Sumário:
I. Não ocorre nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, porque os factos objectivos resultantes do registo predial ou de escritura pública devem figurar como factos provados, independentemente da sua alegada incompatibilidade, tratando-se de matéria a ser apreciada no enquadramento jurídico.
II. Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porque a invalidade suscitada nos autos pela Autora no seu articulado superveniente foi efectivamente apreciada e decidida, não se podendo confundir omissão de pronúncia com uma fundamentação insuficiente ou incorrecta, questões estas que pertencem ao nível da reapreciação jurídica da causa.
III. Se os Réus não invocaram a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio descrito no ponto 4, nem em reconvenção nem por via de excepção, considerando que a aquisição por usucapião do direito real não é automática, não podendo o tribunal supri-la oficiosamente (cfr. art.º 303.º, ex vi art.º 1292.º, do Código Civil), os factos dados como provados no ponto 26 não poderiam ser considerados na decisão de facto porque são factos principais ou essenciais e não meramente complementares ou concretizadores de factos essenciais, nem são factos meramente instrumentais – ocorrendo assim nulidade parcial da sentença por excesso de pronúncia, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC,
IV. A referida nulidade parcial da decisão não determina a baixa dos autos à 1ª instância, pois cabe ao tribunal ad quem, no exercício dos seus poderes de substituição, suprir essa nulidade, devendo apenas ser retirado da decisão proferida o segmento anulado da mesma (ponto 26 dos factos provados), e não se levar em consideração tal segmento na apreciação das restantes questões colocadas em sede de enquadramento jurídico.
V. Não deve ser tida em conta a impugnação da matéria de facto quando é irrelevante para a decisão.
VI. Ao instaurar a acção de simples apreciação negativa o autor tem de alegar o direito que pretende que seja declarado inexistente, isto é, o direito de que o réu se arroga titular e que tem o autor no polo passivo, na posição de devedor ou obrigado, bem como, tem ainda de fundamentar o seu interesse processual na instauração da acção e no caso de direitos reais, o putativo titular de um direito real sobre uma coisa pode instaurar acção contra quem se arroga titular de um direito real conflituante sobre essa mesma coisa, visando a declaração da inexistência desse direito, competindo-lhe alegar a correspondente causa de pedir: factos dos quais resulte a titularidade de um direito sobre a coisa e a incerteza jurídica criada pela parte demandada, com o consequente pedido de declaração da inexistência desse direito conflituante.
VII. No caso concreto, quanto ao primeiro pedido de apreciação negativa, não existe qualquer conflito relativamente ao direito de propriedade dos Réus, porque a Autora não alegou ser titular de qualquer direito real conflituante sobre o prédio onde habitam os Réus nem que estes se arrogam proprietários do prédio da Autora, não se verificando assim os necessários pressupostos para apreciação da existência ou não do direito de propriedade dos 1.º e 2.º Réus.
VIII. E quanto ao segundo pedido de apreciação negativa, para a Autora poder obter o reconhecimento de que os Réus não têm direito de utilizar o hall de entrada e porta de acesso à Rua 1, teria de provar ser proprietária desse mesmo espaço, o que não logrou fazer.
Apelação n.º 276/20.7T8VRS.E1
(1.ª Secção Cível)
Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto
2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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I. RELATÓRIO
Ação Declarativa, Processo Comum
1. As partes:
Autora/Recorrente – AA
Réus/Recorridos:
1. BB
2. CC
3. DD
4. EE
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2. Objecto do litígio:
– Declaração de que o 1.º e o 2.º Réus não são proprietários do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1675, da freguesia de Local 11, alegando essencialmente que estes se limitaram a comprar o domínio útil de parte do prédio e ficaram expressamente advertidos de que não poderiam proceder ao registo definitivo da aquisição sem que previamente o prédio fosse registado a titulo definitivo a favor dos vendedores;
– Declaração de inexistência de qualquer servidão a favor dos Réus, ou qualquer direito destes, seja de que natureza for, de passagem ou de acesso ao prédio através da Rua1, n.º 1, em Local 1, alegando sinteticamente que o acesso da via pública à residência dos 1.º e 2.º Réus sempre foi feito através de uma porta de entrada sita na Travessa 2, n.º 2, em Local 1 e depois desta ter sido voluntariamente substituída por uma janela, passou a fazer-se pela porta existente na Rua 2, n.º 1, na mesma localidade e que só aproveitando-se da ausência da Autora no estrangeiro é que os Réus passaram a utilizar a porta da entrada e o acesso sito na Rua 1, n.º 1, em Local 1, o que fizeram sem o consentimento da Autora;
– Condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais e de €3.000,00 a título de danos não patrimoniais causados àquela pela alegada conduta ilícita dos Réus.
