DIREITO AO RECURSO
INCIDENTE PROCESSADO AUTONOMAMENTE
PAGAMENTO ADICIONAL DE HONORÁRIOS A PATRONO OFICIOSO
PRESSUPOSTOS DA ALÇADA E DA SUCUMBÊNCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I – O prazo de recurso de uma decisão que negou o pagamento adicional de honorários a il. Patrono Oficioso não se subsume à previsão do art. 644.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, o qual apenas abrange os incidentes que a lei adjectiva expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal.
II – Deve ser tratado como incidente aquilo que não se integre na tramitação normal, apresentando autonomia relativamente ao objecto do processo e que mereça ser tributado (art. 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais).
III – O Tribunal Constitucional tem afirmado que a opção de política legislativa de vedar a interposição de um recurso, por subordiná-la à concorrência simultânea dos pressupostos da alçada e da sucumbência, não sendo uma previsão arbitrária ou intolerável, não contende com a garantia constitucional (art. 20.º), relativa ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, na dimensão do direito ao recurso, nem com o princípio da igualdade.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Reclamação para a Conferência

Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Execução de Soure

Reclamante: AA

Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):

(…).

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I.

AA, Advogado, na qualidade de Patrono Oficioso na acção executiva que intentou em 9 de Junho de 2015, em nome da ali Exequente, e que constitui os Autos Principais[2], reclamou judicialmente do acto da Secretaria que rejeitou o pagamento parcial dos honorários que havia solicitado, deste constando «Motivo da Rejeição Dados do pedido incorrectos / Observações da Rejeição Os incidentes já foram pagos / Resolução antes do Julgamento Não / Nº de Incidentes Processuais 2 / Nº Sessões 0».

Para o efeito, afirmou ter recebido os honorários referentes à acção executiva, mas devia, ainda, ter sido remunerado pelas intervenções que teve em 5 incidentes processuais, sendo 4 de redução/isenção de penhora, e 1 de suspensão da venda, efectuados entre Dezembro de 2015 a Dezembro de 2019.

Chamado a pronunciar-se o Sr. Escrivão indicou:

«Em 15-02-2024, face á reclamação do patrono, informo que apenas existiu uma única decisão/despacho judicial que recaiu sobre o incidente de 10-12-2019, os restantes pedidos não foram objecto de decisão de deferimento ou indeferimento, ou seja:

1º.- requerimento de 19-12-2015, não existiu decisão porque o pedido de redução/isenção de penhora, uma vez que executado não estava a descontar para este processo - despacho de 10-02-2016;

2º. requerimento de 19-01-2017, foi notificado o executado para juntar documento, não o fez, e, assim não foi apreciado - despachos de 28-03-2017 e 03-07-2017 ;

3º. requerimento de 31-01-2018, face ao acórdão, ficou prejudicado a apreciação do requerimento -despacho de 13-03-2018;

4º. requerimento de 29-10-2019, despacho a convidar o executado a aperfeiçoar o requerimento - despacho de 05-12-2019;

5º. requerimento aperfeiçoado de 10-12-2019, este único com decisão, ou seja o 4º. requerimento e este tem o mesmo conteúdo e o objecto .

ASSIM sendo, a recusa de honorários teve por origem o acima explanado, apenas foi considerado 1 (um) incidente, os restantes por falta de despacho judicial a tipificar como incidente não foram levados em consideração

Em 8 de Abril de 2024 foi proferido despacho que finaliza:

«…confirmando a decisão da Secretaria, julgo improcedente a reclamação apresentada.».

II.

Inconformado, aquele interpôs Recurso de Apelação, alinhando estas

«CONCLUSÕES:

(…).».

III.

Na resposta da digna magistrada do Ministério Público, colhe-se, entre o mais, que:

(…).

IV.

Neste Tribunal da Relação, na esteira do despacho exarado em 18 de Dezembro transacto, procedeu-se à notificação do Recorrente nos termos e para os efeitos consignados pelo art. 655.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Por requerimento entrado em 6 de Janeiro p.p., o Recorrente pugnou pela admissibilidade do recurso, sua tempestividade e que o valor em causa não é impeditivo do seu recebimento.

V.

De harmonia com os arts. 643.º, n.º 4, 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, todos do Código de Processo Civil, foi proferida Decisão Sumária, datada de 16 de Janeiro de 2025.

