CONTRATO DE MÚTUO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL E JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Nos contratos de mútuo oneroso, a obrigação de reembolso do capital mutuado em prestações consubstancia um acordo de amortização, sendo cada uma das prestações mensais acordadas uma quota de amortização do capital e juros.
II - Caso a mutuante considere antecipadamente vencida a totalidade da dívida por incumprimento do mutuário, ao abrigo do art. 781º do CC, aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º al. e) do CC, como resulta da jurisprudência fixada no AUJ nº 6/2022.

Texto Integral

Processo n.º 17552/22.7T8PRT-A.P1

Juízo de Execução do Porto- Juiz 7

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. Relatório
1. A..., SA, SA intentou execução para pagamento de quantia certa contra AA, BB, CC e DD com vista à cobrança da quantia de €75.870,15, apresentando como título executivo escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 27.10.1999, na qual os executados figuram como mutuários, tendo alegado que os mutuários deixaram de pagar as prestações do mútuo a partir de 11.10.2006, incumprimento que determinou o vencimento de toda a dívida nessa data, peticionando o pagamento do capital vencido em 11.10.2006 de €35.491,60, juros à taxa contratual de 4,85% acrescido de sobretaxa de 2% que perfaz €38.825,53 e o imposto de selo no valor de €1.553,02.

2. Por apenso à referida execução vieram os executados BB e AA deduzir os presentes embargos de executado, peticionando a extinção da execução por inexigibilidade da obrigação exequenda, e por prescrição por terem decorridos os cinco anos previstos no art. 310º al e) do CPC.

3. Pela exequente/embargada foi apresentada contestação, opondo-se à matéria de excepção invocada pelos embargantes, alegando que o não pagamento das prestações do mútuo que se venceram a partir de 11.10.2006 importou o vencimento imediato da totalidade da dívida, que procedeu à resolução do contrato e que o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos porque a obrigação exequenda traduz-se numa obrigação única, apesar de ter sido acordado o reembolso em prestações fracionadas no tempo, implicando o vencimento antecipado do mútuo o direito de exigir a totalidade do capital e juros.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador/sentença em 14.10.2024, ref. Citius 464440465, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas, julgo procedentes os embargos de executado, e, em conformidade, por via da prescrição do crédito exequendo relativamente aos executados/embargantes AA e BB, absolvo estes executados/embargantes do pedido executivo, com a inerente extinção da execução contra si e levantamento das penhoras de bens/direitos seus.
Custas pela exequente.
Notifique e registe.
Comunique ao agente de execução.“

