I – O artigo 1096º do Código Civil consagra um regime supletivo, a aplicar unicamente, no silêncio das partes, podendo estas, não só, afastar a possibilidade de renovação automática, como, fixar períodos de renovação distintos do prazo inicial, com o único limite mínimo de um ano.
II – O período mínimo de antecedência da comunicação previsto no nº 1 do artigo 1097º CC, é reportado ao prazo que se encontrar em curso (seja o prazo inicial, seja um prazo de renovação)”.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA e BB, intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A... Unipessoal, Lda.,
pedindo:
i) seja declarada a cessação do contrato de arrendamento sub judice com efeitos desde o dia 31-03-2024;
ii) seja a Ré condenada a proceder à desocupação do imóvel locado, entregando-o aos Autores livre de pessoas e bens; e
iii) seja a Ré condenada no pagamento da renda estipulada até entrega do locado e a indemnizar os Autores pelos prejuízos causados pela ocupação abusiva, pelo dobro da renda mensal, até efetiva entrega.
Para tanto, alegam, em síntese:
a 07-11-2023, dirigiram uma carta registada com aviso de receção à Ré, opondo-se à renovação automática do contrato de arrendamento celebrado com aquela a 31-03-2016, pelo prazo de dois anos, renovável por períodos de um ano;
a tal missiva veio a Ré responder, invocando que o contrato teria renovado em 01-04-2022, por um período de três anos, atento o disposto no artigo 1096.º do CC, continuando, assim, a ocupar o locado;
não perfilhando de tal entendimento, consideram os Autores que a Ré, não tendo procedido à entrega do locado, entrou em mora e ficou constituída na obrigação de pagar, àqueles, as quantias peticionadas.
A Ré apresenta Contestação, pugnando pela improcedência da ação, com os seguintes fundamentos:
tendo o contrato celebrado entre as partes durado mais de seis anos, nos temos do art. 1097º, nº1, al. d), do CC, a denuncia teria de ter sido efetuada com mais de 240 dias de antecedência, e não foi;
iniciado o contrato em 1 de abril de 2016, teve a sua 1ª renovação em 2018, por um ano, como no mesmo previsto; contudo, em abril de 2019, por força da alteração introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, ao artigo 1096º do CC, o contrato renovou-se por 3 anos, até 31 de março de 2022, tendo tido nova renovação de 3 anos, por falta de denúncia, até 31 de março de 2025.
VI. DISPOSITIVO
Em face do exposto, julga-se a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:
a) Declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a Ré, relativo aos 1.º e 2.º andares do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., com efeitos a 31-03-2024.
b) Condenar a Ré a entregar imediatamente aos Autores o referido imóvel, livre de pessoas e bens da sua pertença, no estado em que este se encontrava no momento em que foi cedido, ressalvadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização.
c) Condenar a Ré a pagar aos Autores uma indemnização no valor de € 600,00 mensais, desde Abril de 2024 até à efetiva entrega do locado.
d) Absolver a Ré do demais peticionado pelos Autores.
e) Condenar os Autores e a Ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 1/5 para os primeiros e 4/5 para a segunda.
A) do artigo 1096º, do C. Civil, com a redação introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12.2, “fixa um prazo imperativo mínimo de três anos de renovação do contrato, pelo que as partes de um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo podem acordar a sua não renovação, mas se acordarem a renovação não podem estipular que esta ocorra por prazo inferior a três anos;
B) A ora recorrente não procedeu à entrega do imóvel, porque o contrato, em vigor, não foi denunciado atempadamente, cumprido o prazo de aviso prévio a que estava obrigado.
C) Tendo-se renovado o contrato por mais três anos, até 31 de Março de 2025 não incorrendo assim em qualquer mora também quanto á não entrega, que deverá considerar legítima.
Pelo exposto e com o Mui Douto Suprimento de Vexas
Deve ser concedido provimento ao presente recurso
Revogando-se a decisão recorrida, proferindo-se decisão diversa
Que considere renovado o contrato por mais três anos, até 31 de Março de 2025 não incorrendo assim a ora recorrente em qualquer mora também quanto á não entrega, que deverá considerar legítima.
Dispensados os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
O tribunal a quo proferiu o seguinte julgamento em sede de matéria de facto:
1. A aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio urbano sito na Rua ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...14 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...33, encontra-se registada a favor dos Autores.
