COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
NULIDADE DA SENTENÇA
BOA FÉ
REPARAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – Em ação de responsabilidade civil contratual por venda de coisa defeituosa não podem os vendedores ser condenados a pagar aos compradores uma indemnização pela «desvalorização do imóvel decorrente da existência dos defeitos» quando, em simultâneo, é atribuída a estes uma quantia para repararem esses mesmos defeitos. Sendo suprimidos os defeitos através da sua reparação, deixa de haver desvalorização do imóvel. Logo, não pode ser atribuída uma indemnização por uma desvalorização que vai deixar de existir por via da reparação.
II – Tendo sido julgado como provado que «o valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA)» e existindo já sentença a condenar os construtores «a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio identificado nas alíneas a), b) e c) do ponto 4 da factualidade assente», ou seja, na parte em que que o prédio apresenta «a) infiltrações de águas pelos terraços e muretes, o que permite a entrada de águas pluviais para o interior do edifício; b) infiltrações de águas pelas fachadas; c) fissuras e rachadelas nas paredes exteriores», só após a realização das obras pelos construtores será possível apurar qual a quantia que será suportada pelos Autores e cujo ressarcimento constitui obrigação dos Réus.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. AA e marido, BB, intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e mulher, DD, formulando os seguintes pedidos:

«A) Serem os RR. condenados a eliminar os defeitos descritos nos artigos 10º, 12º, 17º, 18º, 20º e 21º desta peça efectuando os trabalhos que se mostrem necessários devendo os mesmos ser concluídos num prazo não superior a sessenta dias;
B) Serem os RR. condenados a proceder à entrega aos AA. da garagem e respectivas chaves correspondentes à primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente,
C) Pagarem aos AA. a quantia de 6.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, contados da citação até efectivo e integral pagamento;
OU, em alternativa:
D) Serem condenados a pagar aos AA. a quantia de 25.500,00 euros pela reparação dos defeitos e desvalorização do prédio referido na petição inicial
Para o efeito, alegaram, em breve síntese, que em 19.06.2019 a Autora comprou aos Réus uma fração autónoma tipo T1 com garagem na cave, que sofre dos defeitos que descrevem, que a garagem está ocupada por terceiros e que o prédio padece de diversas patologias nas suas partes comuns, factos de que os Autores tomaram conhecimento em maio de 2020, pois durante as negociações os Réus garantiram-lhes que a fração não apresentava quaisquer patologias.
Mais alegaram que os Réus realizaram pequenas reparações no interior da fração por forma a ocultar as patologias aos Autores, que a eliminação dos defeitos descritos ascende a um custo não inferior a € 25.500,00 e que os Autores ficaram afetados psicologicamente com toda a situação, reclamando a compensação dos danos não patrimoniais sofridos.

*
Os Réus contestaram, impugnando parte dos factos e invocando que os Autores agem em abuso do direito, por alegarem e exigirem a reparação de vícios que conheciam e aceitaram quando compraram o imóvel.
Mais requereram a intervenção acessória da administração do condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ....
Admitida a intervenção e citado, o Chamado não manifestou qualquer posição nos autos.
*
1.2. Convocada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente, a presente ação, e em consequência:
1- Condeno os Réus CC e esposa DD a pagar aos Autores AA e marido BB a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de IVA, e a quantia de €10.000,00 (dez mil euros).
2- Absolvo os Réus CC e esposa DD dos demais pedidos formulados pelos Autores AA e marido BB.»
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1.3. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença, aduzindo as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo, na parte em que decide:
Condenar os Réus CC e esposa, DD a pagar as Autores A QUANTIA DE €15.000,00 (QUINZE MIL EUROS), ACRESCIDA DE IVA E A QUANTIA DE €10.000,00 (DEZ MIL EUROS).
B. Entendem os recorrentes, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo errou no julgamento que fez. Deu como provados factos que deveriam ter sido considerados não provados e não considerou provada matéria que, mediante a prova produzida (documental e testemunhal), deveria ter considerado provada, não tendo, salvo melhor opinião, apreciado corretamente a prova produzida;
C. Há ainda omissão de pronuncia e o Tribunal não efetuou uma correta ponderação e valoração da prova produzida, existindo contradições entre a fundamentação e a decisão, nem efetuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
D. Por fim, entendem os recorrentes, que o Tribunal recorrido decidiu em objeto diverso do pedido, o que é fundamento de nulidade da sentença. (Ut. Artigo 609.º n.º 1 e 2 615.º n.º al d) e e) do CPC).
E. Tudo, conduzindo à proliferação de uma sentença de condenação, injusta, dos aqui Recorrentes.
F. Que impõe, primeiramente, que se efetue uma reapreciação da prova gravada e documental carreada para o processo, corrigindo-se, alterando-se e aditando factos à matéria assente e posteriormente, se proceda à correta subsunção jurídica dos facto e aplicação do direito.
G. Por razões de simplificação e economia processuais, dá-se por reproduzido o enquadramento efetuado da ação, nomeadamente, quanto aos factos que a sentença deu por provados e não provados.
H. Afigura-se aos Recorrentes existir erro na apreciação da prova por parte do julgador, no que respeita ao Ponto 1 e ao Ponto 12 da matéria de facto dada por provada na sentença.
I. Na perspetiva dos recorrentes, o ponto 1 da matéria de facto deve ser corrigido, no sentido de nele passar a constar a correta área de 100m2 da fração, passando a ter a seguinte redação:
“1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19..., Ap. ...79 de 2019/06/19 a aquisição a favor dos ora Autores, AA casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra aos ora Réus, CC e DD, da FRAÇÃO AUTÓNOMA do PRÉDIO URBANO constituído em propriedade horizontal inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., designada pela letra ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1 com a área coberta de 100m2 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.”
J. E, o ponto 12, na medida em que considera provado que “Os Réus efetuaram intervenção no terraço para melhorar o seu aspecto antes da primeira visita realizada pelos Autores ao imóvel.”, deve ser considerado como não provado e como tal, deve ser excluído da matéria de facto dada por provada e passar a elencar a matéria de facto não provada.
K. Por outro lado, afigura-se aos recorrentes haver erro por omissão de matéria de facto que consideram que deveria ter sido dada por provada e como tal, consideram que devem ser aditados os seguintes factos à matéria de facto provada:
1 - Os AA. efetuaram duas visitas ao imóvel no mês de maio de 2019.
2 - Em 03.06.2020 os AA. firmaram a sua intenção de compra, através de contrato promessa de compra e venda, assumindo e aceitando assim a compra do imóvel, no estado físico e jurídico em se que encontrava: “Pelo presente contrato, os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos outorgantes que lhes prometem comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, no estado físico e jurídico em que se encontra, a fração autónoma supra identificada…”
3 - A construção do prédio remonta a 1996 e desde então não foi alvo de qualquer intervenção de manutenção.
4 - Os vícios e defeitos identificados no interior da fração são visíveis por mera observação.
5 - Os vícios / patologias existentes nas partes comuns, são visíveis por mera observação. Nas fachadas exteriores nota-se haver descolamento da tijoleira de revestimento, manchas de humidade (“babados de junta”) e várias zonas com tijoleira fissurada.
6 – Os vícios supra descritos eram já visíveis e percetíveis a olho nu à data da visita dos AA ao imóvel e eram visíveis por qualquer cidadão comum.
7 - Não há evidências de existirem actos de manutenção e conservação do edifício. O edifício apresenta-se desprotegido e com defeitos variados, há muitos anos por resolver/ tratar. Não existe limpeza de caleiros.
8 – Os vícios e patologias evidenciados nas fotografias juntas ao relatório pericial são nas mesmas zonas evidenciadas nas fotografias tiradas a 05.06.2019, juntas pelos RR na contestação.
9 - O valor de mercado do imóvel à data da venda correspondia a 85.000,00€ e atualmente cerca de 100.000,00€.
10 – Por sentença no processo 846/03.... transitada em julgado e em execução para prestação de facto existe um terceiro condenado na reparação dos defeitos elencados em 12.º da PI.
L. Os recorrentes pretendem que este Venerando Tribunal da Relação vá à procura da sua própria convicção, assim assegurando o exigível e efetivo duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise e à subsequente aplicação do direito.
M. A Relação deve fazer com autonomia, o seu próprio juízo de valoração dos factos em discussão, que pode ser ou não igual ao da primeira instância.
N. Trata-se, pois, de avaliar se a decisão de facto, reapreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica correspondente, ou não, ao decidido em 1.ª instância” (Vide - Também a título de exemplo – Acórdão do STJ de 28.05.2009, in www.dgsi.pt)
O. Sem esquecer que as decisões dos Tribunais se encontram abrangidas pelo princípio da livre apreciação da prova, não deixa de ser verdade, como resulta da lei, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (artigo 662.º n.º 1 do CPC). E, com efeito,
P. No que concerne ao Ponto 1 (identificado em I), a matéria dada por assente relativamente a este ponto encontra-se documentalmente demonstrada (doc 1, 2, 3 e 4 juntos com a PI) donde resulta que a fração ... tem 100m2 de área coberta e não apenas os 12m2 de área descoberta.
Q. Razão peal qual deve ser corrigido o ponto 1 dos factos provados com a redação dada em (I).
R. O ponto 12 (identificado em J) é contraditado pelo depoimento de EE ao tempo 15:05 a 16:00 e 11:57 a 14:54 que se encontra supra transcrito no pedido de reapreciação da prova e que por razões de brevidade aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos, conjugado com os depoimentos dos RR referem que as únicas intervenções efetuadas no imóvel, nomeadamente pintura, foram efetuadas aquando da sua aquisição do imóvel que remonta a outubro de 2012. – Vide documento 7 da contestação e depoimentos prestados pelo R marido ao tempo 55:49 a 56:17 e da R mulher ao tempo 10:20 a 10:40. E,
S. Associados estes depoimentos aos documentos juntos pelos AA. em requerimento de 20.01.2024, resulta da ata de 13.10.2012, a intervenção no terraço nessa data.
T. Mas ainda que o Tribunal a quo entendesse credibilizar e valorizar o depoimento do Administrador de Condomínio, o certo é que daquele depoimento não resulta que a intervenção tenha sido efetuada antes da primeira visita realizada pelos AA ao imóvel. No depoimento, não sabendo indicar quando foram efetuadas as obras, refere 3, 4 5 anos após a compra efetuada pelos RR.
U. Razão pela qual, o ponto 12 deve ser excluído da matéria de facto dada por provada e passar a elencar a matéria de facto não provada, pois os RR não efetuaram qualquer intervenção no terraço antes da venda dos prédios aos AA., as únicas intervenções efetuadas pelos RR, nomeadamente pintura, remontam a 2012.
V. E, no que concerne aos factos que os Recorrentes consideram que deveriam ter sido dados por provados supra elencados em (K):
W. O ponto 1 deve ser dado por provado por força do depoimento de parte dos AA.. Da A. mulher ao ponto 1:19 a 1.23 e 1:57 a 2:10; da testemunha FF ao tempo 22:09; do depoimento do A marido (que não podemos transcrever porque se encontra indisponível) e da própria motivação da convicção do Tribunal “a quo” que refere: “Aquando das duas visitas que antecederam a compra realizada no mês de maio de 2019…”
X. O Ponto 2, deve ser dado por provado, porque resulta do documento 2 junto com a Contestação.
Y. Os pontos, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, devem ser dados por provados, desde logo porque resultam evidenciados no relatório pericial pela resposta da perita aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 apresentados pelos RR, reforçados ainda pelos esclarecimentos prestados em Tribunal pela perita no dia 23.01.2024 e da testemunha FF ouvida no dia 01.03.2024, que se encontram supra transcritos no pedido de reapreciação da prova e, que aqui por razões de brevidade se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
Z. Razão pela qual deve ser dado por provado que:
3 - A construção do prédio remonta a 1996 e desde então não foi alvo de qualquer intervenção de manutenção.
4 - Os vícios e defeitos identificados no interior da fração são visíveis por mera observação.
5 - Os vícios / patologias existentes nas partes comuns, são visíveis por mera observação. Nas fachadas exteriores nota-se haver descolamento da tijoleira de revestimento, manchas de humidade (“babados de junta”) e várias zonas com tijoleira fissurada.
6 – Os vícios supra descritos eram já visíveis e percetíveis a olho nu à data da visita dos AA ao imóvel e eram visíveis por qualquer cidadão comum.
7 - Não há evidências de existirem actos de manutenção e conservação do edifício.
O edifício apresenta-se desprotegido e com defeitos variados, há muitos anos por resolver/ tratar. Não existe limpeza de caleiros.
8 – Os vícios e patologias evidenciados nas fotografias juntas ao relatório pericial são nas mesmas zonas evidenciadas nas fotografias tiradas a 05.06.2019, juntas pelos RR na contestação.
AA. No que se refere ao ponto 9 da matéria a dar por provada, entendem os recorrentes, que tal matéria se encontra provada pelo depoimento das testemunhas GG ouvida no dia 01.03.2024 (tempo 09:50 a 11:00) e da testemunha FF ouvida no mesmo dia (tempo 9:56 a 11:55) conjugado com a restante prova produzida e as regras da experiência, sendo de conhecimento geral que o valor do mercado imobiliário apresenta-se em claro crescimento e para o trimestre de 2024, o valor mediano das vendas por m2, para imóveis já existentes em Portugal Continental, ronda os 1559€, o que perfaz para a fração em causa, com 100m2 (superfície coberta) o valor de 155.900,00€
- Publicação no portal do INE: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&contecto=pi&indOcorrCod=0012234&selTab=tab0)
BB. Razão pela qual, deve ser dado por provado que:
9 - O valor de mercado do imóvel à data da venda correspondia a 85.000,00€ e atualmente cerca de 100.000,00€.
CC. O ponto 10 da matéria a dar por provada: Entendem os recorrentes que o documento n.º 2 junto pelos AA em 29.01.2024 através da ref. Citius “4313300”, revela que por sentença transitada em julgado no processo 846/03.... e requerimento de execução para prestação de facto, existe já uma condenação (do construtor, em ação instaurada pela administração do condomínio do prédio em causa) na reparação dos defeitos elencados no artigo 12.º da Petição Inicial.
DD. Razão pela qual, deve ser dado ainda por provado que:
10 – Por sentença no processo 846/03.... transitada em julgado e em execução para prestação de facto existe um terceiro condenado na reparação dos defeitos elencados em 12.º da PI.
EE. Houve, com o devido respeito, erro na apreciação da prova, que impõe decisão diversa quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, devendo revogar-se a sentença recorrida na parte correspondente e alterar-se aquela matéria no sentido apontado;

