EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
REJEIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO FINAL
DECISÃO INTERCALAR
Sumário

[Da responsabilidade do relator (art.º 663.º, n.º 7 do CPC)]
1. Resultando da decisão recorrida, proferida na sequência de um pedido de esclarecimento feito pelo Administrador da Insolvência, em que este deu conhecimento ao tribunal que no decurso do primeiro período de cessão a insolvente recebeu o valor global de 25.611,37€, a título de pensão de invalidez, estando englobados nesse valor os montantes (retroativos) alusivos à “diferença da respectiva pensão calculados desde 3/10/2017” (“em abril de 2023 foi reconhecida a invalidez absoluta passando a mesma a auferir 430,39€ mensais a título da referida pensão”), solicitando então que o “Tribunal que se digne esclarecer se o montante auferido a título de retroactivos deve ser considerado como rendimentos da Insolvente no primeiro ano do período de cessão, ou se o Signatário deve considerar apenas os montantes que correspondem ao período em apreço”, decidindo o tribunal “qualificar a quantia global auferida no mês de Maio de 2023, que ultrapassa a quantia de 1.100,00€, como rendimento disponível”, o que basicamente se discute no recurso é o mérito de um despacho intercalar proferido no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante.

2. Sendo essa decisão proferida completamente à margem das decisões (finais) que estão previstas em sede de tramitação própria do incidente de exoneração, a saber, o despacho de indeferimento liminar, o despacho de cessação antecipada do procedimento de exoneração e a decisão final de exoneração (arts. 238.º, 243.º e 244.º do CIRE), considerando que inexiste disposição específica a regular esta matéria no CIRE – para além do que dispõe o art.º 14.º –, é aplicável, nos termos do art.º 17.º, n.º 1 desse diploma, o regime processual civil.

3. Impõe-se, então, a aplicação do disposto no art.º 644.º do CPC, pelo que, não se afigurando que a decisão recorrida seja subsumível a qualquer das alíneas a que aludem os números 1 e 2, conclui-se que a decisão proferida só é impugnável nos termos do número 3 do mesmo preceito; isto é, a insolvente só poderá interpor recurso do despacho proferido com o recurso que for interposto da decisão final que, no caso, será a decisão prevista no art.º 243.º (cessação antecipada) ou 244.º (decisão final de exoneração).

