Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SOCIEDADE
SÓCIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO ESPECIAL DE PRESCRIÇÃO
QUEIXA-CRIME
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário
I – Integra omissão de pronúncia, a determinar a nulidade da sentença à luz da alínea a) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, o não conhecimento da questão da interrupção da prescrição suscitada na resposta à excepção. II - Tendo o R. suscitado a intempestividade da resposta às excepções apresentada pelo A., se o tribunal não se pronunciar expressamente quanto a tal questão, mas, ao pronunciar-se quanto às excepções, se referir à resposta, deve considerar-se que admitiu implicitamente aquela resposta pelo que, também implicitamente, julgou improcedente a invocada extemporaneidade da mesma. III – Estando tal decisão implícita incorporada na decisão final e sendo o R. vencedor quanto a esta e vencido quanto àquela e não cabendo a mesma em nenhuma das situações referidas no art.º 644º do CPC é-lhe licito suscitar a mesma nas contra-alegações, como o fez. IV – A acção prevista no art.º 77º do CSC integra o n.º 1 do art.º 174º do CSC, na medida em que a atribuição do direito de acção ao sócio nele prevista, se traduz numa situação de substituição processual da sociedade. V - Em tudo o que não se mostra contemplado no art.º 174º do CSC aplica-se o regime geral do Código Civil, nomeadamente quanto à suspensão da prescrição (art.ºs 318º a 332º do CC) e quanto à sua interrupção (art.ºs 323º a 327º do CC), excepto quanto à aplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 318º do CC por incompatível com o naquele preceituado. VI – A apresentação de queixa-crime pelo sócio interrompe (art.º 323º do CC) o prazo prescricional, interrupção que persistiu até à prolação de despacho de arquivamento.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1. Relatório
AA intentou no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (com distribuição ao respectivo J ...) acção declarativa contraAA e EMP01..., Ldªpedindo:
a) a condenação do 1.º Réu a proceder ao reembolso dos montantes transacionados provenientes da conta da 2.ª Ré;
b) o decretamento da destituição judicial com justa causa dos órgãos sociais da 2.ª Ré, concretamente do 1.º Réu, das funções de gerente, fundamentada nos artigos 10.º a 49.º da petição inicial, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais;
c) a condenação do 1.º Réu a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
Alegou para tanto e em síntese que o A. e o 1º R. são sócios e gerentes da 2ª Ré, obrigando-se a mesma com a intervenção conjunta dos dois gerentes; era o 1º R. quem, tendo as senhas de acesso, movimentava de forma exclusiva as contas bancárias da sociedade; entre 02/04/214 e 06/10/2015 o mesmo procedeu à transferência das quantias que indica, num total de € 38.370,42, da conta da 2ª R. para a sua conta pessoal; entre 08/01/2014 e 19/10/2015 procedeu à movimentação da conta bancária à ordem da sociedade, efectuando transferências para a conta poupança associada das quantias que indicou, num total de € 84.000,00, sendo que tal conta se manteve quase sempre a zero euros; e entre 31/12/2014 e 06/10/2015 procedeu à transferência das quantias que indicou num total de € 44.000,00, para a sociedade EMP02... com quem não tinha ou tem qualquer vínculo profissional e a quem não prestou qualquer serviço; o facto de o 1º R. ter realizado transferências no montante global de € 166.370,42 da conta da sociedade, apropriando-se desse montante, afecta o património do A., que não foi contemplado por nenhuma das transferências, apenas tendo o 1º R. colmatado os seus interesses; o 1º R. actuou de forma abusiva, a seu bel prazer, sem o consentimento e conhecimento do A.; o 1º R. omitia ao A. as informações quanto a facturação, despesas, pagamentos e decisões tomadas; o 1º R. assumiu uma postura manifestamente lesiva dos interesses da sociedade, em manifesto proveito e beneficio próprio, violando os deveres de cuidado, lealdade, boa fé, transparência e informação para com a sociedade; os comportamentos culposos e lesivos dos interesses da sociedade impossibilitam a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo exige, impondo-se a sua destituição judicial do cargo de gerente com justa causa; por força das condutas ilícitas e culposas do 1º R. o A. tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, em termos que refere.
E em sede de direito invoca, com relevância, o disposto no n.º 1 do art.º 64º, o n.º 4 do art.º 257º e o n.º 1 do art.º 78º, todos do CSC.
Citado o 1º R. o mesmo contestou por excepção invocando a ilegitimidade do A. para pedir a condenação do 1º R. a proceder ao reembolso dos montantes transaccionados provenientes da conta da 2ª Ré; a prescrição, dizendo, em síntese, que, face ao alegado na petição inicial, os danos invocados como causados ao A. advieram da actuação do 1º R. no exercício das funções de gerente e não enquanto sócio, situação subsumível no art.º 174º do CSC e, concretamente no seu n.º 2, que prevê um prazo de prescrição de 5 anos; o direito que o A. pretende exercer encontra-se prescrito, por entre terem decorrido mais de cinco anos sobre os factos alegadamente praticados – anos de 2014 e 2015 - e a data da propositura da acção – 14/11/2022.
E contestou por impugnação dizendo que o A. é o sócio maioritário, pelo que poderia, se quisesse, diligenciar, pela alteração do pacto social e da gerência da sociedade, não o tendo feito; em 2015 o A. intentou um processo de inquérito judicial à sociedade; os argumentos então invocados e os agora invocados são exactamente os mesmos; o A. apresentou uma denúncia criminal contra o 1º R. por abuso de confiança, invocando de novo a apropriação pelo R. de quantias pertencentes à 2ª Ré; efectuadas todas as diligências, nomeadamente perícia à contabilidade, concluiu-se pelo arquivamento dos autos, face à carência de indícios da prática de qualquer crime, designadamente o crime de abuso de confiança; o A. litiga de má fé, pelas razões que refere, pedindo a sua condenação em multa e indemnização; todos os movimentos bancários têm justificação e destinaram-se a restituir ao R. quantias por si adiantadas à sociedade ou a pagar os salários, não tendo tido qualquer benefício ilegítimo.
Citada a 2ª Ré a 10/01/2023 (cfr. AR junto ao PE a 24/01/2023), a mesma não contestou.
A 06/03/2023 foi proferido despacho em que:
- depois de se referir o disposto no art.º 128º n.º 1 da LOSJ, considerou-se que “o pedido de existência de justa causa para a sua destituição como gerente e respetiva indemnização já não se prendem com o exercício de um direito social, mas apenas com um pedido de um direito de crédito. Pois pede-se uma indemnização por danos causados à sociedade enquanto gerente da mesma. De facto, não devem ser decididas necessariamente pelo Tribunal de Comércio todas as ações judiciais que envolvam sociedades e os membros dos seus órgãos sociais. Uma coisa é o exercício do direito social de destituição de gerente ou administrador e outra a pretensão contra o destituído de indemnização resultante dos factos que terão causado prejuízo à sociedade praticados na qualidade de gerente da mesma.”; - e depois de se referir o disposto nos art.ºs 555º, n.º 1 e 37º, n.º 1, ambos do CPC, considerou-se que “os pedidos de indemnização e de destituição de gerente seguem formas de processo diferentes, o primeiro a forma comum e o segundo a forma de processo especial de jurisdição voluntária, como a cumulação ofende as regras de competência em razão da matéria quanto àqueles pedidos acima referidos e os pedidos de indemnização também deduzidos” e ainda que “as partes não são inteiramente as mesmas na ação declarativa comum de indemnização por responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais e na ação de jurisdição voluntária de destituição de gerente”; - foi o A. convidado a “aperfeiçoar a sua petição inicial em conformidade, sob pena de ineptidão da petição inicial nos termos do artigo 186º, nº2, al c) CPC.”
A 20/03/2023 o A. apresentou nova petição inicial com as seguintes modificações relativamente à petição inicial original:
- não consta como R. a EMP01..., Ldª;
- mantem-se o pedido deduzido sob a alínea a) da petição inicial original, deixando, no entanto, de constar na parte final as expressões da “2ª Ré“, para passar a constar “da identificada sociedade”;
- não consta o pedido constante da alínea b) do petitório inicial – b) seja decretada a destituição judicial com justa causa dos órgãos sociais da 2.ª Ré concretamente do 1.º Réu, das funções de gerente, fundamentada nos artigos 10.º a 49.º da petição inicial, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais;
- passa constar sob a alínea b) o pedido antes deduzido sob a alínea c).
O 21/03/2023 R. veio dizer que o A. não havia efectuado qualquer aperfeiçoamento, não restando ao tribunal senão absolver o R. da instância por ineptidão da petição inicial e deu integralmente por reproduzida a contestação apresentada.
De seguida foi proferido o seguinte despacho: Conforme já havíamos explicitado no despacho de convite ao aperfeiçoamento, estes pedidos não são da competência deste juízo de Comércio, mas caem na competência dos juízos cíveis. Pelo que se verifica a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria. Este Juízo de Comércio não é competente para conhecer da questão, declarando-se a incompetência material do Juízo de Comércio para conhecer da questão dos autos, absolvendo-se os RR da instância, (se o A não vier apresentar o requerimento a que se reporta o artigo 99º, nº2 CPC) nos termos dos artigos 96º, al a), 97º, 99º, nº1 e 278º, nº1, al a), todos do CPC.
O A. requereu, ao abrigo do disposto no art.º 99º, n.º 2 do CPC, a remessa dos autos para o tribunal competente, o que foi deferido.
Distribuídos os autos ao J ... do Juízo Central Cível de Braga, a 11/05/2023 foi proferido o seguinte despacho: Reqº de 21.03.2023: Oiço o A. sobre a excepção invocada (artº 3º, nº 3 do CPC).