Em contraponto, na sua Contestação, os Réus impugnaram no essencial os factos invocados pela Autora.
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3. Dispositivo da Sentença em Primeira Instância:
«Pelo exposto e de acordo com os fundamentos legais invocados, julga-se a presente acção declarativa totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus BB, DD e EE dos pedidos contra si formulados pela Autora AA.
Mais, julga-se o incidente de litigância de má-fé improcedente e consequentemente absolve-se a Autora AA do mesmo.».
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4. Objecto do recurso de apelação.
A Recorrente/Autora interpôs recurso de apelação da sentença pedindo o seguinte:
«a) ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos supra preconizados por erro de julgamento;
b) serem conhecidas as invalidades, nulidades e violações suscitadas, anulando-se o registo predial feito.
c) revogar-se a sentença proferida e declarar-se que os réus não são proprietários do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1675, da freguesia de Local 1 e que inexiste qualquer servidão a favor dos réus, ou qualquer direito destes, seja de que natureza for, de passagem ou de acesso ao prédio através da Rua 1, n.º 1, em Local 1, por ser da mais elementar JUSTIÇA.».
E formulou as seguintes conclusões [transcrição]:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, por erro de julgamento e por violação de lei ordinária e constitucional. Além disso, e s.m.o., a sentença padece de vícios previstos no art. 615º, n. 1, do CPC, sendo por isso nula.
B. Os RR. não deduziram reconvenção nem invocaram a figura da usucapião, única forma possível de contrapor à simples apreciação negativa em matéria probatória, até porque (i) o registo do respectivo prédio foi feito sem que o mesmo estivesse previamente inscrito e a título definitivo a favor dos vendedores do domínio útil, desconhecendo-se se eram os verdadeiros e únicos proprietários de prédio, e (ii) porque o diploma invocado pelos réus padece de inconstitucionalidade e é materialmente inaplicável.
C. Tribunal da Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto quando a prova produzida impuser uma solução diversa. Em nossa modesta opinião é esse o caso.
D. Na verdade, quanto ao ponto 8. da fundamentação de facto, o tribunal “a quo” dá por adquirido que o acesso da via pública ao prédio urbano descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 1, em Local 1, ainda que não exclusivamente, já que também se fazia através de uma porta de entrada existente na cozinha que dá para a Rua 2, na mesma localidade. E acrescenta no ponto 10. da fundamentação de facto que em data não concretamente apurada, os Réus, por sua iniciativa, decidiram substituir uma porta de acesso à via pública que existia na parede que dava para a Travessa 2, em Local 1, por uma janela.
E. Ou seja, o tribunal “a quo” entendeu que os RR. tinham 3 acessos ao seu prédio enquanto a A. tinha um único acesso - através da Rua 1 (cfr. ponto 3 da matéria de facto).
F. É certo que os RR., sendo de Local 1 e reunindo aí e daí uma roda de familiares e amigos, conseguiram a produção de depoimentos segundo os quais os RR. sempre usaram, ainda que de forma não exclusiva, o acesso pela Rua 1.
G. Diferentemente, as duas testemunhas que a A. arrolou e residentes desde sempre em Local 1, nunca compareceram, uma porque estava sempre doente, e outra porque se furtava ao recebimento das notificações que lhe foram dirigidas. Mas essas ausências são em si sintomáticas - antes faltar que mentir.