Concluindo,
FF. Da matéria de facto assente (vide ponto 13 e 14 da matéria de facto dada por provada), da respetiva motivação, da prova carreada para os autos, quer do relatório pericial (resposta aos quesitos 1,2, 3, 4, 5 e 6 apresentados pelos RR) quer dos esclarecimentos prestados pela perita em Audiência de Discussão e Julgamento, resulta claro que as patologias quer nas partes comuns, no exterior do edifício, quer na garagem, quer no interior da fração eram já percetíveis e visíveis em 2019, a olho nu, e qualquer pessoa as visualizaria.
GG. Estes factos são evidenciados por prova documental, nomeadamente as fotografias emitidas a 05-06-2024 aquando do certificado energético, precisamente dois dias após os AA/ recorridos terem celebrado o contrato promessa e pagarem o sinal, em 03-06-2024 e, após já terem efetuado em maio, pelo menos, duas visitas ao imóvel.
HH. E, reforçados pelos esclarecimentos da perita em audiência de discussão e julgamento:
Ao tempo 35:00:
“- Quem compra sabe o que está a comprar?
- Na minha opinião sim.
Ao tempo 36:00: “Havia ali sinais..”
Ao tempo 36:30: “… embora havia ali sinais naquelas fotografias… Mesmo no interior da fracção.” (…) Até devia questionar … Ali notava-se que havia um problema.”
Ao tempo 38:00 a 41:00: “As fotografias são muito reveladoras do estado da fracção.
(…) Revelam problemas, é visível.”
Ao tempo 45:00 a 48:00: “São coincidentes … já existiam em 2019”.
Ao tempo 48:50: “Qualquer pessoa visualizaria estas patologias.”
II. Os AA/ recorridos sabiam pois o que estavam a comprar. Não tinham como não ver, como não saber.
JJ. Qualquer declaratório normal, perante um prédio com aquela idade e que evidenciava toda aquela patologia teria o cuidado, como refere a perita, e bem, de pelo menos indagar: “Há coisas que são evidentes… há que tomar consciência disso quando se adquire o apartamento.” (Tempo 55: 16 a 57:10)
KK. Segundo ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2012, processo 2384/07.0TBCBR.C1, em que é relator Henrique Antunes: “I- No contexto da compra e venda, defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detetável através de um exame diligente, i.é., não era reconhecível pelo bónus pater familias; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando da normal diligência.”
LL. Segundo o mesmo acórdão, o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos previstos nos artigos, 905.º, 911.º e 914.º do CC, se este o desconhecer sem culpa, ou seja, se estivermos perante vícios ocultos.
MM. Apesar de todas as evidências de prova neste sentido, o Tribunal não fez o correto enquadramento jurídico dos factos. Nem sequer fez o enquadramento dos defeitos como ocultos ou aparentes, apesar da questão ter sido suscitada pelos RR logo em sede de contestação.
NN. Resulta suficientemente demonstrado pela prova carreada para os autos que estamos perante defeitos aparentes e não defeitos ocultos.
OO. Assim como resultou suficientemente demonstrado, que os RR/Recorrentes nada fizeram para ocultar os vícios aos AA/ recorridos. E,
PP. Dando por provado que os vícios eram visíveis e notórios, e não foram ocultados pelos RR., o Tribunal a quo devia ter efetuado uma valoração conjunta da prova, e segundo as regras da experiência, concluir que o estado em que se encontra o imóvel e os invocados defeitos foram conhecidos pelos AA., que os aceitaram e tiveram em consideração no preço pelo qual compraram o imóvel.
QQ. Concluindo-se assim, que tratam-se de vícios aparentes, e não ocultos, os RR não podem por eles ser responsabilizados e deveria o Tribunal recorrido ter absolvido os RR. dos pedidos.
RR. Mas ainda que assim não fosse, ainda que o Tribunal recorrido tivesse entendido ou ficasse convencido que apesar de os vícios serem visíveis e do conhecimento dos AA., aqueles não tivessem previsto a atual situação do imóvel, como parece resultar do ponto 18 da matéria de facto dada por provada em primeira instância;
SS. Há naturalmente que atender ao preço pelo qual foi convencionada a venda do imóvel e que teve em consideração todos aqueles vícios que eram já visíveis aquando da compra.
TT. Resulta dos factos provados, que o imóvel foi anunciado para venda por 72.000,00€ a acabou por ser vendido por 65.000,00€.
e
UU. Resulta também do depoimento da agente imobiliária que o prédio em 2019 valeria cerca de 85.000,00€ e agora seguramente cerca de 100.000,00€.
VV. Já vimos também que, e é do conhecimento geral que o mercado imobiliário se encontra em franco crescimento e os valores dos imóveis elevados.
Que de acordo com o publicado pelo INE, o valor mediando das vendas em Portugal Continental para prédios já existentes, no primeiro trimestre de 2024, foi fixado em 1559€ por m2.
WW. O que perfaz, para a fracção em causa, de 100m2, o valor de 155.900,00€.
XX. A condenação dos RR/ recorrentes no pagamento aos AA/Recorridos da quantia fixada em sentença de 15.000,00€ acrescido de IVA para reparação dos defeitos, que perfaz o montante de 18.450,00€, acrescido ainda de 10.000,00€ pela desvalorização do imóvel, equivale à venda do imóvel pelo preço de €36.550,00 (65.000,00€ -28.450,00€).
YY. Daquele valor os RR pagaram ainda a comissão à imobiliária e as mais valias geradas pela venda do imóvel.
ZZ. Face à prova produzida, resulta que os AA. enquanto declaratórios normais, segundo o critério do bónus pater família, não tinham como ignorar os vícios que eram já evidentes quer nas partes comuns, quer na garagem e interior da fração.
AAA. E, tudo isso foi atendido no preço que pagaram pelo imóvel.
BBB. Aliás, ponderada a instauração da ação, poderiam ter optado por pedir a anulação de negócio, até porque afirmam que se soubessem não teriam comprado.
CCC. E, não o fizeram, pois como se demonstrou supra e os AA. sabiam, ainda assim fizeram um ótimo negócio.
DDD. Compraram por 65.000,00€ quando o prédio à data já valeria 85.000,00€ e atualmente vale seguramente 100.00,00€.
EEE. A concorrência eletiva das pretensões reconhecidas por lei ao comprador (anulação, redução do preço e reparação) e a decisão relativa à sua aplicação devem reger-se pelo princípio da boa-fé. – Vide Calvão da Silva em Compra e Venda de Coisas Defeituosas, livraria almedina, ed. Setembro de 2002, pág. 77 e ss.
FFF. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter efetuado uma análise ponderada da prova, segundo as regras da experiência, critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, o que conduziria necessariamente a uma diferente decisão, mais JUSTA.
GGG. A sentença recorrida ao condenar os RR no pagamento da quantia de 28.450,00€ (a totalidade do valor pedido a título alternativo), na prática reduz o valor da venda do imóvel ao montante de 36.550,00€.
HHH. Um imóvel em ..., numa zona de praia, com 100m2 e varanda, que à data da venda apesar de vendido por 65.000,00€ valeria 85.000,00€ e atualmente seguramente 100.000,00€.
III. Tudo isto ultrapassa os limites impostos pelo princípio da boa-fé que o caso exige.
JJJ. Razão pela qual, se outro entendimento não subsistir, entendemos desmesurado o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal “a quo”.
Por outro lado,
KKK. Há ainda a considerar o ponto 10 dos factos julgados provados pelo Tribunal recorrido e a motivação da sua convicção aquando da valoração do depoimento do administrador do condomínio quando refere: “Por último, referiu-se à degradação do prédio em consequência da má construção e ao facto de aguardarem a realização das obras a que os construtores do prédio foram condenados, em tribunal, a realizar, existindo já um orçamento.” (sublinhado e itálico nosso)
LLL. Pela referência “...00” do citius de 29.01.2024 foi junto aos autos pelos AA., como doc 2, sentença no processo 846/03.... e requerimento de execução para prestação de facto, do qual resulta que a administração de condomínio instaurou ação pela qual o construtor do imóvel foi condenado na reparação dos defeitos elencados no artigo 12.º da petição inicial.
MMM. Os RR, ora reconvintes, responderam à junção dos documentos em 09.02.2024 pela ref.ª ...66.
NNN. O Tribunal “a quo” não se pronunciou pela junção dos documentos nem pela resposta aos mesmos. Há uma omissão de pronuncia sobre um facto que consideramos relevante e que resulta de prova documental.
OOO. Pois, os pedidos dos AA. no que concerne à reparação das partes comuns coincidem precisamente com os da referida sentença transitada em julgado. – Vide artigo 12.º e pedido elencado em A) da Petição Inicial.
PPP. Existe pois já uma sentença transitada em julgado (visto que já deu lugar a uma execução para prestação de facto) de condenação de um terceiro na reparação de defeitos também peticionados nestes autos, nomeadamente quanto à reparação de vícios nas partes comuns.
QQQ. Razão pela qual, os pedidos relativos à reparação daquelas partes comuns deviam improceder, pois a responsabilidade por aquela reparação já se encontra apurada e imputada a terceiros em processo judicial com sentença transitada em julgado. E,
RRR. Os AA., na qualidade de condóminos e atuais proprietários da fracção, beneficiarão naturalmente daquela reparação ou do pagamento correspondente à referida reparação, repete-se, cuja responsabilidade já se encontra fixada a terceiro.
SSS. Não podem é, por um lado, verem-se ressarcidos à custa dos RR. Pela condenação destes a pagar pela reparação dos defeitos e simultaneamente verem os defeitos reparados pela sentença já transitada em julgado no processo 846/03...., o que configuraria enriquecimento sem justa causa.
TTT. Tudo isto deveria ter sido atendido pelo Tribunal “a quo” e, pelo menos considerado, para redução do quantum indemnizatório a fixar aos RR./recorrentes para a reparação.
Por fim,
UUU. O Tribunal a quo enquadrou a subsunção da situação jurídica trazida a juízo no regime da compra e venda de coisa defeituosa previsto nos artigos 913.º e ss do CC.
VVV. Perante a venda de coisa defeituosa, ao comprador assistem várias possibilidades:
- A anulação do negócio (artigo 905.º do CC);
- Redução do preço (artigo 911.º do CC); ou,
- Reparação da coisa (artigo 914.º do CC).
WWW. Assistindo ainda ao comprador a faculdade de cumular, com qualquer um destes pedidos, pedido indemnizatório pelo interesse contratual negativo.
XXX. O que o Tribunal a quo também defende e fundamenta, concluindo que: “com qualquer dessas pretensões pode cumular-se a indemnização pelo interesse contratual negativo – destinado a assegurar o ressarcimento de danos não reparados por aqueles meios jurídicos. – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2012, proc. N.º 2384/07.0TBCBR.C1JTRC, relator Henrique Antunes.”
YYY. Os AA. aqui recorridos, na qualidade de compradores efetuaram os seguintes pedidos:
“A) Serem os RR. condenados a eliminar os defeitos descritos nos artigos 10º, 12º, 17º, 18º, 20º e 21º desta peça efectuando os trabalhos que se mostrem necessários devendo os mesmos ser concluídos num prazo não superior a sessenta dias;
B) Serem os RR. condenados a proceder à entrega aos AA. da garagem e respectivas chaves correspondentes à primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente,
C) Pagarem aos AA. a quantia de 6.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, contados da citação até efectivo e integral pagamento;
OU, em alternativa:
D) Serem condenados a pagar aos AA. a quantia de 25.500,00 euros pela reparação dos defeitos e desvalorização do prédio referido na petição inicial.
E) Bem como em custas e demais encargos legais.”
ZZZ. Optaram assim pelo direito à reparação previsto no artigo 914.º CC, não tendo efetuado qualquer pedido subsidiário para a redução do preço.
AAAA. Antes, em alternativa à reparação, pedem para ser ressarcidos no pagamento da quantia de 25.500,00€ pela reparação dos defeitos e desvalorização do imóvel.
BBBB. O Tribunal, a quo, entendeu não ser possível a condenação pela reparação e optou por condenar no pedido alternativo, que discrimina como destinando-se a quantia de 15.000,00€ acrescida de IVA à taxa legal em vigor à reparação dos defeitos e em simultâneo condena no pagamento de 10.000,00€ pela desvalorização do imóvel.
– Vide ponto 21 e 22 da matéria de facto dada por provada e fundamentação de direito da sentença.
CCCC. Matéria que resulta esclarecida no relatório pericial da perita na al. h) da resposta aos temas de prova.
DDDD. Ora, destinando-se a indemnização pelo interesse contratual negativo a assegurar o ressarcimento de danos não reparados pelos meios jurídicos previstos no artigo 913.º e 914.º do CC, entendemos que o Tribunal a quo efetuou um errado enquadramento jurídico dos factos ao condenar os RR/ Recorrentes simultaneamente em indemnização para reparação e pela desvalorização.
EEEE. Entendem os recorrentes que com o pagamento da quantia dos 15.000,00€ acrescida de IVA para reparação dos defeitos esgota-se a possibilidade de ressarcimento pela desvalorização do imóvel, que devendo-se aos vícios, deixa de existir com a reparação.
Por outro lado,
FFFF. A atribuição da indemnização de 10.000,00€ a título de desvalorização, mais não figura do que uma redução do preço nos termos estabelecidos pelo n.º 1 do 911.º do CC: “Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso couber”.
GGGG. Ora, tal não foi pedido pelos AA. e, como tal não podia ser decidido pelo Tribunal pois configuraria nulidade por força do disposto no artigo 609.º 615.º al d) e e) do CPC.
HHHH. Tanto mais que resultam dos factos dados por provados no ponto 20 que: “se tivessem sabido das graves deficiências da fração autónoma e das partes comuns do prédio não tinham comprado”; este facto, dado por provado, quando muito, poderia ser fundamento do pedido de anulação do negócio, o que nunca foi pedido pelos AA., mas nunca poderia servir de fundamento e é até mesmo contrário ao pedido de redução do negócio, e, como tal não estão preenchidos os requisitos para aplicação do artigo 911.º do CC. – Vide, a título de exemplo, ac. Do STJ de 16-04-2002, proc. N.º 780/01 do Tribunal da Relação de Évora, relator Afonso Melo.
IIII. Decidindo como decidiu, contrariou a douta sentença recorrida, designadamente e pelo menos, as disposições dos artigos 5.º n.º 1 e 2, 607 n.º 4 e 5, 609.º , 651.º al. c), d) e e) do CPC e 334.º, 911.º, 913.º e 914.º do CC, assim como o princípio geral da Boa-fé, daí que se retiram as seguintes
JJJJ. Razão pela qual a não serem absolvidos os Réus/ Recorrentes com fundamento na inexistência de vícios ocultos, atendendo a que os vícios aparentes eram dos conhecimentos dos AA. que os aceitaram e consideram ressarcidos pelo preço pago pelo imóvel, o que se afigura por justo e necessário, deverá então ser reduzido ao mínimo o quantum indemnizatório a fixar por todos os motivos supra expostos.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e alterando-se a matéria de facto provada e não provada, absolvendo-se, em consequência os Recorrentes dos pedidos formulados pelos AA., ou quando menos, a procedendo-se à redução do quantum indemnizatório fixado por tudo quanto se deixou exposto, assim se fazendo, JUSTIÇA!»
*
Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
*
1.4. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, constituem questões a decidir:
i) Omissão de pronúncia (conclusões KKK a NNN);
ii) Nulidade da sentença por condenar em objeto diverso do pedido (conclusões FFFF e GGGG);
iii) Erro no julgamento da matéria de facto (conclusões F a EE);
iv) Se os vícios são aparentes (conclusões FF a QQ);
v) Violação do princípio da boa-fé (conclusões RR a JJJ);
vi) Consequências de haver sentença transitada em julgado que condena o construtor do prédio a proceder à reparação de certas anomalias que exibe (conclusões OOO a TTT);
vii) Se os Réus não podiam ser condenados «simultaneamente em indemnização para reparação e pela desvalorização» (conclusões UUU a EEEE).
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19..., Ap. ...79 de 2019/06/19 a aquisição a favor dos ora Autores, AA casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra aos ora Réus, CC e DD, da FRAÇÃO AUTÓNOMA do PRÉDIO URBANO constituído em propriedade horizontal inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., designada pela letra ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.
2. Através de escritura pública celebrada em 19-06-2019, no “Procedimento Casa pronta nº ...59/2019”, realizado no Espaço de Registos de ..., os ora Réus, CC e DD declararam vender a fração autónoma descrita em 1., da qual faz parte uma garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2, a AA, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com BB, ora Autores, pelo preço de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), que estes aceitaram comprar.
3. A 03-06-2019, os Autores pagaram aos Réus, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 6.500,00 euros (seis mil e quinhentos euros) através de cheque n.º ...11 do Banco 1..., S.A., emitido a favor dos Réus, e no ato da escritura, pagaram o preço remanescente de 58.500,00 euros (cinquenta e oito mil e quinhentos euros), através de cheque n.º ...45 do Banco 1..., S.A., emitido a favor dos Réus.
4. Os Autores não conhecem os Réus, apenas contactaram com eles no dia da escritura, para a compra da fração autónoma descrita em 1.
5. As negociações da compra e venda do referido imóvel foram feitas por intermédio da imobiliária “EMP01... – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL, LDA.”, titular da licença n.º ...39 AMI.
6. Os Autores têm residência na Estrada ..., ... ... – ..., no concelho ..., e apenas utilizam a referida fração autónoma para férias.
7. No início de maio de 2020, os Autores deslocaram-se à referida fração para passarem lá uns dias de férias, e verificaram:
- Humidade nas paredes de toda a fração;
- Intensos cheiros a mofo;
- Tinta a descascar na sala;
- Tinta a descascar num quarto;
- Tinta a descascar na casa de banho;
- Tinta a descascar nas garagens.
8. Os Autores tiveram, então, ainda, conhecimento que a garagem descrita em 1, se encontra ocupada por terceiros, e que lhes tinha sido entregue a chave de outra garagem.
9. Os Réus não esclareceram os Autores quanto à situação da garagem descrita em 1, que sabiam ser utilizada por terceiros.
10. Em conversa com proprietários de frações do mesmo edifício, os Autores tomaram também, então, conhecimento de diversas patologias existentes nas partes comuns do prédio e que constam de um relatório pericial realizado na ação executiva para prestação de facto (68/14.... – deste Juízo de Competência Genérica de ...), instaurada pelo condomínio, que os Réus conheciam e que ocultaram aos Autores, apesar de saberem, aquando da venda, da urgente necessidade de realização de obras nas partes comuns:
- Infiltrações de águas pelos terraços, coberturas, parapeitos e muretes;
- Infiltração de águas pelas fachadas;
- Fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.
11. Por carta registada com aviso de receção, em 20 de maio de 2020, à qual não obtiveram resposta, os Autores comunicaram aos Réus, o seguinte:
“Como é do seu perfeito conhecimento adquiri em ../../2019 a fracção ..., correspondente ao bloco nascente, ... andar, art. ... “T”, da freguesia .... Como sabe resido habitualmente em ... e, no início deste mês de Maio, desloquei-me ao prédio que lhe adquiri para passar lá alguns dias e verifiquei que havia cheiros intensos a mofo, humidade nas paredes e tinta a descascar na sala, num quarto e na casa de banho, bem como nas garagens. Em conversa com proprietários de fracções do edifício fiquei também a saber que existem diversas pat[o]logias nas partes comuns e que constam de um relatório pericial instaurado pelo condomínio (do qual lhe junto cópia), patologias essas que os Srs. conheciam e que me ocultaram. A primeira garagem do lado esquerdo que me vendeu também está ocupada por terceiros que lhes dizem pertencer e não aos Sr.s que ma venderam. Solicito, pois, sejam corrigidas todas estas anomalias o mais breve possível. Apresentamos a V. Exª os nossos melhores cumprimentos.”
12. Os Réus intervieram no terraço para melhorar o seu aspeto antes da primeira visita realizada pelos Autores ao imóvel.
13. À data das visitas realizadas pelos Autores à fração, antes da compra, o interior da fração, a garagem e o prédio encontravam-se nas condições evidenciadas nas fotografias juntas com a contestação, tiradas em 05-06-2029, pelo técnico que efetuou a visita para emissão do certificado energético, já após a visita dos Autores ao imóvel, certificado que foi entregue aos Autores, na data da escritura.
14. Condições que foram percetíveis e do conhecimento dos Autores, aquando da visita ao imóvel.
15. As condições atuais de funcionamento do edifício, nomeadamente a falta de limpeza da grelha de recolha das águas pluviais que se situa no fundo da rampa exterior que dá acesso ao interior da cave onde por sua vez se situam as garagens, promovem a acumulação de água na cave, uma vez que as águas das chuvas entram pela porta situada a nascente e invadem as garagens, em consequência da falta de escoamento adequado.
16. As graves deficiências na fração autónoma, que apresenta vícios graves em paredes e tetos que inviabilizam a utilização da mesma dentro dos padrões normais, face às deficientes condições de salubridade dos espaços e à drástica redução das comodidades desses mesmos espaços, relacionados com a deficiente impermeabilização de paredes e tetos (coberturas), bem como nas zonas comuns do prédio, estes agravados pela ausência de manutenção e limpeza dos mesmos, e pelo facto de o edifício já apresentar, no mínimo, 26 anos, impedem o seu uso e utilização normais e impedem e diminuem o gozo das mesmas, já que afetam as suas condições de utilização, higiene, salubridade e comodidade.
17. A idade do edifício, sem nunca ter tido obras de manutenção, é um fator desvantajoso para a atual situação do mesmo, com severas implicações na salubridade das frações, estando-se a passar o limite do razoável, tornando-se insustentável o estado do edifício e a cada passo mais onerosa uma reparação eficaz com vista à eliminação dos vícios/defeitos existentes.
18. As condições do interior da fração, da garagem e do prédio evidenciadas nas referidas fotografias, observadas pelos Autores aquando das visitas ao imóvel, que antecederam a compra, não faziam prever a atual situação, descrita em 16.
19. Os factos descritos provocam aos Autores um sentimento de impotência e tristeza por não poderem usufruir plenamente da fração para as suas férias, tal como tinham planeado.
20. Se tivessem sabido das graves deficiências da fração autónoma e das partes comuns do prédio não tinham comprado.
21. O valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA).
22. A desvalorização do imóvel decorrente da existência dos referidos defeitos é, no mínimo de 15% do valor do imóvel, correspondendo ao mínimo de €10.000,00, sobre o valor comercial atual de uma fração idêntica.
23. Os Réus sempre utilizaram a garagem individual correspondentes às chaves que entregaram aos Autores, que lhes haviam sido entregues pelos anteriores proprietários, quando permaneciam na fração em causa, nas férias de verão.»
*
2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«1. Os Réus pintaram o interior da fração descrita, antes da primeira visita dos Autores ao imóvel, para encobrir as mazelas que aquela apresentava.
2. Os Réus garantiram aos Autores em todas as deslocações que lá realizaram previamente à compra, que a fração em causa não apresentava humidades, infiltrações ou quaisquer outros danos correlacionados com as mesmas.»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Omissão de pronúncia
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta nulidade emerge da violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