VI.

Descontente, o Recorrente reclamou para a Conferência, aduzindo:

(…).

VII.

Questões decidendas

- Da (in)admissibilidade do recurso interposto (tempestividade e sucumbência).

- Sendo admissível,

do direito ao pagamento de honorários pela intervenção em 4 incidentes de redução/isenção da penhora, e 1 incidente de suspensão da venda executiva. 

VIII.

Dos Factos

Vêm provados os seguintes factos (transcrição):

1. No âmbito de procedimento de apoio judiciário requerido pela aqui exequente, que veio a merecer decisão de deferimento, entre o mais, na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono, o Exmo. Sr. Dr. AA foi nomeado para assegurar o seu patrocínio.

2. No dia 9 de Junho de 2015 foi instaurada a presente acção executiva, subscrita pelo Il. Patrono.

3. No dia 19 de Dezembro de 2015 o executado apresentou um requerimento para isenção de penhora que incidia sobre o seu vencimento, com pedido subsidiário de redução da mesma.

4. A exequente respondeu ao requerimento antes da prolação de qualquer despacho a seu respeito, pugnando pelo seu desentranhamento, por não estarem a ser realizados descontos à ordem dos presentes autos.

5. No dia 10 de Fevereiro de 2016 foi proferido despacho em que se consignou o seguinte:

Conforme resulta do ofício de fls. 64, os descontos no vencimento do executado BB não estão a ser feitos à ordem destes autos, pelo que não é possível apreciar o requerimento de isenção/redução de penhora (cfr. ref.ª 1784426).

Notifique, informando o executado, com cópia de fls. 64, de que deverá dirigir o seu pedido ao processo à ordem do qual decorrem os descontos no seu vencimento.”

6. No dia 19 de Janeiro de 2017 o executado apresentou novo requerimento para isenção de penhora que incidia sobre o seu vencimento, com pedido subsidiário de redução da mesma.

7. A exequente respondeu ao requerimento no dia 3 de Março de 2017, antes da prolação de qualquer despacho a seu respeito, pugnando pelo seu indeferimento.

8. No dia 28 de Março de 2017 foi proferido despacho determinativo da junção, pelo executado, de cópia da sua última declaração de IRS.

9. Tal despacho foi renovado no dia 3 de Julho de 2017, sob cominação de eventual indeferimento do requerimento apresentado em 19 de Janeiro de 2017.

10. O executado não juntou a última declaração de IRS, pelo que o requerimento de 19 de Janeiro de 2017 não foi objecto de decisão expressa, mantendo-se inalterada a penhora incidente sobre o seu vencimento.

11. No dia 25 de Janeiro de 2018 o executado requereu a suspensão da venda, alicerçando esse pedido na circunstância de se encontrar pendente recurso extraordinário de revisão da sentença exequenda.

12. A exequente exerceu o contraditório quanto ao requerimento referido em “11”, em que peticionou fosse julgado improcedente o pedido de suspensão.

13. O recurso de revisão foi indeferido, e, por despacho de 13 de Março de 2018, julgou prejudicado o pedido de suspensão da venda aludido em “11”.

14. No dia 29 de Outubro de 2019 o executado apresentou novo requerimento para isenção de penhora que incidia sobre o seu vencimento, com pedido subsidiário de redução da mesma.

15. A exequente respondeu ao requerimento no dia 11 de Novembro de 2019, pugnando pelo seu indeferimento.

16. Por despacho do dia 5 de Dezembro de 2019 foi o executado convidado a suprir o seu requerimento.

17. Na sequência do convite que lhe foi endereçado, o executado apresentou requerimento aperfeiçoado no dia 10 de Dezembro de 2019.

18. No dia 29 de Janeiro de 2020 foi julgado improcedente o pedido de isenção/redução da penhora formulado pelo executado.

A que se acrescenta (art. 662.º do Código de Processo Civil):

19. O ora Reclamante peticiona o pagamento de 1262,26 € (mil duzentos e sessenta e dois euros e vinte e seis cêntimos).

20. A notificação da decisão do Tribunal de 1.ª Instância foi-lhe remetida em 9 de Abril de 2024, e o recurso interposto no dia 6 de Maio subsequente.

IX.

