RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECLAMAÇÃO
INDEFERIMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
IRRECORRIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
VALOR DA CAUSA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


Não é de admitir recurso de revista do acórdão da Relação que, no âmbito de reclamação prevista no art. 643º do CPC , confirma a decisão da 1ª instância de rejeição do recurso de apelação, a não ser que se verifique alguma das previsões excepcionais do art. 629º, nº 2 do CPC.

Texto Integral


Revista nº 7282/22.5T8VNF-A.G1.S1

Acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*

Na acção declarativa de que os presentes autos de reclamação (art. 643.º do Código de Processo Civil) são apenso, em que é autor Luís Granja – Gabinete de Projectos, Ld.ª e são réus AA e BB, foi proferido no Juízo Local Cível de ..., despacho saneador que, depois de fixar o valor da acção em € 6.024,44, dispensou a realização da audiência prévia e julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pelos réus.

Os réus interpuseram recurso de apelação de tal decisão, mas tal recurso não foi admitido em primeira instância.

Inconformados, os réus interpuseram reclamação contra o indeferimento do recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Por decisão singular foi julgada improcedente a reclamação e confirmado o despacho de não admissão do recurso proferido em primeira instância.

Tal decisão singular foi confirmada por deliberação em conferência.

Também por deliberação em conferência foi julgada improcedente a arguição de nulidade imputada ao acórdão.

Ainda inconformado, o réu interpôs recurso de revista do acórdão da Relação pedindo a sua admissão a título excepcional nos termos do art. 672º n. 1 alíneas a) e c) do CPC, recurso que foi remetido pela Relação a este Supremo ao abrigo do art. 671º, nº 3 do mesmo diploma.

Ao abrigo do disposto no artigo 655º, nº 1 do CPC, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade, então comunicada pelo relator, de não se admitir por falta de fundamento legal a revista interposta pelos réus e de o Supremo Tribunal de Justiça dela não tomar conhecimento, pelas razões expressas em tal despacho.

Na resposta, o recorrente pronunciou-se sustentando a admissibilidade do recurso de revista com base no art. 672º n.º 1 al. a) e c) e no art. 674.º n.º 1 al. a) do CPC.

Foi proferida a seguinte decisão singular que parcialmente se transcreve:

“ (…)

9) Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso de revista interposto pelos réus AA e BB.

10) No despacho mencionado no ponto III 6) desta decisão o relator explicitou as razões pelas quais entendia não ser admissível o recurso de revista de acórdão da Relação incidente sobre decisão proferida em reclamação da decisão que não admitiu o recurso de apelação de decisão interlocutória (não final) recaindo unicamente sobre a relação processual.

Está em causa um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que apreciou a questão da admissibilidade da interposição de um recurso de apelação (autónoma), que tinha por objecto a decisão sobre a excepção de ineptidão da petição inicial, que o Tribunal de primeira instância não admitira por não se enquadrar no artigo 644.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil.

Tal decisão foi tomada pelo Tribunal recorrido, reunido em conferência, no contexto da reclamação dos recorrentes, nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil.

11) No mencionado despacho ficou dito, num primeiro momento, o seguinte: “Extrai-se de uma abordagem histórica ao regime da reclamação contra o indeferimento do recurso que nunca esteve consagrada a possibilidade de intervenção regular do Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão da admissibilidade do recurso de apelação, não havendo razão alguma para considerar que uma decisão de indeferimento do recurso em primeira instância, que admite um segundo grau de jurisdição e também reclamação para a conferência possa ainda justificar a admissibilidade do recurso de revista “nos termos gerais”.

Como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil – 4.ª edição (2017) (Almedina) a páginas 182 e 183), o acórdão da Relação proferido em conferência, no âmbito da reclamação (artigo 643.º do Código de Processo Civil), que confirme o despacho de não admissão do recurso de apelação não admite, em regra e no actual regime, recurso de revista, a não ser na situação prevista no artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil: “Entendo que o recurso de revista é inadmissível nesse e em quaisquer outros casos, a não ser que se verifique a situação de contradição jurisprudencial prevista no artigo 629.º n.º 2”.