H. Contudo, há que recolher apoio noutras circunstâncias susceptíveis de abalar a veracidade dos depoimentos das testemunhas dos RR., ora recorridos.
I. Desde logo o depoimento de parte do R. DD, a que se associa o da testemunha FF e ainda de GG, transcritos no ponto III supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
J. 2
K. 3
L. R. toma uma posição que deve ser reconhecida como uma confissão, ao referir que não se lembrava se na porta do seu prédio que dá para o hall de entrada que dá acesso pela Rua 1 existia um móvel a bloquear interiormente essa porta
M. Trata-se de um facto de conhecimento pessoal e por isso a declaração de que não se lembra equivale a uma confissão (cfr. a regra do art. 574.º, n. 3 do CPC, aqui aplicável).
N. Mas o que perpassa do respectivo depoimento, aliado a outras passagens, dando-se aqui todas por reproduzidas, é que os RR. faziam toda a sua vida no piso superior da casa, e daí que nessa parte o prédio tenha sofrido várias obras de ampliação ao longo dos tempos (vide foto superior do doc. 2 junto pelos RR. com a contestação, onde se pode observar a existência de uma habitação ocupando quase todo o perímetro da parte superior do prédio, com um largo terraço na frente e ainda os esboços de obras que terão empreendido em 1966, nesse piso superior).
O. Segundo o registado pela Mma. Juíza “a quo” na pág. 17 da sentença, a testemunha dos RR., FF, recordava-se que todas as portas davam para o hall de entrada e tinham chave e que para passar dos quartos para a sala, era preciso passar pelo dito hall de entrada. Fácil é perceber que, se para sair dos quartos para a cozinha (e sala e wc) os residentes tinham que passar pelo hall, então esse hall tinha e tem um uso exclusivamente afecto ao prédio da A..
P. E não surpreende que, como resulta do acima transcrito, se afirme no ponto 11. da fundamentação de facto, nunca ter havido qualquer disputa quanto ao acesso à via pública situado na Rua 1. É que nem a A. nem a sua família permaneciam muito tempo em Local 1. E na sua ausência tudo seria possível, até porque, como a sentença também exara na motivação da matéria de facto, os RR., CC e BB tinham as chaves da casa da A. e cuidavam da mesma, tratando da limpeza e da caiação, e por isso era natural que tivessem a chave da porta situada na Rua 1.
Q. Por outro lado, o contador de electricidade é por norma colocado no exterior do acesso principal da casa do consumidor, assim sendo identificado o CPE (código de ponto de entrega).
O dos RR. está colocado na Tv. 2, conforme consta do ponto 9. e o da A. na Rua 1 (cfr. ponto 25. da matéria de facto).
R. O conjunto destas circunstâncias permite concluir que o acesso a partir da Rua 1, n. 1, era exclusivo da A. e sua família.
S. Donde dever levar-se à matéria dada como provada o que consta das alíneas b), g) e h) dos factos não provados e, correlativamente, o ponto 8. dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: 8. O acesso da via pública ao prédio urbano dos Réus descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 2, em Local 1.
T. Por sua vez, também o constante da alínea d) dos factos não provados deve ser remetido para os factos provados. Entendeu o tribunal “a quo” que não se produziu qualquer prova, o que não é verdade. O R. DD no seu depoimento supra transcrito e aqui dado por reproduzido, confessa-o de modo inequívoco
U. A Mma. Juíza “a quo” não apreciou essa matéria, ainda que à luz do estatuído no art. 361.º do CC, o que constitui uma nulidade de sentença.
V. O tribunal “a quo” incorre numa contradição entre os fundamentos e o decidido nos pontos 6, por um lado, e 4 e 5, por outro, tornando a decisão ininteligível, além de que omite a apreciação de uma nulidade suscitada nos autos pela A. no seu articulado superveniente, tingindo de nulidade a sentença, o que se argui, à luz do disposto no art. 615º/1, c) e d) do CPC.
W. Na verdade, não se pode dizer que os RR. são proprietários do prédio identificado no ponto 4. da fundamentação de facto, adquirido por escritura de compra e venda, não desse prédio mas do seu domínio útil, ao mesmo tempo que no ponto 6. se adverte que essa aquisição não poderia ser levada a registo definitivo sem que o prédio se achasse definitivamente inscrito a favor dos vendedores.