Nas conclusões KKK a NNN das suas alegações, os Recorrentes alegam que foi junta aos autos cópia da sentença proferida «no processo 846/03.... e requerimento de execução para prestação de facto, do qual resulta que a administração de condomínio instaurou ação pela qual o construtor do imóvel foi condenado na reparação dos defeitos elencados no artigo 12.º da petição inicial» e que «[o] Tribunal “a quo” não se pronunciou pela junção dos documentos nem pela resposta aos mesmos. Há uma omissão de pronuncia sobre um facto que consideramos relevante e que resulta de prova documental.»
Na nossa interpretação, os Recorrentes não invocaram a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas sim a falta de pronúncia, na decisão da matéria de facto, sobre um facto que resulta da sentença cuja cópia os Recorridos juntaram aos autos por requerimento de 29.01.2024, em concreto que «o construtor do imóvel foi condenado na reparação dos defeitos elencados no artigo 12.º da petição inicial».
Portanto, no seu entender, a matéria de facto apurada padece de incompletude. Consequentemente, o que os Recorrentes apontam é um vício da decisão da matéria de facto e não propriamente um vício da sentença.
Há que distinguir entre vícios da decisão da matéria de facto e vícios da sentença, na medida em que os primeiros não constituem causa de nulidade da sentença. Apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença.
Isto porque as alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC não versam sobre uma omissão de pronúncia sobre um concreto facto que o recorrente entende que devia ter sido considerado provado. Esta específica falta não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A invocação dos vícios da decisão sobre a matéria de facto é feita nos termos do artigo 640º do CPC, não decorrendo necessariamente do reconhecimento dos mesmos a anulação da decisão. Em regra, a Relação, em recurso que verse sobre a matéria de facto, substitui-se ao tribunal recorrido, sendo que nas restantes situações rege o artigo 662º, nºs 2 e 3, do CPC.
Por conseguinte, fora dos casos previstos no artigo 662º, nº 2, do CPC (necessidade de renovação da prova, anulação da decisão por não constarem do processo todos os elementos que permitam à Relação a reapreciação, necessidade de ampliação da matéria de facto e anulação para o tribunal de 1ª instância fundamentar a decisão sobre facto essencial), o reconhecimento de um alegado vício de falta de pronúncia sobre um facto na decisão sobre a matéria de facto só pode ter lugar quando o recorrente reage contra a mesma de uma forma processual específica, que é através da impugnação da decisão da matéria de facto, sujeita ao regime do artigo 640º do CPC. O recorrente tem de alegar o vício, concretizar os pontos de facto incorretamente julgados, incluindo os que deveriam ter sido carreados para a decisão e não o foram, indicar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre os pontos de facto em causa e especificar os meios probatórios que impõem essa decisão.
Por outro lado, no que concerne especificamente à sentença proferida no processo 846/03...., não corresponde à realidade que o Tribunal a quo «não se pronunciou pela junção dos documentos nem pela resposta aos mesmos». Isto pela singela razão de que a junção foi determinada pela Mma. Juiz no decurso da audiência de julgamento.
Portanto, além de não ter sido invocada nesse sentido nas alegações, a sentença não é nula por omissão de pronúncia.
Em todo o caso, em sede de impugnação da decisão de facto, os Recorrentes pugnam no sentido de ser dado como provado o facto relativo à condenação de um terceiro na realização de obras, matéria que será oportunamente apreciada.
Termos em que improcede esta questão na especifica dimensão que se assinalou.
*
2.2.2. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e condenação em objeto diverso do pedido
Nas conclusões FFFF e GGGG das suas alegações, os Recorrentes alegam que «a atribuição da indemnização de 10.000,00€ a título de desvalorização, mais não figura do que uma redução do preço» e «tal não foi pedido pelos AA. e, como tal não podia ser decidido pelo Tribunal pois configuraria nulidade por força do disposto no artigo 609.º 615.º al d) e e) do CPC.»
 