5. Inconformados, os Executados embargantes BB e AA interpuseram recurso de apelação da referida decisão, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A. Nos presentes autos serviu como título executivo uma escritura de mútuo com hipoteca, celebrada em 27.10.1999 entre o ex. Banco 1... e os Recorridos, tendo aí sido fixado que o primeiro emprestava aos segundos o valor de 10.000.000$00, a ser reembolsado em 234 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
B. Foi dado como provado, por Sentença, que os Recorridos deixaram de pagar as prestações acordadas em 11/10/2006.
C. Sucede que a douta sentença julgou verificada a prescrição do crédito exequendo (alegada em sede de embargos pelos executados) e, em consequência determinou a extinção da execução instaurada em 10.10.2022.
D. É com esta douta Sentença, proferida em sede de Embargos, que a aqui Recorrente não se conforma, vindo mui respeitosamente requerer a sua reapreciação e revogação.
E. No contrato de mútuo aqui em causa, junto com o requerimento inicial executivo, foi acordado o pagamento do capital mutuado repartido no tempo.
F. Tratam-se, por isso, de prestações fracionadas no tempo.
G. Conforme defende Menezes Leitão, “Nas prestações fracionadas está-se perante uma única obrigação cujo objeto é dividido em frações, com vencimentos intervalados, pelo que há uma definição prévia do seu montante global (…)” –vide “Direito das Obrigações – Volume I”, 7.ª Ed., pág. 138.
H. Diferentemente das prestações periódicas, as quais “configuram várias obrigações distintas, cujo montante global não poderá ser inicialmente fixado, uma vez que o número de prestações será determinado pelo decurso do tempo”– neste sentido, veja-se novamente Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações– Volume I”, 7.ª Ed., pág. 138.
I. Do sinalagma contratual resultava para o mutuário uma obrigação composta, de vencimento periódico, que compreendia capital e juros remuneratórios e, em caso de incumprimento e subsequente vencimento imediato da globalidade do empréstimo, nos termos do preceituado pelo artigo 781.º do CC, uma singela obrigação de restituição do valor de capital em dívida, acrescido dos juros remuneratórios e dos juros moratórios.
J. A douta Sentença de que se recorre, deu como provado que as prestações do contrato deixaram de ser pagas a partir de 11.10.2006, tendo a mutuante considerado antecipadamente vencido o capital vincendo, por referência a essa data.
K. Ou seja, deixaram de existir as cumulativas obrigações, de vencimento mensal, de restituição de parte do capital e juros remuneratórios para passar a existir uma só obrigação, com génese no incumprimento do contrato, de restituição em bloco.
L. Trata-se de uma obrigação já não decorrente do contrato, mas sim do incumprimento deste pelo que é inaplicável o regime disposto nas alíneas do art. 310.º, do CC.
M. É que o vencimento da totalidade do capital em dívida, nos termos do disposto no art. 781.º do CC, dá origem a uma nova dívida, não fracionada nem periodicamente renovável,
N. Assim, e considerando o exposto, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil.
O. O defendido no douto Acórdão Uniformizador reporta-se à prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil em relação ao vencimento de cada prestação.
P. Considerando o incumprimento contratual e o consequente vencimento da dívida não se poderá considerar a previsão legal invocada no douto Acórdão uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, atento o vencimento antecipado da totalidade da dívida, deixou de existir e, por conseguinte, fica o capital sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos.
Q. A interpretação conjugada dos artigos 777.º, 779.º, 781.º, 804.º, 817.º todos do Código Civil com a aplicação ao presente caso da prescrição prevista no artigo 310.º alínea e) do mesmo diploma legal viola os princípios da certeza e da segurança jurídica, gerando a frustração das legítimas expectativas geradas, designadamente, aos credores hipotecários aquando da celebração dos negócios que as mesmas garantem, o que não é consentâneo com o princípio da proteção da confiança.
R. Ainda que se entendesse que o prazo prescricional aplicável ao crédito Exequendo fosse o prazo de 5 anos, de acordo com o Artigo 310.º do Código Civil, no que não se concede, o referido prazo prescricional aplica-se a cada uma das prestações isoladamente, em razão da data do seu vencimento, e nunca ao valor global, já que não pode aproveitar o Embargante os benefícios de dois entendimentos diametralmente opostos: não só que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos; como se julga prescrita a globalidade (capital e juros) da dívida.
S. O entendimento previsto no Artigo 310.º do CC, de prescrição em 5 anos, refere-se a um plano de pagamentos prestacional, aplicando-se a cada prestação por si só, prescrevendo cada uma 5 anos após o seu vencimento, o que se concebe mas não se concede.
T. Ainda assim, sempre se dirá que, a hipótese introduzida pela alínea e) do Art. 310º do Código Civil, servirá para excepcionar ao regime ordinário o prazo de prescrição relativo à aquisição de bens essenciais em prestações.
U. Ao ser uma prestação fracionada por acordo entre as partes, a mesma não se converte numa obrigação periódica renovável, não caindo numa hipótese de quotas de amortização, logo o prazo prescricional a aplicar não poderá ser de 5 anos, mas o prazo ordinário de 20 anos.
V. Assim, deverá entender-se, como supra melhor se demonstrou, que vencida nos termos do 781.º do CC a totalidade da dívida em razão do incumprimento de uma das prestações, esta converte-se numa verba global onde vêm incluídos capital e juros, à qual ter-se-á sempre que aplicar o prazo prescricional ordinário de 20 anos, previsto no Artigo 309.º do CC.
W. No limite, apenas os juros se encontram sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos.
X. Na douta Sentença de que se recorre foram violadas, entre outras disposições, os artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 309.º, 310.º, 311.º, 323.º, 325.º e artigo 327.º todos do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.
Y. Motivo pelo qual, e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, e dos fundamentos aqui invocados, ser revogada a sentença proferida e substituída por uma outra sentença que julgue totalmente improcedentes os Embargos de Executado, determinando o prosseguimento da ação executiva nos seus normais termos.
Concluíram, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso de apelação, e seja revogada a decisão proferida, e substituída por outra sentença que julgue totalmente improcedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da acção executiva nos seus normais termos.

