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RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
REQUISITOS
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
Sumário
I – A compensação está regulada no art.º 874º do Código Civil, como um meio de extinção da obrigação pressupõe a existência de dívidas diferentes, cujos sujeitos são simultaneamente credor e devedor um do outro. II – Vale, nosso direito societário, o princípio geral de que cada sociedade responde única e exclusivamente pelas suas próprias dívidas (cfr. artigos 397.º e 601.º do Código Civil e art.ºs 197, n.º 3 e 271.º do Código das Sociedade Comerciais). III – Este princípio pode ser derrogado quando se mostre verificado o circunstancialismo previsto no art.º 501º do Código as Sociedades Comerciais, que estabelece um regime especial de responsabilidade por dívidas de acordo com o qual, em determinadas circunstâncias, uma sociedade diretora ou dominante pode ser responsável pelas obrigações de uma subsidiária – sociedade subordinada ou dependente – quando tais obrigações tenham sido constituídas antes ou na vigência dessa relação de grupo. IV – Não tendo alegado o concreto circunstancialismo previsto pela mencionada norma legal, não pode a reconvinte peticionar a compensação do crédito que a autora detém sobre ela com um crédito que ela própria detém sobre uma outra sociedade, ainda que a autora seja detentora de parte do capital social desta. V – Como tal, não é admissível a reconvenção que tenha deduzido com fundamento na al. c), do n.º 2 do art.º 266º do Código de Processo Civil. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,
Nos autos de ação declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, em que é autora «A..., Ldª» e ré «B..., Ldª», a autora pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de €1.352.152,29 – correspondente ao preço de um conjunto de fornecimentos de maçã que não foram por esta pagos - acrescida de juros vencidos à taxa legal comercial em vigor sobre a quantia de €1.126.032,92 até efetivo e integral pagamento.
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A ré contestou por impugnação e por exceção e apresentou reconvenção.
Quanto a esta alegou em síntese que:
- É titular de um crédito proveniente de serviços de seleção e embalamento de maçã, no período decorrido entre 17 de setembro de 2022 e 31 de agosto de 2023, prestados à sociedade «C..., S.A.» (doravante designada «C...), tendo emitido, em nome desta, a competente fatura, no valor total de €398.789,38.
A autora e a C... são entidades relacionadas (e bem assim a Ré), considerando que o capital social da C... é detido em 50% pela aqui autora, sendo o remanescente do capital social detido por outras quatro sociedades, entre as quais a aqui ré.
Os sócios da A..., Lda., tal como o legal representante da ré, estão incluídos no conselho de administração da C..., sendo presidente desse conselho o sócio-gerente da aqui autora.
A mencionada fatura, na qual se previa o pronto pagamento, deveria ser objeto de encontro de contas entre as sociedades C..., A... e B....
Acresce que, nos termos do contrato de locação de estabelecimento comercial celebrado entre a ré e a sociedade C..., esta sociedade está obrigada a reembolsar a ré dos encargos decorrentes da cessação dos contratos de trabalho que não lhe foram transmitidos, os quais ascendem ao valor global de €139.815,64, conforme resultou de acordo alcançado com os trabalhadores em causa no tribunal de trabalho.
Alegou ainda a reconvinte que entre as três sociedades – autora, ré e C... - existia uma conta-corrente, na qual se registavam variações a positivo e a negativo, fruto das intensas trocas comerciais que se verificavam desde a criação da C..., razão pela qual os referidos créditos que invoca sobre esta última sociedade devem ser objeto de encontro de contas com os quantitativos peticionados nos autos, operando-se a compensação, nos termos conjugados dos artigos 847º e seguintes do Código Civil e 266º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.
Conclui a sua peça processual nos seguintes termos:
- Deve a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada; e, em consequência,
- Deve a R. ser absolvida do pedido;
- Deve o pedido reconvencional ser julgado procedente, por provado; e,
em consequência;
- Deve a Reconvinda ser condenada a pagar à Reconvinte a quantia de € 538.605,02 (quinhentos e trinta e oito mil seiscentos e cinco euros e dois cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal comercial, até integral pagamento, montante que deve ser compensado com alguma quantia que porventura se venha a reconhecer ser devida pela Reconvinte à Reconvinda;
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A autora apresentou réplica, em 24 de setembro de 2024, onde, além do mais, pugna pela inadmissibilidade legal da reconvenção e impugna a factualidade em que a ré fundamenta a sua pretensão reconvencional
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Dispensada a realização da audiência prévia, em 19 de novembro de 2024, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão no que se refere ao pedido reconvencional:
Da reconvenção:
A reconvenção, respeitados determinados requisitos legais, surge como a reunião, dentro do mesmo processo, de pretensões materiais contrapostas, consagrando o princípio da economia processual, permitindo o “julgamento unitário de todo o litígio pendente entre as partes e atenuar os efeitos negativos que podem emergir de divergentes decisões sobre realidades muito próximas ou interdependentes”.