Do Direito

Na Decisão Sumária e com a qual não se conformou o agora Reclamante, expendeu-se, como segue:

«Nos presentes de execução veio AA, aqui recorrente, veio reclamar do ato da secretaria que lhe rejeitou parcialmente o pedido de pagamento dos honorários por si apresentados nos termos da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, atualizada pela Portaria n.º 161/2020, de 30/06/2020.

Em 8/4/2024 foi proferido despacho a indeferir a pretensão do recorrente, mantendo o ato da secretaria.

Inconformado com tal decisão dela recorreu.

Em 5/6/2024 foi proferido despacho admitir o recurso.

Face à não notificação do recorrido, Ministério Público, este Tribunal, proferiu despacho datado, 11/7/2024, a ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância, afim de serem cumpridas as respetivas formalidades.

Feita a notificação, apresentou o recorrido, Ministério Público, resposta, onde pugna, além, do mais pelo não recebimento do recurso, invocando dois pontos,

a)- ser o mesmo extemporâneo e

b) não poder ser recebido face ao valor.

Mais uma vez a 1.ª instância, não procedeu à notificação respetiva, ou seja, não notificou o recorrente da resposta apresentada.

Assim, este Tribunal ordenou, por despacho datado de 24/10/2024, que os autos fossem remetidos à 1.ª instância, para que fosse notificado o recorrente da resposta apresentada pelo recorrido Ministério Público.

Feita a mesma, foram os autos remetidos a este Tribunal em 16/12/2024.

Em 18/12/2024 este Tribunal proferiu despacho a notificar o recorrente para os efeitos do n.º 2, do art.º 655.º, do C.P.C., por entender, poder vir a ser proferido despacho a não receber o recurso, até por o despacho de recebimento em 1.ª instância não vincular este Tribunal (cfr. n.º 5, do art.º 641.º, do C.P.C.).

Em 6/1/2025 o recorrente apresentou requerimento, onde pugna admissibilidade do recurso, referindo, que o recurso por si apresentado, é tempestivo e o valor em causa não é impeditivo do seu recebimento.

Aqui chegados, cabe ver de que lado está a razão.

Por uma questão de método, iremos analisar, cada um dos pontos invocados pelo recorrido Ministério Público.

Assim,

Ponto i)

Saber se o recurso apresentado é ou não extemporâneo.

Para defender este seu ponto de vista, extemporaneidade, refere o recorrido, que o prazo da interposição de recurso, é de 15 dias, que já tinham precludido, quando o recurso foi interposto, na medida em que, a notificação da decisão lhe foi enviada em 9/4/2024, o prazo de recurso terminou no dia 29/4/2024, contabilizando-se, ainda os 3 dias úteis previstos no n.º 5, do art.º 139.º, do C.P.C., até ao dia 2 de maio de 2024.

Considerando que o recurso foi interposto no dia 6/5/2024, o mesmo é extemporâneo.

Para defender este seu ponto de vista estriba-se em jurisprudência e doutrina, citando, a respeito o Ac. da Rel. de Guimarães de 23/4/2020, proc.º n.º 283/08.8TBCHV-B.G1, relatado por Jorge Santos, bem como a doutrina e jurisprudência citada no mesmo, nesse sentido.

Na resposta, defende o recorrente, que o prazo da interposição de recurso é de 30 dias e não de 15 dias, ou seja, ao caso é aplicado o prazo de 30 dias, aludido no n.º 1, do art.º 638.º, do C.P.C. e não a alínea g) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.

Porquanto, refere haver diferenças jurídicas entre o recurso de um despacho judicial que rejeita os honorários de Advogado, nomeadamente no âmbito do acesso ao direito e o recurso de uma decisão relativa a uma reclamação de conta de custas reside no enquadramento normativo, na natureza jurídica dos atos e concomitantemente no prazo aplicável.

Temos para nós, que a questão, que temos entre mãos, se coloca em saber se estamos ou não perante um incidente processado autonomamente.

Se há incidentes processados autonomamente isso quer dizer que há outros incidentes processados não autonomamente.

Porém, todos os incidentes têm algo que os carateriza como incidentes e isto mostra que todos eles têm uma estrutura que os diferencia da ação onde estão inseridos e, sendo assim, poderá dizer-se que todos os incidentes são autónomos.

Mas não foi esta a noção de autonomia, comum a todos os incidentes, a tida em consideração pela lei, pois se fosse não tinha qualquer operacionalidade.