X. A razão dessa exigência decorria do facto de tal escritura ter sido celebrada sem a certeza de que os vendedores pudessem ser os únicos e efectivos proprietários, já que o registo a seu favor não estava feito. E por não estar feito não se poderia presumir a propriedade.
Y. Ou seja, enquanto o registo definitivo não estivesse feito em nome de todos os titulares do domínio directo, não poderiam os RR. BB e CC arrogar-se donos perpétuos do domínio útil.
Z. É certo que os RR. juntaram uma certidão do registo predial referente a tal prédio – cfr. requerimento dos RR. com a ref.ª 39790439, de 09-09-2021.
AA. Mas os RR. não poderiam ter a propriedade registada em seu nome porque, ainda no domínio da vigência da figura jurídica da enfiteuse, se limitaram a comprar o domínio útil do prédio e ficaram expressamente advertidos de que não poderiam proceder ao registo definitivo da aquisição sem que previamente o prédio fosse registado a título definitivo a favor dos vendedores (cfr. certidão da escritura de compra e venda que se juntou em 20.04.2023 como doc. 1 do requerimento com a ref.ª 45362955 do mandatário).
BB. Estranhamente, foi essa escritura que serviu de base ao registo do prédio em nome dos 1.º e 2.º RR. (cfr. doc. 2 do mesmo requerimento).
CC. Esse registo orçou em PTE 5.320,00 (cinco mil trezentos e vinte escudos) o que indica que não foi feito a coberto do DL 233/76 de 2 de abril – que impunha, nos casos aplicáveis, o registo oficioso e gratuito (cfr. art. 5.º desse diploma, com a redacção dada pelo DL 335/84 de 18 de outubro).
DD. E apesar da advertência expressamente feita nesse sentido pela Notária na escritura em causa, de 14/06/1963, o registo foi lavrado sem que a propriedade tivesse sido inscrita previamente e a título definitivo a favor dos transmitentes do domínio útil.
EE. Mais, fez-se constar da requisição de registo que o prédio estava omisso, mas não se cumpriu a exigência que a escritura documentava e que obrigaria ao tal registo prévio em nome dos transmitentes.
FF. E estando declaradamente omisso, é incoerente a conclusão levada à alínea e) dos factos não provados, segundo a qual não se provou que a aquisição do prédio urbano descrito em 4) nunca tenha sido registada a título definitivo a favor dos vendedores outorgantes da escritura pública referida em 5).
GG. Nunca foi registado em nome dos vendedores, pelo que não faz sentido as considerações da Mma. Juíza “a quo” de que competia à A. provar o trato sucessivo ou a sua inexistência, presume-se.
HH. Em primeiro lugar, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, essa prova competia aos RR..
II. Em segundo lugar, a prova está afinal feita na própria requisição de registo, não só pela menção expressa de omisso constante da mesma como também pelo facto de a descrição ter data da apresentação do registo – 11 de abril de 1995, cfr. doc. 4 junto com o requerimento dos RR. de 09-09-2021 (sua ref.ª 39790439).
JJ. Aliás, como se verifica do doc. 2, nenhuma observação é feita a esse respeito na requisição de registo, nem nenhuma declaração complementar é prestada em esclarecimento da situação, e também nada se consignou na própria inscrição registal.
KK. Entretanto tendo sido revogada a figura da enfiteuse, competia ao Conservador promover a regularização do trato sucessivo - dado que não desconhecia a exigência de se apurar em definitivo a titularidade anterior do prédio e a qualidade em que possuíam, pois essa exigência resulta da escritura levada a registo.
LL. O Conservador não justifica, mínima e legalmente, o registo feito, omitindo em absoluto que a escritura exarava simplesmente a aquisição do domínio útil do prédio ou justificando como poderia exarar uma inscrição na base da extinção da enfiteuse, quando lhe competia actualizar oficiosamente registos previamente feitos – não registos “ex novo”.