Alberto dos Reis definia-a como uma ação cruzada, onde o réu aproveita a iniciativa do autor para, na contestação, deduzir contra ele uma pretensão de efeitos contrários ou com objeto diferenciado.
A reconvenção é, assim, uma espécie de contra-acção, em que existe um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor.
Todavia, a admissibilidade da reconvenção está sujeita a determinadas condicionantes legais, estabelecendo o legislador, no artigo 266.º n.º 2 do Código de Processo Civil, os requisitos substanciais de admissibilidade do pedido reconvencional.
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 266.º, n.º 1 e 2, alíneas a) a d), do Código de Processo Civil, o réu pode formular pedidos contra o autor, em reconvenção, nas situações previstas naquelas alíneas.
No caso em apreço, a Ré apresenta reconvenção, na qual peticiona que a Autora seja condenada no pagamento do montante de €538 605,02 e que tal valor seja compensado no eventual crédito da Autora.
Veja-se que Ré, num esforço argumentativo, alegou e em síntese útil, que é titular de um crédito o qual corresponde à prestação dos serviços de seleção e embalamento de maçã, no período decorrido entre 17 de setembro de 2022 e 31 de agosto de 2023, prestados à C..., S.A. (doravante, C...), tendo emitido a competente fatura, em nome desta e que juntou como documento 1.
Mais alegou que a Autora e a C... são entidades relacionadas (e bem assim a Ré), considerando que o capital social da C... era, até 31 de dezembro de 2022, detido em 50% pela D..., S.A. (D..., de ora em diante) e em 50% pela A..., aqui Autora.
Atualmente, o capital social da C... é detido por quatro sociedades: a Autora, que mantém ações de valor equivalente a 50%; a Ré, que adquiriu ações de valor equivalente a 16,66%; as E..., Lda. e a F..., S.A., cada uma com 16,66%
Ambos os sócios da A..., Lda. estão incluídos no conselho de administração da C..., S.A.”. As contas daquela sociedade comercial identificam os membros do Conselho de Administração: o Presidente é o sócio-gerente da aqui A., AA (que também usa AA), e os demais Administradores são BB, mulher do Sr. AA e detentora de uma participação social equivalente a 25% da A..., Lda., aqui A., CC e DD, sócio- gerente da ora Ré.
A fatura junta como documento 1 referente à seleção e embalamento de maçãs comercializadas pela C..., na qual se previa o pronto pagamento, deveria ser objeto de encontro de contas entre as sociedades C..., A... e B.... Mas devido ao protelamento de AA, tal fatura veio a ser emitida em final de 2023.
Mais alegou que entre estas três sociedades existia uma conta-corrente, na qual se registavam variações a positivo e a negativo, fruto das intensas trocas comerciais que se verificavam desde a criação da C..., daí que os encontros de contas a três (e com outras sociedades com estas relacionadas), sobretudo através do recurso a cessões de créditos, fossem uma constante, como tratou de concretizar nos artigos 21 a 38 da contestação, relatando as relações comerciais estabelecidas entre a Ré a C..., das quais resultou mais um crédito, devendo ser objeto de encontro de contas com os quantitativos peticionados nos autos.
Termina alegando que Flui do que alegou que o espírito que presidiu à celebração desta profusão de negócios passava pelo encontro de contas entre as quantias que se vêm de elencar, atendendo até ao emaranhado de sociedades e pessoas singulares, relacionadas entre si, acrescenta-se, que estes negócios envolvem, pelo que em coerência, na eventualidade de se vir a reconhecer que é devida alguma quantia por parte da Ré à A., deve operar-se a compensação, nos termos conjugados dos artigos 847º e seguintes do Código Civil (abreviadamente, CC) e 266º, n.º 2, alínea c) do CPC, na parte correspondente e verificados que estão os requisitos de que esta depende.