Estando invocada a nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por condenar em objeto diverso do pedido, importa delinear os contornos e consequências de tais vícios.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade resulta da inobservância do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual o juiz «não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
O excesso de pronúncia ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir, ao pedido e às exceções, que centram o objeto do litígio. Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.

Por sua vez, dispõe o artigo 615º, nº 1, alínea e), do CPC que é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
É uma causa de nulidade que resulta da violação do disposto no artigo 609º, nº 1, do CPC, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Esta violação da lei processual por parte do tribunal, prolator de uma decisão judicial, respeita aos limites da sentença, em que o objeto do processo é definido pelas partes e é este que constitui o objeto da decisão, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.
Verifica-se esta nulidade quando o tribunal se pronuncia sobre mais do que o que é pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, o que traduz uma pronúncia ultra petitum, ou seja, que exorbita, extravasa, os limites resultantes das pretensões deduzidas pelas partes.
É uma nulidade que colhe o seu fundamento, em primeira linha, no princípio do dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual. Encontra ainda fundamento no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Apesar da evolução doutrinal entretanto registada, mantêm-se atuais as palavras de Alberto dos Reis[1]: «O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...) Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)».

Analisada a decisão, concluímos que não se verifica a apontada causa de nulidade da sentença.
Isto porque os Autores, em alternativa aos pedidos principais, deduziram o seguinte pedido alternativo:
«D) Serem condenados a pagar aos AA. a quantia de 25.500,00 euros pela reparação dos defeitos e desvalorização do prédio referido na petição inicial
Frustrados os pedidos principais, o Tribunal a quo, julgou parcialmente procedente o aludido pedido, condenando os Réus no pagamento aos Autores de duas indemnizações, uma no valor de € 15.000,00, acrescida de IVA, para ressarcir as despesas necessárias à reparação dos defeitos e outra no valor de € 10.000,00 para indemnizar «o dano correspondente à desvalorização do imóvel».
Esse especifico pedido relativo à indemnização pela «desvalorização do prédio referido na petição inicial» consta expressamente do pedido formulado sob a alínea D), que atrás se transcreveu, e na petição inicial foram expostos os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, conforme se pode ver nos artigos 51º e 52 da petição inicial.
Além de terem deduzido o competente pedido, os Autores alegaram que o seu imóvel se encontrava «desvalorizado, pelo menos, em 25.500,00 euros.» O Tribunal recorrido, mal ou bem, o que no contexto de apreciação de uma pretensa nulidade da sentença é irrelevante, atribuiu aos Autores uma indemnização de € 10.000,00.
Por isso, não se verifica excesso de pronúncia nem condenação em objeto diverso do pedido.

Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
*
2.2.3. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Os Réus impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância quanto aos pontos 1 e 12 dos factos provados e pretendem que sejam aditados à factualidade provada os dez factos que indicam na conclusão K.
Tendo por base os fundamentos invocados relativamente a esses pontos de facto, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e do relatório pericial, e à audição integral da gravação da audiência final.
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2.2.3.1. Ponto 1 dos factos provados
Este ponto de facto tem o seguinte teor:
«1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19..., Ap. ...79 de 2019/06/19 a aquisição a favor dos ora Autores, AA casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra aos ora Réus, CC e DD, da FRAÇÃO AUTÓNOMA do PRÉDIO URBANO constituído em propriedade horizontal inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., designada pela letra ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.»
Os Recorrente pretendem que este facto passe a ter a seguinte redação:
«1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19..., Ap. ...79 de 2019/06/19 a aquisição a favor dos ora Autores, AA casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra aos ora Réus, CC e DD, da FRAÇÃO AUTÓNOMA do PRÉDIO URBANO constituído em propriedade horizontal inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., designada pela letra ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1 com a área coberta de 100m2 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.» (conclusão I).

Assiste razão aos Recorrentes.
No ponto 1 não se procedeu a uma identificação completa da fração autónoma, pois se, com base na certidão do registo predial, se indica a área da garagem, também se tinha de especificar qual a área da zona habitacional, pois ambos os elementos constam da certidão. A identificação unívoca de um prédio é feita por referência aos dados constantes da respetiva descrição predial (art. 79º, nºs 1 e 2, do Código do Registo Predial – CRPredial).
Além disso, como o facto se alicerça exclusivamente numa certidão do registo predial e reproduz os dados constantes da descrição predial, a terminologia usada não é a correta: as descrições prediais identificam-se por números (art. 82º, nº 1-a, do CRPredial) e não por artigos. As matrizes prediais é que se designam por artigos (v., por exemplo, o artigo 82º, nº 1-f, do CRPredial).
Mais, confunde-se inscrição no registo com descrição predial, sendo que a primeira visa definir a situação jurídica do prédio e a segunda tem por fim a identificação física, económica e fiscal do prédio, através da enumeração das suas caraterísticas individualizadoras. Enquanto a descrição é um ato de registo, a inscrição leva ao registo um facto que define a situação jurídica do prédio. Essa inscrição é identificada, segundo o artigo 93º, nº 1-b), do CRPredial, pelo «número, a data e a hora da apresentação».
Finalmente, pela apresentação «2179 de 2019/06/19» não foi inscrita no registo «a aquisição a favor dos Autores». O facto inscrito no registo pela referida apresentação foi a aquisição pela Autora AA do direito de propriedade sobre a fração autónoma por compra aos Réus. Foi a Autora que celebrou o ato que operou a transmissão do direito de propriedade. É claro que o bem se integra no património comum casal, mas isso é uma consequência do regime de bens do casamento. É uma qualificação ou consequência jurídica que se retira da conjugação de dois elementos: negócio jurídico (compra e venda celebrada por determinadas pessoas) e regime de bens da pessoa que intervém no ato como sujeito ativo – adquirente.

