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de novembro de 2024, o desfecho seria o mesmo.
Na verdade, como se assinala no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2003, processo n.º 379/03, relatado pelo conselheiro Abranches Martins (www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-criminal-2003.pdf):
«I - Do art. 44.º do CPP extrai-se claramente que os recursos têm um momento próprio até ao qual tem de ser requerida a recusa, o qual é o do início da conferência, referido na 1.ª parte daquele artigo.
II - Nos recursos há sempre lugar a conferência, seja a referida no art. 419.º do CPP, seja a que reúne para deliberar após a audiência, nos termos do art. 424.º do mesmo Código.
III - O referido art. 419.º não se aplica à arguição de nulidades do acórdão, mas sim ao julgamento do recurso em conferência quando houver alegações escritas.
IV - A arguição de nulidade do acórdão é um incidente posterior à decisão do recurso, que o art. 44.º do CPP não teve, claramente, em vista, pois se tivesse, então, teria ainda de ter em conta também os pedidos de rectificação e de aclaração do acórdão – v. o art. 380.º do CPP – aplicável “ex vi” do art. 425.º, n.º 4, do mesmo diploma.
V - Se a lei, para os efeitos do art. 44.º do CPP, tivesse tido em vista as conferências realizadas após o acórdão final para decidir os pedidos de rectificação ou de aclaração ou arguição de nulidade, tê-lo-ia dito expressamente, e não o fez.
VI - Aliás, aquele artigo não permite, em nenhum caso, a dedução do pedido de recusa, após a prolação da decisão final.
VII - Assim, é intempestivo o pedido de recusa de um Juiz Desembargador apresentado posteriormente à prolação do acórdão da Relação de que aquele foi relator e à arguição da nulidade desse mesmo acórdão, embora tal apresentação tenha ocorrido antes de se iniciar a conferência que julgaria aquela nulidade.»
Preceitua o artigo 379.º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal que a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Por sua vez, o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do respetivo Código, estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
In casu, o mérito e fundamentos do pedido de suspeição não chegaram a ser apreciados por terem ficado prejudicados com a rejeição, em razão da extemporaneidade, do correspondente requerimento (como, aliás, resulta expresso do supra reproduzido trecho «A rejeição impede que se apreciem os invocados fundamentos da recusa»).
Inexiste, por isso, qualquer omissão de pronúncia.
Os requerentes invocam ainda a inconstitucionalidade do artigo 44.º do Código de Processo Penal na interpretação «segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da Audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência, quando tal pedido de recusa incida sobre todos os Magistrados que compunham o Colectivo de Juízes (no caso também a Senhora Juíza Presidente da Secção), por já não se verificar o fundado receio de influência do Juiz visado sobre os demais na decisão futura (…) por violação dos artigos 20.º, n.º 1, da Constituição e, mais concretamente, no direito a um processo justo e equitativo, configurado como garantia de defesa no sentido do artigo 32.º, n.º 1, da função jurisdicional de julgar ou “a administração da Justiça em nome do povo” a que se refere o artigo 202.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».