Por conseguinte, serão incidentes não autónomos aqueles que fazem parte da tramitação padrão do processo, aqueles que, em regra, sempre se verificam no processo.

Estes seguramente não têm autonomia, são os não autónomos.

Os outros, por exclusão, serão os incidentes autónomos.

Assim, os incidentes da instância são autónomos porque não fazem parte da estrutura padrão do processo, isto é, o processo pode começar e acabar sem que surja qualquer um dos incidentes da instância – artigos 292.º a 361.º do CPC.

É consabido, que qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, mas, em nosso entender, foi intenção legislador incluir na referida al. a) do nº1 do art.º 644º do CPC, apenas, os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à ação principal, nos art.º 296º a 361º do CPC. (cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa de 07/03/2024, proc.º n.º 1982/20.1YIPRT-I.L1-8, relatado por Octávio dos Santos Moutinho Diogo, bem como a doutrina e jurisprudência, nele citada, a propósito, decisão singular proferida neste Tribunal, no proc.º n.º 249/19.2T8CVL-B.C1, datada de 20/6/2023, proferida por Alberto Russo, decisão singular, proferida José Manuel Barata, no Tribunal da Rel. de Évora, em 24/11/2020, no proc.º n.º 3145/15.9T8PTM-A.E.1 e o Ac. citado da resposta do recorrido e Ac. Rel. de Lisboa, 15 de setembro de 2022, proc.º n.º 1634/05.2TMLSB-E.L1-2, relatado por Paulo Fernandes da Silva, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, página 204, Teixeira de Sousa, in post de 20.10.2020, Jurisprudência 2020 (76), no blogippc.blogspot.com). No caso em apreço, temos para nós, que muito embora se esteja, perante uma reclamação do ato da secretaria, confirmada pela decisão recorrida, não deixa de ser um incidente e temos para nós, que não se enquadra, em qualquer dos incidentes que a jurisprudência e a doutrina, pugna como enquadráveis no n.º 1, do art.º 644.º, do C.P.C.

 Assim sendo, temos de enquadrar o mesmo na al.ª g), do n.º 2, do citado art.º 644.º, pelo que, o prazo para recorrer é de 15 dias.

Ou seja, o incidente em causa não tem as características de incidente da instância como exigido pelo regime legal, pelo que, não está incluído na previsão do art.º 644.º, n.º 1, al. a, do C.P.C.

Face ao exposto, nesta vertente, assiste razão ao recorrido, sendo o recurso extemporâneo.

Aliás, mesmo que assim não fosse entendido, o recurso não poderia ter sido recebido, tendo por base o valor da sucumbência, como iremos ver no ponto seguinte.

Ponto ii

Não ser recebido o recurso face ao valor da sucumbência.

Refere o recorrido que, o recurso também não deveria ser recebido, tendo por base o valor da sucumbência.

Para tanto, afirma, entre o mais que, só pode recorrer quem ficou vencido na causa – art.º 631.º, do C.P.C. – e só o pode fazer quem ficou vencido no valor superior a metade da alçada do tribunal de cuja decisão se recorre – art.º 629.º, n.º 1, co C.P.C.

Para tanto estriba-se em doutrina e jurisprudência.

A propósito cita Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 3.ª edição Coimbra, Editora, junho de 2005, fls. 54, Ac. do S.T.J. de 21/4/2022, proc.º n.º 2912/16.0T8STR.E1.S1, relatado por Fernando Baptista, bem como o Ac. da Rel. de Évora, relatado por Mário Coelho, citado no aresto do S.T.J. e Ac. Rel. de Guimarães, de 1/2/2024, proc.º n.º 1989/23.7T8GMR-B.G1, relatado por Rosália Cunha.

Entendimento diverso advoga o recorrente, referindo que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em situações análogas às suas, e, independentemente do valor dos honorários reclamados e da sucumbência referida no n.º 1 do artigo 629º, do CPC, têm admitido o recurso, citando a propósito:

• Tribunal da Relação de Lisboa em entendimento propugnado por Decisão Singular proferida nos autos do Proc. n.º 1295/13.5TBSCR-B.L1, de 03.03.2020 ( disponível em https://portal.oa.pt/media/130618/decisao-singular_tribunal- da-relacao-de-lisboa.pdf).

• Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão datado de 21.01.2021 e proferido no Proc. n.º 460/19.6T8VNF-A (disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/5806eb4d10ec35f380258670005c776e?OpenDocument)

• Tribunal da Relação de Évora em Acórdão proferido nos autos do Proc. n.º 1277/13.7BCTX-O. E1, em 26-01-2021, cfr. Doc. 1 que se junta em anexo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

• Decisão datada de 24/06/2022 proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em situação totalmente análoga à presente, no âmbito do Processo n.º 1034/19.7T8AMD-B.L1, cfr. Doc. 2 que se junta em anexo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

• Decisão datada de 30-06-2022 proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em situação totalmente análoga à presente, no âmbito do Processo n.º 1575/17.0T8AMD-B.L1, cfr. Doc. 3 que se junta em anexo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

• Decisão do Tribunal da 3.ª Secção do Relação do Porto datada de 06/05/2023 proferida no âmbito do Processo n.º 967/14.1T8GDM-D.P1 cfr. Doc. 4 que se junta em anexo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

• Decisão do Tribunal da 2ª secção da Relação de Lisboa datada de 18/03/2024 proferida no âmbito do Processo n.º 400/19.2T8AMD-D.L1, disponível em https://portal.oa.pt/media/142712/processo-n%C2%BA-400-192t8amd-dl1- recurso-deapelacao.pdf

• Acórdão do Tribunal da 6ª secção da Relação de Lisboa datada de 05/04/2024 proferida no âmbito do Processo n.º 476/15.1T8AMD-B.L1, cfr. Doc. 5 que se junta em anexo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

Apreciando.

Sabemos que a questão não é pacifica há quem advogue a sua admissibilidade e quem assim não entenda, que é o nosso caso.

“Dispõe o art. 629º, nº 1, do CPC, que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Portanto, à luz desta norma, para que seja admissível o recurso interposto é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:

1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000,00, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;

2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500,00, correspondente a metade do valor dessa alçada.

Existindo uma fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá, porém, atender-se somente ao valor da causa.

Como é sabido “a sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu…” (Acórdão do STJ, de 14.5.2015, Relator Fernando Bento, in www.dgsi.pt).

Com este requisito, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores (neste sentido cf. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, 5ª edição, págs. 44 e 45).

No caso em apreço, o valor não é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2 500,00), sendo certo que a decisão impugnada também não se enquadra em nenhuma das situações referidas nos nºs 2 e 3 do art. 629º do CPC em que é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência.

Na verdade, temos para nós, se fosse intenção do legislador, que os recursos sobre tal matéria, fossem sempre admissíveis, independentemente do valor, teria o referido, como o fez em relação às situações plasmadas nos n.ºs 2 e 3, do art.º 629.º, do C.P.C., no artº 542º, nº 3 CPC (litigância de má fé) e no artº 27º, nº 6 do RCP (condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional) em que há recurso independentemente da causa e da sucumbência, nos termos ali explanados. Excepções essas que extravasam do caso ou situação que ora se aprecia.

Nem se diga que o recorrente não é parte no processo, intervindo no mesmo na qualidade de patrono nomeado.

Pois como se sabe, a legitimidade para recorrer advém-lhe, não da qualidade de parte, que não possui, mas da qualidade de pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão, sendo-lhe conferida a possibilidade de recorrer da decisão pelo disposto no art. 631º, nº 2, do CPC.

As normas que contêm os pressupostos legais atinentes aos recursos aplicam-se indistintamente a todos os recorrentes. Só assim não seria se houvesse alguma norma especial que consagrasse alguma exceção sobre essa matéria.

Embora os nºs 2 e 3 do art.º 631º do CPC confiram legitimidade para recorrer a quem não é parte na causa, nomeadamente a terceiros e partes acessórias, nem essas normas nem qualquer outra dispensam a aplicabilidade dos restantes requisitos processuais de admissibilidade de recurso quanto a esses recorrentes.

Por assim ser, e não existindo qualquer norma que dispense um terceiro que recorre de uma decisão ao abrigo da legitimidade conferida pelo nº 2 do art. 631º, do CPC, da verificação dos requisitos de admissibilidade consagrados no art. 629º, nº 1 atinentes ao valor da causa e da sucumbência, os mesmos são-lhe aplicáveis.

