I - No despacho de admissão da prova pericial, o Juiz tem o dever de verificar se a prova pericial requerida é “impertinente”, por não respeitar aos factos da causa ou se é “dilatória”, por o apuramento dos factos da causa não exigir conhecimentos especiais.
II - Quanto ao segundo requisito é pressuposto que são necessários conhecimentos especiais para percepcionar ou apreciar os factos em discussão; e que o juiz do julgamento não tem tais conhecimentos.
III - Recai sobre o requerente da prova pericial a demonstração de que aquela causa necessita que os factos sejam percepcionados por alguém que tem uma cultura e experiência que é alheia ao julgador.
Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5
RELAÇÃO N.º 229
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Rodrigues Pires
Alexandra Pelayo
I - RELATÓRIO.
AS PARTES
Afectados: AA
BB
Credor: CC.
Administrador de Insolvência: DD.
O credor apresentou meios de prova, a confissão (depoimento de parte da requerida AA), as declarações de parte (do credor), documentos e testemunhas.
Na sequência do despacho proferido em 13.09.2024 (referência 463275888) nos autos principais, foi declarado aberto o incidente de qualificação, nos termos do art.º 188.º, n.º 1 e 5 do CIRE.
A Sra. AI também emitiu parecer em 16.10.2025 (referência 50166290) a requerer a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art.º 186.º do CIRE, com afetação pessoal de AA com o contribuinte fiscal número ..., gerente e sócia da insolvente, e de BB com a cédula profissional (Ordem dos Contabilistas Certificados) n.º ..., Contabilista Certificado da insolvente, pois considera preenchido o n.º 2 e n.º 3 do art.º 186.º do CIRE.
O requerido BB indicou prova documental e testemunhal.
A requerida AA indicou prova por declarações de parte (da requerida), documental e testemunhal.
O requerente devidamente notificado das contestações, veio a cada uma das contestações por requerimentos de 23.11.2024 responder e apresentar meios de prova, documental, testemunhal e prova pericial, nos seguintes temos:
“3. PROVA PERICIAL
a) Perícia contabilística: Requer-se perícia às contas da insolvente para:
• Identificar irregularidades e omissões;
• Avaliar valores de alienação de ativos;
• Detetar fluxos financeiros entre a insolvente e a nova sociedade.
b) Perícia sobre a continuidade da atividade:
• Requer-se perícia para verificar se a nova sociedade deu continuidade à atividade da insolvente.”
Todos os intervenientes foram notificados para se pronunciar quanto à prova pericial pedida – despacho de 04.12.02024.
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DA DECISÃO RECORRIDA
“Considerando a prova documental que já se mostra junta aos autos pelo credor requerente, pela AI e pelos requeridos, nos presentes autos e nos autos principais, tratando-se de processo de natureza urgente e constatando quais os temas da prova que foram levados ao despacho saneador, designadamente os ora mencionados pelo credor requerente, bem como as posições assumidas pela senhora AI e pelos requeridos, considero que não se mostra necessário realizar a perícia colegial requerida.
Com efeito, e tendo este Tribunal a posição de, face aos novos temas da prova levados ao despacho saneador, deferir a prova documental requerida pelas partes e ainda o aditamento à prova testemunhal indicada pelo credor requerente, não existe necessidade de se proceder a tal perícia, tanto mais que a sociedade requerida não dispõe de contabilidade complexa, mas sim de fácil compreensão.
Assim sendo, admito o aditamento à prova testemunhal indicada pelo requerente de EE e FF.
Notifique a sociedade requerida para juntar aos autos o mapa do imobilizado referente a 2020 e ainda todos os documentos que se encontrem em posse da requerida, que constam do requerimento inicial do credor requerente – documentos em posse de terceiro, e que ainda não se mostrem juntos aos autos.
Prazo: 10 dias
Notifique ainda a senhora AI e a senhora Dr. GG, para virem aos autos juntar o requerimento e anexos respetivos onde foi dada à Senhora Administradora de Insolvência a informação que se encontrava em falta por parte do Oponente (e que deve ter sido enviado através do campo “Comunicar com Administrador Judicial” existente no “CITIUS” e que não é visionável no processo digital, nos termos do artigo 15.º-A da Portaria 280/2013), referido no requerimento desta de 9/9/2024 com a referência “CITIUS” nº 40004025.