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Não se levantam dúvidas relativamente aos requisitos processuais e substantivos de que depende genericamente a admissibilidade da reconvenção, pois que ao pedido da Ré corresponde a mesma forma de processo do que ao pedido da Autora – nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
Porém, não é qualquer ligação ou relação entre a pretensão do autor e a pretensão do réu que permite que seja deduzida reconvenção, havendo forçosamente que verificar-se algum dos requisitos de ordem objetiva em satisfação da exigência legal de uma determinada conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, traduzido em qualquer uma das alíneas do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil.
O artigo 266.º, n.º 2, dispõe que a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Os factos concretamente alegados para sustentar o pedido reconvencional facilmente se constata que os mesmos não se enquadram nas alíneas a), b) e d).
Com o pedido reconvencional em causa, a Ré pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter o pagamento seja para obter a compensação na parte em que não excede o valor do crédito da Autora. Todavia, facilmente se conclui que também este fator de conexão se não verifica.
A referida alínea c) tem em vista a hipótese de o direito invocado pela Ré ter natureza creditícia e envolver uma relação creditícia recíproca entre as partes. A sua parte final não deixa dúvidas a esse respeito, ao prever a hipótese de o reconhecimento de um direito de crédito invocado por via reconvencional visar a obtenção do pagamento do valor “em que o crédito invocado excede o do autor”.
Prevê-se, claramente, a hipótese de confronto entre dois direitos de crédito, invocados, um pelo autor e o outro pelo réu, créditos recíprocos, os quais se deverão compensar.
O regime substantivo da compensação, constante dos artigos 847.º a 856.º do Código Civil, confirma a exigência de que, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, têm de estar em confronto direitos de crédito recíprocos, ou seja, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor. O corpo do n.º 1 do artigo 847.º não podia ser mais claro a esse respeito que quando duas pessoas sejam reciprocamente credoras e devedoras, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor. Portanto, não há compensação com créditos de terceiros (como refere expressamente o artigo 851º do Código Civil ao tratar da reciprocidade dos créditos), como é o caso dos autos, pois que a devedora da Ré não é a Autora antes a C... e a tal não obsta o facto de existir entre as pessoas coletivas envolvidas uma especial relação, tal como relatado pela Ré. Tal relação não se comunica à titularidade dos créditos de que cada uma possa ser titular, sendo que tratam-se de pessoas jurídicas diferentes.
Cremos ser evidente que não estamos perante a figura da compensação, nos termos conjugados dos artigos 847º e seguintes do Código Civil e 266º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, pois que não se verificam os requisitos exigidos pelo normativo indicado.
Resulta do exposto que o pedido reconvencional formulado pela Ré é inadmissível porque não se verifica o fator de conexão entre o pedido deduzido pela Autora e o pedido reconvencional previsto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil o que configura uma exceção dilatória atípica ou inominada, que determina a absolvição do Autor da instância reconvencional, nos termos do disposto no artigo 576º, n.º2 do Código de Processo Civil.
Pelo supra exposto, julga-se inadmissível o pedido de condenação da Autora formulado na Reconvenção, no montante de € 538 605,02 e, em consequência ,absolve-se a Autora da instância reconvencional.
Custas da reconvenção a cargo da Ré, nos termos do disposto no artigo 527º do Código Civil.
Registe e notifique.
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Inconformada com esta decisão, veio recorrer a ré, formulando nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
(…).
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A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, que conclui nos termos que, de seguida, se transcrevem:
(…).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo a questão a apreciar saber se o pedido reconvencional deduzido pelo interveniente principal é ou não processualmente admissível.
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Fundamentação de facto.
A factualidade que resulta do antecedente relatório mostra-se bastante à apreciação do recurso.
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Fundamentação de Direito.
Os pressupostos da admissibilidade da dedução de reconvenção encontram-se previstos no artigo 266.º, do Código de Processo Civil
Prescreve esse preceito legal, sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”: “1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. 4. Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção. 5. No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 37.º. 6. A improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.”.
A reconvenção traduz-se numa modificação do objeto da ação e configura a formulação de um pedido substancial ou pretensão autónoma por parte do réu contra o autor, constituindo uma das exceções ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no art.º 260.º do Código de Processo Civil.