2. Em 31-03-2016, os Autores, na qualidade de “senhorios”, e a Ré, na qualidade de “arrendatária”, firmaram um acordo escrito que denominaram de “Contrato de Arrendamento Urbano para Fins Habitacionais”.
3. No âmbito da cláusula segunda do referido acordo, declararam que “pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes arrendam e a Segunda Outorgante toma de arrendamento o 1.º andar da casa (…) e o 2.º andar (…) do prédio urbano melhor identificado na cláusula primeira [correspondente àquele descrito no facto provado 1] (…) que se destina a habitação dos funcionários da Segunda Outorgante, e a dar apoio aos mesmos, como local de descanso, de vestiários, de alojamento temporário, ou apenas para pernoitarem pontualmente ou sempre que o serviço a prestar para a segunda outorgante o justifique (…)”.
4. De acordo com o número um da cláusula terceira do referido documento, “o arrendamento é celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 01 de Abril de 2016 e termo em 31 de Março de 2018, sendo renovado automaticamente no seu termo por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes”.
5. Dispondo a cláusula quarta que “a renda anual é de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros) e será paga em duodécimos de € 300,00 (trezentos euros)”.
6. No dia 07-11-2023 os Autores enviaram à Ré carta registada, com aviso de recepção, com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Oposição à renovação do contrato de arrendamento
Exmo. Senhor
Na qualidade únicos herdeiros da herança aberta por óbito de CC, nif. ...60, da qual faz parte o imóvel infra indicado, são os proprietários e senhorios do prédio urbano sito na Rua ..., na ... (…), do qual V. Ex. é arrendatária do primeiro e do segundo andar, vimos, ao abrigo dos art.ºs 1096.º, п.º 3 е 1097.º do Código Civil, notificá-lo da nossa oposição à renovação do respetivo contrato de arrendamento para fim habitacional, com prazo certo de dois anos, que teve o seu inicio em 01 de Abril de 2016, tendo sido renovado automaticamente por períodos de um ano, e cujo termo ocorre em 31 de Março de 2024.
Respeitando a antecedência mínima de 120 (cento e vinte dias) exigida pela al. b) do n.º 1 do art.º 1097.º do Código Civil, esta oposição à renovação produzirá efeitos no dia 31 de Março de 2024, ou seja, no termo de mais um ano de renovação do contrato, data em que V. Exa. deverá entregar o locado livre de pessoas e bens, no bom estado de conservação e limpeza em que lhe foi entregue, procedendo à entrega das respetivas chaves.
Mais informamos que nos termos do nº 2 do art.º 1073º do Código Civil. V. Exa. deverá proceder à reparação das deteriorações que tenham resultado da utilização do objeto arrendado, caso existam, ou assumir o valor dos respetivos prejuízos sofridos.
Verificando-se a mora na entrega do locado, deverá ainda pagar, a título de indemnização a quantia correspondente ao dobro da renda estipulada, por cada mês ou fração que ocorrer até à efetiva restituição, nos termos do º2 do artº 1045º do Código Civil.”
7. A carta referida em 6. foi rececionada pela Ré em 08-11-2023.
8. A Ré enviou aos Autores missiva datada de 15-11-2023, com o seguinte teor:
“(…) Exmos. Senhores
Na presença da vossa comunicação de "oposição à renovação do Contrato de arrendamento" recebida a 8 de Novembro, cumpre-nos esclarecer o seguinte. - O contrato celebrado com V. Exas renovou-se em 1 de Abril de 2022 do corrente ano, por um período de três anos, portanto até 31 de Março de 2025, nos termos do artigo 1096º nº1, do Código Civil na redação que lhe foi dada pela lei 13/2019 de 12 de Fevereiro, pelo que não poderemos aceitar a denuncia comunicada (…)”.
1. Se, por força da alteração da Lei nº 13/2019, ao nº1 do artigo 1096º do CC, as renovações ao contrato passaram a ser de 3 anos.
A decisão recorrida afastou-se da posição sustentada pela Ré a tal respeito, com os seguintes fundamentos:
“Tendo sido celebrado com prazo certo, por dois anos, renovável por períodos de um ano, cf. artigos 1095.º, n.º 1 e 1096.º, n.º 1 do CC, conclui-se que, desde 31-03-2018 (data terminus do prazo inicial) até 31-03-2024, o referido contrato se renovou automática e sucessivamente, por um ano, porquanto nenhum dos outorgantes obstou a esse efeito, lançando mão do disposto nos artigos 1097.º e 1098.º do CC.