12) Anotou depois o relator que o recorrente tinha invocado a existência de oposição de julgados em termos que, isoladamente considerados, poderiam servir de fundamento à admissibilidade da revista a título excepcional.

Porém, atendendo à natureza interlocutória da decisão apreciada no Tribunal de primeira instância objecto do acórdão recorrido, manifestou o relator o seu entendimento de que a revista interposta pelo réu não era legalmente admissível.

Fê-lo nos termos que se transcrevem:

“Sucede, porém, que, no entender do relator, o recurso interposto pelos recorrentes não tem cabimento na norma que prevê o conhecimento da revista a título excepcional pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Como muito clara e expressamente refere o texto do artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil “excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 1 do artigo anterior (…)”, como mecanismo processual apto a responder ao interesse público na apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões jurídica e socialmente relevantes ou para solucionar os, em verdade inevitáveis, julgamentos contraditórios sobre determinada questão fundamental de direito.

A referência aos acórdãos da Relação referidos no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil serve para esclarecer que o regime da revista excepcional só tem aplicação para remover o obstáculo da dupla conformidade decisória quanto aos acórdãos da Relação que, tendo apreciado a decisão de primeira instância, conheçam do mérito da causa ou ponham termo ao processo, confirmando-a sem voto de vencido nem fundamento essencialmente diferente.

O artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil não remete para os casos em que a recorribilidade do acórdão da Relação é abrangida pelo regime geral (artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil) nem para os casos em que a decisão objecto do recurso é uma decisão puramente interlocutória sobre a relação processual (artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

13) Concluiu o relator no mencionado despacho que o recurso de revista interposto, não tinha cabimento legal no regime de admissão excepcional do recurso de revista consagrado no artigo 672.º do Código de Processo Civil, sendo o recurso interposto, no seu entendimento, inadmissível.

14) Apesar de no âmbito do exercício do contraditório o recorrente não ter apresentado, salvo melhor opinião, qualquer razão minimamente consistente que contrariasse a interpretação do relator sobre a admissibilidade do recurso de revista, o certo é que o ele não tem cabimento legal seja segundo as regras gerais seja a título excepcional.

15) O acórdão recorrido não teve por objecto decisão que tenha apreciado o mérito da causa nem posto termo ao processo.

Incidiu sim, no contexto de uma reclamação contra o indeferimento de um recurso, sobre uma decisão interlocutória (decisão não final) proferida em primeira instância que recaiu unicamente sobre uma questão processual – a do cabimento legal do recurso de apelação na previsão do artigo 644.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil.

16) Nos termos do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, as decisões que apresentem essa natureza só podem ser objeto de revista em duas situações:

a) nos “casos em que o recurso é sempre admissível”, isto é, quando as questões processuais apreciadas em primeira instância e decididas no acórdão recorrido possam ser subsumíveis a alguma das situações especialmente previstas no artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (artigo 671.º n.º 2 a) do Código de Processo Civil);

b) quando o acórdão recorrido “esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, (artigo 671.º n.º 2 b) do Código de Processo Civil).

17) O recurso de revista interposto pelo réu não encontra fundamento em nenhuma das citadas alíneas do artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil pelo que não é admissível de acordo com as regras gerais como se salientou no despacho do relator de 4 de janeiro de 2025.

E não o sendo segundo as regras gerais também não o é a título excepcional, sendo inconsequente a alegação de qualquer das situações previstas no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil para efeito de contornar a irrecorribilidade do acórdão da Relação.

