I - No processo de acompanhamento de maior a produção de prova documental, sem prejuízo dos poderes inquisitórios que incumbem ao tribunal, obedece ao regime previsto no art. 423º do C.P.C.
II – Por força desse regime (art. 423º, nº1, do C.P.C.), conjugado com as disposições que regulam o referido processo (arts. 892º, nº1, alínea e), e 897º, nº1, do C.P.C.) e os processos de jurisdição voluntária (art. 293º, nº1, do C.P.C.), os documentos devem ser apresentados em sede de articulados.
III – Sendo apresentado um conjunto de suportes documentais após se ter concluído a inquirição de testemunhas, a admissibilidade da respetiva junção está dependente da verificação de um dos seguintes pressupostos:
a) Impossibilidade de apresentação até ao momento em que é formulado o respetivo requerimento probatório;
b) Facto superveniente que torne necessária a apresentação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO.
No processo de acompanhamento de maior em que é beneficiária AA veio o requerente BB, em 19/10/2024, formular um requerimento probatório com o seguinte teor:
“Exma. Senhora Juiz de Direito
BB,
Requerente nos autos de acção especial de acompanhamento de maior, à margem referenciados, em que é Beneficiária
AA,
1. Vem, em complemento da prova já produzida nos autos, Requerer a V. Exa. A junção aos autos de vídeo efectuado na visita do Requerente à Casa..., no dia 17/09/2022, para levar a mãe a almoçar fora, que foi por este mencionado nas suas declarações, no qual é visível a forma como o filho CC e a mulher deste, DD, trataram a Requerida e impediram o Requerente de sair e, mesmo, de estar com a Mãe (doc. nº1).
2. A junção deste meio de prova mostra-se essencial à descoberta da verdade e à defesa dos direitos fundamentais da Requerida, pessoa especialmente vulnerável, pela sua idade e estado de saúde, verificado pela perícia realizada nestes autos, e foi já admitido, com relevo probatório, no processo de inquérito que corre termos no DIAP – ... Secção de Lamego, sob o nº 808/22...., originado por uma queixa-crime apresentada pela DD, nora da Requerida, contra o Requerente, e ao qual foi apensada outra queixa crime, apresentada por este contra aquela, relativa aos factos que ocorreram na referida data (17/09/2022).
3. Essa ida à Casa... ocorreu no circunstancialismo de que se deu conta nestes autos pelo requerimento apresentado em 12/10/2022, e depois da troca de mensagens por Whatsapp entre o Requerente e o irmão CC, que se juntou a esse requerimento como doc. nº 1 (e que aqui se junta novamente para fazer o enquadramento com o vídeo ora junto – doc. nº 2).
4. Nesse requerimento, relatou-se a troca de mensagens no dia 16/09/2022 e o que se passou no dia 17/09/2022, nos termos que aqui se transcrevem:
- “5. Já antevendo a oposição do irmão CC a que estivesse algum tempo sozinho com a Mãe (dado que tem impedido os contactos desta com os filhos EE e BB), o Requerente teve o cuidado de enviar uma mensagem por Whatsapp ao irmão, nesse mesmo dia, a avisar que no dia seguinte ia passar lá em casa para levar a Mãe a almoçar fora (doc. nº 1).
6. O irmão respondeu-lhe (como se fosse ele que decidisse pela Mãe): “A Mãe não está interessada em ir aonde quer que seja com aldrabões”.
7. O Requerente respondeu-lhe: “Lamento mas foi ela que me pediu e por isso faço questão de ir.”
8. E o irmão CC retorquiu: “A ver vamos…” (em nítido tom de ameaça).
9. No dia seguinte, 17 de Setembro de 2022, o Requerente dirigiu-se à Casa... pelas 12h20, e logo que chegou apercebeu-se que havia convidados para, eventualmente, o irmão vir invocar que a Mãe tinha visitas e não poderia sair com ele.
10. Quando o Requerente chegou, a Mãe, que estava sentada no terraço em frente a casa, ficou muito contente por ver este filho, mas já se tinha esquecido de que tinha combinado, na véspera, ir almoçar ele.
11. O Requerente perguntou-lhe se estava pronta e ela respondeu: “Pronta para quê?”, afirmando depois que não se lembrava da conversa tida no dia anterior.