Prazo dez dias.
Juntos os documentos, notifique às partes. “
DAS ALEGAÇÕES
“Deve a mesma ser revogada e substituída por outra que, considerando as invalidades supra referidas, ordene a produção de prova pericial requerida para apurar a existência de transferência fraudulenta de ativos da sociedade insolvente para a B... Unipessoal Lda.”
“1- O Tribunal “A Quo” conclui que não há necessidade de realizar a perícia colegial requerida, pois as provas já disponíveis e as testemunhas indicadas são suficientes para o esclarecimento dos fatos.
2- Retira-se, por argumento a contrario, do preceito do art.º 476º, n.º1, do NCPCiv., que que deve indeferir a diligência probatória, rejeitando o meio de prova (perícia), se entender que tal diligência é “impertinente” ou “dilatória”.
3- E, como vem sendo entendido, a prova pericial “é impertinente” se “não respeitar aos factos da causa”, sendo, por outro lado, “dilatória” se, “não obstante respeitar aos factos da causa o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, pro não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe”, tornando tal prova desnecessária, sabido até que é proibida no processo, à luz do princípio da limitação do atos, a prática de atos inúteis (art.º 130.º do NCPCiv).
4. Fora deste horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita (6 Através de quaisquer meios de prova admissíveis em direito.), ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela judicial efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, tudo como consagrado no art.º 20.º da CRPort.
Ora,
5. Do requerimento apresentado pelo ora apelante não pode retirar-se, por infundado e desproporcional, sendo que a aquisição de tal prova permitirá, no plano contabilístico satisfazer a pretensão probatória uma vez que envolve questões técnicas só ao alcance dos peritos em contabilidade, que dispões de um nível de conhecimento bastante para determinar responder às questões colocadas.
6- O despacho recorrido carece de fundamentação adequada e suficiente, violando o disposto no artigo 9.º do Código de Processo Civil (CPC). O juiz a quo limitou-se a afirmar que a prova documental já apresentada é suficiente para o esclarecimento dos fatos, sem especificar: a) Quais documentos foram considerados decisivos; b) Como esses documentos refutam as alegações de transferência fraudulenta de ativos da sociedade insolvente para a B... Unipessoal Lda.; c) Por que razão a contabilidade da sociedade é considerada "fácil de compreender", dispensando a realização de perícia colegial.
7- A falta de fundamentação detalhada impede o recorrente de compreender as razões de facto e de direito que levaram à decisão, violando o direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
8- Por outro lado, tal decisão viola o direito à prova, consagrado no artigo 6.º, 410º e 411º do CPC, porquanto: a) A perícia era essencial para esclarecer questões técnicas relacionadas à alegada transferência de ativos, incluindo clientes, contratos, instalações e trabalhadores, da sociedade insolvente para a B... Unipessoal Lda.; b) A prova documental, por si só, não é suficiente para comprovar ou refutar a existência de uma manobra de esvaziamento patrimonial, que exige análise contábil e financeira especializada; c) A dispensa da perícia sem justificação robusta limita o direito do recorrente de produzir prova essencial para o esclarecimento dos fatos.
9- Violou igualmente o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do CPC pois, o recorrente não teve a oportunidade de discutir a prova técnica necessária para o esclarecimento dos fatos.
10- A decisão em crise coloca em risco os interesses dos credores, pois: a) Se a alegação de esvaziamento patrimonial for verdadeira, a dispensa da perícia pode resultar na impossibilidade de recuperação dos ativos desviados, prejudicando irremediavelmente os credores; b) a celeridade processual não pode ser privilegiada em detrimento da justiça da decisão, especialmente em casos que envolvem alegações graves de fraude.“.
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Desta sentença, não foi interposto recurso.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:
Verificação dos requisitos de indeferimento/rejeição do meio de prova pericial: Saber se é impertinente e dilatória; Ocorre fundamentação “adequada e suficiente” da decisão que indeferiu a prova pericial, e em consequência é violado o direito à tutela jurisdicional; A decisão viola o direito à prova, o princípio do contraditório (não pode o apelante discutir a prova técnica).