MM. O art. 5.º do DL 233/76 é claro: “O registo predial será actualizado...”.
NN. Esse registo constitui pois uma inexistência jurídica, por absoluta falta de título, um vício que expressamente se arguiu e argui (arts. 14.º e 15.º do Código do Registo Predial).
OO. Caso se entenda que a situação configurada se inscreve na previsão legal das alíneas b) e e) do art. 16.º do mesmo código, isso significaria que o registo sempre seria nulo, o que subsidiariamente se argui.
PP. Tratando-se de um registo inexistente ou nulo, daí decorre que está posta em crise a titularidade invocada pelos citados réus, com as legais consequências.
QQ. De harmonia com o art. 608.º, n. 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. O tribunal “a quo” não conheceu da nulidade suscitada e enredou-se em contradições fatais na sentença.
RR. Mas a sentença padece ainda de outra nulidade, qual seja a de excesso de pronúncia.
SS. Na verdade, não tendo os RR. reconvindo nem convocado a figura da usucapião, nem sequer o direito de passagem, perdendo assim em definitivo a possibilidade de o fazerem, não faz qualquer sentido inscrever como matéria provada o aduzido sob o ponto 26, porque pressupõe a invocação desses requisitos da usucapião.
TT. Não tendo sido invocada a figura, não pode o tribunal “a quo” substituir-se à parte na superação dessa omissão. Ao fazê-lo excede a pronúncia, conhecendo de matéria de que não podia tomar conhecimento, afectando de nulidade a sentença, o que se argui (art. 615º/1, d) do CPC).
UU. Entendeu o tribunal recorrido ser aplicável à situação vertente o disposto no DL 233/76 de 2 de abril. Mas discordamos em absoluto dessa conclusão.
VV. Desde logo porque o diploma citado pelos RR. em que investe o enfiteuta na titularidade do direito de propriedade do imóvel é, em si, inconstitucional porque promove a ablação da propriedade sem qualquer contrapartida. Trata-se de uma expropriação.
WW. De harmonia com o art. 62.º da CRepP, no n. 1, a “... todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”. E no n. 2 a “ requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.”
XX. Os RR. não provam e muito menos alegam ter pago qualquer indemnização, o que reforça a desproporção introduzida por tal decreto lei.
YY. Por outro lado, não tendo aquele diploma credências constitucionais, porque publicado anteriormente à aprovação e vigência da Lei fundamental, subordina-se ao disposto no n. 2 do art. 290.º da CRepP, que reza o seguinte: “O direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados.” No caso, é contrário.
ZZ. Por seu turno, o prédio não foi objecto de registo à data da publicação daquele diploma, nem à data da última alteração que lhe foi introduzida.
AAA. A A. impugnou o registo de aquisição uma vez que, repete-se, os RR. não poderiam ter a propriedade registada em seu nome porque, ainda no domínio da vigência da figura jurídica da enfiteuse, se limitaram a comprar o domínio útil do prédio e ficaram expressamente advertidos de que não poderiam proceder ao registo definitivo da aquisição sem que previamente o prédio fosse registado a título definitivo a favor dos vendedores.
BBB. A figura da enfiteuse pressupõe a existência de um senhorio ou titular do domínio directo e um enfiteuta ou titular do domínio útil. Inexistindo senhorio inexiste enfiteuse, não podendo por isso os RR. prevalecer-se do diploma.
CCC. Tendo sido revogada a figura da enfiteuse, competia ao Conservador promover a regularização do trato sucessivo, dado que não desconhecia a titularidade anterior do prédio e a qualidade em que possuíam, pois isso resulta da escritura levada a registo.
DDD. O Conservador não justifica, mínima e legalmente, o registo feito, omitindo em absoluto que a escritura exarava simplesmente a aquisição do domínio útil do prédio.
EEE. Daí que o DL 233/76 de 2 de abril deva ser julgado inconstitucional, também quando interpretado com o sentido, alcance e termos feitos pelo tribunal “a quo” e com os resultados práticos verificados, por violação dos arts. 2.º, 3.º, 13.º, 20.º, 62.º/2, 202.º/2 e 290.º/2 da CRepP, na medida em que ofende a tutela efectiva dos direitos de propriedade, e os princípios da adequação, da proporcionalidade e da protecção da confiança.».