O A. pronunciou-se dizendo que procedeu ao aperfeiçoamento da petição inicial na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo J ... do Juízo de Comércio, “abdicou” do pedido de destituição de gerente, afirmando mais adiante que desistiu desse pedido, não assistindo razão ao R..
Foi designada data para audiência prévia, que não se realizou por ter sido pedida e deferida a suspensão da instância.
A 25/10/2023, mediante formulário apresentado pelo Ilustre Mandatário do A. e em que consta que o requerimento seria também subscrito pelo Ilustre mandatário do R., foi apresentado o seguinte requerimento: AA e AA, respetivamente Autor e Ré, melhor identificados no processo acima identificado, vêm requerer o seguinte: 1. O Autor, desiste do pedido formulado na alínea b) da sua petição inicial aperfeiçoada apresentada em 20/03/2023, no qual consta o seguinte: “Condenar-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”. 2. O Réu, por sua vez, aceita a desistência do pedido constante da alínea b), acima transcrito. 3. Mais esclarece o Autor, que na parte referente à identificação do Autor da sua petição inicial, onde consta “AA”, o mesmo pretendia dizer “AA, por si, e em representação da sociedade EMP01..., Lda.”. 4. E, no pedido deduzido na alínea a), onde consta “a) Condenar-se o Réu a proceder ao reembolso dos montantes transacionados da conta da identificada sociedade”, pretendia dizer, “a) Condenar-se o Réu a proceder ao reembolso à sociedade EMP01..., Lda. dos montantes transacionados da conta da identificada sociedade”. 5. Pelo que se requer desde já a V. Exa. que se digne aceitar os esclarecimentos mencionados nos artigos 3.º e 4.º supra, procedendo-se à retificação dos autos em conformidade. 6. Aceitando, o Réu, por sua vez, os esclarecimentos mencionados nos artigos 3.º e 4.º supra e a retificação dos autos em conformidade. 7. No demais, devem os presentes autos prosseguir os seus normais termos até final.”
Não foi junto aos autos qualquer requerimento de adesão por parte do Ilustre mandatário do R..
A 08/11/2023 “AA, por si e em representação da sociedade EMP01..., Lda.” apresentou requerimento em que se pronunciou:
- quanto à excepção de prescrição, dizendo que os factos em causa nos autos constituem ilícito criminal, nomeadamente o crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.º 205º n.º 1 e 4, al. b) do C.Penal, determinando o art.º 118º, n.º 1 al. b) o prazo de prescrição de 10 anos para este tipo criminal; invoca o disposto no n.º 5 do art.º 174º do CSC e que sempre se consideraria o prazo de 10 anos e não de 5 anos invocado pelo R.; ainda que assim não se entenda, decorreu o processo crime 122/18...., que teve origem em queixa apresentada pelo A. em 2017, sendo arguido o R., processo que foi arquivado por despacho proferido a 07/03/2021; foi requerida a abertura de instrução, não admitida; foi interposto recurso do despacho de não admissão; o prazo de ressarcimento dos danos alegados e peticionados retomou a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão da Relação de 09/05/2022; a petição inicial foi apresentada a 14/11/2022, decorridos seis meses após o trânsito em julgado da decisão que encerrou definitivamente o processo crime, não tendo decorrido o prazo para o A. acionar judicialmente o R.; em tudo o que o art.º 174º do CSC não regular aplica-se o disposto no CC, nomeadamente o disposto no art.º 318º, alínea d) do CC, relativo à suspensão;
- quanto à litigância de má fé invocada na contestação.
A 17/11/2023 o R. pronunciou-se dizendo que continua sem saber quem é o A. nesta lide – o A. AA e/ou a sociedade EMP01... – não se compreendendo o requerimento apresentado a juízo; o(s) A(A) pretendiam que a acção prosseguisse com a sociedade EMP01... como A., mas para isso não poderia vir o “AA, por si, e em representação da sociedade EMP01..., Lda.” – o A. ou é o AA ou a sociedade; não pôde opor-se à desistência do pedido; o prazo para responder às excepções há muito que foi ultrapassado, estando esse direito precludido; não são de aplicar à relação alegada na PI os prazos previstos no CC, já que tal matéria está expressamente prevista no CSC, invocando o disposto no art.º 7º do CC; o A. não alega factos integradores de qualquer crime.
A 11/01/2024 foi proferida decisão, que:
- declarou que, em face da posição assumida pelas partes na audiência prévia, não se convocava nova audiência prévia;
- homologou a desistência do pedido formulado sob a alínea b) do petitório da petição inicial aperfeiçoada;
- e considerou, depois de referir os pontos 3 e 4 do requerimento de 25/10/2023: “…) face aos esclarecimentos e concretizações, entretanto, fornecidos, nos presentes autos pretende o A., por si e em representação da sociedade EMP01..., Lda., que o R. proceda ao reembolso à sociedade de quantias a ela pertencentes, e que enquanto gerente da sociedade, o R. alegadamente embolsou em proveito próprio, num total de € 166.370,42”. (…) e atenta a configuração actual da acção, decorrente dos esclarecimentos apresentados e alterações ao pedido, cumpre aferir se é este tribunal competente em razão da matéria deste tribunal para conhecer os termos da presente acção”. (…) Reportando-nos ao pedido formulado, constatamos que o A. por si - decorrente da sua qualidade de sócio – e em representação da sociedade EMP01...,Lda., pretende que o R. proceda ao reembolso à sociedade de quantias a ela pertencentes, e que enquanto gerente da sociedade, o R. alegadamente embolsou em proveito próprio, num total de € 166.370,42. (…) Ora, como facilmente se percebe a presente acção mais não é que o exercício pelo A., sócio da sociedade EMP01..., Lda., e enquanto tal, - atente-se que demanda por si em primeira linha, e atenta a sua qualidade de sócio, - do direito de reaver para a sociedade, montantes alegadamente embolsados pelo R., em proveito próprio, no exercício da sua qualidade de gerente da sociedade, em claro prejuízo da sociedade, e reflexamente do A., enquanto sócio da mesma. Como é sabido, a deficiência de gestão, sendo susceptível de compreender, por vezes, a prática de actos ilícitos, pode fazer incorrer os gestores em responsabilidade civil perante a sociedade ou os sócios, neste particular atente-se às normas constantes dos artigos 72.º, 75.º e 77.º e 79 do CSC. (…) acção social ut singuli, considerada de natureza sub-rogatória oblíqua (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2008), corresponde, nos termos da própria lei (art. 77.º, n.º 2, do CSC), ao exercício de um “direito social”. (…) atenta a condição de sócio e legal representante da sociedade do aqui A., o pedido e causa de pedir da acção, estamos inequivocamente, perante exercício de direitos sociais pelo aqui A., isto quer se veja a acção sob o prisma do artº 77º nº 1 e 2 do CSC, ou do artº 75º do CSC. A acção delineada nestes contornos é assim matéria da competência dos juízos centrais do Comércio atenta a alínea c) do citado preceito. A incompetência material integra a excepção dilatória de incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e gera a absolvição do réu da instância. Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando o presente tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente acção e, consequentemente, absolvo o R. da instância, artigos 96º al a), 97º nº 1 e 2, 99º nº 1 e 2, 576º nº 1 e 2 e 577º al a) e 578º, todos do CPC.”
O A. requereu, ao abrigo do disposto no art.º 99º, n.º 2 do CPC, a remessa dos autos para o tribunal competente, o que foi deferido.
Foram os autos atribuídos ao J ... do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, que designou data para tentativa de conciliação, a qual teve lugar, tendo as partes mantido as suas posições.
