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REGIME DE BENS
ARRENDAMENTO
COMUNICABILIDADE
Sumário
Tendo sido invocada em sede de contestação não ser o réu parte do contrato de arrendamento, porque não o assinou, não ser arrendatário e nunca ter residido na fração arrendada, matéria essa controvertida e relevante para a boa decisão da causa, nada justifica que a ação não prossiga quanto a este réu para prova de tais factos.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
AA, melhor identificado nos autos instaurou acção declarativa de condenação de processo comum contra BB e CC, ambos melhor identificados nos autos, pedindo (a) a declaração de que o contrato de arrendamento que vincula autor e réus cessou em ../../2024, por oposição à renovação, comunicado aos arrendatários através de carta registada com aviso de receção de 15/09/2023 para a ré CC e das cartas registadas com aviso de receção de 15/09/2023 e 13/11/2023 para o réu BB, bem como a condenação dos réus a (b) entregarem a fracção arrendada, livre de pessoas e coisas e com as respetivas chaves e (c) a pagarem ao autor uma indemnização correspondente ao dobro da quantia mensal de €350,00, a título de indemnização e compensação pela ocupação da fração para além da data de vigência do contrato, contada desde ../../2024.
Para tanto alega, em suma, o seguinte: o autor é dono e legítimo proprietário da fracção »C« inscrita na matriz urbana respetiva sob o art ...28 da Freguesia ... (... e ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66/ ..., sita na Rua ..., da Freguesia ... (... e ...), ... ...; nessa qualidade, celebrou com os réus a ../../2013 um acordo escrito designado “contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais”, com início em 01/04/2013m pelo prazo de 5 anos com renovações pelo período de 1 ano, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação, nos termos da lei e do contrato, pela renda mensal de € 250,00; atualmente a renda ascende a € 350,00; mais alega que, pretendendo opor-se à renovação do referido contrato a partir de ../../2024, enviou a cada um dos réus uma carta registada, com aviso de receção, datada de 15/09/2023, tendo sido recebida pela ré a 04/10/2023; não tendo o réu recebido nem levantado a carta nos correios, voltou a enviar nova missiva em 13/11/2023, a qual não foi recebida nem levantada; considera que o réu incorreu na vicissitude prevista no artº 10º, nº 4 do NRAU, o qual comina que tal comunicação foi recebida no 10º dia posterior ao seu envio, em 23/11/2023.
Os réus apresentaram contestação, tendo alegado, em suma, o seguinte: começam por chamar à colação que se trata de um contrato com 11 anos de duração, com renovações sucessivas; consideram que as ditas cartas não constituem a oposição à renovação prevista no art 1097º, n.º 1, al.a) do Cód Civil porquanto não respeitam a antecedência de 240 dias imposta pela norma; mais alega que a ré tem uma incapacidade por deficiência de 78% e uma pensão mensal de €385,00, o que lhe impossibilita de encontrar outro imóvel; considera que o Tribunal deve decretar a suspensão da entrega judicial do arrendado por prazo não inferior a um ano, por a ré não dispor de outro local para viver; mais alega que o réu nunca foi arrendatário, nunca assinou nenhum contrato nem residiu no imóvel; termina peticionando a absolvição do peticionado.
Notificado para o efeito veio o autor pronunciar-se sobre a invocada exceção alegando que, à data da outorga do contrato de arrendamento, os ora réus eram casados segundo o regime de comunhão de adquiridos, desconhecendo o autor se atualmente já não o são.
Ora, o artº 1068º do Código Civil estabelece o principio da comunicabilidade do arrendamento ao respetivo cônjuge nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente, o que significa se uma pessoa casada sob o regime de comunhão geral ou sob o regime de comunhão de adquiridos celebra um contrato de arrendamento, considera-se que tal contrato é igualmente celebrado pelo respetivo cônjuge.
Assim, dada a comunicabilidade operada, tem o ora réu legitimidade passiva para a ação por nenhuma informação possuir de que o casamento entre os Réus foi dissolvido.
