CONTRATO DE MÚTUO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL E JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

A jurisprudência fixada no AUJ nº 6/2022 tem plena aplicação quando está em causa um crédito decorrente do vencimento antecipado de todas as prestações, nos termos do art. 781º do CCiv. [ou cláusula contratual de igual teor/efeito], de um mútuo bancário liquidável em prestações, com juros, sendo-lhe aplicável, como acontecia com as prestações, o prazo de prescrição de cinco anos, previsto na al. e) do art. 310º do CCiv., contado desde a data do vencimento.

Texto Integral

2Proc. nº 81247/23.3YIPRT.P1 – 2ª Secção (apelação)
Relator: Des. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Alberto Taveira
Des. Rui Moreira

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Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:

A..., SA propôs procedimento de injunção, depois distribuído como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato [em virtude da oposição deduzida], contra AA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 13.338,78€ (treze mil, trezentos e trinta e oito euros e setenta e oito cêntimos), sendo 7.074,31€ a título de capital, 6.111,47€ a título de juros calculados à taxa nominal de 12,184% e 153,00€ a título de taxa de justiça paga com a entrada do requerimento de injunção], com acréscimo dos juros de mora legais até efetivo pagamento.
Alegou, para tal, que:
- em 10.11.2014, no exercício da sua atividade, o Banco 1..., SA celebrou com a requerida um contrato de crédito pessoal com finalidade de consolidação, no âmbito do qual lhe mutuou a quantia de 7.074,31€ pelo prazo de 84 meses;
- a requerida aceitou reembolsar esta quantia em 84 prestações mensais e sucessivas no valor de 70,74€ cada, durante 24 meses, e no valor de 159,77€ nos restante período de 60 meses;
- em 10.06.2016, a requerida deixou de liquidar as prestações convencionadas, pelo que, o referido contrato foi resolvido;
- por contrato de cessão de carteira de créditos, outorgado em 21.12.2018, o Banco 1..., SA e o Banco 2..., SA cederam à B..., SARL uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo o crédito decorrente do contrato aqui em causa;
- e por contrato de cessão de carteira de créditos, outorgado em 31.03.2021, a B..., SARL lhe cedeu uma carteira de créditos, com todas as garantias a eles inerentes, na qual se incluiu o crédito decorrente do contrato celebrado entre a requerida e o Banco 1..., atrás referido, cessão essa notificada à requerida nos termos do nº 1 do artigo 583º do CCiv..

A requerida, citada, contestou a ação, por exceção, invocando a prescrição do direito da autora e por impugnação, negando a celebração do contrato de mútuo invocado e a alegada notificação da cessão de créditos. Pugnou pela procedência daquela exceção perentória ou, assim não acontecendo, pela improcedência da ação, com as legais consequências.

A autora respondeu à matéria de exceção deduzida pela requerida, sustentando a respetiva improcedência.

No prosseguimento dos seus regulares termos, realizou-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença que declarou prescrita a totalidade da dívida de capital e juros peticionada no processo e julgou a ação improcedente, com a consequente absolvição da requerida do pedido.