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OS FACTOS
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DE DIREITO.
Artigo 476.º, com a epígrafe, “Fixação do objeto da perícia”.
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
Nos termos da citada norma legal, o Juiz tem o dever de verificar se a prova pericial requerida é “impertinente”, por não respeitar aos factos da causa ou se é “dilatória”, por o apuramento dos factos da causa não exigir conhecimentos especiais – artigo 388.º do Código Civil (A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial).
A prova pericial, portanto, tem como requisito que são necessários conhecimentos especiais para percepcionar ou apreciar os factos em discussão; e que o juiz do julgamento não tem tais conhecimentos.
Somente será de admitir a prova pericial quando extravase o conhecimento e saber da cultura e experiência comum do tribunal, ou nas palavras avisadas do Mestre MANUEL ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág 262, a percepção e apreciação de factos “caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas.” O Prof ANTUNES VARELA, in Manuela do Processo Civil, 2ª ed., pág. 578, “Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a percepção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos.”
Recai sobre o requerente da prova pericial a demonstração de que aquela causa necessita que os factos sejam percepcionados por alguém que tem uma cultura e experiência que é alheia ao julgador.
A prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação do julgador (artigos 396.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil). Conforme bem se explica no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 812/06.1TBAMT.P1.S1, de 31.03.2022, relatado pela Cons ANA LUÍSA GERALDES, a prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil. “É claro que tratando-se de uma prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelos Tribunais e a que estes estejam vinculados. “
Na decisão recorrida o M.mo Juiz entendeu, que tratando-se de processo de natureza urgente e face aos temas de prova, “não se mostra necessário realizar a perícia colegial requerida.” Argumenta, que face à prova documental já junta e aquela outra que foi requerida pela partes no saneamento do processo e, bem como, o adicionamento da prova testemunha, “não existe necessidade de se proceder a tal perícia, tanto mais que a sociedade requerida não dispõe de contabilidade complexa, mas sim de fácil compreensão.”
Por sua vez o apelante como primeiro argumento, afirma que a decisão de não admissão da perícia “carece de fundamentação adequada e suficiente”, e conclui por ocorrer “falta de fundamentação detalhada” que “impede o recorrente de compreender as razões de facto e de direito que levaram à decisão, violando o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa)”
Como segundo argumento, refere que a perícia era fundamental para “esclarecer questões técnicas relacionadas à alegada transferência de ativos, incluindo clientes, contratos, instalações e trabalhadores, da sociedade insolvente para a B... Unipessoal Lda”; que a “prova documental, por si só, não é suficiente para comprovar ou refutar a existência de uma manobra de esvaziamento patrimonial, que exige análise contábil e financeira especializada”; a ausência de “justificação robusta limita o direito do recorrente de produzir prova essencial para o esclarecimento dos fatos “.
Como terceiro fundamento argumenta o apelante que a não produção de prova pericial “não teve a oportunidade de discutir a prova técnica necessária para o esclarecimento dos fatos”, e que, portanto, “impede o exercício pleno do direito de defesa do recorrente.”
Como quarto fundamento, que a decisão de não admissão da perícia coloca em risco os interesses dos credores.
Em primeiro lugar, podemos afirmar, claramente, que a decisão em causa, ainda que sintética, indica claramente qual o fundamento da decisão. Tanto assim, que o apelante não invoca a nulidade do decidido por falta de fundamentação – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil. Ainda que assim fosse, e deste modo, não se verifica nulidade da decisão em causa, à luz do artigo 615.º do Código de Processo Civil – falta de fundamentação.
Procura o apelante atacar o decidido, invocando que a fundamentação é escassa, ou nas suas palavras “pouco robusta” para concluir por tal violar o direito a tutela jurisdicional efectiva e que limita o seu direito à prova essencial para apuramento dos factos, que impede o seu direito à defesa.
Ora, salvo o devido respeito, o apelante ataca e coloca erroneamente a questão a decidir.