Sucede que essa suposta inconstitucionalidade não constitui fundamento de nulidade do acórdão (v. as causas de nulidade previstas nos artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2022, processo 184/12.5TELSB-S.L1.S1, relatado pelo conselheiro Eduardo Almeida Loureiro (www.dgsi.pt):
«(…) tendo em conta tudo o que se vem dizendo a propósito do alcance dos art.ºs 379.º e 380.º do CPP, é muito evidente que a alegação, neste momento, de uma inconstitucionalidade não é processualmente admissível por não se poder acolher na previsão de nenhum dos mencionados normativos . Nem mesmo sob a veste de nulidade, que a aplicação de uma norma inconstitucional não se integra em nenhuma das previsões do n.º 1 do primeiro. Nessa conformidade, um incidente pós-decisório como o presente não é o lugar adequado para uma arguição dessa natureza, a qual necessariamente deverá actuada, em sede de recurso – se verificados os pressupostos, claro está, mormente o do art.º 70.º n.º 1 al.ª b) da LOTC – para o Tribunal Constitucional. Como, aliás, é entendimento uniforme na jurisprudência neste STJ. documentado, v. g., nos acórdãos de 18.10.2017 – Proc. n.º 736/03.4TO PRT.P2.S1-C, de 27.2.2020 – Proc. n.º 736/03.4TOPRT.P2.S1 e de 19.4.2017 – Proc. n.º 13827/12.1TDPRT.P1-B.S1. E também do Tribunal Constitucional, documentado, mormente, no Acórdão n.º 50/2018, de 31.1.2018 que, numa situação semelhante à dos presentes autos de arguição ex novo de questão de constitucionalidade normativa em reclamação por nulidade , afirmou que, "como constitui jurisprudência constante deste Tribunal, os incidentes pós-decisórios não são a sede adequada para suscitar ex novo questões de constitucional idade sobre as quais o Tribunal recorrido não se pronunciou". Desta forma, entendendo os Recorrentes que há fundamento para tal, e se preenchidos os demais requisitos legais, deverão dirigir-se ao Tribunal Constitucional com vista à invocação da referida inconstitucionalidade, sendo notório que o presente procedimento não é o meio, nem o lugar, processualmente adequado para tal efeito».
À vista de tudo quanto vem de ser exposto, só nos resta, então, concluir que a reclamação em análise deve ser julgada improcedente por falta de fundamento.»
II. Fundamentação
3. Em conformidade com o disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil («CPC»), aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sem prejuízo do poder de retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 379.º e 380.º do Código de Processo Penal («CPP»), diploma que, nesta matéria, contém disciplina própria e completa, sem lacuna que justifique a necessidade de recurso às disposições do CPC.
O artigo 379.º do CPP, sob a epígrafe “nulidade da sentença”, especifica os motivos de nulidade da sentença em processo penal.
Dado o teor do requerimento do arguido há que apreciar e decidir se o acórdão reclamado, de 02.01.2025, se encontra ferido da nulidade de omissão de pronúncia cominada na al. c) do n.º 1, deste preceito, segundo a qual «é nula a sentença» «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Conforme jurisprudência pacífica e reiterada, a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de tomada de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa; a pronúncia incide sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais (assim, entre outros, os acórdãos de 13.9.2023, Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, e de 09.01.2021, Proc. 111/09, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 4.ª ed., p. 1171).
De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, também aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, «excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
4. Na apreciação do requerimento de recusa que constituiu o objeto do acórdão sob reclamação fez-se constar, para além do mais, o seguinte:
4.1. Quanto ao momento processual da arguição da suspeição:
«7. Na disciplina do processo, a recusa do juiz está sujeita a prazos determinados, limitados e conformados em função dos momentos processuais em que se expressa e esgota o poder jurisdicional do juiz – do juiz de instrução, do juiz de julgamento e do juiz do recurso, conforme o caso –, de modo a prevenir que a sua participação na decisão possa suscitar “o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.
Proferida a decisão que ao juiz compete, em cada uma dessas fases processuais, esgotou-se o seu poder jurisdicional (cfr. artigos 613.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do CPP), não podendo a decisão proferida ser posteriormente posta em crise mediante invocação de alegados fundamentos de recusa.
É assim que o artigo 44.º (Prazos) do CPP estabelece que «O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.»
8. Estando em causa a intervenção de um juiz desembargador do tribunal da relação na elaboração e aprovação de um acórdão que conhece de recurso de uma decisão proferida em 1.ª instância, realizada a conferência em que o recurso é julgado, não mais é possível requerer a sua recusa, que, a proceder, sempre constituiria um ato inútil nesse processo, já não adequado a evitar o risco de parcialidade.