Foi proferida a seguinte decisão: Considerando o objeto da presente ação, o valor da causa, o disposto nos artigos 593.º, n.º 1 e 2, 595.º, 596.º e 597.º do Código de Processo Civil (na sua atual redação), por a complexidade da causa o não justificar e por não se vislumbrar qualquer circunstância que, nesta fase, determine a necessidade de fazer atuar o princípio do contraditório, dispenso a realização de audiência prévia, procedendo-se, desde já, à elaboração de despacho saneador, ao despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova. # O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade e da hierarquia. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias. # Da exceção de ilegitimidade ativa O R veio invocar a falta de legitimidade ativa do A para interpor a ação sem a sociedade. Contudo, o A veio, a convite, aperfeiçoar o seu articulado fazendo intervir a sociedade por si representada, sanado assim a falta de legitimidade ativa. # As partes são legítimas. # Da exceção de prescrição O R veio invocar a prescrição do direito dos AA de exigir a indemnização pelos danos provocados no exercício das funções de gerente da sociedade por tal direito ter sido exercido mais de cinco anos depois dos factos. O A, por si e em representação da sociedade EMP01..., Lda, notificado para o efeito, vieram pugnar pela improcedência da exceção de prescrição invocada por entenderem que aos factos alegados se aplica o artigo 118º, nº1, alínea b) do Código Penal, com prazo de prescrição de 10 anos. Para tal os factos invocados teriam de constituir o crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205º, nº1 e 4, al b) do Código Penal. O que permitiria, nos termos do disposto no artigo 498º, nº2 do Código Civil, a aplicação do prazo de prescrição criminal. Cumpre decidir. No caso em apreço, os AA alegaram na petição que o R causou danos à sociedade aqui em questão, e que estes foram provocados pela atuação do R no exercício das suas funções de gerente da mesma. Estes factos são subsumíveis à presunção do artigo 174º do Código das Sociedades Comerciais. Este artigo dispõe no seu nº1, al b) que os direitos da sociedade e dos sócios contra os gerentes prescrevem no prazo de cinco anos contados a partir do termo da conduta dolosa ou culposa do gerente, ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade. O prazo conta-se da prática dos factos, ou da revelação da conduta que foi ocultada, ou da produção do dano, conforme o que ocorrer mais recentemente. A razão de ser de tal prescrição de curto prazo prende-se com a intenção de proteger as pessoas que ingressam numa sociedade mercantil dando-lhes a garantia de que as relações que viessem a estabelecer com a corporação ou terceiros, no quadro da vida social, se poderiam extinguir por prescrição num prazo muito curto. A única exceção a este regime seria o caso de o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça um prazo de prescrição mais longo. Mas para tal tinham que ser alegados todos os requisitos do ilícito típico criminoso, o que não aconteceu no caso dos autos pois o elemento subjetivo não é mencionado. Ademais, o inquérito aberto sobre os factos que poderiam constituir um eventual crime de abuso de confiança agravado foi arquivado por falta de indícios da prática de crime, como resulta de cópia do despacho de arquivamento junto com a contestação. Assim, tendo os AA alegado que os factos que invocam tiveram lugar nos anos de 2014 e 2015 e a presente ação dado entrada a 14-11-2022, sem que tivesse sido alegada qualquer ocultação da conduta, já haviam passado sete anos após a alegada conduta culposa do R gerente quando deram entrada em tribunal os autos. Desta forma, aplicando-se ao direito de ação um prazo de prescrição de cinco anos, após o termo da conduta culposa, já este direito se encontrava prescrito. No mesmo sentido, entre outros, veja-se Ac STJ de 6-4-2017 in www.dgsi.pt. Pelo exposto, declaro prescrito o direito dos AA de interpor a presente ação a pedir a indemnização pelos danos provocados no exercício das funções de gerente da sociedade. (…)”
“AA, por si, e em representação da sociedade EMP01..., Lda.” interpôs recurso, que terminou com as seguintes conclusões: 1 – Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido o seguinte: “Pelo exposto, declaro prescrito o direito dos AA de interpor a presente ação a pedir a indemnização pelos danos provocados no exercício das funções de gerente da sociedade”. 2 – No entanto, os Recorrentes não se podem conformar com a douta sentença proferida. 3 – Desde logo, entende-se que, a sentença proferida padece de nulidade, por omissão de pronuncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. 4 – Uma vez que, os Autores alegaram na sua resposta à exceção de prescrição que os factos em causa nos autos constituem ilícito criminal, nomeadamente, o crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b) do Código de Processo Penal, cujo prazo de prescrição é de 10 anos, (cfr. 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal), sendo este o prazo a aplicar aos autos. 5 - Mas, subsidiariamente, para o caso se assim não se entendesse, foi ainda alegado na resposta às exceções a interrupção e suspensão do prazo de prescrição, decorrente da apresentação de queixa e instauração de processo crime e do facto de ser aplicável aos presentes autos o regime do artigo 318.º, alínea d) do Código Civil, por estar em causa exercício de direito contra gerente de sociedade. 6 - Sucede que, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a interrupção, nem sobre a suspensão do prazo de prescrição alegada, mas apenas quanto à aplicação do prazo prescricional alargado de 10 anos. 7 - Deste modo, na situação em apreço, conforme se referiu, o tribunal recorrido ao ser omisso quanto à interrupção e suspensão do prazo, deixando de se pronunciar sobre esta questão que deveria apreciar, fez com que a sentença padeça do vicio de nulidade, nulidade expressamente se argui para todos os devidos efeitos legais. 8 - Pelo exposto, entendemos que a DECISÃO RECORRIDA É NULA por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil. 9 – Por outro lado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que os Autores não alegaram todos os requisitos do ilícito típico criminoso, por não terem mencionado o elemento subjetivo e, por isso considerou aplicável aos presentes autos o prazo de prescrição de cinco anos, tendo declarado o direito dos Autores já prescrito. 10 - Senão vejamos: conforme alegado pelos Recorrentes, os factos vertidos na petição inicial são suscetíveis de constituem ilícito criminal, nomeadamente o crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b) do Código Penal. 11 -Compreende o tipo de ilícito alegado o seguinte: “1- Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (…) 4 - Se a coisa ou o animal referidos no n.º 1 forem: a) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”, (cfr. artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, aliena a) do Código Penal). 12 - Relativamente ao elemento subjetivo do tipo de crime, o dolo, “O elemento subjetivo neste ilícito exige o dolo, ou seja, que o agente conheça e queira os elementos objetivos deste tipo de crime. E, além disso, um dolo específico: qual seja, o de o agente saber que o dinheiro ou a coisa móvel, apesar de estar à sua guarda, confiança ou sob a sua alçada a qualquer título de detenção, não é sua pertença; que está ao seu cuidado em razão das razões pelas quais lhe foi confiado, e que, no entanto, quer apropriar-se dela para proveito próprio ou de terceiro ou onerá-los. Quer assim inverter o título da posse do dinheiro ou coisas, em seu proveito ou de terceiros”, (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1174/18.0T9STR.E1, de 21-06-2022, em: www.dgsi.pt). 13 - Tendo efetivamente sido alegado pelos Recorrentes na sua petição inicial aperfeiçoada, a posse dos saldos bancários titulados pela sociedade Recorrente, por inerência às suas próprias funções de gerente da mesma, e a apropriação de tais saldos bancários, através de transferências bancárias para a sua própria conta bancária e conta bancária de sociedade com a quem a sociedade Recorrente não possuía qualquer relação, em que existisse qualquer fundamento ou justificação para a realização de tais transferências bancárias, verificando-se a operação da inversão do título de posse, (cfr. artigos 8.º a 27.º da petição inicia aperfeiçoada apresentada em 20/03/2023). 14 - Mais tendo sido alegado na petição inicial aperfeiçoada, relativamente ao elemento subjetivo, o seguinte: “28. Apesar e a sociedade se obrigar com a intervenção conjunta de dois gerentes, o facto de o Réu ter acesso direito às contas das sociedades, aos cartões bancários e às palavras -chave fez com que o mesmo atuasse de forma abusiva, a seu bel prazer, sem o consentimento e conhecimento do Autor. 29. Acresce que, o Autor constatou que o Réu tinha condutas inadequadas, uma vez que o mesmo omitia informações quanto à faturação, despesas, pagamentos e decisões tomadas, em suma, o Autor encontra-se completamente alheado do funcionamento da sociedade. 30. Não estando o Réu a cumprir com as suas obrigações sociais, além de praticar uma gerência dolosa e ruinosa. 31. Conforme o Autor constatou, o Réu assumiu ora por ação, ora por omissão uma postura manifestamente lesiva dos interesses da sociedade, em manifesto proveito e benefício próprio. (…) 34. Na verdade, o Autor fez vários reparos e pedidos de explicações, que não foram satisfeitos, nem documentados tendo que ter agido judicialmente. 35. Mantendo-se até à presente data desconhecedor da situação real e atual da sociedade. 36. Com efeito, o Réu apresenta comportamentos claramente violadores dos seus deveres de cuidado e diligência, e, particularmente, o dever de lealdade, de atuar no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios. 37. Violando, ainda, a relação de confiança estabelecida com o Autor, sócio-gerente, colocando em causa a própria prossecução fim social da sociedade. 38. Assim, os comportamentos culposos e lesivos dos interesses da sociedade do Réu, supra descritos, impossibilitam a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo exige (…) 41. Acresce que, por força das condutas ilícitas e culposas do Réu, o Autor tem direito a uma por danos não patrimoniais” (cfr. petição inicial aperfeiçoada apresentada em 20/03/2023). 15 - Dos artigos supra transcritos que compõe a petição inicial aperfeiçoada apresentada nos presentes autos efetivamente comprova-se a alegação de factos passiveis de refletir a intenção e vontade do Réu em se apropriar das quantias monetárias da conta da sociedade, o que constitui o elemento subjetivo do tipo de crime em análise. 16 - Deste modo, deveria ter sido considerado aplicável aos presentes outos o prazo alargado de prescrição de 10 anos, decorrente do ilícito criminal em causa nos autos. 17 - Assim, o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto nos artigos 3, do referido artigo 174.º, n.º 3 do CSC e 118.º, n.º 1, alínea b) e 205.º, n.º 1, e n.º 4, alínea b) do Código Penal. 18 - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue aplicável aos presentes autos o prazo de prescrição de 10 anos, declarando improcedente a exceção de prescrição, por não provada com as legais consequências daí advenientes. 19 - Sem prescindir, caso assim não se entenda, ainda se dirá que conforme alegado, em sede de resposta às exceções e se comprova pelo documento n.º 4 junto com a contestação, o Recorrente no ano de 2017 apresentou uma queixa crime contra o Recorrido, o que deu origem ao processo crime n.º 122/18...., o qual foi objeto de despacho de arquivamento, proferido em 07/03/2021, tendo sido requerida a abertura de instrução, com vista à sindicância do despacho de arquivamento, (cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação). 20 - Ora, a pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção contínua ou continuada (ex vi, do art.º 323., n.º 1 e 4, do Cód. Civil), esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou despacho final) do processo crime instaurado. 21-Não sendo razoável que o início da contagem do prazo prescricional para o exercício do direito de indemnização possa ocorrer durante a pendência do inquérito, pois só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a ação de indemnização correspondente. 22- De modo que, atento ao disposto no artigo 323.º, n.º 1 e n.º 4 do Código Civil, sempre será de considerar que, a apresentação da queixa crime interrompeu o prazo prescricional previsto no artigo 174.º, n.º 1 do CSC, o qual só reiniciou a contagem com o trânsito em julgado do acórdão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, o que só ocorreu em 09 de maio de 2022. 23 - Assim, considerando a data de apresentação da petição inicial em juízo (14 de novembro de 2022), constata-se que efetivamente a mesma é tempestiva, tendo sido apresentada dentro do prazo de cinco anos a contar do dia 09 de maio de 2022. (Ou ainda que assim não se entendesse, seria sempre de considerar o despacho de arquivamento do inquérito proferido em 07/03/2021, documento n.º 4 junto pelo Réu com a sua contestação, sendo considerada tempestiva, de igual forma, a petição inicial). 24- Assim, considerando o exposto, o alegado no articulado da petição inicial, petição inicial aperfeiçoada e requerimento de pronuncia sobre as exceções, e o documento n.º 4 junto com a Contestação, isto é o despacho de arquivamento do processo crime, o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto no artigo 174.º, n.º 3 do CSC e 323.º, n.º 1 e n.º 4 do Código Civil 25 - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare improcedente a exceção de prescrição, por não provada com as legais consequências daí advenientes. 26- Meramente à cautela, caso assim também não se entenda, ainda se dirá que o artigo 318.º do Código Civil contém um elenco de causas bilaterais de suspensão da prescrição, que atendem a relações especiais entre o credor e o devedor. 27 - Uma dessas causas bilaterais de suspensão da prescrição, enunciada na alínea d) do referido artigo 318.º, determina que a prescrição não começa ou, tendo começado, não corre, entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem. 28 – Tendo sido concluído no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de janeiro de 2013, processo n.º 1032/08.6TYLSB.L2, disponível para consulta em www.dgsi.pt, o seguinte: “I – Do facto da lei das sociedades comerciais nada dizer sobre a suspensão da prescrição do direito de indemnização das sociedades contra, designadamente, os seus administradores, não pode concluir-se, de modo algum, que o instituto (da suspensão) é apagado, mas pelo contrário, que é aplicável o regime previsto na lei civil», II – À prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade dos administradores de uma sociedade comercial é subsidiariamente aplicável a suspensão do curso do prazo de prescrição prevista na al. d), do art. 318.º do CC”. 29 -Pelo exposto, é de aplicar aos presentes autos ao direito de indemnização previsto no artigo 174.º do CSC o regime da suspensão do curso do prazo de prescrição previsto no artigo 318.º, alínea d) do Código Civil, de modo que, o prazo de responsabilização do Recorrido por atos decorrentes do exercício do seu cargo, não começa a correr enquanto este se mantiver no exercício do mesmo. 30 - Conforme alegado na petição inicial, o que se comprova com base na informação comercial junta com a petição sob o documento n.º 1, e foi inclusivamente aceite em sede de contestação, o Réu/Recorrente mantém-se no exercício das suas funções de gerente. 31 - Assim, considerando o exposto, o alegado no articulado da petição inicial, documento n.º 1 junto com a mesma, petição inicial aperfeiçoada e requerimento de pronuncia sobre as exceções o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto no artigo 174.º do CSC e 318, aliena d) do Código Civil 32 - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare improcedente a exceção de prescrição, por não provada com as legais consequências daí advenientes.