18) É consensual que a admissão da revista de acórdão que aprecie decisões interlocutórias que incidam unicamente sobre a relação processual está regulada exclusivamente no n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, abrangendo os casos em que a revista seja sempre admissível e aqueles que encontrem fundamento na oposição entre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2023 (revista 8988/19.1T8VNG-D.P1.S1) não resulta do regime de recorribilidade de revista das decisões interlocutórias expresso no artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil que seja admissível recurso de revista a título excepcional de acórdão da Relação que aprecie uma decisão meramente interlocutória fora das situações nele previstas.

19) Não sendo o recurso, em terceiro grau de jurisdição, para o Supremo Tribunal de Justiça uma regra universal a ausência de norma que especialmente afaste o recurso de revista não o torna automaticamente admissível.

Em linha com tal entendimento parece estar Abrantes Geraldes ( Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição (2017) – Almedina a página 345) que considera ser, em regra, suficiente o duplo grau de jurisdição em relação a decisões de natureza interlocutória que versem sobre matéria adjectiva, tal como sucedia no âmbito do anterior sistema dualista de recursos relativamente ao recurso de agravo que só era admitido, sem entraves, até à Relação.

Acresce que de uma leitura atenta das várias hipóteses estabelecidas no artigo 671.º do Código de Processo Civil e da conjugação do seu n.º 3 com o artigo 672.º do mesmo diploma, resulta, a nosso ver, inequívoco não ter sido prevista a recorribilidade a título excepcional do acórdão da Relação que aprecie decisões interlocutórias não finais que recaiam sobre a relação processual.

20) Em conclusão, não tem cabimento legal o recurso da Relação que aprecia, em via de reclamação, a decisão de não admissão de um recurso de apelação autónoma sobre o indeferimento da excepção da ineptidão da petição inicial - por não se enquadrar no artigo 644.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil, mas no n.º 3 do mesmo preceito, não se tratando de nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível nem sendo invocada oposição de julgados com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

E, não havendo lugar a revista nos termos gerais, não se concebe a sua admissão a título excepcional, nos termos previstos no artigo 1672.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

21) Termos em que decido rejeitar, por ausência de fundamento legal, o recurso de revista interposto pelo réu AA tendo por objecto o acórdão proferido em conferência no dia 10 de outubro de 2024 pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, apreciando a reclamação contra o indeferimento, confirmou a decisão singular da Senhora Juíza Desembargadora relatora e do Tribunal de primeira instância e não admitiu o recurso de apelação autónoma do despacho que indeferiu a arguição da ineptidão da petição inicial.

Mais condeno o requerente nas custas do incidente a que deu causa, fixando no mínimo a taxa de justiça devida.

Notifique.”

Desta decisão singular reclamaram os recorrentes para a conferência, rematando o alegado com as seguintes conclusões:

a) Os ora recorrentes interpuseram Recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C. e com a seguinte ALEGAÇÃO, (como se transcreve) : (…)

b) Fundam assim os recorrentes a interposição do RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL, no disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C.

c) Ou seja, o RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL foi interposto pelos recorrentes ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C.,

d) E não ao abrigo do disposto no artigo 671.º do C.P.C., como sustenta o Senhor Juiz Conselheiro Manuel Aguiar Pereira, no seu Despacho e Decisão Singular ! …

e) Ou seja, o Senhor Juiz Conselheiro…, no seu Despacho e Decisão Singular, parte do princípio, errado, (que não corresponde à realidade), de que o RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL foi requerido ao abrigo do disposto no artigo 671.º, do C.P.C. E não foi ! …

O RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL foi interposto pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C.

f) Além de que o referido Despacho e Decisão Singular proferidos pelo Relator Senhor Juiz Conselheiro…, se afigura também NULO por violação do disposto no artigo 672.º, n.º 3 do C.P.C., que dispõe: (…)

g) O recorrente está inconformado por lhe ver “negada” a justiça que lhe é devida – consubstanciada no seu direito a que o presente RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL que deduziu ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C. seja admitido e conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

h) Foi violado o disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a) e c) do C.P.C.

Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que deve ser admitido o RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL interposto pelos recorrentes.