Realizou-se audiência prévia e porque não foi possível obter o acordo entre as partes, foi entregue aos Ils. Mandatários um projeto de despacho saneador, do qual não foi apresentada reclamação.
No prosseguimento da presente diligência, e porque as partes não se opuseram a que o Tribunal conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem prejuízo de melhor ponderação, determinou-se a abertura de conclusão para sentença.
Foi então proferida decisão Tribunal que julgou a presente ação totalmente procedente e:
a) declarou que o contrato de arrendamento que vincula autor e réus cessou em ../../2024, por oposição à renovação, comunicado aos arrendatários através de carta registada com aviso de receção de 15/09/2023 para a ré CC e das cartas registadas com aviso de receção de 15/09/2023 e 13/11/2023 para o réu BB;
b) condenou os réus a entregarem a fração arrendada, livre de pessoas e coisas e com as respetivas chaves;
c) condenou os réus a pagarem ao autor uma indemnização correspondente ao dobro da quantia mensal de €350,00, a título de indemnização e compensação pela ocupação da fração para além da data de vigência do contrato, contada desde ../../2024;
Custas a cargo dos réus (art 527º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Inconformado veio o réu apresentar recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. O ora recorrente, nunca celebrou qualquer contrato de arrendamento com o autor.
B. O contrato de arrendamento, junto aos autos, não tem qualquer assinatura por parte do mesmo.
C. O recorrente, é parte ilegítima na acção.
D. Diz-nos o artigo 1682-A n.º 1 al. a) do C.C., que o arredamento sobre imóveis próprios ou comuns carece de consentimento de ambos os cônjuges.
E. Nos termos do art. 1684.º do C.C. o consentimento conjugal e seu suprimento deve ser especial para cada um dos atos (n.º 1), está subordinado à regra de forma exigida para a procuração (n.º 2).
F. Embora possa ser judicialmente suprido, desde que a recusa seja injusta ou se verifique impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar (n.º 3).
G. Tendo em consideração o disposto no artigo 262.º n.º 2 do C.C. mesmo a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar e o contrato de arrendamento de imóvel para fins habitacionais está sujeito a forma escrita (Art. 1069.º do C.C.),
H. O consentimento do cônjuge não outorgante do contrato de arrendamento deveria necessariamente observar a forma escrita.
I. Nunca existiu, qualquer autorização verbal, daí não se poderia retirar o efeito jurídico pretendido pelo A. em concreto qualquer responsabilidade, porque o consentimento teria de seguir a mesma forma do contrato de arrendamento, ou seja, teria de ser reduzido a escrito.
J. Portanto, concluiu-se, que para além da falta da ilegitimidade, não tendo o ora recorrente, dado o seu consentimento por escrito, tal determina a em caso de qualquer das formas numa anulação do ato, atento o disposto no Art. 1687.º n.º 2 do C.C.
K. Pelo que não pode, existir responsabilidade solidária do recorrente, conforme sentença.
L. Sendo, que o alegado seria sempre corroborado em Tribunal, caso houvesse julgamento, situação que não ocorreu.
Termos em que,
---a douta sentença recorrida deve ser revogada, e em consequência ser o r. Absolvido do pedido.
---- devendo proceder-se ao reenvio do processo para julgamento, caso assim se entenda.
Nestes termos, dando provimento ao recurso farão v.excias como sempre a habitual justiça!
Respondeu o autor, formulando as seguintes conclusões:
[…]
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos e assim sendo, cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pelo recorrente, importa aos autos aferir se, o mesmo é, face ao disposto nos artºs 1682º-A nº 1 al. a) e 1684º do Código Civil, parte substancialmente ilegítima na presente ação.
*
III. Fundamentação de facto;
Com relevância para a decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:
1. Encontra-se registado a favor do autor, casado no regime de comunhão de adquiridos com DD, a titularidade do direito de propriedade sobre a fracção »C« do prédio inscrito na matriz urbana sob o art.º ...28 da Freguesia ... (... e ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66/ ..., sita na Rua ..., da Freguesia ... (... e ...), ... ....