12. Estavam presentes no mesmo terraço, à entrada da casa, a mulher do irmão CC, DD, e uma outra pessoa que o Requerente desconhecia.
13. Quanto o Requerente pediu à Mãe que se afastasse um pouco para falar com ele, de imediato a referida DD lhe disse: “Não vai tirar daqui a sua Mãe”.
14. Perante a pergunta do Requerente “O quê?”, ela voltou a dizer “Não vai tirar daqui a sua Mãe!”.
15. Chamou, entretanto, o marido (o filho da Beneficiária, CC), que se dirigiu ao Requerente e disse “Porta-te direitinho…” (em tom de voz ameaçador), enquanto a mulher deste insistia “Não vai tirar daqui a sua Mãe!”, elevando o tom de voz.
16. O Requerente (cada vez mais preocupado com a Beneficiária) só respondia “Quero falar com a Mãe”.
17. O irmão CC disse à Mãe, que entretanto se tinha levantado para conversar com o Requerente num sítio um pouco afastado do local onde se encontrava a cunhada DD e a outra pessoa presente, “Sente-se aqui imediatamente! A Mãe estava aqui sentada!” – dando-lhe uma ordem directa.
18. Entretanto, a mulher do irmão CC disse ao Requerente “Ponha-se daqui para fora, que esta casa não é sua!”;
19. E o irmão CC dizia “Desaparece!”, em tom de voz alto e ameaçador.
20. De seguida a referida DD, mais exaltada, disse: “Fora daqui! Eu rebento-lhe essa cara toda!” aproximando a sua cara à cara do Requerente.
21. O Requerente disse “Estou em casa da minha Mãe”, ao que a cunhada respondeu: “A casa é nossa, por mais que você não queira!”
22. Entretanto a mulher do irmão CC disse à outra pessoa que estava presente que levasse a sogra “a tomar a injecção”.
23. E o Requerente - entretanto impedido pelo irmão e pela cunhada de se aproximar da Mãe - viu a Mãe ser levada para dentro de casa por essa pessoa.
24. O facto de terem levado a Beneficiária para dentro de casa para tomar uma injecção, e no contexto em que tal ocorreu, provocou ao Requerente grande ansiedade, até porque sabia que a Mãe não estava a tomar nenhum medicamento injectável que lhe tivesse sido prescrito pelo médico que a seguia, no Porto;
25. Nem tão-pouco seria o momento (com visitas em casa e no meio de uma discussão) para alguém ir tomar uma injecção;
26. Verificou o Requerente que quer a cunhada, quer o irmão, dão ordens à Beneficiária elevando a voz, o que muito o incomodou e desagradou, atenta a idade e fragilidade da Mãe.
27. O Requerente ficou aflito e protestou para que a Mãe não saísse dali, mas esta foi levada para dentro de casa, acompanhada pelo filho CC, tendo sido nesse momento que o Requerente decidiu chamar a GNR.”
5. O vídeo foi interrompido no momento em que o Requerente telefonou para a GNR (tendo sido elaborado o auto que também está junto a estes autos).
6. O vídeo demonstra:
- a fragilidade e vulnerabilidade da Beneficiária, que foi levada, por ordem
dos familiares, sem ter vontade própria;
- a forma como o filho e a nora com quem a Requerida reside (em exclusivo)
impediram o Requerente de estar com a Mãe;
- que não é verdade aquilo que as testemunhas FF
e CC
disseram nas suas declarações prestadas na audiência de 09/10/2024, ou seja, “que a mãe não queria ir com o irmão BB” e, ainda,
- que, contrariamente ao que disseram, é o irmão CC que impede o Requerente de sair e estar com a Beneficiária, que não tem capacidade para exprimir a sua vontade, que não corresponde às decisões que o filho CC toma por ela.
7. Este meio de prova foi realizado no domicílio da Requerida, Casa..., onde esta reside desde 2022, e de que é exclusiva usufrutuária, na qual estavam presente, além dos familiares da Requerida, uma pessoa estranha família, e é o único meio possível para fazer a prova dos referidos factos e proteger direitos e interesses da Requerida, que devem ser tidos por prioritários e, no caso concreto, prevalecentes sobre quaisquer direitos de terceiros, sendo a gravação em questão apta e adequada a demonstrar a referida factualidade, que é essencial para a decisão a proferir nesta acção especial de acompanhamento, designadamente quanto à aplicação da medida de acompanhamento e nomeação de acompanhante.