4. O recurso interposto, sendo prematuro, não deve ser admitido, por extemporaneidade.

Texto Integral

Acordam os juízes da 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. No presente processo de insolvência em que foi declarada a insolvência de RG, ora apelante, no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante e durante o período de cessão foi proferida a decisão recorrida, em 25-11-2024, com o seguinte teor:
“Requerimento datado de 14 de Novembro de 2023:
No âmbito do incidente de exoneração do passivo restante desencadeado por RG, por despacho datado de 07 de Novembro de 2022, o Tribunal fixou como rendimento disponível a quantia que ultrapassa o montante de 1.100,00€ mensais (rendimento indisponível) (montante actualizável anualmente de acordo com o índice da inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística). Por requerimento datado de 14 de Novembro de 2023, veio o Sr. Administrador da Insolvência informar os autos sobre o facto de a insolvente, a partir de Abril de 2023, ter passado a auferir, a título de pensão por invalidez, a quantia mensal de 430,39€.
Mais informou que a insolvente, em Maio de 2023, auferiu a quantia global de 25.611 ,37€, sendo que a referida quantia corresponde à retroactivos devidos por conta da sua pensão por invalidez.
Por despacho datado de 10 de Fevereiro de 2024, o Tribunal ordenou a notificação dos credores para, querendo, se pronunciarem sobre o atrás referido. Porém, os mesmos nada vieram dizer ou requerer.
Seguidamente, o Tribunal ordenou que fosse aberta vista, tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO promovido que o valor decorrente dos referidos retroactivos seja qualificado como rendimento disponível, após dedução do valor mínimo necessário ao sustento digno da insolvente (montante fixado a título de rendimento indisponível).
O Tribunal ordenou a notificação da insolvente para, querendo, se pronunciar sobre a promoção que antecede.
Por requerimento datado de 15 de Abril de 2024, veio RG requerer que da quantia total de 25.61 1,37€, apenas os valores de 821 ,12€ e de 1.721,56€ sejam objecto de cessão à massa insolvente, em sede de período de exoneração de passivo restante, com exclusão de cessão dos restantes 23.068,69€.
Por requerimento datado de 21 de Maio de 2024, veio o Sr. Administrador da Insolvência requerer que o requerido seja julgado improcedente.
Após ter sido notificado para o efeito, veio o Sr. Administrador da Insolvência informar os autos sobre o facto de a insolvente ter auferido os seguintes rendimentos entre Novembro de 2022 e Outubro de 2023:
> 3.744,09€ — rendimentos;
> 25.180,98€ — retroactivos da pensão de invalidez desde Outubro de 2017 até Abril de 2023.
Cumpre decidir.
Conforme referido no despacho datado de 07 de Novembro de 2022, o rendimento disponível da insolvente foi fixado pelo tribunal tendo em conta os critérios previstos no artigo 239. 0 n. 0 3, alínea b), do CIRE, nos termos do qual "integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: (...); b) Do que seja razoavelmente necessário para: (i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor".
Assim sendo, o Tribunal determinou que durante os 3 (três) anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência [a saber: o período de cessão só começa a contar após o encerramento do processo de insolvência], os rendimentos disponíveis que RG venha a auferir, na acepção prevista no artigo 239.º n.º 3, do CIRE [a saber: qualquer quantia pecuniária, independentemente da sua origem ou natureza, que pode ser composta ou não (a título de exemplo: retribuição base, subsídios de férias e de Natal, pensões, rendas, etc.)], e que ultrapassem os 1.100,00€ mensais (rendimento indisponível) (montante actualizável anualmente de acordo com o índice da inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística), consideram-se cedidos mensalmente [a saber: todos os rendimentos percebidos pela insolvente para além daquele valor mensal (a saber: 1.100,00€) ao Sr. Administrador da Insolvência.
Verifica-se, assim, que a insolvente terá de entregar ao fiduciário todo e qualquer rendimento por si auferido que, mensalmente, exceda o equivalente a 1 .100,00€, independentemente de tais quantias serem por si recebidas a título de pensões, ou a título de retroactivos por conta das suas pensões
Para o efeito, cabe salientar que no âmbito do processo n.º 4321/22.3T8FNC-A foram reconhecidos créditos sobre a insolvência, no valor global de 59.248,69€, que ainda não foram pagos, tendo os credores uma legítima expectativa de serem pagos ao abrigo do incidente de exoneração do passivo restante.
DECISÃO
Termos em que, o Tribunal decide julgar o requerido pela insolvente improcedente e, por conseguinte, qualificar a quantia global auferida no mês de Maio de 2023, que ultrapassa a quantia de 1.100,00€, como rendimento disponível” 