O R. contra alegou tendo terminado com as seguintes conclusões: 1-A decisão recorrida não padece de qualquer nulidade. 2-Não tendo os AA. respondido ao convite para se pronunciarem sobre as excepções deduzidas em sede de contestação, a resposta (cerca de seis meses depois) não pode, nem deve ser considerado, tendo-se precludido o direito de os AA. se pronunciarem sobre tais excepções. 3-Também não existe qualquer erro de julgamento no que aos requisitos do ilícito criminal diz respeito. 4-Os AA. não alegaram o elemento subjectivo do tipo de crime que imputam – sem qualquer fundamento, diga-se, – ao R. 5-Nem na primeira, nem na segunda petição inicial os AA. alguma vez referem que o A. agiu de forma consciente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas. 6-Os AA. bem sabem que o R. não cometeu qualquer crime, e que nunca agiu em prejuízo da sociedade ou do outro sócio. 7-A Mª Juiz “a quo” também não tinha de se pronunciar sobre qualquer interrupção ou suspensão do prazo de prescrição, quer porque os AA. deixaram precludir o prazo para se pronunciarem sobre as excepções, quer porque os AA. nunca invocaram que o R. tivesse agido de forma consciente, bem sabendo que estava – como não estava – a cometer um crime.
2. Questões a apreciar
O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).
Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
As questões que cabe apreciar são:
- a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia?
- a decisão recorrida ao decidir implicitamente da admissibilidade da resposta à excepção, incorreu em erro de julgamento, por tal resposta ser extemporânea?
- a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar prescritos os direitos invocados nos autos?
3. Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia 3.1. Do incumprimento do disposto no art.º 617º do CPC.
O art.º 617º do CPC, aplicável aos despachos ex vi do nº 3 do art.º 613º do mesmo, dispõe: “1. Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento… (…) 5. Omitindo o juiz o despacho previsto no nº 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no nº 6.”
A Sra. Juiz, no despacho que admitiu o recurso, não se pronunciou quanto à nulidade invocada.
Porém não é indispensável a baixa do processo, pelo que se passará a conhecer da mesma. 3.2. Enquadramento jurídico
Dispõe a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC: 1. É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (…)”
A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual).
A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
Releva aqui a primeira, a qual está relacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”
O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que o permitam), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados.
O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é analisada, a título meramente exemplificativo vd. o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).
3.3. Em concreto
O recorrente, para além de ter alegado que os factos em causa nos autos constituíam ilícito criminal – questão que foi conhecida -, alegou também a interrupção da prescrição decorrente da apresentação de queixa e a suspensão da prescrição, nos termos da alínea d) do art.º 318º do CC – questões não conhecidas.
Efectivamente, e como decorre do Relatório supra, o recorrente invocou na resposta à contestação, a interrupção e a suspensão da prescrição (com referência ao prazo quinquenal previsto no art.º 174º do CSC), as quais não foram efectivamente conhecidas.
E, como veremos melhor, mandava a lógica que em primeiro lugar se aferisse se o direito estava prescrito à luz do prazo prescricional regra (art.º 174º do CSC) e concomitantemente das causas de interrupção e suspensão invocadas; só no caso de se concluir pela verificação de tal prescrição é que se passaria a aferir se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituiu em abstracto crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (art.º 174º, n.º 5, do CSC) e, em caso de resposta afirmativa, se o direito está prescrito.
Não tendo sido conhecidas as invocadas causas de interrupção e suspensão impõe-se julgar verificada a nulidade prevista na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
No entanto e tendo em consideração o disposto no n.º 1 do art.º 665º do CPC – ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação – não há lugar à anulação da decisão e remessa dos autos à 1ª instância, mas sim a pronúncia quanto à questão não conhecida, o que se fará adiante.
4. Da tempestividade da resposta à excepção 4.1. Questão prévia
O recorrido, nas suas contra-alegações, suscita a questão da extemporaneidade da resposta dos AA. à excepção de prescrição, dizendo que a mesma não deve ser considerada (conclusão 2).
O recorrido já havia suscitado esta questão no seu requerimento de 17/11/2023, a qual não foi objecto de expressa apreciação por parte do tribunal a quo.
Mas, verifica-se que da decisão recorrida consta o seguinte: “Da exceção de prescrição O R veio invocar a prescrição do direito dos AA de exigir a indemnização pelos danos provocados no exercício das funções de gerente da sociedade por tal direito ter sido exercido mais de cinco anos depois dos factos. O A, por si e em representação da sociedade EMP01..., Lda, notificado para o efeito, vieram pugnar pela improcedência da exceção de prescrição invocada por entenderem que aos factos alegados se aplica o artigo 118º, nº1, alínea b) do Código Penal, com prazo de prescrição de 10 anos. Para tal os factos invocados teriam de constituir o crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205º, nº 1 e 4, al b) do Código Penal. O que permitiria, nos termos do disposto no artigo 498º, nº2 do Código Civil, a aplicação do prazo de prescrição criminal.”
O art.º 660º do CPC de 1939 continha um parágrafo único que dizia - “Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido”.
A este respeito ensinava Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 59, que “o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria científica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado.”
E acrescentava (ob. cit. pág. 65) que caso julgado implícito é aquele que “não é claramente enunciado, mas tem de ser reconhecido mediante um esforço de interpretação” e (ob. cit. pág. 66) que “o problema do julgamento implícito só surge quando nem a parte justificativa nem a parte dispositiva fornecem elementos suficientes para se afirmar que o juiz se pronunciou sobre determinada questão”.
E concluía (ob. cit. pág. 67): “Não basta que a questão sobre a qual não recaia decisão expressa seja, em face dos princípios, pressuposto necessário ou consequência lógica do julgamento explicito; é indispensável que os próprios termos da causa estabeleçam esse nexo e autorizem essa ligação. “
A Reforma de 1961 suprimiu aquele parágrafo único.
O Ac. do STJ de 12/09/2007, processo 07S923, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que decisão implícita é aquela que está subentendida numa decisão expressa e tal só acontece quando a solução da questão sobre que recaiu a decisão expressa pressupõe a prévia resolução de uma outra questão que, todavia, não foi expressamente assumida.
E o Ac. da RC de 08/11/2016, processo 170/14.0TBCTB-A.C1, considerou dever acolher-se a tese da admissibilidade do julgamento implícito em processo civil apenas nas situações em que o objecto do processo é composto por uma cumulação aparente de pedidos, correspondendo a decisão implícita a um pressuposto necessário do julgamento expresso.
E em texto referiu-se: Contudo, a identificação do julgamento implícito exige a necessidade de um critério de conexão lógica entre decisões implícitas e as decisões expressas, não bastando, para o efeito, que em face dos termos da causa, as decisões (implícitas) constituam pressuposto necessário do julgamento expresso, porque um tal entendimento pode originar incerteza e violar o princípio da segurança jurídica e do contraditório.
E o Ac. do STJ de 11/05/2022, processo 60/08.6TBADV.2.E1.S1 consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que no nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só pode ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga.
Na doutrina Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 762, considera que, se perante os termos da causa, a questão satisfez a exigência do art.º 608º, isto é, ser pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso, há julgamento implícito e não haverá omissão de pronúncia.