Termos em que os recorrentes pedem a V. Exc.ªs, Senhores Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, que seja proferido Acórdão através do qual seja revogado o Despacho e Decisão Singular proferidos pelo Senhor Juiz Conselheiro … e consequentemente seja admitido o RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL interposto pelos recorrentes, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als a) e c) do C.P.C., para que o seu mérito seja analisado e conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça, e assim a realização de JUSTIÇA. “

Cumpre apreciar:

Está em causa a recorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que apreciou, em conferência, e no contexto da reclamação prevista no art. 643º do CPC, a questão da inadmissibilidade da interposição do recurso de apelação autónoma que tinha por objecto o despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial arguida pelos réus na contestação.

Consideram os reclamantes que, o relator, que, neste Supremo, rejeitou o recurso de revista do acórdão da Relação, parte do princípio errado de que o recurso de revista excepcional foi requerido ao abrigo do art. 671º do CPC, razão por que a sua decisão deve ser considerada nula por violação do art. 672º, nº 3 do CPC, que comete a apreciação das verificação dos pressupostos da revista excepcional à formação.

Porém, o relator não parte do princípio de que o recurso de revista excepcional foi requerido ao abrigo do art. 671º do CPC. O que o relator entendeu foi, diferentemente, que: o recurso de revista interposto cabe não no regime excepcional do recurso de revista consagrado no art. 672º do CPC mas no regime do art. 671º, nº 2 do CPC que prevê os casos em que os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual- como será o caso do despacho da 1ª instância que rejeitou o recurso de apelação- podem ser objecto de revista; e que o recurso de revista interposto pelos réus não encontra fundamento em nenhuma das alíneas do art. 671º nº 2 do CPC.

Além disso, a decisão do relator não viola o art. 672º, nº 3 do CPC na medida em que à formação compete, depois de verificados os pressupostos gerais de recorribilidade, apreciar apenas a verificação dos pressupostos específicos da revista excepcional.

Não se verifica, pois, qualquer nulidade (que não vem, aliás, identificada).

Pretendem os recorrentes a revista excepcional, ao abrigo do art. 672º do CPC.

Todavia, em caso algum, e tal como se sustenta no despacho reclamado, o art. 672º do CPC tem aqui aplicação.

A revista excepcional é apenas admissível nos casos previstos no nº 1 do artigo 671º, que aqui não se verificam. Como sublinha Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª edição, a pág. 446, estão afastados do âmbito de aplicação da revista excepcional os acórdãos da Relação que se integrem no nº 2 do art. 671º do CPC, uma vez que estes apenas admitem revista nas situações contempladas nas suas alíneas a) e b) (entendimento que tem sido também sufragado pela jurisprudência do STJ e, em concreto, pela formação do acórdão de 12.5.2022 (Processo n.º 260/13.7TBPTB), em que se escreveu que “tem sido entendimento da Formação que o recurso de revista excecional apenas tem lugar nas situações específicas daquele art. 671.º/1, estando afastada para os casos prevenidos nas duas alíneas do seu n.º 2, uma vez que estes apenas se admitem nas hipóteses especificamente indicadas e como revista regra.”

Como assim, o regime excepcional do art. 672º do CPC não tem aqui aplicação.

E, por isso, recorreu o relator à previsão do art. 671º, nº 1, al. b) do CPC, que considerou não preenchida, uma vez que o acórdão oferecido como fundamento não é um acórdão do Supremo mas da Relação.

Pode, no entanto, sustentar-se, com arrimo em jurisprudência e na doutrina, que o caso se enquadrará no nº 2, al. a) do art. 671º do CPC, em conjugação com o art. 629º, nº 1, al. d) do CPC.