Neste sentido tem este Supremo Tribunal de Justiça decidido em jurisprudência uniforme e constante. Assim, nomeadamente, o acórdão de 26-02-2020 (Manuel Augusto de Matos) Proc. 39/08.8PBBRG-K-A.S1 (https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/07/sum_acord _penal_fevereiro.pdf), onde se lê:
“O art. 44.º, do CPP é claro na definição dos momentos processuais até aos quais, segundo as diversas fases do procedimento, a recusa do juiz pode ser deduzida. Caso vise juiz de 1.ª instância, o requerimento de recusa é admissível até ao início do debate instrutório (tratando-se de recusa do juiz de instrução) ou até ao início da audiência (tratando-se de recusa do juiz de julgamento). (…) não tendo sido deduzida no prazo delimitado pelo artigo 44.º do CPP, a recusa é intempestiva” (no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos de 13.2.2020, Proc. 5553/19.7T8LSB-C.L1-A.S1, de 25.01.2017, Proc. 10/11.2JALRA.C1-A, de 10.03.2016, Proc. 96/07.4TAPDL.L2-A.S1, e outros mencionados em anotação ao artigo 44.º, Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, cit.).
E o acórdão de 13.07.2023, Proc. 4332/04.0TDPRT.P4-A.S1, cit.:
“III. Proferida a decisão que ao juiz compete, em cada uma dessas fases processuais, esgotou-se o seu poder jurisdicional (cfr. artigos 613.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do CPP). O risco da desconfiança, que justifica o regime da recusa, já não poderá ser evitável.
IV. O requerimento de recusa de juiz desembargador, na fase de recurso, só é admissível até ao início da conferência (artigo 44.º do CPP).
V. Tendo o requerimento sido apresentado após a conferência em que foi adotado o acórdão de que o juiz desembargador é relator, impõe-se a sua rejeição, por inobservância do prazo estabelecido neste preceito.”»
4.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 44.º do CPP:
«9. O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela conformidade constitucional do artigo 44.º do CPP no acórdão n.º 143/2004, de10.03.2004, no qual decidiu «não julgar inconstitucional o artigo 44º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência, negando, consequentemente, provimento ao recurso.»
Lê-se nesse acórdão: «Tanto no que se refere às decisões de primeira instância como à decisão do recurso, a não admissão da arguição de nulidade poderá justificar‑se numa perspectiva de razão de ser da recusa, a qual consiste em evitar o risco da desconfiança dos intervenientes processuais e de todos em geral. Com efeito, tal risco já não será verdadeiramente evitável quando as decisões, embora não transitadas, já tiverem sido tomadas e tornadas públicas. (…) O sentido fundamental do impedimento do risco de não imparcialidade está ligado, indiscutivelmente, à decisão principal, ao “poder de decidir” do juiz suspeito e não tem de cobrir decisões sobre incidentes em que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado quanto à matéria da causa (artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil) – e em que, portanto, já não é possível impedir que uma decisão não imparcial do processo seja tomada. Por outro lado, não deixa o Direito, também, de fornecer meios reparadores de uma situação efectiva de não imparcialidade que se venha a detectar tardiamente, em face dos prazos legais justificados pela natureza do instituto da recusa de juiz. Assim, tanto a revisão da sentença (artigo 449º do Código de Processo Penal), como, de algum modo, a responsabilidade penal e civil do juiz são formas de reparar os danos de uma decisão não imparcial de um juiz, impedindo que o valor constitucional em causa, agora na perspectiva da sua reparação e não já da sua prevenção, seja postergado.»
4.3. Pelo que, apreciando, se concluiu:
«10. Resulta dos autos – e vem assumido pelo requerente, que questiona o acórdão anteriormente proferido pela Relação – que o requerimento de recusa foi apresentado no passado dia 17 de dezembro de 2024 e tem por objeto, para além do mais, a anterior intervenção das Senhoras Juízas Desembargadoras e dos Senhores Juízes Desembargadores na elaboração e assinatura do acórdão de 6 de novembro de 2024 e na conferência do mesmo dia, em que foi adotado.