6. Não foi apresentada resposta ao recurso.

7. Foram observados os vistos legais.
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II. Delimitação do Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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A questão a decidir, em função das conclusões do recurso, é a seguinte:
-se o prazo de prescrição aplicável à obrigação exequenda é o prazo ordinário de 20 anos.
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III. Fundamentação de Facto
O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A exequente deduziu execução em 10.10.2022,
2. Alegando o que consta do requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido, contendo, além do mais, a seguinte liquidação do valor em dívida:
“A) Capital vencido na sequência do incumprimento – 11/10/2006: €35.491,60
B) Juros à taxa de à taxa contratual de 4,85% acrescido da sobretaxa de 2%: €38.825,53
C) Imposto do Selo: €1.553,02
D) Total: €75.870,15”.
3. Foi apresentada, como título executivo, a escritura de “mútuo com hipoteca”, no qual os embargantes figuram como mutuários e primeiros outorgantes, outorgada em 27.10.1999, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte:
"(...)

(...)


4. As prestações do contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas a partir de 11.10.2006, tendo a mutuante considerado antecipadamente vencido o capital vincendo por referência a essa data.
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IV. Fundamentação Jurídica
Estamos perante uma execução para pagamento de quantia certa, intentada em 10.10.2022, que tem como título executivo uma escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 27.10.1999, na qual os Apelados/embargantes figuram como mutuários, e pela qual a mutuante lhes concedeu um empréstimo na importância de dez milhões e quinhentos mil escudos, ao abrigo das normas do crédito à habitação, obrigando-se os mutuários a reembolsar o empréstimo no prazo de 234 meses mediante o pagamento de 234 prestações mensais constantes, sucessivas de capital e juros, tendo nela ficado clausulado que as importâncias em dívida cujo pagamento fosse obrigação emergente daquele contrato tornar-se-iam imediatamente exigíveis em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes, iniciando-se a contagem dos juros à taxa máxima em vigor para as operações activas de igual prazo, acrescida de sobretaxa por mora de dois por cento ao ano.
Está dado como provado na sentença recorrida (ponto 4 dos factos provados), e neste recurso não foi impugnado, que as prestações do contrato apresentado como título executivo deixaram de ser pagas a partir de 11.10.2006, tendo a mutuante considerado antecipadamente vencido o capital vincendo por referência a essa data, como lhe permitia a clausula 14ª do contrato e à luz do art. 781º do CC.
Consequentemente, a mutuante intentou a execução de que estes embargos de executado são apenso, reclamando o pagamento do capital vencido na sequência do incumprimento datado de 11.10.2006 na importância de €35.491,60, acrescido de juros à taxa contratual de 4,85% acrescido da sobretaxa de 2% na importância de €38.825,53 e imposto de selo, totalizando o valor da quantia exequenda €75.870,15.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art. 10º nº 5 do CPC), estando os títulos executivos enumerados taxativamente no artigo 703º do CPC, nos quais se incluem os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, como é o caso dos autos.
Tendo os Apelados/embargantes arguido a excepção da prescrição de curto prazo prevista no art. 310º al. e) do CPC como fundamento para peticionarem a extinção da execução que lhes moveu a Apelante/embargada, a mesma veio a ser declarada na sentença recorrida por recurso ao mencionado preceito legal.
É sobre a aplicabilidade do art. 310º al. e) do CPC à dívida exequenda que dissente a Apelante, insistindo, tal como já havia pugnado na contestação aos presentes embargos, que o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CPC, prazo que ainda não havia decorrido quando os executados foram citados na execução.