Disso dá conta o Ac. STJ de 8.2.2024, proc. 1648/18.2T8BJA-A.L1-A.S1:

“Admitindo a interposição de recurso de decisão interlocutória com base na referida al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, defendendo que não é necessário que nesses casos a oposição de julgados ocorra com acórdão do STJ, a título exemplificativo, se pronunciaram os acórdãos do STJ de 09-04-2019 (Revista n.º 692/11.5TBVNO.E1.S1), de 08-09-2021 (Revista n.º 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1), de 12-09-2019 (Revista n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1), de 01-03-2018 (Revista n.º 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1).

Neste sentido pronunciou-se também ABRANTES GERALDES na sua obra “Recursos em Processo Civil”, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, págs. 63 e 65-66:
“De acordo com a primeira tese, o recurso de revista de acórdãos da Relação sobre decisões interlocutórias de natureza processual sustentados em contradição jurisprudencial ficam submetidos exclusivamente ao regime específico do art. 671.º, n.º 2, al. b) (pressupondo uma contradição reportada a um acórdão do Supremo), ao passo que, para a segunda tese, essas situações também são abarcadas pela al. d) do n.º 2 do art. 629.º. Bastando, neste caso, o confronto com outro acórdão da Relação, tal permite que fiquem no radar do Supremo Tribunal de Justiça questões de direito adjectivo objecto de decisões divergentes das Relações, em casos em que o recurso de revista não seja admitido por algum motivo de ordem legal não ligado ao valor do processo.

(…)

Apesar dos argumentos aduzidos em prol de uma via mais estreita de acesso ao recurso de revista, cremos ser mais ajustada a tese inversa, ou seja, a que admite a aplicação conjunta do art. 629.º, n.º 2, al. d), e do art. 671.º, n.º 2, al. b).

Para o efeito, destaca-se, desde logo, o elemento literal extraído do n.º 2 do art. 671.º, norma que, referindo-se explicitamente ao recurso de revista de decisões interlocutórias de cariz formal, assegura duas vias alternativas: a que decorre da al. b) (admissão de recurso de revista do acórdão da Relação que esteja em contradição com acórdão do Supremo, verificadas as demais condições aí previstas) e a que resulta da al. a) que, remetendo geneticamente para o n.º 2 do art. 629.º, não exclui a norma da al. d).

A par desse elemento formal, constata-se ainda, como argumento de ordem racional ou teleológica, o facto de apenas desse modo se garantir a efetiva possibilidade de, por intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, serem sanadas contradições jurisprudenciais estabelecidas ao nível das Relações em torno de questões de direito adjetivo que, por regra, não são suscitadas nos demais recursos de revista”.

Neste sentido, pode ver-se o Ac. STJ de 25.3.2025, proferido no processo nº 4593.8.ALM-A-L1.S1, de que foi relator o aqui 1º adjunto, e que subscrevemos como 2º adjunto:

“ (…) A respeito da aplicação desta alínea d) à limitação ao recurso prevista no n.º 2 do art.º 671.º do CPC, a doutrina e a jurisprudência estão divididas:

a) Para uns (tese restritiva), a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC não abarca a revista de acórdãos da Relação que recaiam sobre decisões que incidam exclusivamente sobre matéria adjetiva, na medida em que o respetivo regime não proclama uma geral irrecorribilidade para o STJ. (…).

b) Para outros (tese ampla), tanto a letra da lei como a teleologia da norma determinam a aplicabilidade da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC aos acórdãos da Relação referidos no n.º 2 do art.º 671.º: este último preceito impede o acesso ao STJ de uma categoria de decisões da Relação, independentemente da alçada, inserindo-se, pois, na letra da referida alínea d); a inaplicabilidade da recorribilidade excecionalíssima prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º impediria que o STJ exercesse a sua função uniformizadora numa vasta área de litígios cuja relevância não pode ser menorizada, nomeadamente tendo em consideração que se manifestam numa via essencial da litigância cível, a do processo comum. (…).

Expostas as linhas de argumentação das teses em presença, haverá que tomar posição.

Crê-se que é de sufragar a designada tese ampla.