O fundamento do recurso que deve ser apreciado nesta sede e neste momento diz respeito ao preenchimento do requisito do julgador ter ou não conhecimentos especiais para conhecer dos factos em discussão, ie, o conhecimento e saber que é necessário e suficiente para conhecer da factualidade em discussão excede a cultura e experiência comum.
Para tanto, haverá que ponderar qual a factualidade em causa.
O A., apelante, apresentou como finalidade pericial o detectar “se existem irregularidades ou omissões por parte da requerida e se houve alienação de ativos de uma sociedade para outra e quais os fluxos financeiros entre ambas as sociedades”, e indicou os seguintes pontos dos temas de prova, 5, 7, 8, 10 a 16, 19, 25, 26, 27 e 30.
“5- E ainda assim dissipou o património sem deixar qualquer rasto.
7- Para evitar o cumprimento desta obrigação e outras dívidas, a gerente da insolvente, em conluio com o marido HH, constituiu uma nova sociedade, de nome B... Unipessoal Lda. com o NIPC ..., para a qual transferiu todos os ativos da insolvente incluindo clientes, contratos, instalações, e até trabalhadores.
8- Esta manobra de esvaziamento patrimonial teve como objetivo frustrar a execução da sentença e desviar os ativos da sociedade insolvente, com vista a prejudicar os credores.
10- Em 2022 a insolvente teve um prejuízo no valor de € 16.385,07.
11- Os créditos da mesma encontram-se vencidos desde 2021.
12- Tem capital próprio negativo no valor de € 55.796,99.
13- Custos com pessoal no valor de € 12.011,64.
14- Tem passivo no valor de € 60.132,34.
15- E dividas ao estado no valor de € 269,66 – doc.3.
16- A empresa está praticamente parada desde 2019.
19- A sociedade requerida A..., Unipessoal, Lda. deveria ter alterado a sua sede, junto da Conservatória do Registo Comercial e junto à Autoridade Tributária e Aduaneira, dado que deixou de laborar na sede indicada, como consta nos documentos juntos aos autos, impossibilitando deste modo todos os contactos que o Tribunal e a Administradora Judicial promoveram, conforme missiva remetida para a insolvente e deslocação da Administradora Judicial às instalações da empresa — doc.2.
25- Os custos considerados nos balancetes com fornecimentos externos referem-se a:
- 2021
Trabalhos Especializados — c/Ded. Iva 1.500,00€
ii. Honorários — mercado nacional — 100,00€
iii. Serviços bancários — s/Ded. Iva — 396,72€
iv. Portagens — c/Ded. Iva — 33,03€
v. Rendas de Imóveis — s/Ded. Iva — 150,00€
vi. Seguros — r.viat. — aceite pela tota. — 633,47€
vii. Contencioso e Notariado — s/Ded. Iva — 787,00€
- 2022
Trabalhos Especializados — c/Ded. Iva — 1.500,00€
ii. Honorários — mercado nacional — 150,00€
iii. Serviços bancários — s/Ded. Iva — 189,60€
IV. Rendas de Imóveis — s/Ded. Iva — 1.650,00€
v. Contencioso e Notariado — s/Ded. Iva — 590,00€
- 2023
Trabalhos Especializados — c/Ded. Iva — 1.500,00€
ii. Serviços bancários — s/Ded. Iva — 189,60€
III. Contencioso e Notariado — s/Ded. Iva — 80,00€
- 2024
Trabalhos Especializados — c/Ded. Iva — 250,00€
ii. Serviços bancários — s/Ded. Iva — 47,40€
iii. Contencioso e Notariado — s/Ded. Iva — 25,00€
26- Pese embora a Conservatória do Registo Automóvel não tenha detetado a existência de quaisquer viaturas registadas em nome da empresa nos últimos 3 (três) anos — doc.6, para além de estarem considerados no Balancete de 2021 custos com viaturas, encontra-se considerado o valor de 13.008,13€ na conta ... — Equipamento de Transporte, valor que deixou de existir em 2022, embora não conste qualquer registo contabilístico de venda do Equipamento de Transporte tanto nos balancete de 2021 e de 2022, como na Demonstração de Resultados, juntas aos autos.