2. Não se conformando a insolvente apelou, apresentando alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
“1.ª O recurso visa a decisão do Tribunal a quo que, ao determinar a obrigação da Recorrente entregar à massa insolvente, a título de (primeiro ano) cessão de rendimento disponível, a quantia de € 25.611,37, descontada de € 1.100,00, não efetuou uma correta interpretação das normas jurídicas que o fundam, designadamente os n.ºs 2 e 3 do artigo 239.º do CIRE, mormente por ter olvidado que se, por um lado, dura lex sede lex, por outro lado, summun ius, summa iniuria.
2.ª Sob a perspetiva de garantir aos credores “uma legitima espectativa de serem pagos ao abrigo do incidente de exoneração do passivo restante”, o Tribunal a quo qualificou aquela quantia global, auferida pela Recorrente a título de retroativos de pensão de invalidez, descontada de € 1.100,00 (no melhor dos rigores, tendo a inflação no ano de 2022 sido de 7,8%, de acordo com os dados do I.N.E., o valor a considerar deveria ser € 1.185,00), como rendimento disponível e, em consequência, sujeito a entrega, pelo valor de € 24.511,37, ao Fiduciário.
3.ª Em face daquela perspetiva do Tribunal a quo, apenas um dos credores – o Ministério Público – se pronunciou, em três momentos distintos, sendo que, no primeiro momento, defendeu que o valor de € 25.611,37 (descontado de € 1.100,00) deveria todo ele ser objeto de cessão, num segundo momento, e em linha com o Fiduciário, defendeu que apenas haveria de ser objeto de entrega o valor de € 14.867,07 e, num terceiro momento, regressou à posição inicial.
4.ª Considerando a composição da quantia de € 25.611,37, respeitante a hiato temporal entre 03- 10-2017 e 30-04-2023, sendo (i) € 529,11, relativos a Outubro de 2017, (ii) € 988,03, relativos a Novembro e a Dezembro de 2017, (iii) € 5.450,76, relativos ao ano de 2018 (iv) € 5.602,79, relativos ao ano de 2019, (v) € 11.382,00, relativos aos anos de 2020 e de 2021, (vi) € 5.747,84, relativos ao ano de 2022 e (vii) € 1.721,56, relativos aos meses de Janeiro a Abril, inclusive, de 2023.
5.ª Considerando que a Recorrente se apresentou à insolvência a 15-08-2022, com aquela a ser declarada pela douta Sentença de 17-08-2022.
6.ª Considerando que a cessão de rendimento disponível se iniciou em Dezembro de 2022.
7.ª A Recorrente sempre propugnou, atenta a natureza do valor em questão, relativo a retroativos e ainda que seja entendido – como o é – como “entrada de rendimento no património do insolvente”, conforme notado pelo Tribunal a quo, não haveria a sua totalidade de ser cedido à massa insolvente, em sede de cessão de rendimento disponível e, isso, ainda que o seu pagamento tenha ocorrido já na sua vigência.
8.ª E, isso, na exata medida em que dos valores parcelares que compõem aquele valor global de € 25.611,37, apenas os relativos a Dezembro de 2022, incluindo subsídio de Natal [€ 821,12 correspondentes a (€ 5.747,84/14 = € 410,56 x2)] e aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2023 (€ 1.721,56) se reportam a hiato temporal correspondente com a vigência do período de cessão de rendimento disponível.
9.ª Ainda que a título retórico, questionar-se-á: Que cessão de rendimento disponível caberia ao caso concreto se o valor pago à Recorrente, no que respeita aos demais valores parcelares, o tivesse sido em tempo devido (ou seja, antes sequer da sua apresentação à insolvência) ao invés de ter sido pago a título retroativo, já após a sua declaração de insolvência e o início do período de cessão de rendimento disponível?
10.ª Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu no Despacho recorrido e, isso, mesmo que se reconheça aquele que tem sido o critério geral enformador da nossa melhor Jurisprudência, assente nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 239.º do CIRE: os montantes a atender para determinação das quantias a ceder ao fiduciário são todos os rendimentos a qualquer título advindos ao insolvente, independentemente da sua natureza.