Pelo exposto, o ponto nº 1 dos factos provados passará a ter o seguinte teor:

1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., mediante a apresentação 2179 de 19.06.2019, a aquisição a favor de AA, casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra a CC e DD, da fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1, com a superfície coberta de 100 m2 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.
*
2.2.3.2. Ponto 12 dos factos provados
Neste segmento da matéria de facto, julgou-se provado:
«12. Os Réus intervieram no terraço para melhorar o seu aspeto antes da primeira visita realizada pelos Autores ao imóvel.»
Os Recorrentes entendem que este facto deve ser dado como não provado e, para o efeito, transcrevem extratos dos depoimentos de parte dos Réus e do Chamado, prestado por EE.

Na motivação da decisão sobre este ponto, a Mma. Juiz fez constar: «Em face da prova produzida, fiquei convencida que terá sido feita a intervenção no terraço para melhorar o seu aspeto, antes da visita.»
Revistos todos os meios de prova produzidos sobre esta matéria, concluímos pela inexistência de qualquer erro de julgamento.
Os Réus negaram ter efetuado qualquer intervenção no terraço, enquanto a Autora, também em depoimento de parte, sustentou o contrário.
Porém, do depoimento de parte do administrador do condomínio resulta que os Réus fizeram obras em duas ocasiões (estamos a referir-nos à gravação do depoimento entre os minutos 20:30 e 24:30, em especial ao que foi dito cerca dos 20:35, 22:27, 23:25, 23:30, 23:55 e 24:11). Sendo as primeiras obras temporalmente irrelevantes para o caso dos autos, interessa-nos as que foram feitas pelos Réus em 2019.
Concretamente, o administrador do condomínio disse que recebeu queixas por cheiro de tintas e verificou, além do mais, que os Réus haviam pintado algumas áreas comuns (além da fração) e também subiu ao terraço, onde verificou igualmente a realização de obras. Aliás, na passagem que se inicia cerca do minuto 40:00, o depoente até concretiza quem naquele concreto momento lá estava a executar os trabalhos.
Por isso, o facto foi dado como provado com suporte probatório.
É de destacar que os Recorrentes apenas mencionam parte do que o depoente disse a propósito das primeiras obras que fizeram no terraço, não fazendo qualquer referência ao que foi dito quanto às obras realizadas pelos Réus em abril ou maio (24:11) de 2019. Já agora, refira-se que o administrador do condomínio também mencionou que essas primitivas obras no terraço, devido à forma como foram realizadas (o que descreveu) são agora uma das causas das infiltrações.

Termos em que se julga improcedente a impugnação quanto a esta questão factual.
*
2.2.3.3. Ponto 1 da conclusão K
Os Recorrentes pretendem que seja aditado à factualidade provada o seguinte facto:
«1 - Os AA. efetuaram duas visitas ao imóvel no mês de maio de 2019.»

Na contestação, sobre esta matéria, os Réus alegaram o seguinte:
«7 – Antes da concretização do negócio, os AA, acompanhados por um membro da Agência Imobiliária, visitaram a fração, assim como a cave e o lugar de garagem da mesma;
8 – Os AA. verificaram assim o imóvel, a fim de saber qual o seu estado de conservação, e só após (as) ponderadas visitas, concretizaram a sua intenção de compra.»
Não alegaram quantas visitas os Autores fizeram, se uma, duas ou mais.
No âmbito do recurso, os Recorrentes não indicam um concreto meio de prova do qual resulte que os Autores efetuaram duas visitas ao imóvel durante o mês de maio de 2019.
Limitam-se a transcrever excertos do depoimento de parte da Autora, no qual esta refere que «foram-nos mostrar aquele apartamento» (01:19), «em fins de maio» (01:57) e que foram «os dois [Autores]» (02:08), bem como do depoimento da testemunha FF (agente imobiliária), na parte em que afirmou que «quem comprou fez visita presencial» (10:07-10:31).
Portanto, apenas pode ser dado como provado que os Autores visitaram o imóvel no mês de maio de 2019.

Pelo exposto, na parcial procedência da impugnação, determina-se o aditamento aos factos provados de um ponto 24, com o seguinte teor:
24. Os Autores visitaram o imóvel em fins de maio de 2019.
*
2.2.3.4. Ponto 2 da conclusão K
Preconizam os Recorrentes o aditamento do seguinte facto:
«2 - Em 03.06.2020 os AA. firmaram a sua intenção de compra, através de contrato promessa de compra e venda, assumindo e aceitando assim a compra do imóvel, no estado físico e jurídico em se que encontrava: “Pelo presente contrato, os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos outorgantes que lhes prometem comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, no estado físico e jurídico em que se encontra, a fração autónoma supra identificada…”».

No nosso entender, para além de as expressões «assumindo e aceitando assim a compra do imóvel, no estado físico e jurídico em se que encontrava» terem natureza valorativa, trata-se de matéria irrelevante, pois nenhuma consequência jurídica se consegue extrair da celebração do contrato-promessa poucos dias antes da concretização do negócio em 19.06.2019 e das concretas declarações que aí prestaram.
Tendo presente a causa de pedir, o que está em causa é coisa distinta: se o verdadeiro estado do imóvel foi disfarçado pelos Réus através de obras e se durante as negociações garantiram aos Autores que a fração não apresentava quaisquer patologias, tal como resulta dos temas da prova e) e f):
«e) Durante as negociações os réus garantiram aos autores que a fração não apresentava quaisquer patologias.
f) Os réus realizaram pequenas reparações no interior da fração por forma a ocultar as patologias aos autores.»

Por isso, este ponto não será levado à matéria de facto.
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2.2.3.5. Ponto 3 da conclusão K
Os Recorrentes alegam que deve ser dado como provado que a construção do prédio remonta a 1996 e desde então não foi alvo de qualquer intervenção de manutenção.

Revistos os meios de prova, concluímos que não resulta inequívoco da prova produzida quando foi construído o prédio. Aliás, os Recorrente não indicam o concreto meio de prova do qual resulta que a construção do prédio remonta a 1996.
Apenas se sabe, através dos esclarecimentos da Sra. Perita, que o edifício tem, pelo menos 26 anos, o que, aliás, foi levado ao ponto 16 dos factos provados.
Depois, quanto à ausência de obras de manutenção, isso já consta expressamente do ponto 17 dos factos provados, pelo que não se justifica repetir o que já está adquirido.
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2.2.3.6. Pontos 4, 5, 6, 7 e 8 da conclusão K
Os Recorrentes pretendem ainda que sejam aditados os seguintes factos:
«4 - Os vícios e defeitos identificados no interior da fração são visíveis por mera observação.
5 - Os vícios / patologias existentes nas partes comuns, são visíveis por mera observação. Nas fachadas exteriores nota-se haver descolamento da tijoleira de revestimento, manchas de humidade (“babados de junta”) e várias zonas com tijoleira fissurada.
6 – Os vícios supra descritos eram já visíveis e percetíveis a olho nu à data da visita dos AA ao imóvel e eram visíveis por qualquer cidadão comum.
7 - Não há evidências de existirem actos de manutenção e conservação do edifício. O edifício apresenta-se desprotegido e com defeitos variados, há muitos anos por resolver/ tratar. Não existe limpeza de caleiros.
8 – Os vícios e patologias evidenciados nas fotografias juntas ao relatório pericial são nas mesmas zonas evidenciadas nas fotografias tiradas a 05.06.2019, juntas pelos RR na contestação.»

A impugnação é feita conjuntamente relativamente a esses cinco factos (e ainda quanto ao já apreciado autonomamente em 2.2.2.5.).
Para suportar a impugnação, indicam um único meio de prova: os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita na audiência de julgamento.
Revisto o apontado meio de prova e realizado o seu confronto com os demais elementos de prova produzidos e com os factos provados, concluímos pela inexistência de fundamento para o apontado aditamento.

Em primeiro lugar, resulta do depoimento de parte prestado pelo administrador do condomínio que nos últimos anos se verificou um substancial agravamento da situação do prédio, decorrente de nenhuma obra entretanto se ter realizado. Daí que o atual estado do prédio não coincida exatamente com o estado dele em 2019, aquando da compra da fração pela Autora.
Aliás, tal agravamento pode ser constatado pela simples comparação entre a descrição que consta do relatório pericial e respetivas fotografias, complementado com os esclarecimentos da Sra. Perita, e as fotografias juntas com a contestação, tiradas em 05.06.2019, pelo técnico que então efetuou uma visita para emissão do certificado energético.

Em segundo lugar, o estado do prédio já se mostra descrito na matéria de facto e de forma suficientemente esclarecedora:
- Verifica-se «a falta de limpeza da grelha de recolha das águas pluviais que se situa no fundo da rampa exterior que dá acesso ao interior da cave, onde por sua vez se situam as garagens, promovem a acumulação de água na cave, uma vez que as águas das chuvas entram pela porta situada a nascente e invadem as garagens, em consequência da falta de escoamento adequado» (p. 15);
- Constata-se «a deficiente impermeabilização de paredes e tetos (coberturas), bem como nas zonas comuns do prédio, estes agravados pela ausência de manutenção e limpeza dos mesmos, e pelo facto de o edifício já apresentar, no mínimo, 26 anos, impedem o seu uso e utilização normais e impedem e diminuem o gozo das mesmas, já que afetam as suas condições de utilização, higiene, salubridade e comodidade» (p. 16);
- «A idade do edifício, sem nunca ter tido obras de manutenção, é um fator desvantajoso para a atual situação do mesmo, com severas implicações na salubridade das frações, estando-se a passar o limite do razoável, tornando-se insustentável o estado do edifício e a cada passo mais onerosa uma reparação eficaz com vista à eliminação dos vícios/defeitos existentes» (p. 17).

Em terceiro lugar, é irrelevante saber se as patologias atualmente existentes na fração autónoma dos Autores e no prédio «são visíveis por mera observação», mas sim o que lhes foi possível examinar quando visitaram o prédio e a fração.
Ora, a este respeito já está demonstrado, por um lado, que os Réus intervieram no terraço para melhorar o seu aspeto antes da primeira visita realizada pelos Autores ao imóvel e, por outro, que as condições do interior da fração, da garagem e do prédio evidenciadas nas fotografias mencionadas em 13 (tiradas a 05.06.2019), observadas pelos Autores aquando das visitas ao imóvel, que antecederam a compra, não faziam prever a atual situação, descrita em 16. Foi das condições que são percetíveis nas aludidas fotografias que os Autores tomaram conhecimento quando visitaram o imóvel.
Como já tivemos o ensejo de referir, entre o que se observa nas fotografias de 05.06.2019 e a realidade com a qual os Autores foram posteriormente confrontados, bem como aquela que agora se verifica, há diferenças significativas.
E isso foi explicado pelo administrador do condomínio que diretamente presenciou que os Réus realizaram obras tanto na fração autónoma como em algumas áreas comuns para camuflar as patologias. O que o referido administrador explicitou está em consonância com o que se observa nas fotografias de 05.06.2019. Também a Autora referiu essa situação durante o seu depoimento de parte.
Por isso, não se pode dar por provado que «os vícios supra descritos eram já visíveis e percetíveis a olho nu à data da visita dos AA ao imóvel e eram visíveis por qualquer cidadão comum.»