A tese ampla está conforme com a letra da lei (art.º 9.º n.º 2 do Código Civil):

- a alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º do CPC, ao remeter para os casos em que o recurso é sempre admissível, não determina (na sua letra) a exclusão da situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º;

- a alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, na sua literalidade, complementa a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º;

- A alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º não restringe a espécie dos acórdãos a que é aplicável. Isto é, na sua letra, comporta decisões finais e decisões interlocutórias, decisões sobre matéria de direito adjetivo e decisões sobre questões de direito substantivo.

A tese ampla é a única que se coaduna com a teleologia dos preceitos (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil):

- a admissibilidade excecional de acesso ao STJ prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC visa permitir que o STJ possa dirimir controvérsias jurisprudenciais que, de outra forma, face às limitações estruturais à revista disseminadas no nosso ordenamento jurídico, permaneceriam vivas na comunidade jurídica, gerando desigualdade e insegurança, incompatíveis com a finalidade última da intervenção dos tribunais;

- a relevância de tais controvérsias manifesta-se, também, em matérias de natureza adjetiva, ainda que suscitadas em momentos intercalares do processo. O processo, instrumento da realização do direito, a este não deve erigir-se como obstáculo. E na garantia de que assim será, avulta o Supremo Tribunal de Justiça, que não deve ser arredado da tarefa cimeira de uniformizar, nos tribunais judiciais, a interpretação da lei, substantiva ou adjetiva.

A tese ampla está, também, em conformidade com o elemento sistemático na interpretação das leis (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil):

A alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, longe de se erigir em obstáculo à tese ampla, por supostamente ter por efeito afastar a aplicabilidade da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º, antes confirma a aplicabilidade desta. É que, face ao arredamento, previsto no proémio do n.º 2 do art.º 671.º, da subida ao STJ das controvérsias respeitantes a decisões de natureza adjetiva e interlocutória proferidas em processo comum, não haveria lugar à prolação de acórdão do STJ sobre essas matérias, não fora a via que para tal é aberta pela alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º.

Note-se que esse afastamento da atuação uniformizadora do STJ, decorrente da tese restritiva, teria que ser estendido também às decisões adjetivas intercalares proferidas em procedimentos especiais como processos de insolvência, procedimentos cautelares, processos de expropriação litigiosa, processos de jurisdição voluntária, sob pena de inexplicável instalação de duplicidade de regimes, face ao processo comum.

A tese ampla coaduna-se com o elemento histórico da interpretação das leis (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil). Em parte alguma, na evolução do regime legislativo e, nomeadamente, nos textos preambulares dos diplomas legislativos, se encontra menção do intuito, por parte do legislador do atual Código de Processo Civil, de vedar a intervenção do STJ na resolução de contradições entre tribunais superiores manifestadas em processos que, por razões alheias à alçada, não sejam suscetíveis de revista, e que se verifiquem em decisões intercalares incidentes sobre questões de natureza adjetiva. Pelo contrário, a função uniformizadora do STJ, enquanto órgão cimeiro da jurisdição judicial, é sempre salientada nesses textos.

A tese ampla é também aquela que melhor se coaduna com a presunção contida na parte final do n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil (“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”:

- o legislador, ao remeter, na alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º do CPC, para o regime geral da admissibilidade excecional de revista, sem explicitar a exclusão da situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º, exprimiu o seu pensamento em termos adequados;

- é que, efetivamente, o legislador não pretendia excluir a referida alínea d) do âmbito de aplicação da remissão contida na alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º.”

Como assim, e na perspectiva assumida pelo relator de que o acórdão da Relação é um acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, dever-se-á, ainda, no seguimento da tese ampla, aplicar-se o art. 629º, n.º 2, al. d) do CPC.