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5. Resposta
Os Recorridos/Réus apresentaram contra-alegações defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
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6. Questões a decidir:
6.1. – Nulidades da sentença;
6.2. – Impugnação da decisão da matéria de facto do ponto 8 e das alíneas b), d), g), h);
6.3. – Reapreciação jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida, destacando-se os factos objecto de dissenso da Recorrente/Autora:
«A) Factos provados:
1. Pela Ap. 1279 de 06.08.2015, foi registada a aquisição, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, a favor da Autora AA, viúva, de HH, solteira, II, divorciada e JJ, casado com KK, sob o regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano sito em Rua 1, n.º 1, em Local 1, destinado à habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 38 da freguesia de Local 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 358/19901107.
2. A Autora e o seu falecido marido, LL, adquiriram o prédio urbano descrito em 1) através de escritura pública de compra e venda outorgada em 22.01.1976, no Cartório Notarial de ..., pelo preço de 31.000$00 (trinta e um mil escudos), o qual, à data, se encontrava inscrito na matriz predial sob o artigo 57 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9066.
3. O acesso da Autora da via pública ao seu imóvel sempre foi feito e continua hoje a fazer-se, de forma exclusiva, pela entrada existente na Rua 1 n.º 1, em Local 1.
4. Pela Ap. 2 de 11.04.1995, foi registada a aquisição, por compra, a favor dos Réus CC e BB, casados entre si sob o regime da comunhão geral de bens, do prédio urbano, sito na Rua 1, freguesia e concelho de Local 1, composto por casa de habitação, r/c com 3 compartimentos e corredor, 1º andar com vários compartimentos, com 92 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1675 da freguesia de Local 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 1761/19950411.
5. Os Réus CC e seu marido BB, adquiriram, por escritura pública de compra e venda de prédio enfiteutico, datada de 14.06.1963, pelo preço de 29.000$00 (vinte e nove mil escudos), o domínio útil do prédio urbano descrito em 4).
6. Na mesma escritura pública, preveniu o Notário os outorgantes de que esse acto de compra e venda supra referido não podia ser submetido a registo definitivo, sem que o prédio vendido se encontrasse definitivamente inscrito a favor dos vendedores.
7. O prédio urbano descrito em 1) e o prédio urbano descrito em 4) situam-se no mesmo edifício, “a paredes-meias”, sendo que não estão constituídos em propriedade horizontal.
8. O acesso da via pública ao prédio urbano dos Réus descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 1, em Local 1, ainda que não exclusivamente, já que também se fazia através de uma porta de entrada existente na cozinha que dá para a Rua 2, na mesma localidade.
9. O contador da electricidade do prédio urbano dos Réus descrito em 4) está situado, pelo menos desde 20.11.2015, na Travessa 2, n.º 2, em Local 1, sendo que a morada indicada pelo Réu BB no contrato celebrado com a EDP Comercial para a entrega de correspondência é a Rua 2, n.º 2, em Local 1.
10. Em data não concretamente apurada, os Réus, por sua iniciativa, decidiram substituir uma porta de acesso à via pública que existia na parede que dava para a Travessa 2, em Local 1, por uma janela.
11. Os Réus CC e BB mantinham com o falecido marido da Autora, LL, uma relação de reciproca cordialidade e de sã vizinhança, nunca tendo havido qualquer disputa quanto à propriedade do acesso à via pública situado na Rua 1, n.º 1, em Local 1.
12. Desde o falecimento de LL que a Autora e os seus filhos, não consentem, expressamente, na utilização pelos Réus da porta de acesso à via pública existente na Rua 1, n.º 1, em Local 1, a qual passou a ocorrer contra a sua vontade.
13. Porque se encontrava degradado e não reunia condições físicas de conforto e segurança, nem capacidade de alojamento para acolher a sua família, a Autora decidiu fazer obras de remodelação e ampliação no seu prédio urbano, descrito em 1), que implicaram alterações em todo o seu interior e ainda a substituição da porta de acesso à via pública situada na Rua 1, em Local 1.