Não o tendo feito, não vemos como ser possível admitir o recurso (cfr. neste sentido, entre outros Ac.s da Rel. de Guimarães, de 21.03.2019, proc.º n.º de 21.03.2019, 4954/18.2T8VNF-C.G1, relatado por Maria João Matos, com voto de vencido de António José Saúde Barroca Penha, bem como a doutrina e jurisprudência nele citada, a propósito, Ac. da mesma Rel. de 1/2/2024, proc.º n.º 1989/23.7T8GMR-B.G1, relatado por Rosalina Cunha e a jurisprudência nele citada, a propósito, Ac. da Rel. de Guimarães, de 21/4/2022, proc.º n.º 4168/21.4T8GMR.G1, relatado por Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício, e os acórdãos nele citados, Ac. da Rel. de Évora, de 27/1/2022, Proc.º n.º 2912/16.0T8STR-E.E, relatado por Mário Branco Coelho e os acórdãos nele citados, Ac. da Rel. de Guimarães, de Ac.s do STJ, de 24.4.2018, proc.º n.º 3429/16.9T8STS-B.P1.S1, relatado por Ana Paula Boularot, de 2.03.2021, proc.º n.º 1119/19.0YLPRT.L1.S1, relatado por Ricardo Costa, de 27.02.2018, 1747/17.8T8ACB-A.C1.S1, relatado por Ana Paula Boularot, de 14.05.2019, proc.º n.º 12/12.1TBGMR-F.G1.S2, relatado por relator Ricardo Costa).


*

O recorrente invoca que a não admissibilidade do recurso é suscetível de violação nos artsº 20º (direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva, por coartar o direito de recurso) e 13º (princípio da igualdade) da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos cada uma das situações:

i)- Quanto à pretensa violação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva.

Quanto a esta matéria deixamos aqui referido o aludido no Ac. do S.T.J. de 21/4/2021, proc.º n.º 2912/16.0T8STR-E.E1.S1, relatado Fernando Baptista de Oliveira “Acerca da conformidade constitucional do estabelecimento de um sistema de alçadas limitador do recurso em processo civil, o Tribunal Constitucional vem entendendo que, ao contrário do que sucede no processo penal, a Constituição não impede ao legislador ordinário a definição dos casos e dos termos em que o recurso é admissível em processo civil, desde que o faça de forma não arbitrária e não discriminatória. Por especialmente relevante nesta questão, cita-se o Acórdão n.º 106/2006 daquele Tribunal, www.tribunalconstitucional.pt., «(…) o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente que não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da CRP. Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99 e 415/2001 (…), o direito, que o artigo20.º, n.º 1, da CRP, a todos assegura de acesso ao direito e aos tribunais para defesa seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade noque diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

Para além disso, algumas opiniões têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).

Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com ARMINDO RIBEIRO MENDES (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100-104), que, prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos.

“Respeitados estes limites – conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das alçadas.»

Logo, para além do Recorrente não ter razão quando afirma que, face aos valores em causa, estaríamos perante um direito sem tutela por impossibilidade de recurso para um tribunal superior, pois o que a Constituição exige é a apreciação do litígio por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, não impedindo o estabelecimento de limites ao direito de recurso em processo civil, como mecanismo de racionalização do sistema judiciário”

Acrescente-se que é uniforme o entendimento de que qualquer das condições previstas no artº 629º, nº 1 CPC (alçada e sucumbência), limitadoras do direito ao recurso, não sofre de inconstitucionalidade material (STJ, Ac. de 19.5.2016 – proc. 122702/13), suposto que seja o respeito pelo princípio da proporcionalidade (cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUIS FILIPE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., pp 779”.

No mesmo sentido, entre outros Ac. da Rel. de Guimarães, de 1/2/2024, proc.º n.º 1989/23.7T8GMR-B.G1, relatado por Rosalina Cunha, bem como a doutrina e jurisprudência nele citada a esse propósito.

ii)- Quanto à alegada violação do princípio da igualdade

Quanto a esta matéria deixamos aqui referido o aludido no Ac. do S.T.J. de 21/4/2021, proc.º n.º 2912/16.0T8STR-E.E1.S1, relatado Fernando Baptista de Oliveira

“O princípio da igualdade encontra-se acolhido pelo artigo 13.º da Constituição que, no seu n.º 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o n.º 2, por sua vez, que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social».