Inconformada com o sentenciado, interpôs a autora o presente recurso de apelação [que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal “ad quo”, que julgando procedente a exceção perentória da prescrição alegada pelo Recorrido, julgou prescrito o crédito da Recorrente.
2. Salvo o devido respeito pelo decidido, que é muito, a aqui Apelante permite-se discordar em absoluto desta decisão do Tribunal “a quo”, que não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos, no que tange à aplicação do direito.
3. O Tribunal “a quo” considerou que o facto de o Autor ter exigido a totalidade das prestações em falta, considerando vencida a totalidade da dívida, não altera o regime legal aplicável, ou seja, significa isto que, tendo ocorrido o vencimento da dívida em 10/06/2016 e tendo a Apelante intentado procedimento de injunção para cobrança do mencionado crédito em 12/07/2023 se completou efetivamente o prazo prescricional quinquenal relativamente a todas as prestações que constituem a obrigação reclamada.
4. Não sendo esta uma questão que esteja totalmente sanada e uniformização na jurisprudência, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” sem fundamentação, e ao arrepio da documentação junta aos autos nos articulados, decidiu da forma mais gravosa para a recorrente.
5. O contrato de mútuo executado, contrato de crédito pessoal, na razão mutuária de € 7.074,31 (sete mil e setenta e quatro euros, e trinta e um cêntimos) de capital foi celebrado em 10/11/2014 e previa o reembolso pela Ré pelo prazo de 84 (oitenta e quatro) meses, com início em 10 de dezembro de 2014.
6. Tendo o Recorrido deixado de proceder ao pagamento pontual das prestações em 10/06/2016, e entrando em incumprimento.
7. O incumprimento do contrato importou o vencimento de todo o crédito concedido, nos termos do disposto no artigo 781.º do CC, de acordo com o qual, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”
8. A situação em apreço não pode ser subsumível à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos.
9. Ao invés, o artigo 310º, alínea e) do Código Civil abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas frações distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente, o que não sucede com o crédito peticionado, que não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como uma dívida global proveniente da denominada “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data da interpelação para o pagamento do valor integral em dívida.
10. Pelo que, resolvido o contrato extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo de um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil.
11. Não resultando do teor do disposto no artigo 310º do Código Civil qualquer elemento que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.
12. O vencimento imediato das prestações restantes significa somente a perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros, caso em que, atento o fim da união anteriormente contida em cada uma das prestações nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional.
13. É a partir da data do vencimento antecipado/exigibilidade integral da quantia que deixam de existir quotas de amortização de capital, existindo tão somente uma única parcela em dívida que vence juros e esta natureza unitária faz com que deva ser aplicado o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil, pois que, a Recorrente interpelou os Recorridos para o pagamento do valor total em dívida decorrente de todas as prestações vencidas.
14. Entendimento que tem sido ensinado, sufragado e partilhado na doutrina e na jurisprudência.
15. A Recorrente pugna assim pela exigibilidade integral do seu crédito por considerar que é aplicável ao contrato de mútuo bancário executado o prazo ordinário de 20 anos, nos termos do disposto no artigo 309º do Código Civil.
16. Em todo o caso sempre estarão protegidas pelo prazo de prescrição de 20 anos, quanto aos valores peticionados no âmbito do requerimento de injunção.
17. Devendo atento o supra exposto ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída em conformidade com o aqui exposto, reconhecendo-se a exigibilidade do direito de crédito da Recorrente e improcedendo a sentença proferida,
Nestes termos e no mais de Direito, deve o Venerando Tribunal da Relação do Porto dar provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar a sentença recorrida por douto Acórdão favorável “in totum” às Alegações da Apelante, determinando a prossecução da execução que corre termos nos autos principais, com as demais consequências legais.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!».

A requerida contra-alegou em defesa da confirmação da sentença recorrida.
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2. Questões a decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC] -, a única questão a decidir consiste em saber se o crédito em apreço nos autos está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 309º al. e) do CCiv. ou se, pelo contrário, lhe é aplicável o prazo ordinário fixado no art. 309º do mesmo Código.
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3. Fundamentação fáctica:

i) Na sentença foram dados como provados os seguintes factos:
1) No exercício da sua atividade comercial, em 10/11/2014, o Banco 1... S.A. (doravante, “Banco Cedente”), celebrou com a Requerida AA, por escrito, um acordo designado de Contrato de Crédito Pessoal Consolidação com o n.º ..., no âmbito do qual lhe mutuou a quantia de € 7.074,31 (sete mil e setenta e quatro euros, e trinta e um cêntimos), pelo prazo de 84 (oitenta e quatro) meses - cf. Doc. 1 junto com a resposta às exceções, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2) A Requerida aceitou reembolsar a referida quantia em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais e sucessivas no valor de € 70,74 (setenta euros, e setenta e quatro cêntimos) cada, pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, e no valor de € 159,77 (cento e cinquenta e nove euros, e setenta e sete cêntimos) cada, pelo restante período de 60 (sessenta) meses.
3) O contrato referido em 1) foi assinado pelo punho da Requerida AA.
4) A Requerida não pagou as prestações vencidas, pelo menos a partir de 10/06/2016.
5) Consta da cláusula 12.5. do contrato referido em 1) que, “(…) o Banco tem o direito de pôr termo imediato ao presente Contrato, e de considerar imediatamente vencida a totalidade do capital em divida, cujo pagamento se tornará, então, consequente e imediatamente exigível, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal ou contratualmente exigíveis (…)”.
6) Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 21 de dezembro de 2018, o Banco 1..., S.A. e o Banco 2...., S.A. cederam à B..., S.À.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes - conforme contrato de cessão de créditos junto pela Requerente como Doc. 2, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7) Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 31 de março de 2021, a B..., S.A.R.L. cedeu à A..., S.A., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como todas as garantias a eles inerentes – cf. contrato de cessão de créditos junto pela Requerente como Doc. 3 e Doc. 4, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8) Entre os créditos cedidos encontra-se o crédito peticionado nos presentes autos - cf. anexo comprovativo da cessão dos créditos, junto como Doc. 4 pela Requerente, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9) Cessão essa notificada à Requerida, através de envio postal dirigido para a morada constante do contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil.
10) O procedimento de injunção que deu origem aos presentes autos foi instaurado em 12/07/2023.