14. As obras de reparação de interiores e exteriores e substituição da porta e janelas, bem como a mão de obra custaram à Autora a quantia total de € 6.800,00 (seis mil e oitocentos euros).
15. Essas obras tiveram inicio em finais de 2013 e estavam praticamente concluídas no inicio de Outubro de 2014.
16. Após a mudança da porta de acesso (Rua 1) e das portas interiores, apenas a Autora e o empreiteiro, enquanto não se concluíram as obras, ficaram com uma cópia das chaves.
17. Em finais de Setembro do ano de 2014, durante um fim de semana, os Réus pediram aos filhos da Autora uma cópia das chaves de acesso ao prédio, pretensão que estes não satisfizeram, nem a Autora.
18. Na sequência, os Réus, no fim de semana de 4/5 de Outubro de 2014, na ausência da Autora e de seus filhos, substituíram a fechadura da porta de acesso ao edifício sita no n.º 1 da Rua 1, em Local 1.
19. Quando tomou conhecimento desse facto, a Autora dirigiu aos Réus BB e CC uma carta, datada de 05.10.2014, através da qual, entre o mais, convida os mesmos a reporem de imediato a situação anterior, ou seja, a instalação do canhão da fechadura retirado da porta da entrada do prédio, sob pena de serem acionados judicialmente, aguardando que a situação esteja reposta até ao fim de semana de 11/12 de Outubro de 2014.
20. Os Réus BB e CC não responderam à carta referida em 18), nem repuseram o canhão da fechadura retirado da porta da entrada.
21. A Autora tornou a mudar a fechadura da porta de entrada da Rua 1, em Local 1.
22. Os Réus, em face da ausência da Autora e dos seus filhos, voltaram a substituir a fechadura da porta de entrada da Rua 1, em Local 1.
23. A Autora participou criminalmente dos Réus, tendo dado origem ao processo de inquérito n.º 3/15.0..., que correu termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António, que culminou num despacho de arquivamento.
24. Inconformada, a Autora requereu a abertura de instrução que terminou com despacho de não pronuncia dos arguidos pela prática dos crimes de dano, p. e p. pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal e pelo crime de violação de domicilio, p. e p. pelo art. 190º, n.º 1, do Código Penal, junto aos autos com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. O prédio urbano descrito em 1) tem identificado na Rua 1, n.º 1, em Local 1, o código de local de fornecimento de energia eléctrica celebrado pelo seu marido.
26. Quando a Autora e o falecido marido adquiriram o prédio urbano descrito em 1), já os Réus CC e BB ocupavam o prédio urbano descrito em 4), o que fizeram sempre de forma pública, pacifica e, até recentemente (desde a data do falecimento de LL), sem qualquer oposição de quem quer que fosse, ininterruptamente por mais de meio século, como se de donos se tratassem.
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B) Factos não provados:
a) Que o prédio urbano descrito em 1) tenha uma área coberta de 84 m2 e seja composto por edifício térreo, com várias divisões.
b) Que os prédios urbanos descritos em 1) e 4) não tenham uma entrada comum.
c) Que o acesso do prédio urbano dos Réus à via pública se passou a fazer de forma exclusiva, após a substituição da porta referida em 10), pela porta existente na Rua 2, em Local 1.
d) Que os Réus tenham instalado o contador da água na Travessa 2 e na Rua 2, em Local 1, bem como a caixa de recepção de correspondência postal.
e) Que a aquisição do prédio urbano descrito em 4) nunca tenha sido registada a título definitivo a favor dos vendedores outorgantes da escritura pública referida em 5).
f) Que os Réus, aproveitando-se da ausência da Autora, em virtude de missões no estrangeiro e depois da sua colocação profissional em Lisboa, passaram a utilizar um acesso à sua habitação através da porta de entrada da casa da Autora, sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, e abriram uma porta para o hall de entrada que dá para essa Rua.