Segundo a generalidade da doutrina ( Cfr. JORGE MIRANDA, in «O Regime dos Direitos, Liberdades e Garantias», AA.VV., Estudos Sobre a Constituição, volume iii, Coimbra, Almedina, 1979, pág. 50), e a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/90, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12.09.1990 e os acórdãos nºs 186/90, 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, 1.ª série, de 03.03.1988, e 2.ª Série, de 12.09.1990, 30.07.1993, 06.10.1993, 19.01.1994 e 30.08.1994, respetivamente), o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais. Inversamente, o princípio proíbe o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais.

Nesta mesma linha, afirmou-se, entre muitos outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 362/2016, Acessível in www.dgsi/tc.pt, que «a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado. Proíbe, isso sim, as discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias».

No mesmo sentido, entre outros Ac. da Rel. de Guimarães, de 1/2/2024, proc.º n.º 1989/23.7T8GMR-B.G1, relatado por Rosalina Cunha, bem como a doutrina e jurisprudência nele citada a esse propósito.

Face ao exposto, não vislumbramos qualquer violação aos artigos da C.R.P., citados, ou a quaisquer outros.

Sem mais considerandos não se recebe o recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, pelo mínimo.».

Revisitando a argumentação tecida nesta decisão e acima reproduzida, constata-se que a mesma mantém plena actualidade e validade, o que se reitera em sede de Conferência.

Não obstante e em reforço do assinalado, aditam-se as seguintes considerações. 

É consabido que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, sendo estes ordinários (de apelação e de revista), ou extraordinários (para uniformização de jurisprudência e de revisão), preenchidos que estejam determinados pressupostos taxativamente indicados (v.g., a tempestividade, a sucumbência, o vencimento, a não renúncia ao direito a recorrer, etc.) – arts. 627.º, 628.º, 629.º, 631.º, 632.º e 638.º, todos do Código de Processo Civil.

Contudo, de entre os vários pressupostos é indiscutível que avulta, desde logo, a própria admissibilidade do recurso da decisão – art. 630.º, n.º 1.    

No caso em exame, a aferição da recorribilidade do despacho faz confrontar os conceitos da tempestividade, da alçada do Tribunal e da sucumbência, cabendo aquilatá-los na medida do que seja pertinente à decisão.   

É inequívoco que o recurso foi apresentado em momento temporal posterior ao termo da instância executiva, com o que há que definir qual o prazo para a interposição de recurso, se o geral de 30 dias, se o particular de 15 dias, em linha com os arts. 638.º, n.º 1, e 644.º.  

Em causa está o recurso de uma decisão que negou o pagamento adicional de honorários a il. Patrono Oficioso.

O incidente pressupõe «em regra, a existência de uma questão a resolver que se configure como acessória e secundária face ao objeto da ação ou do recurso e como ocorrência anormal e adjectivamente autónoma em relação ao processo principal.»[3].

Os incidentes da instância são «ocorrências que, em maior ou menor escala, perturbam o desenvolvimento da lide, quer declarativa, quer executiva, e exigem do juiz e das partes determinada atuação, de modo a ser retomada a tramitação normal (STJ 29-6-17, 2487/07). Posto que relacionados com algum dos elementos subjetivos ou objetivos da instância, a qualificação como “incidente da instância” pressupõe uma tramitação anómala, ainda que de natureza simplificada, no confronto com a tramitação normal, envolvendo a prolação de uma decisão apendicular em relação ao objeto do processo.»[4].

«…deve ser tratado como incidente aquilo que não se integre na tramitação normal, apresentando autonomia relativamente ao objecto do processo e que mereça ser tributado tendo em conta os princípios da causalidade e da proporcionalidade, nos termos do artigo 7.º, n.º 8 do RCP.»[5].

Subscreve-se o entendimento que foi intenção do legislador incluir naquele art. 644.º, n.º 1, al. a), tão-somente os incidentes que a lei adjectiva expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, designadamente nos seus arts. 296.º a 361.º, com o que a situação vertente será reconduzida ao art. 644.º, n.º 2, al. g).

Por conseguinte, o Reclamante dispunha do prazo de 15 dias para interpor recurso, precludindo-se esse direito por tê-lo feito para além desse prazo – cf. art. 139.º, n.º 3.