Termos em que improcede a impugnação quanto a estes pontos.
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2.2.3.7. Ponto 9 da conclusão K
Pretendem os Recorrentes que se dê como provado que o valor de mercado do imóvel à data da venda correspondia a 85.000,00€ e atualmente [é de] cerca de 100.000,00€.

Os Réus não alegaram na contestação qual o valor de mercado da fração autónoma à data da venda (19.06.2019) ou à data em que apresentaram tal peça processual. Trata-se, por isso, de matéria não alegada.
Também não deduziram qualquer exceção ou pretensão com base no valor de mercado do imóvel.
O princípio do dispositivo continua a ser um dos princípios estruturantes do processo civil, pois, por um lado, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (artigo 3º, nº 1, do CPC) e, por outro, é a estas que incumbe a conformação essencial do objeto do processo, indicando o pedido e a causa de pedir. Nesta última vertente, conforme se dispõe no artigo 5º, nº 1, do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Não tendo os Réus invocado qualquer exceção com base no valor de mercado do imóvel, essa matéria é irrelevante.
Mesmo que o não fosse, também esse facto não podia ser considerado provado.
Repara-se que os Réus puseram a fração autónoma à venda por € 72.000,00, ninguém se dispôs a comprar por esse valor, e acabaram por aceitar o valor oferecido pelos Autores, no montante de € 65.000,00. Nessas condições, nunca esta Relação podia dar como demonstrado que o valor de mercado era de € 85.000,00.
Quanto ao valor de mercado daquela concreta fração ser atualmente de € 100.000,00, salvo o devido respeito, estamos no domínio da pura especulação. Isto porque se trata de uma fração que sofre de graves patologias, tal como o prédio urbano constituído em propriedade horizontal onde se insere. A realidade objetiva da fração e do prédio é a que se mostra descrita na matéria de facto: «As graves deficiências na fração autónoma, que apresenta vícios graves em paredes e tetos que inviabilizam a utilização da mesma dentro dos padrões normais, face às deficientes condições de salubridade dos espaços e à drástica redução das comodidades desses mesmos espaços, relacionados com a deficiente impermeabilização de paredes e tetos (coberturas), bem como nas zonas comuns do prédio, estes agravados pela ausência de manutenção e limpeza dos mesmos, e pelo facto de o edifício já apresentar, no mínimo, 26 anos, impedem o seu uso e utilização normais e impedem e diminuem o gozo das mesmas, já que afetam as suas condições de utilização, higiene, salubridade e comodidade
Depois, uma questão factual como esta não pode ser decidida por palpite. Exige-se uma prova segura sobre tal matéria e essa não foi produzida.
Os Recorrentes invocam o depoimento da agente imobiliária (FF) que intermediou as negociações em maio e junho de 2019, mas esta não visitou agora o prédio e a fração, pelo que não tem verdadeira noção do seu estado e, por isso, do seu valor, o que é bem patente do excerto do seu depoimento em que diz «neste momento o apartamento, não sei qual a condição». Daí que o valor de «cem mil euros, cento e cinco» se nos afigure um mero exercício especulativo. A parte em que indica que «naquela altura oitenta e cinco mil euros» não resiste à confrontação com a realidade: se a apontada testemunha nem sequer conseguiu angariar qualquer interessado para adquirir a fração por € 72.000,00, não se pode considerar que o valor de mercado seria de € 85.0000,00.
Quanto ao depoimento da testemunha GG, que desempenha funções administrativas numa imobiliária, no segmento em que afirma que «o preço de cem mil neste momento não seria descabido», verifica-se que produziu a aludida afirmação apenas com base na “zona” onde se insere o prédio e a “tipologia” da fração, sem conhecer o efetivo estado quer daquele quer deste. Por isso, esse depoimento não constitui demonstração de que o atual valor de mercado da fração é de € 100.000,00.
Também do facto de se ter verificado um aumento do “valor das vendas” por m2 dos imóveis situados em Portugal continental, não se pode retirar, por extrapolação, que a específica fração autónoma dos autos, devido ao seu particular condicionalismo já referido, viu o seu valor ser aumentado, designadamente para € 100.000,00.
Finalmente, verifica-se que a Sra. Perita, aquando da prestação de esclarecimentos, considerou que € 65.000,00 era o valor de mercado da fração à data de 19.06.2019. Quanto ao valor atual, indicou € 70.000,00 a 80.000,00.
Termos em que improcede a impugnação quanto a esta questão factual.
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2.2.3.8. Ponto 10 da conclusão K
Por último, os Recorrentes pretendem que se dê como provado o seguinte facto:
«10 – Por sentença no processo 846/03.... transitada em julgado e em execução para prestação de facto existe um terceiro condenado na reparação dos defeitos elencados em 12.º da PI.»
Verifica-se que esta sentença foi junta pelos Autores já no decurso da audiência de julgamento e que várias pessoas se lhe referiram, designadamente o administrador do condomínio, e os Réus invocam-na a seu favor.
Trata-se de um elemento que demonstra um facto relevante, mas não exatamente nos termos preconizados pelos Réus, antes por referência ao concreto teor da sentença.