Consiste numa contra-acção ou numa ação cruzada, enxertada numa outra ação, em que há um pedido autónomo apresentado pelo reconvinte contra o reconvindo, corporizando uma pretensão distinta que poderia ter alicerçado uma ação autónoma contra o autor e cuja admissibilidade depende, desde logo, da comprovação de uma conexão material com a ação primitiva[1] –A imposição de fatores de conexão tem por fundamento, nas palavras de Anselmo de Castro[2], o facto de que “(s)e ao exercício do poder reconvencional não fossem postos quaisquer entraves, resultariam graves inconvenientes para o autor, ocasionados sobretudo pelo retardamento da concessão da tutela judiciária por ele invocada. De facto, a reconvenção incondicionada abriria as portas a quaisquer pedidos formulados pelo réu contra o autor, pedidos de que o tribunal teria de conhecer concomitantemente com o formulado por este, que veria assim, o processo marchar morosamente, talvez com inevitáveis e irreparáveis repercussões sobre a sua esfera jurídica.”.
O n.º 2 do art.º 266.º do Código de Processo Civil enumera, taxativamente, os fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção, concretamente: (i) compartilhar a mesma causa de pedir, de modo parcial ou total; (ii) pretender efetivar o direito a benfeitorias; (iii) exercer o direito à compensação de créditos, ou (iv) visar obter, ainda que parcialmente, idêntico efeito jurídico.
No caso, é evidente a não verificação dos fatores de conexão estabelecidos nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 da supra citada norma. A recorrente não os invoca, antes sustentando que a reconvenção é admissível ao abrigo do disposto na alínea c).
Esta alínea admite a reconvenção quando o réu pretenda o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
O regime substantivo da compensação, constante dos artigos 847.º a 856.º do Código Civil, confirma a exigência de que, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, têm de estar em confronto direitos de crédito, invocados, um pelo autor e o outro pelo réu.
Atente-se na lei, artigo 847º Código Civil (compensação, requisitos): “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: (negrito nosso); a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
c) Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente (…)”
A compensação está regulada na lei civil como um meio de extinção da obrigação. O que a justifica é a existência de duas dívidas diferentes, cujos sujeitos são simultaneamente credor e devedor um do outro, sendo, por isso, irrazoável que tenham ambos de cumprir a obrigação, em vez de fazerem encontro de contas[3]
No caso dos autos, entendeu a sentença recorrida não se verificarem os pressupostos da compensação na medida em que o crédito com o qual a reconvinte pretende compensar o crédito que sobre ela detém a autora não é um crédito sobre a própria autora, mas si sobre um terceiro.
De acordo com a o tribunal a quo: “Portanto, não há compensação com créditos de terceiros (como refere expressamente o artigo 851º do Código Civil ao tratar da reciprocidade dos créditos), como é o caso dos autos, pois que a devedora da Ré não é a Autora antes a C... e a tal não obsta o facto de existir entre as pessoas coletivas envolvidas uma especial relação, tal como relatado pela Ré. Tal relação não se comunica à titularidade dos créditos de que cada uma possa ser titular, sendo que tratam-se de pessoas jurídicas diferentes”.
Daqui extraiu o mesmo tribunal a conclusão da inadmissibilidade do pedido reconvencional, por não se verificar o fator de conexão entre o pedido deduzido pela autora e o pedido reconvencional previsto no art.º 266º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, considerando verificar-se uma exceção dilatória atípica ou inominada que determina a absolvição do autor da instância reconvencional.
Insurge-se a recorrente contra esta decisão, essencialmente, pelas seguintes pelas seguintes razões:
- A recorrida e a C... são entidades relacionadas, detendo a primeira 50% do capital social da segunda, sendo o remanescente desse capital social detido por quatro outras sociedades, uma delas a aqui recorrente;
- Os sócios da recorrida estão incluídos no conselho de administração da C..., o qual é presidido pelo legal representante da recorrida;
- Entre todas essas sociedades, incluindo a recorrente a recorrida, e a C..., realizam-se transações comerciais de valor superior a €3.000,000,00;
- Entre a recorrente, a recorrida e a C... existe uma conta corrente, sendo que a fatura que titula a dívida da C... e as demais dívidas desta sociedade para com a recorrente para com a recorrente deveriam ter sido objeto de um acerto de contas entre essas três sociedades.
Vejamos.
Vale, nosso direito societário, o princípio geral de que cada sociedade responde única e exclusivamente pelas suas próprias dívidas (cfr. artigos 397.º e 601.º do Código Civil e art.ºs 197, n.º 3 e 271.º do Código das Sociedade Comerciais, no que respeita à responsabilidade das sociedades por quotas e das sociedades anónimas, respetivamente).
É verdade que esse princípio pode sofrer derrogações, designadamente o regime de responsabilidade previsto no artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais (cuja epígrafe é «Responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada»), que estabelece um regime especial de responsabilidade por dívidas de acordo com o qual, em determinadas circunstâncias, uma sociedade diretora ou dominante pode ser responsável pelas obrigações de uma subsidiária – sociedade subordinada ou dependente – quando tais obrigações tenham sido constituídas antes ou na vigência dessa relação de grupo.