No mais, salienta-se que esta acção não se enquadra naquelas em que, independentemente do seu valor e da sucumbência, o legislador adjectivo reputou dever ser sempre admissível a instância recursiva, com respaldo no art. 629.º, n.ºs 2 e 3.  

Paralelamente, o despacho recorrido também não se subsume aos actos em que especificamente o legislador contemplou a recorribilidade, v.g., arts. 150.º, n.ºs 1, 5 e 6, 542.º, n.º 3, ou 630.º, n.º 2.

Com o que subsiste a previsão normativa geral do art. 629.º, o qual, sob a epígrafe Decisões que admitem recurso, estipula no seu n.º 1, que:

«O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.».

No que tange à alçada do Tribunal, a mesma é «…precisamente o limite de valor até ao qual o tribunal julga definitivamente, não sendo admitido recurso das decisões proferidas em causas cujo valor se contenha dentro desse limite.»[6]

Para a concretização da alçada do Tribunal a quo, rege o art. 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 27 de Agosto), dispondo que em matéria cível, a alçada dos tribunais de primeira instância ascende a 5000 € (cinco mil euros), sendo certo que a admissibilidade do recurso por efeito da alçada é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (n.º 3), o que, neste conspecto, em nada interfere com os dados da questão.

«Com o DL 242/85, passou a exigir-se outro requisito suplementar: é também condição de recorribilidade que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre. Confessadamente inspirada no direito alemão, a introdução da regra da sucumbência …»[7], o que remete para a noção da medida do prejuízo concretamente sentido na esfera jurídica de quem recorre.

Do que vem de ser dito resulta inequívoco que ao Reclamante (também) falha o pressuposto da sucumbência, dado que a decisão que pretende impugnar não lhe é desfavorável em valor superior a metade (1262,26 €) da alçada do Tribunal recorrido (5000 €).

Por último, adianta-se que estando perfeitamente delimitado o valor deste pedido julgado improcedente, não está preenchida a situação de incerteza corporizada no art. 629.º, n.º 1, parte final («…atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.»)[8].

A opção de política legislativa de vedar a interposição de um recurso, por subordiná-la à concorrência simultânea dos pressupostos da alçada e da sucumbência, não sendo uma previsão arbitrária ou intolerável, não contende com a garantia constitucional, inscrita no seu art. 20.º[9], relativa ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, na dimensão do direito ao recurso, nem com o princípio da igualdade[10].

Termos em que se conclui pela manutenção do douto despacho reclamando, confirmando-se a decisão do Relator, resultando prejudicado o conhecimento do demais alegado em sede de recurso.

Pelo decaimento, o Reclamante responde pela satisfação das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).

X.

Decisão:

Segundo explanado, acordam em Conferência os juízes deste Tribunal da Relação em desatender a Reclamação apresentada, confirmando o teor da Decisão Sumária.  

O pagamento das custas processuais impende sobre o Reclamante.

Registe e notifique.


Coimbra, 27 de Maio de 2025

(assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)



[1] Juiz Desembargadora 1.ª Adjunta: Dra. Maria Catarina Gonçalves
Juiz Desembargador 2.º Adjunto: Dr. José Avelino Gonçalves
[2] Execução Sumária finda (com Sentença de extinção por transacção, que remonta a 18-05-2023), bem como os Apensos A (Procedimento Cautelar), B (Reclamação de Créditos), e C (Recurso de Apoio Judiciário). 
[3] Salvador da Costa in, Os Incidentes da Instância, 9.ª Edição, Almedina, 2017, p. 8.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2019, p. 338.
[5] Idem, anotação ao art. 527.º.
[6] Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in, Código de Processo Civil Anotado, 3.º Volume, Almedina, 3.ª Edição, Março de 2022, anotação ao art. 629.º, p. 23, nota 2, e Rui Pinto in, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2018, p. 226, nota 4.
[7] Lebre de Freitas et al., p. 24, nota 2, aditando na p. 27, nota 4, que «…a sucumbência quanto à interposição de um recurso da decisão de 1.ª instância afere-se pela diferença entre o valor peticionado e o valor da procedência parcial.».
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2.ª Edição Actualizada, 2020, anotação ao art. 629.º, p. 779, nota 2.
[9] Em cujo segmento pertinente afirma que:

«4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.».
[10] Por todos, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 253/2018, Proc. n.º 699/2017, 3.ª Secção, de 17-05-2018, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180253.html.