8. Requer, ainda, a junção aos autos de um conjunto de fotografias da Requerida, tiradas no ano de 2022 (e cujas datas estão registadas nos ficheiros de imagem) quando a mesma ainda residia no ..., que contrariam o que foi referido pelos irmãos do Requerente quanto ao “inferno” em que vivia a Requerida antes de tersido levada para a Casa... (doc. nº 3).”.
***
O requerimento supra referido foi apresentado após se ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes - produção de prova que teve lugar em 18/9/2024 e 9/10/2024 -, sendo que na sessão realizada em 9/10/2024 ficou consignado em acta o seguinte:
“Compulsada a Digna Magistrada do Ministério Público e os Ilustre Mandatários presentes, pelos mesmos foi afirmado que, sobrevindos os esclarecimentos solicitados ao INML, nada têm a opor que procedam à promoção final e às alegações finais, respetivamente, por escrito.
Após, finda a inquirição das testemunhas, pela Mma. Juiz foi proferido o seguinte.
Após, notifique as Partes para, em face da concordância manifestada nesta diligência, apresentarem as alegações por escrito.
Tudo posto conclua-se os autos.”.
“Requerimento de 19 de outubro de 2024 (referência n.º 6838599)
Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 423.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi pelo artigo 549.º, n.º 1, do mesmo diploma, a junção de documentos, após se iniciar a produção de prova, reveste natureza excecional, apenas sendo admissível caso a sua apresentação não tiver sido possível até esse momento ou se a apresentação se tiver tornado necessária com a ocorrência de facto superveniente.
Ora, em face do exposto, não tendo o Requerente demonstrado a verificação de qualquer das circunstâncias elencadas (pelo contrário, conforme alegado, já se encontram na sua posse, pelo menos, desde o ano 2022), não se admite a junção do vídeo, do print das mensagens e do conjunto de fotografias atenta a extemporaneidade do requerido.”.
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Não se conformando com a decisão proferida, o requerente interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
“A) O despacho de rejeição de meios de prova, objecto do presente recurso, foi proferido na acção especial de acompanhamento de maior, intentada em 24 de Agosto de 2022, na fase de decisão, tendo já sido apresentadas alegações por escrito, pelas partes, após a diligência de inquirição dos filhos e de uma neta da Beneficiária e considerando a prova produzida nos autos, designadamente a audição da Beneficiária (apenas destinada a “apurar se a mesma perceb[ia] o significado deste processo, do mandato que conferiu e se teria capacidade para a referida autorização”), a realização de exame pericial, a inquirição dos referidos familiares e a junção de documentos ao longo dos dois anos e meio em que o processo esteve pendente; e teve por fundamento o facto de os documentos haverem sido juntos “após se iniciar a produção de prova”, aplicando, indevidamente, o disposto no art.º 423.º, n.º 3, do C.P.C..
B) De acordo com o estipulado no art.º 891.º do C.P.C., “o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.” (destaques, nossos).
C) No que se refere aos “poderes do juiz”, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; e só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art.º 986.º, n.º 2, do C.P.C.).
D) Estas normas sobrepõem-se às disposições previstas para o processo comum, que só são aplicáveis naquilo que não estiver nelas prevenido (art.º 549.º, n.º 1, do C.P.C.).
E) A possibilidade de o juiz investigar livremente os factos e coligir as provas implica que só não sejam admitidas as provas que o juiz considere desnecessárias, pelo que o fundamento para não admitir os meios de prova carreados pelas partes para o processo apenas pode ser a sua desnecessidade e não o facto de o requerimento que as apresente ter sido junto após o início da produção de prova.
F) O juiz tem, neste tipo de processos, de considerar todos os elementos que sejam relevantes (e que lhe sejam feitos chegar ou averigue directamente) e que lhe permitam, a final, proferir uma decisão justa; a liberdade que lhe é dada nestes processos, é consubstanciada na atribuição de poderes discricionários tendo em vista fazer melhor justiça, implica uma maior responsabilidade, que não arbitrariedade; o fim da norma não pode deixar de ser o interesse público fixado ao exercício da competência do juiz no caso concreto.