Assim, na parcial procedência da impugnação, adita-se um ponto 25 aos factos provados com o seguinte teor:
25. Por sentença proferida em 12.04.2013, no processo 846/03...., do então Tribunal Judicial de ..., transitada em julgado, intentado pelo administrador do condomínio do prédio sito no lugar da ..., blocos ......, ..., ..., contra HH e Mulher II, foram os réus condenados «a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio identificado nas alíneas a), b) e c) do ponto 4 da factualidade assente», ou seja, na parte em que se deu como provado que o prédio apresenta «a) infiltrações de águas pelos terraços e muretes, o que permite a entrada de águas pluviais para o interior do edifício; b) infiltrações de águas pelas fachadas; c) fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.»
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2.2.3.9. Matéria de facto estabilizada
Atenta a parcial procedência do recurso em matéria de facto, a factualidade assente passa a ser a seguinte:
1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., mediante a apresentação 2179 de 19.06.2019, a aquisição a favor de AA, casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos, por compra a CC e DD, da fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., código postal ... ..., bloco nascente, ... andar, tipo T1, com a superfície coberta de 100 m2 e garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2.
2. Através de escritura pública celebrada em 19-06-2019, no “Procedimento Casa pronta nº ...59/2019”, realizado no Espaço de Registos de ..., os ora Réus, CC e DD declararam vender a fração autónoma descrita em 1., da qual faz parte uma garagem, situada na cave, a primeira do lado esquerdo, a contar da porta de entrada situada a nascente, com a área de 12 m2, a AA, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com BB, ora Autores, pelo preço de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), que estes aceitaram comprar.
3. A 03-06-2019, os Autores pagaram aos Réus, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 6.500,00 euros (seis mil e quinhentos euros) através de cheque n.º ...11 do Banco 1..., S.A., emitido a favor dos Réus, e no ato da escritura, pagaram o preço remanescente de 58.500,00 euros (cinquenta e oito mil e quinhentos euros), através de cheque n.º ...45 do Banco 1..., S.A., emitido a favor dos Réus.
4. Os Autores não conhecem os Réus, apenas contactaram com eles no dia da escritura, para a compra da fração autónoma descrita em 1.
5. As negociações da compra e venda do referido imóvel foram feitas por intermédio da imobiliária “EMP01... – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL, LDA.”, titular da licença n.º ...39 AMI.
6. Os Autores têm residência na Estrada ..., ... ... – ..., no concelho ..., e apenas utilizam a referida fração autónoma para férias.
7. No início de maio de 2020, os Autores deslocaram-se à referida fração para passarem lá uns dias de férias, e verificaram:
- Humidade nas paredes de toda a fração;
- Intensos cheiros a mofo;
- Tinta a descascar na sala;
- Tinta a descascar num quarto;
- Tinta a descascar na casa de banho;
- Tinta a descascar nas garagens.
8. Os Autores tiveram, então, ainda, conhecimento que a garagem descrita em 1, se encontra ocupada por terceiros, e que lhes tinha sido entregue a chave de outra garagem.
9. Os Réus não esclareceram os Autores quanto à situação da garagem descrita em 1, que sabiam ser utilizada por terceiros.
10. Em conversa com proprietários de frações do mesmo edifício, os Autores tomaram também, então, conhecimento de diversas patologias existentes nas partes comuns do prédio e que constam de um relatório pericial realizado na ação executiva para prestação de facto (68/14.... – deste Juízo de Competência Genérica de ...), instaurada pelo condomínio, que os Réus conheciam e que ocultaram aos Autores, apesar de saberem, aquando da venda, da urgente necessidade de realização de obras nas partes comuns:
- Infiltrações de águas pelos terraços, coberturas, parapeitos e muretes;
- Infiltração de águas pelas fachadas;
- Fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.
11. Por carta registada com aviso de receção, em 20 de maio de 2020, à qual não obtiveram resposta, os Autores comunicaram aos Réus, o seguinte:
“Como é do seu perfeito conhecimento adquiri em ../../2019 a fracção ..., correspondente ao bloco nascente, ... andar, art. ... “T”, da freguesia .... Como sabe resido habitualmente em ... e, no início deste mês de Maio, desloquei-me ao prédio que lhe adquiri para passar lá alguns dias e verifiquei que havia cheiros intensos a mofo, humidade nas paredes e tinta a descascar na sala, num quarto e na casa de banho, bem como nas garagens. Em conversa com proprietários de fracções do edifício fiquei também a saber que existem diversas pat[o]logias nas partes comuns e que constam de um relatório pericial instaurado pelo condomínio (do qual lhe junto cópia), patologias essas que os Srs. conheciam e que me ocultaram. A primeira garagem do lado esquerdo que me vendeu também está ocupada por terceiros que lhes dizem pertencer e não aos Sr.s que ma venderam. Solicito, pois, sejam corrigidas todas estas anomalias o mais breve possível. Apresentamos a V. Exª os nossos melhores cumprimentos.”
12. Os Réus intervieram no terraço para melhorar o seu aspeto antes da primeira visita realizada pelos Autores ao imóvel.
13. À data das visitas realizadas pelos Autores à fração, antes da compra, o interior da fração, a garagem e o prédio encontravam-se nas condições evidenciadas nas fotografias juntas com a contestação, tiradas em 05-06-2029, pelo técnico que efetuou a visita para emissão do certificado energético, já após a visita dos Autores ao imóvel, certificado que foi entregue aos Autores, na data da escritura.
14. Condições que foram percetíveis e do conhecimento dos Autores, aquando da visita ao imóvel.
15. As condições atuais de funcionamento do edifício, nomeadamente a falta de limpeza da grelha de recolha das águas pluviais que se situa no fundo da rampa exterior que dá acesso ao interior da cave onde por sua vez se situam as garagens, promovem a acumulação de água na cave, uma vez que as águas das chuvas entram pela porta situada a nascente e invadem as garagens, em consequência da falta de escoamento adequado.
16. As graves deficiências na fração autónoma, que apresenta vícios graves em paredes e tetos que inviabilizam a utilização da mesma dentro dos padrões normais, face às deficientes condições de salubridade dos espaços e à drástica redução das comodidades desses mesmos espaços, relacionados com a deficiente impermeabilização de paredes e tetos (coberturas), bem como nas zonas comuns do prédio, estes agravados pela ausência de manutenção e limpeza dos mesmos, e pelo facto de o edifício já apresentar, no mínimo, 26 anos, impedem o seu uso e utilização normais e impedem e diminuem o gozo das mesmas, já que afetam as suas condições de utilização, higiene, salubridade e comodidade.
17. A idade do edifício, sem nunca ter tido obras de manutenção, é um fator desvantajoso para a atual situação do mesmo, com severas implicações na salubridade das frações, estando-se a passar o limite do razoável, tornando-se insustentável o estado do edifício e a cada passo mais onerosa uma reparação eficaz com vista à eliminação dos vícios/defeitos existentes.
18. As condições do interior da fração, da garagem e do prédio evidenciadas nas referidas fotografias, observadas pelos Autores aquando das visitas ao imóvel, que antecederam a compra, não faziam prever a atual situação, descrita em 16.
19. Os factos descritos provocam aos Autores um sentimento de impotência e tristeza por não poderem usufruir plenamente da fração para as suas férias, tal como tinham planeado.
20. Se tivessem sabido das graves deficiências da fração autónoma e das partes comuns do prédio não tinham comprado.
21. O valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA).
22. A desvalorização do imóvel decorrente da existência dos referidos defeitos é, no mínimo de 15% do valor do imóvel, correspondendo ao mínimo de €10.000,00, sobre o valor comercial atual de uma fração idêntica.
23. Os Réus sempre utilizaram a garagem individual correspondentes às chaves que entregaram aos Autores, que lhes haviam sido entregues pelos anteriores proprietários, quando permaneciam na fração em causa, nas férias de verão.
24. Os Autores visitaram o imóvel em fins de maio de 2019.
25. Por sentença proferida em 12.04.2013, no processo 846/03...., do então Tribunal Judicial de ..., transitada em julgado, intentado pelo administrador do condomínio do prédio sito no lugar da ..., blocos ......, ..., ..., contra HH e Mulher II, foram os réus condenados «a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio identificado nas alíneas a), b) e c) do ponto 4 da factualidade assente», ou seja, na parte em que se deu como provado que o prédio apresenta «a) infiltrações de águas pelos terraços e muretes, o que permite a entrada de águas pluviais para o interior do edifício; b) infiltrações de águas pelas fachadas; c) fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.»
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2.2.4. Reapreciação de Direito
2.2.4.1. Vícios aparentes
A ação foi configurada na petição inicial como uma ação de responsabilidade civil contratual por venda de coisa defeituosa.
É perfeitamente pacífico que entre Autora e Réus foi celebrado um contrato de compra e venda (v. artigo 874º do CCiv).
Como primeira questão, os Recorrentes alegam que os vícios verificados na fração autónoma vendida pelos Réus à Autora são aparentes, pelo que «não podem por eles ser responsabilizados e deveria o Tribunal recorrido ter absolvido os RR. dos pedidos.»
Não sendo aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, a situação dos autos só poderia ser apreciada no âmbito do regime da compra e venda de coisa defeituosa, previsto nos artigos 913º e segs. do CCiv., como se fez na sentença.
Dispõe o nº 1 do citado artigo 913º: «Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se- á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.»
Portanto, diz-se defeituosa a coisa em relação à qual se verifique, pelo menos, uma das seguintes circunstâncias:
a) Sofra de vício que a desvalorize;
b) Sofra de vício que impeça a realização do fim a que é destinada (sendo que nos termos do nº 2 do artigo 913º, no caso de a finalidade a que é destinada não resultar do contrato, releva a função normal das coisas da mesma categoria);
c) Não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Não tenha as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada.
O citado preceito equipara os vícios às faltas de qualidades da coisa e determina que todas as situações referidas se integram na categoria genérica das coisas defeituosas.
Como advertem Pires de Lima e Antunes Varela[2], «não se tratando de um desses vícios (a enumeração é, de resto, muito lata), a anulação não é possível, nem são aplicáveis as disposições desta secção ou da secção anterior, que concedem outros direitos ao comprador; tais vícios são irrelevantes.»
Sendo a coisa defeituosa, o comprador tem vários direitos, consoante o caso, cujo reconhecimento depende, desde logo, da demonstração de um dos apontados vícios ou falta de qualidades da coisa vendida. O concreto vício ou falta de qualidades da coisa é um facto constitutivo do direito alegado, pelo que a sua prova impende sobre quem o invoca – art. 342º, nº 1, do CPC.
No caso vertente, na parte relevante para a apreciação do objeto do recurso, está demonstrado que a fração autónoma exibe os vícios descritos nos pontos nºs 7, 16 e 18 da matéria de facto.
A fração autónoma destina-se a habitação e os aludidos vícios afetam a utilização normal do imóvel. Estando comprometida a possibilidade de habitar a fração autónoma comprada aos Réus, conclui-se que os vícios impedem a realização do fim a que é destinada, o que permite a subsunção dos factos na norma do artigo 913º, nº 1, do CPC.
Posto isto, importa agora enfrentar a questão suscitada pelos Recorrentes sobre os aludidos vícios serem aparentes.
É habitual distinguir entre defeitos aparentes e defeitos ocultos. Os primeiros são reconhecíveis pelo accipiens se fizer uso da diligência normal do homem médio; os segundos são desconhecidos do accipiens e não é razoável exigir que os conheça por não serem detetáveis por uma pessoa de normal diligência.
No caso em apreciação, os vícios verificaram-se após a celebração do contrato de compra e venda, mais exatamente quando os Autores se deslocaram ao imóvel em maio de 2020, para passar férias.
Mais, os Réus ocultaram aos Autores que existia uma «urgente necessidade de realização de obras nas partes comuns» (p. 10), atenta a existência de infiltrações de águas pelos terraços, coberturas, parapeitos e muretes, infiltração de águas pelas fachadas e fissuras e rachadelas nas paredes exteriores. Os Autores só então se aperceberam dessas patologias em conversa com proprietários de frações do mesmo edifício.
Apesar de os Autores terem visitado, antes da compra, o interior da fração, a garagem e o prédio, que «encontravam-se nas condições evidenciadas nas fotografias juntas com a contestação, tiradas em 05-06-2029», as quais eram percetíveis e do conhecimento dos Autores, essas condições «não faziam prever a atual situação, descrita em 16.»
Portanto, não se pode considerar que os vícios eram aparentes. Entre uma fração usada e que manifestava alguns sinais de tal uso e os vícios que se vieram a manifestar posteriormente, vai uma diferença assinalável. Os Autores não contaram, nem lhes era imposto que contassem, com a situação que se veio a verificar e com a qual foram confrontados em maio de 2020, no ano seguinte à compra do imóvel.
Por isso, não é possível concluir pela exclusão da responsabilidade dos Recorrentes, soçobrando esta questão.
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2.2.2.2. Violação do princípio da boa-fé
Sem nunca invocarem expressamente o abuso do direito, nas conclusões RR a JJJ, os Recorrentes alegam que «[a] concorrência eletiva das pretensões reconhecidas por lei ao comprador (anulação, redução do preço e reparação) e a decisão relativa à sua aplicação devem reger-se pelo princípio da boa-fé» e que «ainda que o Tribunal recorrido tivesse entendido ou ficasse convencido que apesar de os vícios serem visíveis e do conhecimento dos AA., aqueles não tivessem previsto a atual situação do imóvel, como parece resultar do ponto 18 da matéria de facto», há ainda que «atender ao preço pelo qual foi convencionada a venda do imóvel e que teve em consideração todos aqueles vícios que eram já visíveis aquando da compra», ou seja, «tudo isso foi atendido no preço que pagaram pelo imóvel».
Sustentam que «[a] condenação dos RR/ recorrentes no pagamento aos AA/Recorridos da quantia fixada em sentença de 15.000,00€ acrescido de IVA para reparação dos defeitos, que perfaz o montante de 18.450,00€, acrescido ainda de 10.000,00€ pela desvalorização do imóvel, equivale à venda do imóvel pelo preço de €36.550,00» e deste valor «os RR pagaram ainda a comissão à imobiliária e as mais valias geradas pela venda do imóvel».
Mais alegam que os Autores «fizeram um ótimo negócio», pois «compraram por 65.000,00€ quando o prédio à data já valeria 85.000,00€ e atualmente vale seguramente 100.00,00€», pelo que «(t)udo isto ultrapassa os limites impostos pelo princípio da boa-fé que o caso exige
Para determinar os limites impostos pela boa-fé há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.
A este propósito, impõe o artigo 762º, nº 2, do CCiv que «no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa-fé».
Por conseguinte, a conduta das partes tem de ser conforme com a boa-fé. Pautar a conduta pela boa-fé é agir com lisura, correção e lealdade, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros, atento o sentido ético-objetivo que lhe é conferido pelo Código Civil.

Dito isto, não se descortina na atuação dos Autores qualquer facto revelador de má-fé ou, na perspetiva dos Recorrentes, violador do princípio da boa-fé. Pelo contrário, viram-se confrontados com uma situação que não esperavam e limitaram-se a recorrer a Tribunal para fazer valer os seus direitos após terem interpelado, sem sucesso, os Réus, por carta de 20.05.2020, para que «sejam corrigidas todas estas anomalias o mais breve possível
Acresce que não está demonstrado que o valor da fração autónoma, à data da venda, fosse superior ao preço pelo qual foi vendida pelos Réus ou que agora seja de € 100.000,00. Por isso, é pouco curial afirmar-se que os Autores fizeram um ótimo negócio quando na prática o imóvel que compraram não realiza a finalidade para a qual foi adquirido, uma vez que apresenta «graves deficiências» que «afetam as suas condições de utilização, higiene, salubridade e comodidade».
Depois, os Recorrentes limitam-se a afirmar que entendem «desmesurado o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal “a quo”» (conclusão JJJ), mas sem apontar o valor alternativo que consideram correto. Aliás, nem sequer apontam qual dos dois valores referidos no dispositivo é que deveria ser reduzido.
Por outro lado, na dimensão constante da decisão recorrida, a concreta questão do valor das indemnizações fixadas na sentença nada tem a ver com o princípio da boa-fé. A fixação do valor de uma indemnização depende de estarem reunidos determinados pressupostos factuais. Verificando-se esses pressupostos, a indemnização deve ser atribuída. O valor fixado pode ficar aquém ou ir além do que é adequado à situação, mas isso não resulta da violação do princípio da boa-fé, mas sim de um erro de julgamento.
Acresce que os valores indemnizatórios estão em consonância com os factos apurados na ação. Isto porque, sob os pontos nºs 21 e 22, está provado que «o valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA)», bem como que «a desvalorização do imóvel decorrente da existência dos referidos defeitos é, no mínimo de 15% do valor do imóvel, correspondendo ao mínimo de €10.000,00, sobre o valor comercial atual de uma fração idêntica.»
Finalmente, as questões de saber se os Autores têm o direito a cumular as quantias de € 10.000,00 e de € 15.000,00 e qual a repercussão neste último valor indemnizatório do facto de haver sentença a condenar o construtor a realizar obras serão apreciadas infra.
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2.2.2.3. Simultaneidade das indemnizações
Alegam os Recorrentes que não podiam ser condenados «simultaneamente em indemnização para reparação e pela desvalorização».
Sustentam que os Autores «[o]ptaram assim pelo direito à reparação previsto no artigo 914.º CC, não tendo efetuado qualquer pedido subsidiário para a redução do preço» e que, «em alternativa à reparação, pedem para ser ressarcidos no pagamento da quantia de 25.500,00€ pela reparação dos defeitos e desvalorização do imóvel».
Como o Tribunal a quo «entendeu não ser possível a condenação pela reparação e optou por condenar no pedido alternativo, que discrimina como destinando-se a quantia de 15.000,00€ acrescida de IVA à taxa legal em vigor à reparação dos defeitos e em simultâneo condena no pagamento de 10.000,00€ pela desvalorização do imóvel», concluem que «com o pagamento da quantia dos 15.000,00€ acrescida de IVA para reparação dos defeitos esgota-se a possibilidade de ressarcimento pela desvalorização do imóvel, que devendo-se aos vícios, deixa de existir com a reparação». Segundo expõem, «destinando-se a indemnização pelo interesse contratual negativo a assegurar o ressarcimento de danos não reparados pelos meios jurídicos previstos no artigo 913.º e 914.º do CC, entendemos que o Tribunal a quo efetuou um errado enquadramento jurídico dos factos ao condenar os RR/ Recorrentes simultaneamente em indemnização para reparação e pela desvalorização.»