Resulta também que desse acórdão foi apresentada reclamação com arguição de nulidade em 26.11.2024 e apresentado recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 10.12.2024, não admitido por despacho de 12.12.2024.
11. Nos termos do artigo 45.º, n.º 4, primeira parte, do CPP o tribunal deve proceder à apreciação preliminar do requerimento, recusando-o, se for caso disso, na pressuposta ocorrência de motivo que obste ao conhecimento de mérito. Como sucede no caso de o requerimento ser apresentado fora de prazo.
Assim, tendo o requerimento sido apresentado após a conferência em que o acórdão foi adotado, impõe-se, como se decide, a sua rejeição, por inobservância do prazo estabelecido no artigo 44.º do CPP.
A rejeição impede que se apreciem os invocados fundamentos da recusa.»
4.4. E decidiu:
«12. Pelo exposto, nos termos do artigo 45.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, acorda-se em recusar o requerimento de recusa apresentado pelos arguidosBB e AA, por ter sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 44.º do mesmo diploma.»
5. Do exposto resulta, em síntese, que a ratio decidendi do acórdão sob reclamação radicou, como a lei processual impõe, numa questão de ordem processual, relacionada com o tempo de dedução do incidente de suspeição, não no seu objeto.
Quanto àquela questão, convocou-se, como fundamento de direito, o artigo 44.º do CPP, segundo o qual o requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis «até ao início da conferência nos recursos». E, por isso, sem deixar de fazer referência direta ao objeto da intervenção das juízas e dos juízes desembargadores – elaboração e assinatura do acórdão de conferência em que foi aprovado, o que sucedeu em data anterior – e à situação que posteriormente exigiria sua intervenção, individual do relator ou conjunta com intervenção dos demais juízes – reclamação do acórdão, com arguição de nulidade, e recurso para o STJ –, tendo o requerimento sido apresentado em momento posterior à conferência, não era tal requerimento legalmente admissível.
Assim sendo, não havia que cindir , como pretendem os requerentes, nem o objeto nem o tempo da intervenção dos juízes, conferindo-lhes autonomia para se conhecer da pretensa suspeita relativamente a atos processuais posteriores relacionados com a prolação do acórdão já adotado.
Ou seja, apresentado o requerimento em momento posterior ao da prolação do acórdão – momento posterior não permitido por lei para esse efeito –, não havia que, como agora defendem os requerentes, conhecer da alegada suspeita para a prática de atos dela dependentes, isto é, da reclamação e do recurso que incidiram sobre o acórdão proferido.
6. Para além disso, como já anteriormente se referiu e se consignou no acórdão sob reclamação, a rejeição do requerimento por inobservância do termo do prazo estabelecido no artigo 44.º do CPP obstava, como continua a obstar, a que se conheça dos alegados fundamentos da recusa (artigo 608.º, n.º 2, do CPC – supra, 3).
7. Termos em que, não havendo omissão de pronúncia, por nada mais haver a decidir, deve o requerimento de arguição da nulidade ser indeferido.
8. Idêntica decisão deve ser tomada quanto à invocação das alegadas inconstitucionalidades.
Trata-se de matéria já apreciada no acórdão sob reclamação, em que se concluiu pela não inconstitucionalidade do artigo 44.º do CPP (supra, 4.2), para além de, como salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto (supra, 2), não ser a arguição fundamento da alegada nulidade do acórdão que os requerentes invocam.
III. Decisão
9. Pelo exposto, decide-se em conferência:
a) Declarar que o acórdão de 2 de janeiro de 2025 não sofre de nulidade resultante da omissão de pronúncia sobre questão que devesse conhecer, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal; e
b) Em consequência, indeferir o requerimento apresentado pelos recorrentes AA e BB quanto à arguição de nulidade e demais questões nele suscitadas.
Condenam-se os recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a pagar por cada um deles, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de maio de 2025.
José Luís Lopes da Mota (relator)
Horácio Correia Pinto
António Augusto Manso