A Apelante defende uma posição que embora tenha tido significativa cobertura na jurisprudência dos Tribunais da Relação, cedo foi arredada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que de forma consistente e reiterada assumiu o entendimento, em situações similares à dos presentes autos, que estando em causa contrato de mútuo oneroso em que a obrigação de reembolso do capital mutuado foi fraccionado em prestações, tal consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (as quais englobam uma parcela de capital e outra de juros), sendo aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 310º al. e) do CC.
E esse prazo curto de prescrição era aquele que era considerado o aplicável, e não o prazo ordinário de 20 anos, ainda que o direito de crédito se tivesse vencido na sua totalidade em resultado do incumprimento, por efeito do vencimento antecipado da dívida.
Mercê da divergência que se mantinha nos Tribunais da Relação sobre o prazo de prescrição aplicável naquelas hipóteses de vencimento imediato das prestações de reembolso do capital mutuado e juros, persistindo decisões em que o vencimento imediato das prestações convencionadas originava a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos, foi então publicado em 22.09.2022 o AUJ nº 6/2022 que uniformizou jurisprudência no sentido que vinha sido jurisprudência praticamente uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, aresto esse que a decisão recorrida seguiu e cujo sentido decisório nos merece total concordância.
Ficou desse modo a jurisprudência uniformizada no sentido de que “no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Toda a argumentação esgrimida pela Apelante nas suas conclusões de recurso foi refutada no aludido AUJ nº 6/2022 para cuja argumentação só nos resta remeter, pois que de forma clara, convincente e elucidativa arredou a aplicabilidade do prazo de 20 anos aos casos similares ao dos autos.
A Apelante insiste que tendo sido por si considerado antecipadamente vencido o capital vincendo por referência à data do incumprimento por parte dos executados em 11.10.2006 (ponto 4 dos factos provados), deixaram de existir as cumulativas obrigações, de vencimento mensal, de restituição de parte do capital e juros remuneratórios para passar a existir uma só obrigação, com génese no incumprimento do contrato, de restituição em bloco, concluindo que, vencida que esteja a dívida nos termos do art. 781º do CC esta converte-se numa nova dívida, não fracionada nem periodicamente renovável, numa verba global, onde se incluem capital e juros, à qual ter-se-á sempre que aplicar o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC.
Mas mais, afirma sob as Conclusões O e P “que o defendido no douto Acórdão Uniformizador reporta-se à prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil em relação ao vencimento de cada prestação; considerando o incumprimento contratual e o consequente vencimento da dívida não se poderá considerar a previsão legal invocada no douto Acórdão uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, atento o vencimento antecipado da totalidade da dívida, deixou de existir e, por conseguinte, fica o capital sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”
Que a Apelante não se conforme com o sentido decisório do AUJ nº 6/2022 é compreensível, mas já não é compreensível nem aceitável que faça dele uma leitura desatenta e enviesada para contornar a jurisprudência uniformizada que dele emana, quando de forma claridivente do ponto II do sumário se extrai que o defendido no douto Acórdão Uniformizador não foi restringir a aplicabilidade da prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação, tendo tido como primordial objectivo estender tal prazo de prescrição precisamente aos casos em que ocorre o vencimento antecipado da totalidade da dívida, designadamente nos termos do art. 781º do CC, preceito legal de que a Apelante se socorreu.
Recordamos à Apelante que, tal como vertido no douto Acórdão, o que importava aquilatar era “se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido - artigo 306.º n.º 1 1.ª parte do Código Civil)”, e foi sobre esta última opção que recaiu o referido AUJ nº 6/2022.