11.ª Ainda assim, na exata medida em que cada caso é um caso, impondo-se um tratamento iguais para casos iguais e um tratamento diferente para casos diferentes, sempre em função das idiossincrasias próprias de cada caso, no que respeita a esta lide não se poderá descurar à concreta razão de ser subjacente ao (diferimento de) pagamento do rendimento auferido pela Recorrente no mês de Maio de 2023.
12.ª Uma coisa serão aqueles casos em que o insolvente, já em plena vigência do período de cessão de rendimento disponível, recebe “indemnizações e créditos laborais” – crê-se que ao mencionar estas dimensões, embora nenhuma delas encontre eco particular nos doutos Acórdãos por si enumerados, o Ministério Público se referisse à gama de situações em que aqueles montantes são pagos em decorrência da cessação da relação laboral, seja prévia ou paralelamente àquela vigência – que, na maioria das vezes, poderão reclamar um reconhecimento judicial desses direitos pelo que estes só nascem aquando desse reconhecimento e não forçosamente aquando da cessação da relação laboral pois até se pode dar o caso desta não garantir nem legitimar aquele reconhecimento.
13.ª Diferentemente, in casu, do que se trata é do pagamento de pensão de invalidez a favor da Recorrente a título retroativo, tendo em conta um “novo cálculo da pensão atribuída”, nomeadamente ao nível da “carreira contributiva que foi considerada para o cálculo da pensão”, incluindo fatores como “remunerações” e “períodos contributivos” (cfr. documento junto ao Comunicação 5497993, de 13-11-2023).
14.ª Tudo elementos já na posse da entidade pagadora daquela pensão que, por iniciativa da Recorrente, foi compelida a revê-los e, em consequência dessa revisão a favor da sua pretensão – e já pendente quando se apresentou à insolvência -, atualizou o valor da pensão de invalidez mensal auferida, mormente nos períodos compreendidos nos hiatos temporais em apreço, com o subsequente pagamento dos retroativos correspondentes (cfr. artigos 2.º a 5.º da Petição Inicial; e página 7 do Relatório do Administrador de Insolvência).
15.ª A manutenção do entendimento do Tribunal a quo redunda numa dupla penalização para a Recorrente que, num primeiro momento (o temporalmente devido), não recebeu os valores mensais de pensão a que teria direito e, num segundo momento – após os receber, finalmente – deles se haveria de ver privados em razão de, no entretanto, ter começado o período de cessão de rendimento disponível.
16.ª Entende, pois, a Recorrente que, de um total de € 25.611,37, apenas haverão de estar sujeitas a cessão de rendimento disponível as quantias de €821,12e €1.721,56, havendo a Recorrente de ceder aquelas que, por referência a cada um dos meses a que se reportem, excedam a quantia de € 1.100,00 (no ano de 2022) e de € 1.185,00 (no ano de 2023).
17.ª E não se diga, como ostenta o Tribunal a quo, que o entendimento perfilhado pela Recorrente defrauda as legítimas expectativas dos seus credores pois, no melhor dos rigores das coisas, se tivesse recebido as demais quantias parcelares no tempo e momento devido, nenhuma delas estaria sujeita a cessão de rendimento disponível por ainda não ter havido,  à data, sequer apresentação à insolvência pela Recorrente.
18.ª A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, ser revogada e substituída por douto Acórdão que determine estar apenas sujeita à obrigação de entrega ao Fiduciário, no que respeita ao primeiro ano de cessão de rendimento disponível (de Dezembro de 2022 a Dezembro de 2023), os valores parcelares de Dezembro de 2022, na parte em que excedam € 1.100,00, e de Janeiro a Abril, inclusive, de 2023, na parte em que excedam, em cada um desses meses, € 1.185,00, com exclusão daquela obrigação dos restantes valores parcelares auferidos pela Recorrente no mês de Maio de 2023, todos pagos a título de retroativos de pensão de invalidez.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento
Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA”.