Não há dúvidas que nos termos do n.º 2 do art.º 608º do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação…
Naturalmente que a lei exige uma pronúncia expressa, pois só essa respeita o direito das partes de acesso á justiça e de impugnação da decisão e assegura a certeza e segurança jurídica.
Mas a norma, ao determinar que “o juiz deve resolver todas as questões…” admite o julgamento implícito sobre dada questão, desde que, face aos termos da causa, a mesma constitua pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido.
No primeiro caso, o julgamento implícito abrange os antecedentes lógicos do julgamento expresso; no segundo caso, o julgamento implícito abrange um efeito necessário do julgamento expresso.
No que aos autos respeita, decorre daquele trecho da decisão recorrida que o tribunal a quoadmitiu implicitamente a resposta às excepções pelo que, também implicitamente, julgou improcedente a invocada extemporaneidade da mesma.
Na referida parte e tendo o R., ora recorrido, invocado, em tempo, a extemporaneidade da resposta, o mesmo é vencido, pelo que lhe assiste legitimidade para a impugnar.
A questão que se coloca é em que termos: mediante ampliação do recurso ou mediante interposição de recurso, independente ou subordinado.
Dispõe o n.º 1 do art.º 636º do CPC que, no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
E nos termos do n.º 2, pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
Abrantes Geraldes in Recursos.., pág. 264, analisa a possibilidade de impugnação de decisões “intercalares” que não se encontra regulada no art.º 644 e cuja solução deve obter-se a partir do disposto no art.º 636º, referindo de seguida que “[s]egundo este normativo, sendo interposto recurso da decisão final, a parte vencedora poderá suscitar nas contra-alegações questões em que tenha decaído. Tal norma dirige-se especificamente aos casos em que o decaimento emerge da própria decisão que é objecto do recurso…”.
E mais adiante propugna uma interpretação ampla do art.º 636º referindo: “Em face do disposto no art.º 636º, não poderá deixar de se considerar a possibilidade de a parte interessada aproveitar a interposição de um recurso pela contraparte para nele enxertar, por via das contra-alegações, a impugnação das decisões interlocutórias que a desfavorecem, mas cujo resultado continue a interessar-lhe para que seja confirmada a decisão que a beneficiou…” Para além da verificação de motivos de ordem racional, a possibilidade de o recorrido impugnar nas contra-alegações decisões intercalares em que tenha ficado vencido e cujo resultado pode concorrer para a manutenção da decisão final que lhe tenha sido favorável encontra ainda apoio no princípio da igualdade.”
Uma vez que estamos perante uma decisão (implícita) incorporada na decisão final, uma vez que relativamente à decisão final o R. é vencedor, mas é vencido quanto aquela e não cabendo esta em nenhuma das situações previstas no art.º 644º, à luz do entendimento exposto podia o mesmo suscitar a questão nas contra-alegações, como o fez. 4.2. Em concreto
O CPC não prevê hoje um articulado de resposta às excepções, ao contrário do que sucedeu em tempos já recuados, com a réplica (art.º 502º do CPC revogado).
Hoje a resposta às excepções deve ter lugar na audiência prévia – art.º 591º, n.º 1 alínea b) do CPC – ou por escrito, a convite do tribunal, formulado ao abrigo do principio da gestão processual (art.ºs 6º, n.º 1 e 547º, ambos do CPC).
Também se admite à luz do princípio da economia e eficácia processual que a parte, espontaneamente, ao abrigo do disposto no art.º 3º, n.º 3 do CPC, apresente tal resposta.
No caso dos autos e pese embora se tenham realizado diversas audiências prévias, nunca as mesmas alcançaram o ponto em que deveria ser dada a possibilidade ao A. de responder às excepções.
Por outro lado, nunca o tribunal convidou o A. a pronunciar-se quanto à excepções, constituindo, neste ponto, um equívoco a invocação do despacho de 11/05/2023.
O 21/03/2023 R. veio dizer que o A. não havia efectuado qualquer aperfeiçoamento, não restando ao tribunal senão absolver o R. da instância por ineptidão da petição inicial e deu integralmente por reproduzida a contestação apresentada.
De seguida foi proferido despacho que julgou o Juízo de Comércio incompetente em razão da matéria, na sequência de requerimento do A., foram os autos remetidos para o tribunal competente, tendo sido distribuídos ao J ... do Juízo Central Cível de Braga que a 11/05/2023 proferiu o seguinte despacho: Reqº de 21.03.2023: Oiço o A. sobre a excepção invocada (artº 3º, nº 3 do CPC).
O que resulta meridianamente claro deste despacho, até pela referência que o encima ao Reqº de 21.03.2023, é que o tribunal convidou o A. a pronunciar-se quanto “à excepção invocada” em tal requerimento e não quanto às excepções invocadas na contestação.
Neste contexto, quando o A., a 08/11/2023 apresenta espontaneamente resposta às excepções, não há qualquer extemporaneidade em tal actuação, sendo, como se disse, tal resposta admissível à luz do art.º 3º, n.º 3 do CPC e do principio da economia e eficácia processual.
Destarte improcede a questão da extemporaneidade da resposta às excepções invocada nas contra-alegações. 5. Fundamentação de facto
1) As incidências fácticas relevantes para a decisão indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.
2) E ainda:
- A 26/03/2021 e no âmbito do Inquérito 122/18.... o aí arguido e aqui R. foi notificado, na pessoa do seu Ilustre mandatário, do despacho de arquivamento proferido em tal processo e anexo à referida notificação.
- O referido despacho de arquivamento tem o seguinte teor, na parte que releva: “Os presentes autos de inquérito tiverem início com a denúncia de fls. 4 a 6, onde AA manifestou intenção de proceder criminalmente contra AA, porquanto constituiu uma sociedade com o denunciado, denominada “EMP01..., Ldª” e, após desentendimentos com o mesmo que motivaram a instauração do processo n.º 10466/15.... que correu termos no juízo do comércio de VNF, J..., apercebeu-se que o denunciado, entre 2014 e 2015, efectuou transferências das contas da sociedade para as suas contas pessoais, sem qualquer justificação. Assim, verificou que entre 02/10/2014 e 06/10/2015 o denunciado transferiu € 38 370,42 da conta da sociedade para a sua conta pessoal; entre 08/01/2014 e 19/10/2015, o denunciado transferiu € 84 000,00 da conta poupança da sociedade para a sua conta pessoal; e entre 31/12/2014 e 06/10/2015, o denunciado transferiu € 44 000,00da conta da sociedade para a conta da sociedade “EMP02...”, com a qual a sociedade não tem ou não teve qualquer vinculo profissional. (…) Tais factos seriam, eventualmente, suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.º 205º, n.º 1 e 4, al. b) do Código Penal. (…) Pelo exposto, e não dispondo os autos de elementos de facto que permitam imputar ao arguido, factos consubstanciadores da prática de qualquer crime, designadamente, do crime de abuso de confiança, por carência de indícios (…)determino, nos termos do artigo 277º, n.º 2 do Código de Processo penal, o arquivamento do presente inquérito. (…)”
6. Fundamentação de direito 6.1. Enquadramento jurídico 6.1.1. Da prescrição em geral
De forma sugestiva, no sentido de que o tempo tem repercussão no domínio jurídico, o Código Civil trata da prescrição num capítulo cuja epígrafe é “O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas”.
A repercussão do tempo nas relações jurídicas contempla regras gerais – os artigos 295º a 299º - estando a prescrição em geral regulada nos art.ºs 300.º a 327.º, todos do CC, contemplando ainda este compêndio um conjunto de normas dispersas onde são estipulados específicos prazos de prescrição.
Quanto ao fundamento da prescrição, Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 445-446, sobre o instituto na vigência do CC de 1867, considerava que o fundamento essencial (assinala fundamentos secundários) da “prescrição” extintiva era a negligência do titular de determinado direito em exercitá-lo durante período de tempo indicado na lei, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou, pelo menos, o tornava aquele indigno de protecção jurídica.
Dias Marques, in Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4, referia que a ideia comum que preside ao instituto é a existência de “uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer”.
António Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, V, 3ª edição, pág.198-199 distingue os fundamentos atinentes ao devedor e os fundamentos de ordem geral, afirmando, quanto aos primeiros, que “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo da prova. À medida que o tempo passe, o devedor irá ter uma crescente dificuldade em fazer prova do pagamento que tenha efectuado” e quanto aos segundos, afirma que a “prescrição serviria ainda escopos de ordem geral, atinentes à paz jurídica e à segurança. Esta função só é parcialmente é aproveitável…”
Como refere Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, máxime pág. 29-30, à prescrição não subjaz uma razão unitária, mas diversas razões: a probabilidade de ter sido feito o pagamento; a presunção de renúncia do credor; a sanção da negligência do credor; a consolidação de situação de facto; a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; a promoção do exercício oportuno dos direitos.
A repercussão do tempo, no caso da prescrição, traduz-se na constituição, na esfera jurídica do devedor, do direito de, decorrido o prazo previsto na lei, a invocar.
Assim, dispõe o art.º 303º do CC que a prescrição necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público, não podendo o tribunal conhecer da mesma oficiosamente.
E uma vez invocada, o respectivo beneficiário pode recusar o cumprimento ou opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304.º, n.º 1, do CC).
Mas se o realizar espontaneamente, ainda que em ignorância da prescrição, não o pode repetir (art.º 304.º n.º 2, do CC).
Neste contexto, a invocação da prescrição modifica a obrigação, que passa de civil a natural (cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 3ª edição, pág. 209-211) e, como é próprio destas (cfr. art.º 402º do CC) o seu cumprimento torna-se judicialmente inexigível.
São requisitos da prescrição: a invocação de um direito; o seu não exercício por parte do respectivo titular; e o decurso do tempo.