Contrariamente ao defendido pela Apelante, ficou afirmado naquele aresto que o referido prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º al. e) do CC não se aplica só a cada uma das prestações vencidas em relação à data do seu vencimento, mas também ao valor global da dívida antecipadamente considerada vencida, cujo início do prazo de prescrição ocorre na data desse vencimento antecipado, em relação a toda a dívida (a todas as quotas assim consideradas vencidas naquela data), englobando obviamente capital e juros e não apenas estes últimos.
Assim sendo, na senda do também decidido no recente Ac. RP de 25.11.2024, ”como resulta da jurisprudência fixada pelo AUJ nº 6/2022, o prazo de prescrição quinquenal (previsto no artigo 310º, alínea e) do CC) continua a ser o prazo de prescrição aplicável no caso de vencimento antecipado das quotas de amortização”. [1]
Insurge-se a Apelante contra a decisão recorrida, que acolheu o entendimento perfilhado no AUJ nº 6/2022, invocando também a violação do art. 205º da CRP, sustentando que a interpretação conjugada dos arts. 777º, 779º, 781º, 804º, 817º todos do Código Civil com a aplicação ao presente caso da prescrição prevista no art. 310º al. e) do CC viola os princípios da certeza e da segurança jurídica, gerando a frustração das legítimas expectativas geradas, designadamente, aos credores hipotecários aquando da celebração dos negócios que as mesmas garantem, o que não é consentâneo com o princípio da proteção da confiança.
A propósito desta questão cumpre-nos desde já realçar que a Apelante só de si se pode queixar, pois que tendo considerada vencida a quantia exequenda em 11.10.2006 somente a veio exigir judicialmente em execução que instaurou em 10.10.2022, decorridos que estavam 16 anos!
O escopo que presidiu a sujeição da obrigação exequenda ao prazo curto de prescrição previsto no art. 310º al. e) do CPC foi precisamente evitar que os credores mutuantes se mantivessem impávidos e inertes perante o vencimento antecipado de uma dívida pecuniária, granjeando elevados proveitos a título de juros (repare-se que no caso em apreço, decorridos os 16 anos de inércia da credora a importância de juros ultrapassou a importância do capital em dívida), alegadamente protegidos por um prazo de prescrição de 20 anos, só promovendo a sua execução judicial bem perto de tal prazo se esgotar, visando-se simultaneamente proteger os mutuários devedores contra aquela nefasta acumulação da dívida, e estimular a cobrança pontual pelos credores dos montantes fraccionados da dívida.
Tal como ressalta, a dado passo, do referido AUJ nº 6/2022 O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos".
Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pg. 278).
(…) a considerar-se, como em diversas decisões das Relações (1), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).”
O entendimento perfilhado na sentença recorrida, ancorado na jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não viola qualquer princípio constitucionalmente protegido, mormente o subjacente ao preceito constitucional convocado pela Apelante.
Considerada pela Apelante antecipadamente vencida toda a dívida em 11.10.2022 nada justifica que apenas a tenha executado decorridos longos 16 anos, quando estava em condições de a ter exigido judicialmente a partir de 2006 e dentro do prazo razoável de 5 anos previsto no art. 310º al. e) do CPC.
Não o tendo feito, o prazo de prescrição dos 5 anos, aplicável ao caso sob apreciação pelas razões já expostas, iniciou-se na data do vencimento antecipado- 11.10.2006- em relação à totalidade da dívida exequenda, a qual prescreveu em 11.10.2011, o que acarreta a inexorável procedência dos embargos de executado e consequente extinção da execução por prescrição da dívida exequenda (art.732º nº 4 do CPC).
Por conseguinte, improcedendo a argumentação recursiva, confirma-se a decisão recorrida.
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V. Decisão
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.
Notifique.

Porto, 27.05.2025
Maria da Luz Seabra
Rodrigues Pires
Raquel Correia de Lima

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] Proc. Nº 1357/23.0T8LOU-A.P1, www.dgsi.pt