G) Atenta a natureza deste processo e os interesses que são pelo mesmo tutelados (tendo em conta as pessoas afectadas por ele e as medidas que podem ser aplicadas), não lhe é aplicável a norma do art.º 423.º do C.P.C., que estabelece um efeito preclusivo em consequência da não junção de documentos em determinado prazo.
H) No caso em apreço, o Tribunal não apreciou se os meios de prova juntos eram, ou não, necessários; decidiu rejeitá-los por terem sido juntos ao processo “após se iniciar a produção de prova”, o que é contrariado pela norma especial prevista para o tipo de processo em causa.
I) Por outro lado, no processo de acompanhamento de maior, o sistema processual não se baseia no princípio do dispositivo, mas sim no princípio do inquisitório, concedendo a lei ao juiz, “o poder de realizar, por si, ou de ordenar oficiosamente, todas as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade” (neste caso, para a aplicação da medida de acompanhamento, fixação da data da incapacidade e nomeação do acompanhante) “quanto aos factos alegados pelas partes e quanto àqueles de que o tribunal pode conhecer ex officio. Por outro lado, ao apurar a verdade sobre os factos relevantes para a decisão, o juiz deve tomar em conta todas as provas produzidas (…).”
J) O despacho que rejeitou os meios de prova violou, assim, o disposto nos art.ºs 891.º, n.º 1, e 986.º, n.º 2, e, ainda, 549.º, n.º 1, todos do C.P.C..
Acresce que,
K) Como resulta do teor do requerimento pelo qual se procedeu à junção do vídeo, prints de mensagens e fotografias, a junção destes meios de prova foi justificada precisamente por se ter tornado necessária na sequência das declarações e depoimentos anteriormente prestados.
L) Após a apresentação deste requerimento nos autos – em 19/10/2024 –, foi apresentado um requerimento alegadamente em nome da Requerida (com pronúncia sobre o mesmo) e esse requerimento (bem como outros apresentados nos mesmos termos) não foi desentranhado, apesar de o Tribunal saber que a Requerida não tem noção do mandato conferido nem sequer de que tem um mandatário (como resulta da sua audição nos autos).
M) De seguida, o Ministério Público pronunciou-se, em 18/10/2024 nos seguintes termos: “Requerimento apresentado pela Ilustre Mandatária do Requerente: nada a opor”; por despacho proferido em 21/10/2024, o Tribunal determinou, quanto ao requerimento de 19/10/2024, “abra vista ao Ministério Público”, que não se pronunciou, porquanto já se havia pronunciado (em 18/10/2024).
N) A promoção final do Ministério Público é de 05/01/2025, após o que foi proferido despacho, em 07/01/2025, que ordenou a notificação do Requerente para apresentar as suas alegações por escrito, ao que procedeu em 20/01/2025, considerando toda a prova produzida no processo (alegações finais, como tinha sido determinado pelo Tribunal).
O) O despacho recorrido, que não admitiu a junção de meios de prova, proferido antes da decisão final, não teve sequer em conta a justificação dada pelo apresentante para a junção, naquele momento, do vídeo e dos documentos.
P) A entender-se aplicável o art.º 423.º do C.P.C. – o que se admite apenas para efeitos de raciocínio –, a verdade é que o Requerente justificou a junção daquele meio de prova com as declarações prestadas por si próprio e pelos irmãos na diligência de produção de prova, resultando do próprio teor do requerimento que a apresentação de documentos (o vídeo é, também, um “documento”) foi necessária em virtude dessa ocorrência.
Q) A junção destes meios de prova mostra-se essencial à descoberta da verdade e à defesa dos direitos fundamentais da Requerida, pessoa especialmente vulnerável, pela sua idade e estado de saúde, verificado pela perícia realizada nestes autos, sendo essencial, para a escolha do acompanhante, atendendo à situação em que a Requerida se encontra (às mãos do filho e da nora), o Tribunal apurar quem disse a verdade, a forma como a Requerida é tratada e o seu estado de sujeição (sem poder fazer escolhas ou tomar decisões).
R) O despacho recorrido deverá, pois, ser revogado por ser ilegal e, além disso, extemporâneo, posto que foi proferido depois de o Tribunal ter notificado o Requerente para alegações, no final da produção da prova (e depois de ter sido proferido um despacho, no momento processual próprio, que ordenou a vista ao Ministério Público, o qual declarou “nada ter a opor”).”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questão objecto do recurso: admissibilidade dos meios probatórios apresentados com o requerimento de 19/10/2024.