No que respeita ao inicio do prazo, o nosso sistema contempla dois modelos:
- um dito “objectivo”: o «prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido» (art.º 306.º, n.º 1, 1ª parte do CC); e, sendo fixado em anos, «a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último (...) ano, a essa data» (art.º 279.º, al. c), aplicável ex vi do art.º 296.º, ambos do CC).
- outro dito “subjectivo”: o prazo de prescrição apenas começa a correr quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, e, por isso mesmo, com prazos mais curtos (v.g., art.º 498.º do CC, em sede de responsabilidade civil).
O prazo pode ser suspenso ou interrompido.
As causas de suspensão do prazo estão estabelecidas nos art.ºs 318.º a 322.º do CC, traduzindo-se a suspensão “numa pausa no decurso do termo prescricional, pelo que cessando a suspensão, o termo começa a correr a partir do ponto de progressão que tinha alcançado ao verificar-se a causa suspensiva” (Cristina Constantini, 2009:127-128, citada por Júlio Gomes in Comentário ao CC Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, anotação ao art.º 318, pág. 934), o que significa, ademais, que aproveita-se o tempo decorrido antes da suspensão.
A interrupção do prazo estabelecida nos art.ºs 323.º a 327.º do CC, uma vez verificada, inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art.º 326º do CC).
6.1.2. Caso especial de prescrição - o artigo 174.º do CSC
Dispõe este normativo: «1 - Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: a) O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares; b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade; c) A data em que a transmissão de quotas ou acções se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes; d) O vencimento de qualquer outra obrigação; e) A prática do acto em relação aos actos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo. 2 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º 3 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo. 4 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data do registo definitivo da fusão, os direitos de indemnização referidos no artigo 114.º 5 - Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável».
O n.º 1 refere-se aos direitos da sociedade contra os gerentes e o n.º 2 aos direitos dos sócios contra os gerentes.
Vejamos antes de mais que acções se integram em cada um dos referidos números.
Dispõe o n.º 1 do art.º 72º do CSC que os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
Dispõe a alínea b) do n.º 1 do art.º 64 º do CSC: 1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: (…) b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Os deveres dos administradores e gerentes são orientados pela relação fiduciária que a gestão de bens e interesses alheios do ente jurídico social implica, gestão essa que deverá ser no exclusivo interesse da sociedade.
Traduzir-se-á numa violação do dever de lealdade a gestão de bens e interesses do ente jurídico social não em beneficio da sociedade, mas em benefício, vantagem ou proveito próprio do gerente ou administrador ou de terceiros.
Tal violação integra o disposto no art.º 72º n.º 1 do CSC.
De referir que, nos termos do n.º 1 do art.º 75º do CSC, a acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação; para o exercício do direito de indemnização podem os sócios designar representantes especiais.
Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do CSC que, independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, propor acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado.
Prevê esta normativo a acção uti singuli, resultando da parte final que a mesma tem carácter subsidiário em dois sentidos: i) só pode ser proposta se a sociedade não propuser acção destinada a responsabilizar os gerentes, seja porque a respectiva assembleia não o deliberou, seja porque, tendo deliberado, deixou passar o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção (havendo, no entanto, o entendimento de que esta acção só pode ser proposta se a sociedade deliberou não propor qualquer ação, ou quando deliberou em tal sentido, não a veio a propor no prazo de seis meses, a que se reporta o n.º 1 do art. 75.º do CSC; na situação de ausência de deliberação, podem os sócios solicitar a convocação de assembleia geral ou incluir a matéria na ordem do dia, de assembleia geral já convocada – cfr. Coutinho de Abreu in Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, IDET, 2ª. ed. pág. 63 e Ac. do STJ de 26/11/2024, proc. 4360/22.4T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, com recensão da doutrina sobre a questão).
É uma acção da iniciativa de um ou mais sócios que reúnam a maioria prevista no n.º 1 do art.º 77º, que aproveita directamente à sociedade e, por via disso, indirectamente a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram.
A indemnização que seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como refere expressamente o n.º 1 do art.º 77º, a acção nele prevista tem em “vista [a] reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido”.
Nesta acção os sócios não actuam como representantes legais da sociedade: os sócios exercem um direito próprio (o que não significa que pretendam ser ressarcidos de danos que lhes tenham sido directamente causados pelos gerentes), conferido pelo n.º 1 do art.º 77º do CSC (cfr. Ac. da RE de 30/01/2020, processo 1048/14.3TBPBL-C.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre), direito próprio que resulta da qualidade de titular de uma participação social de pelo menos 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, sendo, nessa medida, um direito social.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 1º, 3ª edição, pág. 71 (anotação ao art.º 30º), está-se perante um caso excepcional de atribuição do direito de acção a titulares dum interesse indirecto, configurando-se tal atribuição como uma situação de substituição processual.
E nos termos do n.º 4, quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios, nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes, entendendo-se que tal chamamento deve operar mediante intervenção principal provocada (at.º 316º, n.º 1 do CPC) (cfr. Coutinho de Abreu/Elisabete Ramos, in CSC Em Comentário, I, 2ª edição, pág. 951 com citação de doutrina na nota 13).
Finalmente, e como dispõe o art.º 79º do CSC, os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Não há margem para dúvidas que a acção prevista no art.º 72º do CSC integra o n.º 1 do art.º 174º do CSC.
Mas também ali se integra a acção prevista no art.º 77º do CSC, na medida em que a atribuição do direito de acção ao sócio nele prevista, se traduz numa situação de substituição processual da sociedade.
Já a acção referida no art.º 79º do CSC integra o n.º 2 do art.º 174º do CSC
Quanto à prescrição propriamente dita, vejamos.
Como refere Carolina Cunha in CSC Em Comentário, Volume 2º, 3ª edição, pág. 879 “[a] sistematização operada pelo art.º 174º toma como fio condutor os sujeitos activos e passivos dos vínculos atribuídos pelo e regulados no CSC.”
Por outro lado, os prazos de prescrição previstos no normativo em referência são em regra “objectivos” ou seja, contam-se a partir dos factos elencados na norma, independentemente do seu conhecimento por parte do titular do direito.
Neste sentido António Menezes Cordeiro, CSC Anotado 5.ª Edição, 2022, Almedina, pág. 688, onde afirma que «[o] art.º 174º fixa uma prescrição objectiva (o prazo inicia-se independentemente de concretos conhecimentos de sujeitos) de tipo quinquenal. Domina a preocupação de segurança jurídica»
E Carolinha Cunha in CSC Em Comentário, Volume 2º, 3ª edição, pág. 879 – “O prazo de cinco anos começa a contar-se de um elenco de factos de cariz predominantemente objectivo, ou seja, independentes do conhecimento do credor – com excepção da previsão, na alínea b), de que em caso de ocultação da conduta dolosa ou culposa do devedor, os cinco anos só correm a partir da data da sua revelação.”
Ainda como afirma Carolina Cunha in ob. cit., pág. 878, nesta prescrição “sobrelevam (…) razões de conveniência e oportunidade ligadas aos valores da certeza e segurança jurídicas, que o art.º 174º evidencia no carácter relativamente curto dos prazos que comina (…). Pretende-se, ainda, exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles” [citando Manuel de Andrade (1987), pág. 446], assim como relevar o devedor da prova do cumprimento, passado muito tempo sobre o mesmo” [citando Menezes Cordeiro/Rui Ataíde (2020), pág. 687].
Acrescenta ainda a citada autora, ob. cit. pág. 878 que “em tudo o que o art.º 174º não contempla, vigora o regime geral do Código Civil – nomeadamente quanto à suspensão da prescrição (art.ºs 318º a 332º do CCiv) e quanto à sua interrupção (art.ºs 323º a 327º)”.
Cumpre aqui referir em especial que o art.º 318º, alínea d) do CC dispõe: “A prescrição não começa nem corre: (…) d) Entre as pessoas colectivas e os respectivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem; (…)”
Porém e como referem António Menezes Cordeiro/Rui Ataíde, in Tratado de direito Civil V, 3ª edição, pág. 225 a “causa de suspensão do art.º 318º, d) (…) não se aplica, hoje, às sociedades comerciais. O artigo 174º do CSC fixa regras de prescrição incompatíveis com essa suspensão – assim o n.º 1, b – que prevalecem.”
Em sentido contrário o Ac. do STJ de 1032/08.6TYLSB.L2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, citado pelo recorrente, mas que com o devido respeito não acompanhamos.
Antes acompanhamos o entendimento de António Menezes Cordeiro/Rui Ataíde na medida em que o art.º 174º, n.º 1 do CSC, que prevê a prescrição dos direitos da sociedade contra os gerentes e administradores, determina que o prazo prescricional de 5 anos se conta a partir de determinados factos objectivos, sendo que, a admitir-se a referida suspensão, perderiam razão de ser ou, para utilizar as palavras do insigne professor, seriam incompatíveis com a referida suspensão, contrariando, a regra de que a lei especial prevalece sobre a lei geral.
Aliás, tal suspensão seria contrária às razões de certeza e segurança jurídica que presidiram ao estabelecimento de um prazo curto de prescrição de 5 anos.
Quer relativamente aos direitos da sociedade (n.º 1), quer relativamente aos direitos dos sócios (n.º 2) contra os gerentes, o art.º 174º do CSC estabelece, em regra, um prazo prescricional quinquenal.
Mas, à semelhança do que dispõe o n.º 3 do art.º 498º do CC, o n.º 5 do preceito em referência dispõe que, «[s]e o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável».
A respeito do nº 3 do art.º 498º do CC referia Antunes Varela, in Das Obrigações Em Geral, I, 6ª edição, pág. 598: “Compreende-se a razão de ser da lei. Desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil”.