Porém, constatando-se que o acórdão da Relação foi proferido no âmbito do incidente da reclamação prevista no art. 643º do CPC, tem aqui pertinência o que, a propósito da admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que incida sobre a reclamação com especial destaque para os casos em que a Relação confirme o despacho do juiz de 1ª instância que rejeitou o recurso de apelação, é sustentado por Abrantes Geraldes em “Recursos em Processo Civil“, 8ª edição , a págs 268 e 269:

“ Entendo que o recurso de revista é inadmissível nesse e em quaisquer outros casos, a não ser que se verifique alguma das situações previstas no art. 629º, nº 2 .

O primeiro argumento, de natureza formal, assenta diretamente no art. 643º, nº 4, na medida em que a remissão é feita exclusivamente para o nº 3 do artigo 652º, e não para o seu nº 5. Mas parece-me mais importante, contudo, o contributo que pode ser extraído dos elementos de natureza histórica e racional que apontam para uma interpretação restritiva do art. 652º, nº 5, al. b).

Por via do elemento histórico verifica-se que no regime jurídico da reclamação do despacho de rejeição do recurso de apelação jamais esteve consagrada a possibilidade de intervenção regular do Supremo .

De facto, não me parece curial atribuir um acórdão da Relação confirmativo da decisão da 1ª instância que rejeitou o recurso de apelação um tratamento mais solene do que aquele que é dado à generalidade dos acórdãos da Relação que apreciam decisões interlocutórias e cuja impugnação em sede de revista sofre a forte restrição que decorre do nº 2 do art. 671º.

Também não se encontra nos propósitos do legislador motivo algum para considerar que uma decisão daquele teor (em regra, decisão de rejeição do recurso de apelação pelo juízo da 1ª instância ), que admite reclamação para a Relação (segundo grau de jurisdição nos termos do art. 643º, nº 1) e que até consente a intervenção da conferência, com elaboração de acórdão (uma espécie de terceiro grau de jurisdição, nos termos do art. 643º, nº 4, in fine ) possa ainda justificar a admissibilidade do recurso de revista, nos termos gerais que decorrem do nº 1 do art. 671º.

Por conseguinte, não é de admitir recurso de revista do acórdão da Relação que incida sobre a reclamação contra a rejeição ou retenção do recurso de apelação e, designadamente do que confirme a decisão de 1ª instância da rejeição do recurso, a não ser quando se verifica alguma das previsões excecionais do art. 629º, nº 2 .

É esta, aliás, a tese que domina na jurisprudência do Supremo.

Esta ressalva torna-se necessária, pois, de outro modo, correr-se-ia o risco de se estabilizar uma decisão que, por exemplo, traduzisse o desrespeito de um acórdão de uniformização ou a violação do caso julgado ou, ainda, de se gerar uma divergência nas Relações sobre determinada questão de direito que apenas uma derradeira intervenção do Supremo pode dirimir com esta justificação.

Com esta justificação fica impedida a sujeição do acórdão da Relação confirmativa do despacho do relator de indeferimento da reclamação ao regime do nº 1 do art. 671º”.

Verifica-se, assim, que, em qualquer das perspectivas, quer do ponto de vista do art. 671º, nº 2, quer do ponto de vista do art. 643º, sempre se terá de aplicar o disposto no art. 629º, nº 2, al. d) do CPC.

Todavia, “ao invés do que faria supor a integração da alínea no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento normativo referente ao “motivo estranho à alçada do tribunal” (cfr. Ac. STJ de 19.5.2016, proc, 122702/13.5YIPRT.P1.S1).

Ora, o valor da acção é de apenas € 6.024,44, o que significa que do acórdão da Relação não cabe recurso por motivo que não é estranho à alçada do Tribunal da Relação, que é € 30.000,00.

O recurso não é, pois, admissível, por força do disposto no art. 629º, nº 1 do CPC.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado, que rejeitou o recurso de revista.

Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça de 3( três) UCs.


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Lisboa, 27 de Maio de 2025

António Magalhães (Relator)

Jorge Leal

Henrique Antunes