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II – FUNDAMENTOS.
2.1. Fundamentação de facto.
Com interesse para a apreciação do presente recurso, importa considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.
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2.2. Enquadramento jurídico.
Com fundamento na natureza do processo de acompanhamento de maior e na alegada relevância dos meios de prova identificados no requerimento de 19/10/2024, veio o requerente impugnar o despacho proferido no passado dia 11/2/2025, decisão essa que não admitiu a junção aos autos dos documentos que o ora apelante apresentou com o supra identificado requerimento.
Como é sabido, o processo em questão, face ao disposto no art. 891º, nº1, do C.P.C., tem um conjunto de características que o aproximam dos processos de jurisdição voluntária, o que não significa, no entanto, que sejam completamente afastadas as disposições, de carácter geral, que regem os processos de natureza cível.
Dispõe o art. 891º, nº1, que “O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.”.
Por sua vez, o art. 897º do mesmo Código estabelece o seguinte:
“1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
2 - Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre.”.
Considerando a remissão operada pelo art. 891º, nº1, atrás citado, importa ainda considerar o regime que se encontra previsto nos arts. 986º, nº2, 987º e 988º, todos do C.P.C., normas que apresentam o seguinte teor:
- Art. 986º, nº2.: “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.”.
- Art. 987º: “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.”.
- Art. 988º do C.P.C.: “1 - Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
2 - Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”.
Do conjunto de normas atrás referenciadas, resulta, por um lado, que o Tribunal tem amplos poderes inquisitórios com vista a apurar a matéria que irá fundamentar a decisão relativa ao acompanhamento e, por outro, que não está vinculado a admitir as provas que os intervenientes processuais considerem relevantes, uma vez que no âmbito deste tipo de processos vigora o princípio da oportunidade, que confere ao julgador a faculdade de admitir – ou não admitir -, considerando as finalidades que se pretendem alcançar, os elementos probatórios apresentados pelos interessados.
Pronunciando-se sobre esta matéria, o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão proferido em 18/3/2021 (Aresto que se encontra disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7eba8e626a2c7ead802586ae003b22d5?OpenDocument), firmou o seguinte entendimento:
“I- O processo especial de acompanhamento de maior caracteriza-se pela preponderância do princípio do inquisitório, com atribuição de poder reforçado ao juiz – poder orientado, vinculado pela prossecução da finalidade última do processo, no caso, apurar se um maior, por razões de saúde, está impossibilitado de plena, pessoal e conscientemente exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres e de adoptar, em caso afirmativo, medida que assegure o seu bem-estar, a sua recuperação e o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres (arts. 138 e 140º do CC).
II- Nestes processos (sem que possa questionar-se vigorar o princípio do processo justo e equitativo – o direito à jurisdição e consequente direito a influenciar a decisão e, por isso, o direito à proposição de provas, ao controlo das provas oferecidas pela contraparte e à pronuncia sobre o valor e resultado das provas produzidas), o direito à prova reconhecido às partes tem uma limitação funcionalmente ordenada à célere e justa prossecução da finalidade do processo – a conveniência e necessidade do meio probatório para a demonstração dos factos pertinentes à boa decisão da causa (os meios probatórios admissíveis são os necessários à boa decisão da causa - arts. 897º, nº 1 e 986º, nº 2 do CPC).
III- Na jurisdição voluntária (e regimes processuais que comunguem das suas regras) impõe-se ao juiz que que assuma o controlo das provas a produzir, em atenção ao critério da sua necessidade em vista da demonstração dos factos pertinentes à decisão da causa.
IV- A necessidade (e, por contraponto, a desnecessidade) do meio probatório será aferida (julgada) por referência à finalidade do processo – as provas a produzir serão aquelas que, num juízo de racionalidade objectiva, se revelarem aptas, adequadas e necessárias à demonstração da materialidade pertinente à boa decisão da causa, considerando a concreta finalidade dos autos.”.
Ora, a problemática que se coloca no recurso em análise, para além da eventual relevância, do ponto de vista substantivo ou material, dos documentos que o recorrente pretende juntar aos autos, prende-se com a oportunidade, em termos temporais, da respectiva junção.