A tal conclusão não obsta o disposto no artigo 1096.º, n.º 1 do CC, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro e que entrou em vigor a 13-02-2019, nos termos do qual se passou a prever que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.
De facto, ainda que não se questione a aplicabilidade do aludido normativo aos contratos de arrendamento já em curso, como sucede com o acordo sub judice, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do CC – aqui convocável perante a inexistência de norma transitória na Lei n.º 13/2019 – julga-se que o mesmo não é aplicável no caso dos autos.
Assim o será, não por se acompanhar o entendimento sufragado pelos Autores no sentido de que o contrato de arrendamento em questão se destina a habitação não permanente ou para fins transitórios, sendo por esse motivo enquadrável na exclusão prevista nos artigos 1095.º, n.º 3 e 1096.º, n.º 2 do CC – já que, muito embora se destine aos funcionários da Ré, nada indicia, no texto do contrato, que aqueles não façam ou não possam fazer do locado a sua habitação permanente –, mas porque se julga que a norma ínsita no artigo 1096.º, n.º 1 do CC não tem o alcance de que a Ré o procura dotar.
Com efeito, muito embora se reconheça que não se trata de uma questão pacífica na doutrina e jurisprudência nacionais, perfilha-se aqui do entendimento de que a supletividade expressa no artigo 1096.º, n.º 1 do CC, materializada na expressão “salvo estipulação em contrario”, não se limita à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, antes abrangendo, igualmente, o respectivo período pelo qual este poderá ser renovado.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-01-2023, proc. n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
“I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos.
II. Dissente-se dessa interpretação porquanto:
i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus);
ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º;
iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo.
iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.”.
Daqui resulta que o período mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no artigo 1096.º, n.º 1 do CC assume carácter supletivo, sendo afastado sempre que do texto contratual resulte estipulação em contrário, como sucede in casu, encontrando-se como único limite legal à oposição à renovação a vigência daquele por um período mínimo de três anos, contados desde o momento da sua celebração, cf. artigo 1097.º, n.º 3 do CC.
Nas suas alegações de recurso, a Apelante insurge-se contra o decidido, limitando-se a reproduzir o por si afirmado na contestação a tal respeito, que “Assente também se deve ter que em Abril de 2019, por força da alteração introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro ao artigo 1096º, nº1 do CC, renovou-se o contrato por três anos, até 31 de Março de 2025”.
O juiz a quo explicitou quais as interpretações possíveis da redação dada ao artigo 1096º, n1, do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei nº13/2019 – se a expressão “salvo estipulação em contrário” respeita unicamente à possibilidade de renovação, ou, se, também, aos períodos de renovação aí previstos –, motivando a sua opção no sentido de que, quer a possibilidade de renovação automática, quer os períodos de duração da mesma aí previstos, podem ser afastados por vontades das partes.
Não podendo o recurso limitar-se a uma mera manifestação de discordância com o decidido, nem cabendo nas atribuições do tribunal de recurso a prestação de uma segunda opinião, o recorrente tem de afirmar porque motivo(s) o tribunal errou, que razões o levam a afirmar que determinada norma foi mal interpretada pelo tribunal, sob pena de ausência de causa de pedir.
De qualquer modo, sempre diremos que, pela nossa parte, também entendemos que a interpretação mais consentânea, quer com o seu elemento literal, quer com a redação anterior e os fins que motivaram o legislador a introduzir alterações ao nº1 do artigo 1096º, é a que considera que supletividade aí prevista se refere, quer à faculdade afastamento da renovação automática, quer ao período da renovação de três anos.
Na redação anterior à Lei nº 13/2019, o nº1 do artigo 1096º do CC, dispunha que, salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração.
Na vigência de tal norma, não se levantavam dúvidas quanto à sua interpretação: aquando da celebração do contrato, as partes podiam estipular que o mesmo se extinguiria após o prazo acordado, sem lugar a renovação automática; no caso de não terem afastado o regime da renovação automática, podiam estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações.
A lei não estabelecia qualquer prazo mínimo para o contrato de arrendamento, independentemente do fim a que se destinava, gozando as partes de autonomia na fixação do prazo do contrato, com a única limitação do prazo, que não pode ser superior a 30 anos (artigo 1095º)[1], sendo que, no silêncio das partes, o contrato considerava-se celebrado pelo período de dois anos.