27- Já os custos com pessoal referem-se aos vencimentos, subsídios de alimentação e encargos sociais com os órgãos sociais.
30- A missiva remetida para a sociedade requerida, não foi rececionada e foi devolvida — doc.2.”
Aqui chegados, teremos de concordar com o decidido pela primeira instância. Os temas de prova sobre os quais se iria debruçar a prova pericial não carecem de especiais conhecimentos que extravasam “o conhecimento e saber da cultura e experiência comum”.
Tal como fundamentou o M.mo Juiz, a factualidade em discussão decorrerá, ou não, da simples consulta da prova documental, devidamente conjugada com a prova testemunhal (foi admitido seu aditamento). Foi esta a apreciação da primeira instância, que no nosso entender não padece dos vícios apontados pelo apelante.
Com efeito, esta apreciação liminar, não contende com o direito a uma tutela jurisdicional, ou o seu direito à prova e que impede o seu direito de defesa, pois que, como assinalou a primeira instância, e que subscrevemos, a factualidade a apurar decorrerá (ou não) da prova documental e testemunhal, pois que a sua apreensão não necessita de um intermediário, o perito. Pode tal factualidade sem directamente percepcionada pelo julgador.
“A prova pericial - com regulação de direito probatório material (objeto, admissibilidade e força probatória) nos arts 388º e seg, do Código Civil, e de direito probatório formal (a regular o procedimento da prova pericial) nos arts 467º a 489º, do CPC -, modalidade de prova pessoal e indireta, na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia, consiste na perceção ou apreciação de factos, pelo que o perito ou peritos são convocados a percecionar os factos e/ou a valorá-los à luz dos seus conhecimentos técnicos, sendo que aquela operação envolve captação (com os sentidos) dos factos e a sua compreensão.
O perito surge como intermediário entre a fonte de prova e o tribunal quando, para a plena apreensão da prova, haja necessidade de conhecimentos especializados. A prova pericial pode visar a perceção indiciária de factos, a apreciação, de acordo com a regra da causalidade, dos indícios a extrair das fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo de causalidade)[11]. O perito surge como o intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não deverem ser objeto de inspeção judicial (art. 388 CC), o perito intervém no processo de manifestação da fonte de prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação.[12] (…)
A prova pericial pressupõe que: são necessários conhecimentos especiais para percecionar ou apreciar os factos, conhecimentos esses de que o juiz não dispõe; ou que os factos a demonstrar são relativos a pessoas não devendo ser objeto de inspeção judicial por estar em causa a intimidade da vida privada e familiar e a dignidade da pessoa, sendo que a prova pericial não deverá ser admitida se não forem exigidos conhecimentos que extravasem o saber do tribunal, sendo esses os conhecimentos relativos à cultura e experiência comuns. A admissibilidade da perícia não está dependente dos conhecimentos concretos do juiz em particular que julga a causa, mas dos que excedem a cultura e experiência comuns, bastando, pois, à parte que pretenda socorrer-se deste meio de prova que invoque que os factos a sujeitar a perícia extravasam essa cultura e experiência. Não será admissível a perícia quando sejam necessários conhecimentos jurídicos, pois que deles dispõe o julgador. A perícia pressupõe conhecimentos específicos, pelo que ao perito a nomear pelo Tribunal tem de ser reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa[14], sendo necessários conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para compreender e poder valorar os factos a apreciar.“, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 258/18.9T8PNF-A.P1, de 26.10.2020, relatado pela Des EUGÉNIA CUNHA.
Por fim, é de afirmar, que o conjunto de meios de prova de que o apelante pode lançar mão, são os suficientes e pertinentes para a demonstração da realidade factual em causa (os indicados temas de prova), sem necessidade da existência de um intermediário. E sendo assim, não está coarctado o seu direito à prova, nem a poder discutir tal realidade.
Como nota final, não fizemos a sindicância do decidido à luz do julgamento de facto, já ocorrido, pois corresponderia à valoração dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento e levados à sentença final. Com efeito, neste recurso está em discussão a apreciação do despacho liminar de admissão da prova pericial e não o seu valor probatório.
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III DECISÃO
Custas pelo apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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