E neste domínio, salvo melhor entendimento, não se afigura que os interessados possam, a todo o tempo, formular requerimentos probatórios com o propósito de demonstrar a factualidade que, no momento próprio, alegaram.
Vejamos.
O processo de acompanhamento de maior tem como pressuposto a apresentação de um requerimento inicial, peça que deve ser acompanhada de elementos que indiciem a situação clínica alegada (art. 892º, nº1, alínea e), do C.P.C.) [1].
Isto significa que o requerimento, em termos processuais, tem paralelismo com a petição inicial, pois o art. 552º, nº6, do C.P.C. prescreve que “No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova;” [2].
No âmbito dos processos de jurisdição voluntária o modelo adoptado pelo nosso legislador é o mesmo, uma vez que o art. 293º, nº1, do C.P.C. – para o qual o art. 986º, nº1, do mesmo diploma [3] remete – estabelece que “No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.”.
O paradigma processual vigente impõe, deste modo, que os documentos sejam apresentados com os articulados – mormente com o requerimento ou a petição inicial –, apenas sendo admitidos desvios a este princípio em casos pontuais, devidamente tipificados nas disposições legais que se ocupam desta matéria.
Ora, o art. 423º do C.P.C. – disposição que, contrariamente ao defendido pelo apelante, não é afastado pelo art. 549º, nº1, do C.P.C. [4] nem pelas normas que ocupam do processo de acompanhamento de maior e dos processos de jurisdição voluntária – estabelece o seguinte:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.
Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que os documentos em questão foram elaborados em 2022, tendo sido apresentados pelo requerente após a inquirição de testemunhas que teve lugar em 9/10/2024.
Isto significa que os mesmos só poderiam ter sido admitidos caso se verificassem os pressupostos consagrados no art. 423º, nº3, do C.P.C. ou desde que o Tribunal, ao abrigo dos poderes inquisitórios já referidos, considerasse que os mesmos assumiam uma particular relevância para a decisão da causa.
Se atentarmos no requerimento com o qual se pretende justificar a apresentação dos referidos suportes documentais, verifica-se que os motivos invocados não se enquadram no citado art. 423º, nº3, do C.P.C., uma vez que o requerente não demonstrou por que motivo não requereu a junção em momento anterior, sendo certo que também não se vislumbra que uma ocorrência posterior legitime a incorporação nos autos dos documentos em causa.
Recorde-se que no termo da sessão ocorrida em 9/10/2024 ficou desde logo estabelecido, com o acordo dos intervenientes, que após a junção de um relatório do INML, seriam apresentadas alegações por escrito, pelo que qualquer questão que dissesse respeito às declarações que tiveram lugar nas correspondentes sessões, não poderia, sem motivo justificado, ser abordada.
Por último, note-se, o requerimento probatório em análise não apresenta qualquer justificação válida, do ponto de vista dos interesses da beneficiária – que são os que importam no caso –, para a junção dos documentos, dado que o que se pretende colocar em destaque é um conflito, que envolve o requerente e outros familiares próximos, que poderá ter reflexos noutros domínios, designadamente no procedimento criminal a que o apelante faz referência.
Em face do exposto, deverá o recurso deverá ser julgado improcedente, com as consequências legais.
*****
III – DECISÃO.
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
(assinado digitalmente)
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)
Cristina Neves
(1ª adjunta)
Hugo Meireles
(2º adjunto
[1] A redacção integral do art. 892º é a seguinte: “1 - No requerimento inicial, deve o requerente, além do mais:
a) Alegar os factos que fundamentam a sua legitimidade e que justificam a proteção do maior através de acompanhamento;
b) Requerer a medida ou medidas de acompanhamento que considere adequadas;
c) Indicar quem deve ser o acompanhante e, se for caso disso, a composição do conselho de família;
d) Indicar a publicidade a dar à decisão final;
e) Juntar elementos que indiciem a situação clínica alegada.
2 - Nos casos em que for cumulado pedido de suprimento da autorização do beneficiário, deve o requerente alegar os factos que o fundamentam.”.
[2] Prevendo a possibilidade de contestação, o art. 552º, nº6, acrescenta ainda o seguinte: “caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.”.
[3] Art. 986º, nº1, do C.P.C.: “São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos 292.º a 295.º.”.
[4] Art. 549º, nº1, do C.P.C.: “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.”.