ii) E deu como não provado que:
a) A Requerida desconhece a que se refere a quantia peticionada.
b) A Requerida nunca celebrou com o Banco cedente um contrato de crédito pessoal com finalidade de consolidação.
c) A Requerida nunca teve conta nesse banco, nem usufruiu ou beneficiou da quantia peticionada.
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4. Fundamentação jurídica:

Comecemos pela fundamentação constante da sentença recorrida, que é a seguinte:
«Dúvidas não quedam de que estamos perante de um contrato de mútuo oneroso (artigos 1142º e 1145º do Código Civil), no caso, mútuo bancário (visto tratar-se de mútuo realizado por uma instituição de crédito, nos termos do artigo 3.º, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Janeiro), nos termos do qual o Banco Cedente, no exercício da sua atividade, concedeu à Requerida um financiamento no valor de €7.074,31, que a mesma se obrigou a restituir nos termos referidos em 2) dos facto provados, mas que a Requerida não cumpriu, pelo menos desde 10/06/2016.
O contrato de mútuo subjacente aos autos prevê expressamente o vencimento antecipado da totalidade do capital em dívida, cujo pagamento se tornará, então, consequente e imediatamente exigível, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal ou contratualmente exigíveis.
A Requerida não pagou as prestações vencidas, pelo menos a partir de 10/06/2016, em desrespeito pelo plano de pagamentos inicialmente acordado, nomeadamente, do pagamento de prestações mensais compostas por uma parcela de capital e uma parcela de juros, pelo que os valores em dívida assumem a natureza de capital e de juros.
O procedimento de injunção que deu origem aos presentes autos foi instaurado em 12/07/2023 e a Requerida foi dele notificada em 22/11/2023.
Cumpre agora decidir se o direito de crédito da Requerente está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos [artigo 309.º do Código Civil] ou se, pelo contrário, está sujeito ao prazo de prescrição de 5 anos [alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil].
O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre esta questão, através de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30.06.2022, in Diário da República n.º 184/2022, Série I de 22/09, sufragando o entendimento já seguido por inúmeras decisões quer do STJ quer das Relações.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “I- No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas vencidas”.
Acompanhando a Jurisprudência do mencionado Acórdão Uniformizador, deve entender-se que prescrevem no prazo de 5 anos, após o seu vencimento, conforme previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, todas as prestações de créditos vencidos emergentes de mútuos bancários e não pagas.
Revertendo aos autos.
Provou-se que, em 10/11/2024, o Banco 1... S.A. concedeu um empréstimo à Requerida.
A Requerida/mutuária não pagou qualquer prestação (quota de amortização) do capital mutuado (pagável com os juros desde a data em que o mútuo foi outorgado) desde, pelo menos, 10/06/2016.
O Banco 1... S.A. cedeu o crédito peticionado nos presentes autos à B..., S.À.R.L. que, por sua vez, o cedeu à aqui Requerente A..., S.A..
A Requerente instaurou procedimento de injunção para cobrança do mencionado crédito em 12/07/2023 e a Requerida foi dele notificada em 22/11/2023.
Resulta assim evidente que, quando o requerimento de injunção foi apresentado e dele foi notificada a Requerida, há muito que se encontravam decorridos os cinco anos necessários para a prescrição ocorrer.
O incumprimento verificou-se em 10/06/2016, relativamente à amortização de capital e juros da quantia mutuada.
A Requerente invocou o disposto no artigo 781.º do Código Civil, segundo o qual "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas", para além do clausulado no ponto 12.5, do contrato de mútuo junto aos autos.
A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.
O prazo de prescrição de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora, desde logo, porque a obrigação de juros está expressamente subordinada a esse prazo de prescrição na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, mas também porque, uma vez prescrita a obrigação principal, a obrigação acessória deixa de poder operar se o devedor pode recusar o pagamento do capital em dívida com fundamento na prescrição.
Pelo exposto, dúvidas não restam de que se encontra prescrita a totalidade da dívida de capital e juros peticionada no processo.».