A Lei 13/219, que anuncia como propósito a instituição de “Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”, limita-se, quanto ao nº1 do artigo 1096º a substituir a expressão “e por períodos sucessivos de igual duração”, por “e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta foi inferior”.
Em termos literais, a manutenção da expressão no inicio do artigo, da ressalva “salvo estipulação em contrário”, seguido de vírgula, e abarcando a expressão “e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta foi inferior”, levar-nos-ia a manter a anterior leitura de que a supletividade abarca a ambas as situações aí previstas: i) possibilidade de afastamento da renovação automática; ii) possibilidade de estabelecer períodos de renovação diferentes do prazo inicial e inferiores a três anos.
Dito de outra forma, aí se dispõe que, no silêncio das partes, o contrato se renova por períodos sucessivos de igual duração (igual ao prazo inicial previsto para o contrato), ou de três anos se o período de três anos se o contrato tiver sido celebrado por período inferior.
No entanto, a introdução do elemento “ou de três anos se esta for inferior” – única alteração relativamente à versão anterior –, levou à existência de três leituras “possíveis” e que vêm sendo debatidas na jurisprudência:
1. a supletividade só se reporta à renovação do contrato;
2. a supletividade reporta-se também aos períodos da renovação, mas não podem nunca ser inferiores a 3 anos[2];
3. as partes podem excluir a possibilidade de renovação automática do contrato e não o fazendo, podem fixar o prazo da renovação por períodos diferentes do inicial e inferiores a 3 anos – trata-se de uma norma supletiva, em que o regime aí previsto só é de aplicar no silêncio do contrato, ou seja, se as partes nada dispuserem quanto à renovação do contrato e respetivos prazos.
O sentido de tal alteração há de achar-se em conexão com as alterações que tal Lei nº 13/2019, introduzidas ao nº1 do artigo 1095º e ao artigo 1097º, nºs. 1 e 3, do Código Civil, atribuindo-lhe uma coerência com o regime geral estabelecido pelo Código para a duração do contrato de arrendamento.
Não estabelecendo a lei anterior qualquer prazo mínimo para a celebração do contrato de arredamento, independentemente do fim a que se destina, o nº1 artigo 1095º, passa a estabelecer, agora, um limite mínimo – o prazo do arrendamento não pode ser inferior a um ano nem superior a 30 anos.
Ao artigo 1097º, respeitante aos períodos de antecedência da comunicação do senhorio ao arrendatário da oposição à renovação automática do contrato, é aditado um nº3, dispondo que “A oposição à 1ª renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data”.
De tais normas resulta que, caso as partes não excluam a renovação do contrato, o senhorio só se pode opor à renovação automática, decorridos que sejam três anos desde o início do contrato. Ou seja, a possibilidade de renovação automática garante, desde logo, ao arrendatário um período três anos de vigência do contrato, mesmo que o mesmo tenha sido celebrado por um ou dois anos.
Esta norma (nº3 do artigo 1097º), sim, teve o propósito de garantir maior estabilidade ao arrendatário, significando que, apesar de a lei permitir a celebração do contrato por um prazo mínimo de um ano, o facto de a oposição à renovação só ser eficaz decorridos três anos da celebração do contrato, obriga na prática o senhorio a manter o arrendamento por esse período[3].
Se através de tal norma, o legislador assentou numa vigência mínima de 3 anos, no caso dos contratos automaticamente renováveis, como conjugá-lo com uma interpretação do nº1 do artigo 1096º no sentido que, desde que sejam automaticamente renováveis, o período da renovação teria, imperativamente, de ser de três anos?, o que na prática equivaleria a um período imperativo mínimo de vigência, não de três anos, como resulta do nº3 do artigo 1097º, mas, pelo menos, de quatro anos (contrato celebrado por um período imperativo de um ano, renovado, imperativamente, por mais três anos).
Por outro lado, não faz sentido conceder a lei às partes a liberdade de celebrar um contrato de arrendamento pelo período de um ano, improrrogável, findo o qual o contrato caduca, mas, no caso de estarem dispostos a admitir a prorrogação automática, serem-lhes impostas prorrogações de três anos, sem que possam prever um prazo inferior para as sucessivas prorrogações? Tal regime seria altamente restritivo à celebração de contratos com renovação automática, acabando por prejudicar o arrendatário, que passaria estar sujeito à celebração de contratos anuais e à especulação do valor das rendas.