2. Mediante acordo escrito designado »contrato de arrendamento para habitação por período limitado, nos termos dos artºs 1095º a 1098º do Código Civil«, celebrado em ../../2013 entre o autor (na qualidade de primeiro outorgante), os réus (na qualidade de segundos outorgantes) e EMP01... Lda (na qualidade de terceiro outorgante e fiadora), o autor deu de arrendamento aos réus a fração identificada em 1), para a sua habitação pessoal, subordinado às seguintes cláusulas:
a. A renda anual era de € 3.000,00, a ser paga em duodécimos de € 250,00;
b. O contrato foi celebrado em regime de renda condicionada;
c. O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01/04/2013, podendo ser renovado automaticamente por períodos sucessivos de um ano;
3. A renda actual era de €350,00.
4. O autor enviou a cada um dos réus uma carta registada com aviso de recepção datada de 15/09/2023, registada nesse mesmo dia, comunicando a sua intenção de não-renovação do referido contrato a partir do dia ../../2024, devendo a fracção em causa ser restituída em ../../2024.
5. A ré recebeu a carta, assinando o aviso de recepção em 04/10/2023.
6. O réu nunca levantou a carta nem assinou o aviso de recepção; posteriormente, foi-lhe enviada nova carta em 13/11/2023, a qual veio a ser devolvida ao autor porquanto o réu não a levantou nem assinou.
7. A ré nasceu em ../../1960 e tem uma incapacidade definitiva de 78%, mediante atestado médico multiuso datado de 08/02/2011.
8. A ré é pensionista do CNP, auferindo uma reforma no valor de €385,00.
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IV. Do direito:
Aqui chegados e face às conclusões apresentadas pelo recorrente importa aos autos aferir se, uma vez que o mesmo (que não nega ser casado com CC no regime da comunhão de adquiridos) alega não ter assinado o contrato de arrendamento, como arrendatário, é o mesmo parte substancialmente ilegítima não podendo, como decorre da sentença ser condenado a entregar a fração arrendada, livre de pessoas e coisas e com as respetivas chaves e a pagar ao autor uma indemnização correspondente ao dobro da quantia mensal de €350,00, a título de indemnização e compensação pela ocupação da fração para além da data de vigência do contrato, contada desde ../../2024.
Vejamos.
Como já em sede de relatório se referiu, veio o autor instaurar ação contra os réus, entre os quais o ora recorrente, pedindo: (a) a declaração de que o contrato de arrendamento que vincula autor e réus cessou em ../../2024, por oposição à renovação, comunicado aos arrendatários através de carta registada com aviso de receção de 15/09/2023 para a ré CC e das cartas registadas com aviso de receção de 15/09/2023 e 13/11/2023 para o réu BB, (b) a condenação dos réus a entregarem a fração arrendada, livre de pessoas e coisas e com as respetivas chaves, (c) a condenação dos réus a pagarem ao autor uma indemnização correspondente ao dobro da quantia mensal de €350,00, a título de indemnização e compensação pela ocupação da fração para além da data de vigência do contrato, contada desde ../../2024.
Alega o autor que, na qualidade de proprietário, deu de arrendamento aos ora Réus, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, a referida fração predial por Contrato de Arrendamento Urbano para fins habitacionais com prazo certo outorgado em 25 de março de 2013 e com início em 1 de abril de 2013, pelo prazo de 5 anos com renovações pelo período de 1 ano, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação, nos termos da lei e do contrato, pela renda mensal de 250,00€ e nas demais condições vertidas no referido contrato que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido. (Doc. n.º 3)
Do contrato de arrendamento junto aos autos, consta a assinatura da ré mulher, como inquilina e do réu marido como sócio gerente da sociedade fiadora.
Do mesmo contrato resulta que a fração se destinava à habitação permanente dos inquilinos e respetivo agregado familiar.
Em sede de contestação veio o réu alegar não ser nem nunca ter sido arrendatário, porque embora figure na folha de rosto como arrendatário, nunca assinou qualquer contrato, nem residiu no imóvel.