Adianta-se já que a sentença recorrida não é merecedora de censura, não assistindo razão à recorrente.
A questão em apreço, suscitada pela recorrente, tem sido decidida pelo STJ de forma unânime desde a publicação do AUJ nº 6/2022, publicado no DR, 1ª Série, de 22.09.2022, pelo que, como permite o nº 5 do art. 663º do CPC, seremos sucintos na apreciação do recurso.
Não há dúvida alguma de que está em questão um contrato de mútuo bancário [celebrado em 10.11.2014] em que o capital mutuado e os juros contratados seriam pagos, pela mutuária, em prestações [84] mensais e sucessivas e que, perante o não pagamento das prestações devidas a partir de determinada data [10.06.2016], o banco mutuante considerou vencidas todas as prestações em dívida e incumprido o contrato. Tendo o crédito sido entretanto cedido à requerente [cessão de que a requerida foi notificada], veio esta peticionar a condenação da mutuária a pagar-lhe o capital e juros em dívida [moratórios e compulsórios], acrescidos de juros de mora legais até efetivo pagamento.
Perante este quadro fáctico-contratual entendemos, como decidiu a 1ª instância, que o caso se enquadra, em absoluto, na previsão do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2022, em cujo processo estava precisamente em causa um contrato de mútuo bancário [com fiança] com capital e juros acordados amortizáveis em prestações mensais e sucessivas [durante 30 anos] e no qual os devedores/mutuários, a dado passo, deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais, o que levou a que, por incumprimento, a mutuante resolvesse o contrato e considerasse vencidas todas as prestações em dívida, tendo depois agido judicialmente com vista a obter dos devedores o pagamento do capital e juros que estavam em dívida.
Com base neste circunstancialismo, o STJ, através daquele AUJ, fixou jurisprudência uniformizadora no seguinte sentido:
«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.".
Não obstante a clareza desta jurisprudência, a recorrente sustenta, nas conclusões 8 e 9 das alegações, que «A situação em apreço não pode ser subsumível à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos» e que «Ao invés, o artigo 310º, alínea e) do Código Civil abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas frações distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente, o que não sucede com o crédito peticionado, que não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como uma dívida global proveniente da denominada “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data da interpelação para o pagamento do valor integral em dívida.».
Trata-se de argumentação que não colhe e que foi também expressamente decidida no dito AUJ.
Com efeito, exarou-se neste que:
«A considerar-se, como em diversas decisões das Relações, que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).».
Temos, portanto, como certo que, contrariamente ao que defende a recorrente, o vencimento imediato das prestações convencionadas, por aplicação do disposto no art. 781º do CCiv. [ou em cláusula contratual de igual teor/efeito], não altera a natureza do prazo prescricional, não deixando de funcionar o prazo mais curto da al. e) do art. 310º para passar a vigorar o prazo ordinário do art. 309º, ambos do CCiv..
E este entendimento tem vindo a ser sucessivamente confirmado, de modo unânime, pelo Supremo Tribunal de Justiça nos diversos arestos proferidos depois da prolação e publicação do citado AUJ nº 6/2022. Citam-se, a título de exemplo, os seguintes [todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]:
- Acórdão de 29.05.2024 - sumário [proferido no proc. 592/22.3T8PRT-A.P2.S1]: “(…) IV. O vencimento de todas as prestações, exigíveis antecipadamente, depende de o credor reclamar junto do devedor a correspondente realização através da respetiva interpelação para cumprimento imediato (direito potestativo modificativo para conversão em obrigação pura), condição para que o devedor fique adstrito a realizar a obrigação integral em falta (resultante das prestações vincendas exigíveis, acrescidas das prestações vencidas anteriormente) desde a data do vencimento imediato (necessidade-regra de interpelação para a conversão da exigibilidade antecipada em vencimento imediato). V. No caso de mútuo oneroso com amortização-reembolso convencionado em “prestações” (quotas ou frações) restitutórias, tal interpelação, por força do regime do art. 781º do CCiv. ou de cláusula contratual que, nessa lógica de vencimento adotada pela lei para a caducidade do prazo, reconheça ao credor o direito de considerar o vencimento imediato das prestações vincendas e sucessivas ao primeiro incumprimento (sem acordo das partes sobre o vencimento automático), poderá ser feita, expressa ou tacitamente (art. 217º, 1, CCiv.), durante o decurso do período previsto para o reembolso do mútuo (e antes da propositura da ação destinada ao exercício do direito de crédito vencido antecipadamente e interruptiva da prescrição aplicável). VI. Ocorrendo o vencimento antecipado na data correspondente ao incumprimento da primeira prestação (mora convertida objetivamente em incumprimento por força da interpelação para esse efeito), o prazo de prescrição aplicável, nos termos do art. 310º, e), do CCiv., começa a contar na data desse vencimento e em relação a todas as «quotas de amortização do capital pagáveis com juros» exigíveis até ao fim do contrato e assim vencidas antecipadamente (nos termos do segmento uniformizador do AUJ n.º 6/2022).”.