Como vem sendo argumentado a tal respeito, se a lei permite o mais – que as partes estipulem a não renovação do contrato – também terá de permitir o menos – a estipulação de um prazo de renovação inferior ao inicial e, nomeadamente, inferior a três anos.
É também essa a opinião manifestada por Jéssica Rodrigues Ferreira, que afirma face às dúvidas interpretativas levantadas pela nova redação do artigo 1096º: “Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato de renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados por lei, e não, conforme poderia interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior (…)[4]”.
No sentido de que a supletividade prevista no artigo 1096º, nº1 se estende a todos os elementos normativos nela constantes, se pronuncia Jorge Pinto Furtado[5], segundo o qual o nº1 só dispõe no silêncio contratual, aí se determinando que “o contrato de arrendamento urbano com prazo certo, no termo da sua duração contratual, se renova, salvo estipulação em contrário, por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos quando essa duração por inferior”.
É esta a posição que aqui assumimos e que vem ganhando força na doutrina e na jurisprudência[6], improcedendo, nesta parte, as alegações da Apelante.
A decisão recorrida, considerando que o prazo de duração do contrato a ter em conta, para determinar qual o período de antecedência mínima para o senhorio obstar à renovação do contrato, se reporta ao prazo que estiver em curso – neste caso, o prazo da renovação –, não havendo que proceder à soma do prazo de duração inicial do contrato e respetivas renovações, ao contrário do sustentado pela ré, concluiu ser aplicável o prazo de antecedência mínimo de 120 dias fixado no artigo 1097º, nº1, al. b) e nº2, do CC.
O Apelante, recorre deste segmento decisório, limitando-se, mais uma vez, a reproduzir o por si alegado na contestação: “Como bem refere o artigo 1097º nº1 al. a) do C Civil, tendo o contrato sido celebrado entre as partes tendo durando mais de seis anos, teria de ter sido denunciado com duzentos e quarenta dias e não como cento e vinte dias, como o foi”.
Não invocando o Apelante em que norma ou razões apoia a sua posição, nada haveria a apreciar.
De qualquer modo, sempre se dirá que a redação do nº2 do artigo 1097º do Código Civil não dá lugar a dúvidas, dispondo claramente que a antecedência se reporta “ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”.
A antecedência prevista neste artigo reporta-se ao prazo que estiver em curso[7], sendo este que determina o período de antecedência aplicável à comunicação de não renovação do contrato por parte do senhorio, de entre os previstos nas als. a) a d), do nº1.
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da Apelação a suportar pela Ré/Apelante.
Coimbra, 27 de maio de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).
[1] Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Almedina, 2017, Anotação ao artigo 1096º, pp. 1342.
[2] Cfr., Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei nº 13/2019”, in Julgar Online, p. 11., onde se afirma: “Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”; e Ac. TRG de 11.02.2021, relatado por Raquel Batista Tavares, e Ac. TRE de 10.11.2022, relatado por Adelaide Domingos, e Ac. STJ de 20-09-2023, relatado por Jorge Leal, mas com voto de vencido de Jorge Arcanjo, sustando que “a ressalva inicial (salvo estipulação em contrário) abrange todos os elementos da previsão normativa – Acórdãos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Maria João Vasconcelos, “Código Civil Anotado, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações” UCP Editora, pp. 532-533.
[4] Análise das principais alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denuncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in RED, Dezembro de 2019, https://cij.up.pt/pt/red/edicoes-anteriores/2020-nordm-1/analise-das-principais-alteracoes-introduzidas-pela-lei-nordm-132019-de-12-de-fevereiro-aos-regimes-da-denuncia-e-oposicao-a-renovacao-dos-contratos-de-arrendamento-urbano-para-fins-nao-habitacionais/
“Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 3ª ed., 2021, pp. 655-657.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 17-01-2023, relatado por Pedro de Lima Gonçalves, e Acórdãos do TRL de 10-01-2023, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, e de 18-04-2024, relatado por Jorge Almeida Esteves, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Março de 2022, relatado por Nuno Lopes Ribeiro : “A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante no art.º 1096.º, n.º 1 do Código Civil), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes”, disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Almedina, p. 1345.