Importa precisar que o n.º 5 do art.º 174º do CSC não representa uma substituição do prazo prescricional quinquenal previsto nos n.ºs 1 a 4 do art.º 174º do CCS pelo prazo prescricional mais longo previsto na lei penal para o crime em que se traduzir o “facto ilícito de que resulta a obrigação”, ou seja, o prazo de prescrição não deixa de ser o estabelecido nos n.sº 1 a 4 do art.º 174º do CSC para passar a ser o que a lei penal aplicar ao crime em que se traduz o facto ilícito: apenas ocorre uma extensão ou alongamento daquele prazo prescricional.
Destarte e como já referido, manda a lógica que, em primeiro lugar, se afira se o direito está prescrito à luz do prazo prescricional regra (art.º 174º, n.ºs 1 a 4, do CSC); só no caso de se concluir que o direito está prescrito à luz do prazo quinquenal é que se passa a aferir se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituiu em abstracto crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (art.º 174º, n.º 5, do CSC) e, em caso de resposta afirmativa, se afira se o direito está prescrito.
Para que seja aplicável o prazo mais longo resultante da lei penal, o A. há-de alegar, por um lado, os factos que, uma vez provados, sejam susceptíveis de, em concreto, integrar um facto ilícito culposo, mas também e na medida em que não haja sobreposição, factos que,uma vez provados, sejam susceptíveis de, em abstracto (porque não está em causa saber se o R. praticou ou não um crime, matéria da competência exclusiva dos juízos criminais), preencher os elementos típicos objectivos e subjectivos de um ilícito penal para o qual a lei penal estabeleça um prazo de prescrição mais longo (cfr. Ac. da RP de 19/02/2024, proc. 1172/21.6T8PNF-B.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp).
Como refere Gabriela Páris Fernandes in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em geral, Universidade Católica Portuguesa, pág. 379, anotação ao artigo 498º do CC, mas aplicável dada a similitude das normas (sublinhado nosso), “o lesado que pretenda beneficiar deste prazo mais longo terá de provar que se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência, designadamente a culpa efetiva, não bastando a alegação desses factos nem a consideração de uma presunção legal de culpa”.
Note-se, a este respeito, que nas acções interpostas pela sociedade contra os gerentes nos termos do n.º 1 do art.º 72º e como resulta do inciso final do mesmo “salvo se provarem que procederam sem culpa”, vigora uma presunção de culpa dos gerentes.
E, como se refere no Ac. da RC de 28/01/2014, proc. 631/09.3TBPMS.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, mais uma vez com referência ao n.º 3 do art.º 498º, mas aqui aplicável (com sublinhado nosso), “O alongamento do prazo de prescrição constante do n.º 3 do artigo 498.º do C. Civil não exige que naquele caso concreto tenha existido um processo crime em que se tenha apurado a prática de um crime, bastando a verificação que [a] factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no art.º 498º, n.º 1, do C. Civil. Assim, mesmo arquivado o processo-crime, podem os lesados intentar a acção cível para além do prazo de 3 anos, previsto no referido n.º 1 do art.º 498º, desde que aleguem e provem nessa mesma acção que o facto ilícito invocado constitui crime, cujo prazo prescricional é superior, uma vez que o alongamento do prazo prescricional radica na especial qualidade do ilícito e não na circunstância de se demonstrar, em sede penal, o respectivo crime, sendo suficiente para a dedução da acção cível que o facto ilícito constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeito a um prazo mais longo que o previsto para aquela, não estando subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, pelos mesmos factos.”
Ainda no sentido de que “para a verificação [do alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498º do Código Civil], é necessário que se alegue e prove na ação cível que os factos que são imputados ao réu integram, em abstrato, determinado tipo criminal” o Ac. desta RR de 23/03/2023, proc. 2754/22.4T8BRG-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg.
No domínio do art.º 498º, n.º 3 do CC tem sido colocada uma questão que é a de saber desde quando se conta o prazo prescricional quando estiver pendente processo penal, questão que o STJ (cfr. a título exemplificativo o Ac. do STJ de 12/12/2023, processo 858/19.0T8EVR.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, com recensão de jurisprudência), tem respondido da seguinte forma:
- o art.º 323º, n.º 1 (“A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”) e n.º 4 (“É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”) do CC tem de ser articulado com o art.º 71º do Código de Processo Penal (“O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.” e que são os previstos no art.º 72º );
- daí resultando que, considerando o princípio da adesão consagrado no art.º 71º do CPP, a pendência do processo crime (que seja temporária ou transitoriamente impeditiva da propositura da acção de indemnização civil em separado nos tribunais cíveis) representa uma interrupção contínua ou continuada (art.º 323º, n.ºs 1 e 4 do CC) (cfr. a título exemplificativo Ac. do STJ de 22/05/2023, proc. 2024/05.2TBAGD.C1.C1, consultável in www.dgsi.pt/jst) do prazo de prescrição, interrupção que persiste enquanto se mantiver pendente tal processo, ou seja, até à dedução de acusação ou prolação de despacho de arquivamento;
- por outro lado, o art.º 72º do CPP prevê um conjunto de situações em que é possível a dedução do pedido de indemnização civil em separado, consagrando assim uma faculdade, uma opção, que seria anulada ou, como se diz no Ac. do STJ de 13/10/2009, processo 206/09.7YFLSB consultável in www.dgsi.pt/jstj, seria “inviabilizada em muitos casos se a pendência do inquérito não impedisse o início do decurso do prazo de prescrição (art. 306.º, n.º 1, do CC) implicando entendimento contrário desrespeito do princípio da adesão contemplado no art. 71.º do CPP.”;
- e assim sendo e como se observa no Ac. do STJ de 22/05/2018, processo 2565/16.6T8PTM.E1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, “assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado, «não se podendo considerar que o direito à indemnização tem de ser exercido apenas porque se lhe abriu a faculdade de accionar civilmente em separado». Acompanhamos, pois, a doutrina daquele acórdão de 13-10-2009: «A não ser assim, converter-se-ia uma faculdade num ónus, impondo-se, por via interpretativa, uma sanção que a lei não quis impor, não se vislumbrando na lei que o efeito interruptivo decorrente do procedimento criminal instaurado cesse logo que ocorra a possibilidade de ser demandado o responsável civil em separado». 6.1.3. Processualmente
A invocação da prescrição em processo judicial constitui numa excepção peremptória (art.ºs 576.º, n.º 3 e 579.º, ambos do CPC) e o seu conhecimento no mesmo âmbito, traduz-se numa decisão de mérito (cfr. parte final do n.º 3 do art.º 595º do CPC).
Quanto ao seu conhecimento no saneador, dispõe a alínea b) do n.º 1 do art.º 595º do CPC que o despacho saneador destina-se a: b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Tendo em consideração o afirmado por Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 3ª Edição, pág. 298-306, máxime, 300-301, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 721-722 e Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 238-239, pode afirmar-se que o tribunal pode conhecer da excepção peremptória de prescrição no despacho saneador quando:
a) Toda a matéria de facto relevante para julgar procedente a excepção de prescrição, esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento, restando apenas o enquadramento jurídico, situação em que é inviável a elaboração de temas da prova e, em função disso, a realização da audiência;
b) Os factos alegados e provados forem insuficientes ou inócuos para julgar procedente a prescrição e assim permaneçam, no primeiro caso, após prolação de despacho de aperfeiçoamento nos termos do n.º 4 do art.º 590º do CPC, determinando, assim, a sua improcedência;
c) Todos os factos controvertidos careçam de prova documental que não estando junta, a parte tenha sido convidada a juntar e, tratando-se de prova documental ad substantiam (se for ad probationem pode ser substituída confissão judicial, mediante depoimento de parte a prestar na audiência final);
d) E quando esteja em causa a invocação de um prazo de prescrição mais longo (cfr. art.º 174º, n.º 5 do CSC) por o facto ilícito constituir crime e se aplicar, assim, o prazo prescricional da lei penal, se aquele que pretende beneficiar de tal prazo não invocar todos os factos que, uma vez provados, permitam dar como preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência, o tribunal poderá decidir logo da não aplicação de tal prazo.
6.2. Em concreto 6.2.1. Do sujeito activo e do direito exercido
Impõe-se, em primeiro lugar, clarificar quem exerce direitos nos autos e que direitos exerce, pois a prescrição tem sempre por referencial um determinado direito.
É que face às vicissitudes dos autos, não é manifestamente claro quem é parte activa na acção.
Vejamos.
A petição inicial original foi apresentada figurando nela como A. AA, na qualidade de sócio da sociedade EMP01..., Ldª. e como RR. AA e a referida EMP01....
E pedia-se:
a) a condenação do 1.º Réu a proceder ao reembolso dos montantes transacionados provenientes da conta da 2.ª Ré;
b) o decretamento da destituição judicial com justa causa dos órgãos sociais da 2.ª Ré concretamente do 1.º Réu, das funções de gerente, fundamentada nos artigos 10.º a 49.º da petição inicial, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais;
c) a condenação do 1.º Réu a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
A Ré foi citada a 10/01/2023, conforme cópia do AR junto ao PE a 24/01/2023 e não contestou.
Entretanto na sequência do despacho de 06/03/2023, a 20/03/2023 o A. AA apresentou nova petição inicial com as seguintes modificações relativamente à petição inicial original:
- deixou de constar como R. a EMP01..., Ldª;
- manteve-se o pedido deduzido sob a alínea a) da petição inicial original, deixando, no entanto, de constar na parte final as expressões da “2ª Ré“, para passar a constar “da identificada sociedade”;
- deixou de constar o pedido constante da alínea b) do petitório inicial – b) seja decretada a destituição judicial com justa causa dos órgãos sociais da 2.ª Ré concretamente do 1.º Réu, das funções de gerente, fundamentada nos artigos 10.º a 49.º da petição inicial, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais;
- passou constar sob a alínea b) o pedido antes deduzido sob a alínea c).