- Acórdão de 02.02.2023 [proferido no proc. 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1]: “(…) é inteiramente correto que a prescrição de cinco anos que se refere no artigo 310.º, alínea e) do CCivil aplica-se ao mutuo bancário em que a obrigação de reembolso do capital mutuado é objeto de um plano de amortização consistente na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais. E a razão para a adoção deste prazo curto, por oposição à prescrição geral de vinte anos, encontra-se na preocupação de evitar que o credor retarde a exigência das prestações vencidas tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor. É por isso que, como se refere expressamente na decisão recorrida, o prazo de prescrição de cada uma das prestações que fazem, parte do plano de pagamento fracionado é de cinco anos a contar da data do seu vencimento (de cada uma delas).”.
- Acórdão de 19.01.2023 - sumário [proferido no proc. 4288/21.5T8VNF-A.G1.S1]: “I. O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente. (…) III. As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem as obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo.”.
- Acórdão de 28.09.2022 – sumário [proferido no proc. 627/20.4T8SNT-A.L1.S1: “I– Verificando-se o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do Código Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art. 310.º, alínea e) do C. Civil. II- Tal prazo quinquenal inicia-se, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado, uma vez que é essa mesma a data em que o direito passa a poder ser exercido, nos termos gerais do artigo 306º, nº 1, do Código Civil. III - Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não modifica a natureza das obrigações inicialmente assumidas que mantêm a sua natureza de quotas de amortização do capital, só se alterando o momento da sua exigibilidade (que foi antecipada por iniciativa do próprio credor).”.
- Acórdão de 30.11.2022 – sumário [proferido no proc. 448/21.7T8MAI-A.P1.S1]: “De acordo com a recente decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 6/2022), no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”.
- Acórdão de 29.11.2022 – sumário [proferido no proc. 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1]: “I. Tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30 de Junho de 2022, proc. n.º 1736719.8T8AGD-B.P1.S1, o vencimento antecipado de todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, com juros, em consequência da perda do benefício do prazo, não altera o prazo de prescrição aplicável, que é de cinco anos, nos termos do disposto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil. II. O prazo conta-se a partir desse vencimento.”.
Temos, por conseguinte, que a solução que a recorrente pretende ver declarada neste recurso tem sido sistematicamente afastada pela recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que tem sublinhado que a jurisprudência fixada no AUJ nº 6/2022 tem plena aplicação a casos como o dos autos.
Como in casu o vencimento das prestações se verificou em 10.06.2016 [facto provado nº 4)] e a presente ação, ainda que como procedimento de injunção, depois transmudado em AECOPEC, foi instaurada em 12.07.2023 [facto provado nº 10)], tendo a requerida sido, necessariamente, citada/notificada em data posterior [só com este ato se interromperia o prazo prescricional – art. 323º nº do CCiv.], não resta qualquer dúvida de que, por terem mediado mais de cinco anos entre aquelas duas datas, ocorreu a prescrição do crédito reclamado pela recorrente.
Sabendo-se que os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham respostas diferentes dos tribunais e que, apesar de valerem apenas inter partes [diversamente do que, até ao DL 329-A/95, de 12.12, acontecia com os Assentos, que, de acordo com o que estatuía o art. 2º do CCiv., fixavam doutrina com força obrigatória geral], têm caráter orientador e persuasivo que deve ser respeitado pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ e, ainda, que a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objeto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos [cfr. Acórdãos do STJ de 24.05.2022, proc. 1562/17.9T8PVZ.P1.S1 e de 12.05.2016, proc. 982/10.4T8PTL.G1-A.S1, disponíveis no referido sítio da dgsi], nada mais nos resta apreciar, impondo-se, por isso, a improcedência do recurso em apreço – que não apresenta fundamentos fácticos e/ou jurídicos novos – e a consequente confirmação da decisão recorrida.

Pelo decaimento, as custas ficam a cargo da recorrente – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC.
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Síntese conclusiva:
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5. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º. Julgar o recurso improcedente, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
3º. Condenar a recorrente, pelo decaimento, nas custas do recurso.

Porto, 27 de maio de 2025
Pinto dos Santos
Alberto Taveira
Rui Moreira