“A lei qualifica três situações de sociedades em relação de grupo:
(i) Grupos constituídos por domínio total: quando uma sociedade – dita dominante – detém a totalidade das ações representativas do capital social de uma outra sociedade – dominada – podendo essa relação de domínio total ser inicial ou superveniente (cfr. artigos 488.º e 489.º do Código das Sociedades Comerciais);
(ii) Contrato de grupo paritário: quando duas ou mais sociedade que não sejam dependentes nem entre si nem de outras sociedades, constituem um grupo, mediante contrato pelo qual aceitam submeter-se a uma direção unitária e comum (cfr. artigo 492.º do Código das Sociedades Comerciais); e
(iii) Contrato de subordinação: quando uma sociedade – dita subordinada – aceita, por contrato, subordinar a gestão da sua própria atividade à direção de uma outra sociedade, quer seja sua dominante, quer não (cfr. artigo 493.º do Código das Sociedades Comerciais).
De entre estas três situações que configuram uma relação de grupo, o artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais está sistematicamente inserido na regulação das sociedades submetidas a um contrato de subordinação. Não obstante, para além da sua aplicação (direta) às sociedades submetidas a um contrato de subordinação, o regime estabelecido no artigo 501.º do CSC (e também nos artigos 502.º a 504.º do Código das Sociedade Comerciais) é aplicável às sociedades em relação de grupo por domínio total (inicial ou superveniente) – i.e., à sociedade dominante e à sociedade dependente - por força da norma remissiva constante do artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais”[4].
Todavia, no caso em apreço, a reconvinte não alega factos suscetíveis de caracterizar a relação entre a autora e a sociedade C... como uma relação de grupo de sociedades nos termos supra mencionados, muito menos uma situação de domínio total da sociedade autora sobre a referida sociedade C..., ou de um contrato de subordinação pelo qual esta última tenha subordinado a gestão da sua atividade à direção daquela.
Temos, pois, de concordar a decisão recorrida quando afirma que a especial relação entre as sociedades – decorrente, designadamente, da circunstância deo capital social da C... ser detido em 50% pela autora, ora recorrida, ainda do facto de os sócios da recorrida integrarem o conselho de administração de tal sociedade e de o legal representante da recorrida ser presidente desse conselho de administração – é, por si só, insuscetível de “comunicar à titularidade dos créditos de que cada uma possa ser titular, sendo que tratam-se de pessoas jurídicas diferentes”.
Não foi também alegado que a autora tenha, de algum modo, assumido qualquer das dívidas que a sociedade C... tem perante a reconvinte, o que a ter-se verificado, diga-se, constituiria um ato nulo por violação do princípio da especialidade do fim previsto no art.º 6º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, em razão do disposto no art.º 294º do Código Civil.
Por último, refira-se que nos parece irrelevante, para este efeito, a alegada existência de uma conta corrente entre as três sociedades, “na qual se registavam variações a positivo e a negativo fruto das trocas comerciais entre elas, sendo frequente o encontro de contas entre elas”. Ainda que a recorrente pretenda aludir a uma compensação contratual (distinta da compensação legal, cujos pressupostos estão previstos no citado art.º 847º do Código Civil) o certo é que, de acordo com sua própria versão dos factos, os créditos que diz deter têm como sujeito passivo pessoa jurídica distinta da autora.
Não estão, pelas razões supra expostas, verificados os pressupostos da figura jurídica da compensação, razão pela qual a decisão recorrida deverá manter-se.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
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Coimbra, 27 de maio de 2025
Assinado eletronicamente por: Hugo Meireles Cristina Neves Luís Miguel Carvalho Ricardo
(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)
[1] Cf. Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online, 2024, p. 145, nota 2; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pp. 397 a 416; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, pp. 530 a 540; e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, 2022, pp. 334 a 342. [2] In Direito Processual Civil Declaratório, 1981,Volume I, p. 172 [3] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, p. 104. [4] O ÂMBITO DE APLICAÇÃO TEMPORAL DO ARTIGO 501.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS: CESSAÇÃO DA RESPONSABILIDADE COM A EXTINÇÃO DA RELAÇÃO DE GRUPO - Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 33-2012- disponível in https://www.uria.com/documentos/publicaciones/3596/documento/P3.pdf?id=4398