Como bem referem os Recorrentes, sendo a coisa defeituosa, o comprador tem vários direitos:
- Anulação do contrato por erro ou dolo (art. 905º, por via da remissão do art. 913º, ambos CCiv);
- Reparação ou substituição da coisa (nos dois casos previstos nos artigos 914º e 921º);
- Redução do preço (art. 911º por remissão do art. 913º).
Segundo Jorge Morais de Carvalho[3], o comprador tem ainda o direito, dependendo do caso:
«- Indemnização em caso de dolo, pelo interesse contratual negativo, abrangendo quer os danos emergentes quer os lucros cessantes (art. 908º, por via do preceito em anotação);
- Indemnização em caso de simples erro, pelo interesse contratual negativo, abrangendo apenas os danos emergentes (art. 909º, por via do preceito em anotação, e 915º);
- Indemnização pelo incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa, nos casos em que esta exista (arts. 910º, por via do preceito em anotação, e 914 ou 921º).»

Os Recorrentes aceitam expressamente nas conclusões UUU a XXX que assiste «ao comprador a faculdade de cumular, com qualquer um destes pedidos [que indicam na conclusão UU: anulação do negócio, redução do preço e reparação da coisa], pedido indemnizatório pelo interesse contratual negativo», pelo que essa não é uma questão a solucionar.
O que os Recorrentes contestam é que, na improcedência ou inviabilidade do pedido principal relativo à reparação, a indemnização possa ter duas componentes: 
a) a quantia de € 15.000,00, acrescida de IVA, segundo a sentença, «correspondente à sua quota parte, de acordo com a permilagem da sua fração, no custo de eliminação dos defeitos pelo condomínio, através das obras a serem executadas em todo o edifício, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração»;
b) a quantia de € 10.000,00, para indemnizar a «desvalorização do imóvel».
A este propósito, provou-se que:
«21. O valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA).
22. A desvalorização do imóvel decorrente da existência dos referidos defeitos é, no mínimo de 15% do valor do imóvel, correspondendo ao mínimo de €10.000,00, sobre o valor comercial atual de uma fração idêntica.»
Ressalvada a devida consideração é patente a inconsistência ou contradição apontada pelos Recorrentes.
Se o valor de € 10.000,00 é para indemnizar os Autores pela desvalorização do imóvel decorrente da existência dos defeitos e se, em simultâneo, atribui-se uma indemnização no valor de € 15.000,00 para reparar esses defeitos, isso significa que a futura reparação dos defeitos os suprime e, consequentemente, deixa de haver desvalorização do imóvel.
A desvalorização só se verifica se existirem defeitos; não existindo defeitos também não há desvalorização. Isto porque a desvalorização é, no expresso dizer da sentença, exclusivamente «decorrente da existência dos referidos defeitos».
Logo, não pode ser atribuída uma indemnização por uma desvalorização que vai deixar de existir por via da reparação.
Pelo exposto, procede nesta parte a apelação, devendo revogar-se a sentença na parte em que condena os Réus no pagamento aos Autores de indemnização no valor de € 10.000,00.
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2.2.2.4. Da sentença que condena o construtor do prédio a proceder à reparação
Alegam os Recorrentes que «os pedidos dos AA. no que concerne à reparação das partes comuns coincidem precisamente com os da referida sentença [proferida no processo 846/03....] transitada em julgado», que existe «uma sentença transitada em julgado (visto que já deu lugar a uma execução para prestação de facto) de condenação de um terceiro na reparação de defeitos também peticionados nestes autos, nomeadamente quanto à reparação de vícios nas partes comuns», pelo que «os pedidos relativos à reparação daquelas partes comuns deviam improceder, pois a responsabilidade por aquela reparação já se encontra apurada e imputada a terceiros em processo judicial com sentença transitada em julgado.»
Sustentam que os «AA., na qualidade de condóminos e atuais proprietários da fracção, beneficiarão naturalmente daquela reparação ou do pagamento correspondente à referida reparação», e não podem ser «ressarcidos à custa dos RR. pela condenação destes a pagar pela reparação dos defeitos e simultaneamente verem os defeitos reparados pela sentença já transitada em julgado no processo 846/03...., o que configuraria enriquecimento sem justa causa.»
A título liminar, importa sublinhar que, dado o atual estado do prédio, fruto não só dos defeitos de construção, mas também de «nunca ter tido obras de manutenção» (p. 17) e se verificar uma «ausência de manutenção e limpeza» das partes comuns (p. 16), as obras a realizar no prédio são mais amplas do que aquelas cuja execução foi imposta ao construtor do prédio no processo 846/03..... É essa a conclusão que se retira da comparação dos factos apurados na presente ação com as medidas injuntivas que constam da sentença proferida no aludido processo 846/03...., as quais, no nosso entender, se dirigem à supressão das causas das «infiltrações de águas pelos terraços e muretes e infiltrações de águas pelas fachadas» e à reparação das «fissuras e rachadelas nas paredes exteriores».
Daí que não se acompanhe integralmente a afirmação dos Recorrentes sobre a responsabilidade pela reparação de todos os vícios que presentemente se verificam nas partes comuns já se encontrar totalmente imputada a terceiros.
Posto isto, revertendo à questão suscitada, com a restrição que se acaba de assinalar, os dois factos relevantes para a apreciação desta questão são os constantes dos pontos 21 e 25 da matéria de facto, que se passam a transcrever:
- 21. O valor presumível necessário para a eliminação dos defeitos na fração em causa e na respetiva garagem será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, a um valor mínimo de €15.000,00 (S/IVA).
- 25. Por sentença proferida em 12.04.2013, no processo 846/03...., do então Tribunal Judicial de ..., transitada em julgado, intentado pelo administrador do condomínio do prédio sito no lugar da ..., blocos ......, ..., ..., contra HH e Mulher II, foram os réus condenados «a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio identificado nas alíneas a), b) e c) do ponto 4 da factualidade assente», ou seja, na parte em que se deu como provado que o prédio apresenta «a) infiltrações de águas pelos terraços e muretes, o que permite a entrada de águas pluviais para o interior do edifício; b) infiltrações de águas pelas fachadas; c) fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.»

Foi o Tribunal a quo que impôs aos Autores que juntassem aos autos cópia da sentença proferida no processo 846/03.....
Apesar disso, na sentença não se retira qualquer consequência do facto de o construtor do prédio (no qual está integrada a fração autónoma dos Autores) e a sua mulher terem sido condenados «a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio identificado nas alíneas a), b) e c) do ponto 4 da factualidade assente», ou seja, na parte em que se deu como provado que o prédio apresenta «a) infiltrações de águas pelos terraços e muretes, o que permite a entrada de águas pluviais para o interior do edifício; b) infiltrações de águas pelas fachadas; c) fissuras e rachadelas nas paredes exteriores.»
Isto apesar de na motivação da decisão de facto se referir que o Autor «foi informado da existência do processo pendente em tribunal, no qual estava em causa a correção dos problemas relativos às partes comuns» e que o administrador do condomínio «informou que está pendente ação executiva com vista à realização de obras gigantescas para a correção de defeitos de construção, designadamente infiltrações de água» e que os condóminos se encontram a aguardar «a realização das obras a que os construtores do prédio foram condenados, em tribunal, a realizar, existindo já um orçamento.»
Mais, os Réus suscitaram a referida questão no requerimento que apresentaram em 09.02.2014, sob a referência ...66 (v. artigos 6º a 9º).
Facilmente se verifica que as obras cuja realização foi imposta ao construtor interferem com o valor global «das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum)» (ponto 21 dos factos provados). Tudo o que seja feito pelo construtor já não será realizado pelo condomínio e, consequentemente, o valor que será suportado pelos Autores, correspondente à permilagem da fração, será inferior àquele que suportariam se todas as obras nas partes comum fossem da responsabilidade do condomínio do prédio, o mesmo é dizer, nos termos do artigo 1424º, nº 1, do CCiv, suportadas por todos os «condóminos em proporção do valor das suas frações».
Repare-se que o ponto nº 21 dos factos provados alicerça-se exclusivamente no relatório pericial, que se pronunciou sobre o valor necessário à eliminação dos defeitos, nos seguintes termos:
«O valor presumível será o que resultar das obras a serem executadas em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum) multiplicado pela permilagem da fração, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração.
O valor poderá ascender no mínimo a € 15.000,00 (S/IVA)».
No relatório pericial, partiu-se do pressuposto de que o custo com a realização das obras nas partes comuns do edifício seria suportado exclusivamente pelos condóminos, chegando ao aludido valor de € 15.000,00 (acrescido de IVA) com base no custo que seria imputado aos Autores através da «permilagem da fração», ou seja, a quota-parte dos Autores nas despesas com as obras.
A Sra. Perita não foi confrontada com o facto de parte substancial dessas obras nas partes comuns do edifício ser da responsabilidade do construtor.
Como o Tribunal a quo, apesar de se mostrar junta a sentença, os Réus já terem suscitado a questão e tanto o Autor como o administrador do condomínio se terem referido às obras impostas ao construtor, se limitou a transcrever o resultado da perícia, sem efetuar qualquer outra ponderação, verifica-se um erro de direito na parte em que se condenam os Réus no pagamento da aludida quantia de € 15.000,00, acrescida de IVA. Isto porque na sentença apenas se considerou «o montante correspondente à sua quota parte [Autores], de acordo com a permilagem da sua fração, no custo de eliminação dos defeitos pelo condomínio, através das obras a serem executadas em todo o edifício, acrescido do valor das obras necessárias no interior da fração, que poderá ascender, no mínimo a €15.000,00 (valor acrescido de IVA).»
Em suma: o valor global que os Réus devem pagar aos Autores só é suscetível de apuramento quando o construtor realizar as obras de correção dos defeitos de construção. Nessa altura é que se poderá saber quais as obras que o condomínio terá ainda de realizar nas partes comuns e o respetivo valor, participando os Autores no pagamento do respetivo custo na proporção do valor da sua fração.
Por isso, não podiam os Réus ser já condenados no pagamento da quantia de € 15.000,00, acrescida de IVA, antes deviam ter sido condenados no que se viesse a liquidar, com o limite máximo de € 15.000,00, mais IVA (artigo 609º, nº 2, do CPC).

Por isso, a apelação procede parcialmente.
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2.3. Sumário
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, revoga-se a sentença e, em consequência, condenam-se os Réus a pagar aos Autores o que se vier a liquidar sobre o valor necessário para a eliminação dos vícios na fração autónoma descrita no ponto 1 dos factos provados e na respetiva garagem, o que inclui o valor que incumbirá aos Autores pagar, correspondente à proporção do valor da sua fração, para serem executadas obras em todo o edifício (fachadas, terraços, cobertura, zonas de circulação comum), e o valor das obras necessárias no interior da fração, com o limite de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de IVA.
Custas, na vertente de custas de parte, a suportar por Recorridos e Recorrentes na proporção do decaimento.
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Guimarães, 29.05.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
Ana Cristina Duarte


[1] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 67/68.
[2] Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 211.
[3] Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Vol. I, Almedina, pág. 1130, em anotação ao artigo 913º.