A 25/10/2023, mediante formulário apresentado pelo Ilustre Mandatário do A. (em que consta que o requerimento seria também subscrito pelo Ilustre mandatário do R., o que nunca sucedeu), foi apresentado requerimento em que consta: “(…) 1. O Autor, desiste do pedido formulado na alínea b) da sua petição inicial aperfeiçoada apresentada em 20/03/2023, no qual consta o seguinte: “Condenar-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”. (…) 3. Mais esclarece o Autor, que na parte referente à identificação do Autor da sua petição inicial, onde consta “AA”, o mesmo pretendia dizer “AA, por si, e em representação da sociedade EMP01..., Lda.”. 4. E, no pedido deduzido na alínea a), onde consta “a) Condenar-se o Réu a proceder ao reembolso dos montantes transacionados da conta da identificada sociedade”, pretendia dizer, “a) Condenar-se o Réu a proceder ao reembolso à sociedade EMP01..., Lda. dos montantes transacionados da conta da identificada sociedade”. (…)”
No despacho de 11/01/2024, proferido pelo J ... do Juízo Central Cível de Braga considerou-se que parte activa na acção era o A. AA como resulta das seguintes afirmações: (…) Ora, como facilmente se percebe a presente acção mais não é que o exercício pelo A., sócio da sociedade EMP01..., Lda., e enquanto tal, - atente-se que demanda por si em primeira linha, e atenta a sua qualidade de sócio, - do direito de reaver para a sociedade, montantes alegadamente embolsados pelo R., em proveito próprio, no exercício da sua qualidade de gerente da sociedade, em claro prejuízo da sociedade, e reflexamente do A., enquanto sócio da mesma. (…) acção social ut singuli, considerada de natureza sub-rogatória oblíqua (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2008), corresponde, nos termos da própria lei (art. 77.º, n.º 2, do CSC), ao exercício de um “direito social”. (…) atenta a condição de sócio e legal representante da sociedade do aqui A., o pedido e causa de pedir da acção, estamos inequivocamente, perante exercício de direitos sociais pelo aqui A. (…)”
Por outro lado, na decisão recorrida considerou-se: Da exceção de ilegitimidade ativa O R veio invocar a falta de legitimidade ativa do A para interpor a ação sem a sociedade. Contudo, o A veio, a convite, aperfeiçoar o seu articulado fazendo intervir a sociedade por si representada, sanado assim a falta de legitimidade ativa.
Estamos, assim, perante uma acção integrável no art.º 77º do CSC (tanto mais que não foi alegado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 75º, n.º 1 do CSC, que a sociedade tenha deliberado propor acção contra o R.), a qual, como já ficou visto em sede de enquadramento jurídico, se integra no n.º 1 do art.º 174º do CSC. 6.2.2. Da prescrição
O R. contestou a petição inicial original, invocando a prescrição quinquenal prevista no art.º 174º do CSC, e, aquando da apresentação da nova petição inicial deu por reproduzida tal contestação.
O A. respondeu, invocando que decorreu o processo crime que identifica, que teve origem em queixa apresentada pelo A. em 2017, sendo arguido o R., processo que foi arquivado por despacho proferido a 07/03/2021; foi requerida a abertura de instrução, não admitida; foi interposto recurso do despacho de não admissão; o prazo de ressarcimento dos danos alegados e peticionados na petição inicial retomou a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão da Relação de 09/05/2022; a petição inicial foi apresentada a 14/11/2022, decorridos seis meses após o trânsito em julgado da decisão que encerrou definitivamente o processo crime, não tendo decorrido o prazo para o A. acionar judicialmente o R.; em tudo o que o art.º 174º do CSC não regula aplica-se o disposto no CC, nomeadamente o disposto no art.º 318º, alínea d) do CC, relativo à suspensão; os factos em causa nos autos constituem ilícito criminal, nomeadamente o crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.º 205º n.º 1 e 4, al. b) do CPenal, determinando o art.º 118º, n.º 1 al. b) o prazo de prescrição de 10 anos para este tipo criminal.
No caso dos autos estamos única e exclusivamente a trabalhar sobre os factos alegados na petição inicial.
E o que é alegado é que entre 02/04/214 e 06/10/2015 o R. procedeu à transferência das quantias que se indica num total de € 38.370,42 da conta da sociedade EMP01... para a sua conta pessoal; entre 08/01/2014 e 19/10/2015 procedeu à transferência para a conta poupança associada das quantias que se indica num total de € 84.000,00, sendo que tal conta se manteve quase sempre a zero euros e entre 31/12/2014 e 06/10/2015 procedeu à transferência as quantias que também se indica, num total de € 44.000,00, para a sociedade EMP02... com quem não tinha ou tem qualquer vínculo profissional e a quem não prestou qualquer serviço; o R. apropriou-se dos referidos montantes, apenas tendo contemplado os interesses
Nos termos do disposto da alínea b) do n.º 1 do art.º 174º do CSC e, no que releva, os direitos da sociedade contra os gerentes prescrevem no prazo de 5 anos, contados a partir do termo da conduta dolosa ou culposa do gerente e da produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade.
Tendo em consideração a factualidade alegada, o direito de acção deveria ser exercido
- até ../../2020 no que respeita à transferências das quantias no total de € 38.370,42;
- até ../../2020 no que respeita à transferência das quantias no total de € 84.000,00;
- até ../../2020 no que respeita à transferência das quantias d num total de € 44.000,00.
A presente acção foi proposta a 14/11/2022, pelo que em principio o direito de acção estaria prescrito à luz do prazo prescricional quinquenal previsto no n.º 1 do art.º 174º do CSC quanto a todas as referidas quantias.
Mas o A. alegou que o prazo prescricional se suspendeu nos termos do art.º 318º, alínea d) do CC.
Já em sede de enquadramento jurídico deixámos dito – e aqui se renova – que a causa de suspensão ali prevista não se aplica no âmbito das sociedades comerciais por incompatível com o disposto no art.º 174º do CSC.
Alegou ainda que o mesmo se interrompeu com a apresentação da queixa.
Está provado que:
- A 26/03/2021 e no âmbito do Inquérito 122/18.... o aí arguido e aqui R. foi notificado, na pessoa do seu Ilustre mandatário, do despacho de arquivamento proferido em tal processo a 07/03/2021 e anexo à referida notificação.
- O referido despacho de arquivamento tem o seguinte teor, na parte que releva: “Os presentes autos de inquérito tiverem início com a denúncia de fls. 4 a 6, onde AA manifestou intenção de proceder criminalmente contra AA, porquanto constituiu uma sociedade com o denunciado, denominada “EMP01..., Ldª” e, após desentendimentos com o mesmo que motivaram a instauração do processo n.º 10466/15.... que correu termos no juízo do comércio de VNF, J..., apercebeu-se que o denunciado, entre 2014 e 2015, efectuou transferências das contas da sociedade para as suas contas pessoais, sem qualquer justificação. Assim, verificou que entre 02/10/2014 e 06/10/2015 o denunciado transferiu € 38 370,42 da conta da sociedade para a sua conta pessoal; entre 08/01/2014 e 19/10/2015, o denunciado transferiu € 84 000,00 da conta poupança da sociedade para a sua conta pessoal; e entre 31/12/2014 e 06/10/2015, o denunciado transferiu € 44 000,00da conta da sociedade para a conta da sociedade “EMP02...”, com a qual a sociedade não tem ou não teve qualquer vinculo profissional. (…) Tais factos seriam, eventualmente, suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.º 205º, n.º 1 e 4, al. b) do Código Penal. (…) Pelo exposto, e não dispondo os autos de elementos de facto que permitam imputar ao arguido, factos consubstanciadores da prática de qualquer crime, designadamente, do crime de abuso de confiança, por carência de indícios (…) determino, nos termos do artigo 277º, n.º 2 do Código de Processo penal, o arquivamento do presente inquérito. (…)”
Não está provada de forma directa e expressa a data em que o aqui A. AA apresentou queixa.
Mas essa data resulta indirectamente do número do inquérito: n.º 122/18.....
Como é de todos conhecido, o número anterior à barra de divisão / significa o n.º do processo e o número posterior à dita barra é o do ano em que o processo foi instaurado.
Em face daquele número, pode afirmar-se que o processo de inquérito foi instaurado em 2018, pelo que a denúncia a que se refere o despacho de arquivamento foi apresentada nesse ano.
Tendo em consideração a data dos factos imputados ao R. – 2014-2015 – em 2018 ainda não tinham decorrido os 5 anos.
Ficou dito em sede de enquadramento jurídico que considerando o princípio da adesão consagrado no art.º 71º do CPP, a pendência do processo crime (que seja temporária ou transitoriamente impeditiva da propositura da acção de indemnização civil em separado nos tribunais cíveis) representa uma interrupção contínua ou continuada (art.º 323º, n.ºs 1 e 4 do CC) do prazo de prescrição, interrupção que persiste enquanto se mantiver pendente tal processo, ou seja, até à dedução de acusação, prolação de despacho de arquivamento ou despacho de pronúncia ou não pronúncia se for requerida a abertura de instrução.
No caso o despacho de arquivamento foi proferido a 07/03/2021.
Contando-se a partir daí, de novo, o prazo prescricional quinquenal, temos que a acção poderia ser proposta até ../../2026.
Tendo proposto a acção a 14/11/2022 é patente e manifesto não ter decorrido o referido quinquénio, pelo que a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada, com o prosseguimento dos autos.
E, deste modo, fica prejudicada a apreciação da questão de saber se a factualidade alegada é susceptível de, em abstracto, constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo. 6.3. Custas Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que: 1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
O recorrente obteve vencimento, sendo vencido o recorrido, pelo que é este responsável pelas custas.
7. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente e em consequência revogar a mesma, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas da apelação pelo recorrido.
Notifique-se
*
Guimarães, 08/05/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
Alexandra Maria Viana Parente Lopes