Foram apresentadas contra-alegações de recurso.

3. Remetido o recurso a esta Relação foi proferido o despacho de 29-03-2025, convidando a recorrente a pronunciar-se quanto à questão alusiva à (in)admissibilidade do recurso interposto, na sequência do que veio a devedora/insolvente apresentar o requerimento de 31-03-2025.

4. Proferiu-se então, em 21-04-2025, despacho com o seguinte segmento dispositivo:
“Termos em que, não estando esta Relação vinculada pelo despacho de admissão de recurso proferido pela 1ª instância (art.º 641.º n.º 5 do CPC), porque prematuro, logo, extemporâneo, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do CPC, decide-se não admitir o recurso interposto pela insolvente do despacho proferido em 25-11-2024.
Notifique”.

5. Notificados os intervenientes processuais, veio a devedora/apelante, por requerimento de 21-04-2025 requerer que “sobre a matéria dela recaia douto Acórdão, nos termos do n.º 3 do artigo 652.º do Código de Processo Civil”.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Em face das vicissitudes processuais supra relatadas, incluindo as que são enunciadas na decisão recorrida, cumpre apreciar da admissibilidade do recurso interposto, sendo que, não aduzindo a reclamante qualquer argumento ou fundamento novo para além do que já havia exposto no requerimento de 31-03-2025, mais não resta senão renovar a fundamentação já exposta na decisão reclamada.
Assim.
Como resulta da própria decisão recorrida, a mesma foi proferida na sequência de um pedido de esclarecimento feito pelo AI, em 14-11-2023. Nesse requerimento o AI deu conhecimento ao tribunal que em maio de 2023 (ou seja, no decurso do primeiro período de cessão, que teve o seu início na sequência do despacho proferido em 7-11-2022 que fixou o rendimento indisponível) a insolvente recebeu o valor global de 25.611,37€, a título de pensão de invalidez, estando englobados nesse valor os montantes (retroativos) alusivos à “diferença da respectiva pensão calculados desde 3/10/2017” (“em abril de 2023 foi reconhecida a invalidez absoluta passando a mesma a auferir 430,39€ mensais a título da referida pensão”).
Em face do que o AI termina nos seguintes termos:
Face ao exposto, solicita-se a este Douto Tribunal que se digne esclarecer se o montante auferido a título de retroactivos deve ser considerado como rendimentos da Insolvente no primeiro ano do período de cessão, ou se o Signatário deve considerar apenas os montantes que correspondem ao período em apreço” (sic).
Ou seja, basicamente, o que se discute no recurso é o mérito de um despacho intercalar proferido no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante (incidente que corre nos próprios autos do processo de insolvência), completamente à margem das decisões (finais) que estão previstas em sede de tramitação própria do incidente, a saber, o despacho de indeferimento liminar (art.º 238.º do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção específica), despacho de cessação antecipada do procedimento de exoneração (art.º 243.º) e decisão final da exoneração (art.º 244.º); saliente-se que o despacho inicial que, admitindo o incidente, fixa o rendimento disponível escapa a esta aferição, porquanto decorre do disposto no art.º 239.º, n.º 6 que o próprio legislador prevê a interposição de recurso (autónomo) desse despacho.
Assim sendo, considerando que inexiste disposição específica a regular esta matéria no CIRE – para além do que dispõe o art.º 14.º [ [1] ] –, é aplicável, nos termos do art.º 17.º, n.º 1, o regime processual civil.
Impõe-se, então, a aplicação do disposto no art.º 644.º do CPC, pelo que, não se afigurando que a decisão recorrida seja subsumível a qualquer das alíneas a que aludem os números 1 e 2, conclui-se que a decisão proferida só é impugnável nos termos do número 3 do mesmo preceito; isto é, a insolvente só poderá interpor recurso do despacho proferido com o recurso que for interposto da decisão final que, no caso, será a decisão prevista no art.º 243.º (cessação antecipada) ou 244.º (decisão final de exoneração).
No requerimento que antecede a apelante não aduz qualquer argumento jurídico que contrarie as razões apontadas, que foram antecipadas no despacho anterior, que convidou a apelante a pronunciar-se quanto a esta questão, exatamente para delimitar os termos em que a mesma se colocava, no entendimento desta Relação.
Efetivamente, não releva para o efeito a circunstância apontada no requerimento, a saber, a decisão incidindo sobre o recurso “poderá obstar a que, de futuro, seja interposto novo recurso da decisão final que vier o Tribunal a quo a proferir sobre a concessão, ou não, da exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 243.º ou 244.º, ambos do CIRE, pois o cerne daquele recurso reside em saber se certo quantitativo monetário é (ou não) passível de cessão de rendimento disponível” porquanto a mera conveniência ou utilidade pontual da pronúncia de um tribunal superior – para além do caso circunscrito ao disposto na alínea h) do número 2 do art.º 644.º do CPC, aqui manifestamente inaplicável –, não constitui um parâmetro de aferição da admissibilidade do recurso, sendo que o legislador quis precisamente afastar situações como a presente.
Concluindo-se, então, uma vez que a Relação não está vinculada pelo despacho de admissão de recurso proferido pela 1ª instância (art.º 641.º n.º 5 do CPC), que o recurso interposto é prematuro, logo, extemporâneo, não sendo, pois, admissível.
                                                             *
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a reclamação, mantendo-se a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante porquanto decaiu na sua pretensão de ver apreciado o recurso (art.º 527.º, n.º 1 do CPC)
Notifique.

2005-05-27
Isabel Maria Brás Fonseca
Nuno Teixeira  
Amélia Sofia Rebelo
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[1] Acrescente-se, agora, que o disposto nos números 5 e 6 do art.º 14.º não regulam matéria pertinente à (in)admissibilidade do recurso, mas tão só a matéria alusiva ao regime de subida e efeitos do recurso, tendo como contraponto o disposto nos arts. 645.º a 647.º do CPC.