Ora, em sede de sentença veio o Tribunal a dar como provado que: “Mediante acordo escrito designado »contrato de arrendamento para habitação por período limitado, nos termos dos artºs 1095º a 1098º do Código Civil«, celebrado em ../../2013 entre o autor (na qualidade de primeiro outorgante), os réus (na qualidade de segundos outorgantes) e EMP01... Lda (na qualidade de terceiro outorgante e fiadora), o autor deu de arrendamento aos réus a fração identificada em 1), para a sua habitação pessoal, subordinado às seguintes cláusulas: a. A renda anual era de € 3.000,00, a ser paga em duodécimos de € 250,00; b. O contrato foi celebrado em regime de renda condicionada; c. O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01/04/2013, podendo ser renovado automaticamente por períodos sucessivos de um ano;
Tal sentença veio a julgar a ação totalmente procedente condenando os réus no pedido.
Diga-se desde já que, nada há a apontar à decisão que, apreciando a ilegitimidade processual do réu ora recorrente o julgou parte processualmente legitima, porquanto, face à configuração da ação por parte do autor, o mesmo é considerado titular da relação material controvertida e consequentemente com interesse direto em contradizer.
Questão distinta e que está em causa nos presentes autos é saber se o mesmo é parte do contrato de arrendamento celebrado e que está em causa nos autos e isto porque, veio o réu, em sede de contestação alegar que não só não assinou o contrato de arrendamento junto aos autos, como arrendatário, como nunca foi arrendatário e nunca residiu na fração em causa.
Não nos esqueçamos que é o próprio Tribunal a quo que em sede de apreciação da ilegitimidade invocada vem referir que “O réu teria sempre interesse em demandar, em virtude de os autores o considerarem responsável com base no contrato em disputa, o que haverá de ser apurado em termos de legitimidade substantiva”, deixando, porém, de apreciar tal legitimidade substantiva.
Efetivamente, perante tais factos, encontramo-nos, não perante a invocação de uma ilegitimidade processual mas sim perante uma ilegitimidade substancial, importando aos autos aferir se o réu ora recorrente efetivamente, como alega o autor, celebrou com o mesmo o contrato de arrendamento em causa nos autos, se se vinculou ao mesmo como arrendatário e, se do mesmo fez a sua habitação ou se, como alega aquele, nunca assinou o contrato como arrendatário, não se vinculou como tal no mesmo e nunca habitou na fração em causa, factos esses que podem afastar a comunicabilidade do próprio contrato de arrendamento.
Mais se diga ainda que não se encontra demonstrado o casamento, a data do mesmo e o regime de bens vigente, factos esses que se mostram eles determinantes para a apreciação da invocada comunicabilidade.
Ora, sendo tais factos, relevantes em termos de conhecimento do mérito da causa, relativamente ao réu ora recorrente, são factos controvertidos e que não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo.
Mais se diga que, face aos factos alegados pelo réu ora recorrente não poderia ter-se dado como provado o facto atrás referido sob o nº2 e isto porque tal facto foi impugnado por aquele em sede de contestação.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, não só foi alegada pelo réu ora recorrente a sua ilegitimidade processual como substancial e que o conhecimento desta só é possível apurada que seja a matéria de facto alegada e controvertida.
Assim sendo, nada justifica que a ação não prossiga para esses efeitos, entendendo-se pois procedente o recurso e revogando-se a decisão proferida quanto ao réu ora recorrente e, ordenando-se o prosseguimento da ação para se aferir da exceção invocada por este e ainda do casamento, data do mesmo e regime de bens vigente, devendo, para o efeito, ser para ser junto aos autos documento comprovativo do mesmo.
*
V. Decisão:
Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação, revogando a decisão recorrida quanto ao réu ora recorrente e, consequentemente, ordenando-se o prosseguimento da ação para se aferir da exceção invocada e ainda do casamento, data do mesmo e regime de bens vigente, devendo, para o efeito, ser para ser junto aos autos documento comprovativo do mesmo.
Custas pelo recorrido/autor.
Guimarães, 22 de maio de 2025
Relatora: Margarida Gomes
Adjuntos: Paula Ribas
Luís Miguel Martins