g) Que a porta de acesso ao prédio sita na Rua 1, em Local 1 e a respectiva fechadura são unicamente pertença da Autora.
h) Que a porta da Rua 1, n.º 1, em Local 1, sempre existiu mas somente para dar acesso ao prédio da Autora.
i) Que a a atitude dos Réus criou grande nervosismo, angústias e graves perturbações emocionais à Autora, que perdeu o sono e o apetite.
j) Que Autora teve de recorrer, em consequência disso, a uma regular assistência médica e medicamentosa em razão das perturbações causadas.
k) Que a Autora e os seus filhos têm evitado deslocar-se ao seu prédio urbano em Local 1 para evitar conflitos, injúrias e ameaças físicas por parte dos Réus e isso é fonte de profundo desgosto e permanente inquietação.
l) Que nem a Autora, nem a sua família podem sossegar e fruir plenamente do seu prédio urbano descrito em 1).».
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B. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
8. Nulidades da sentença
A sentença é nula nos seguintes casos (art. 615.º, n.º 1, do CPC):
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
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8.1. Da invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e o decidido nos pontos 6, por um lado, e 4 e 5, por outro, tornando a decisão ininteligível:
A Recorrente entende essencialmente que o Tribunal não podia afirmar que os Réus são proprietários do prédio identificado no ponto 4. da fundamentação de facto, adquirido por escritura de compra e venda, mas tão só do seu domínio útil, ao mesmo tempo que no ponto 6. se adverte que essa aquisição não poderia ser levada a registo definitivo sem que o prédio se achasse definitivamente inscrito a favor dos vendedores, em contraponto, os Recorridos discordam deste entendimento.
Há que distinguir as nulidades da sentença (cfr. art. 615.º, do CPC), das nulidades do processo (cfr. art. 195.º, do CPC) e de outras patologias de que pode padecer a sentença e que podem ter consequências diversas daquelas, desde a simples alteração da matéria de facto à anulação da decisão (cfr. art. 662.º, do CPC), estas atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto.
A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da al. c) ocorre “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18).” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I., Almedina, pág. 793-794.
A decisão judicial é obscura “quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Em STJ 20-5-21, 69/11 e STJ 8-10-20, 1886/19, decidiu-se que a ambiguidade ou obscuridade prevista na al. c) só releva quando torne a parte decisória ininteligível, o que ocorre quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, no 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I., Almedina, pág. 794.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/05/20244 (Nelson Borges Carneiro, proc. n.º 311/18.9T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt), “A nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso.”.
No caso concreto em apreciação, importa analisar os pontos 4, 5 e 6, a fundamentação de facto e a fundamentação de direito a este propósito para descortinar o invocado vício.
Para fundamentar a decisão de facto no que concerne aos aludidos pontos de facto supra elencados nos pontos 4, 5 e 6 consta da sentença o seguinte:
«No que respeita à prova do facto vertido em 4), a mesma resultou da análise do teor da certidão predial junta aos autos com a ref.ª 9268347, que também compreende um documento autêntico, nos termos do art. 363º, n.º 1 e 2 e art. 364º, n.º 1, do Código Civil, que o confirmam.
De salientar que, independentemente da apreciação jurídica que possa ser feita no que respeita à validade ou invalidade deste registo, e qual o eventual vicio de que possa padecer (a verificar-se a sua invalidade) – análise que sempre se enquadraria no âmbito do direito substantivo – tal não afasta a constatação da ocorrência desse mesmo registo de aquisição a favor dos Réus CC e BB, como uma realidade e enquanto facto que impõe ser dado como assente, como foi.
A prova dos factos vertidos em 5) e 6) resultou da análise da escritura pública de compra e venda de prédio enfiteutico junta com o articulado superveniente (cfr. ref.ª 11219377), que compreende um documento autêntico, nos termos do art. 363º, n.º 1 e 2 e art. 364º, n.º 1, do Código Civil, que os confirmam.».
Por sua vez, no enquadramento jurídico consta de relevante a consideração de que resulta do registo predial a presunção do direito a favor do 1.º e 2.º Réus, salientando-se que a Mm.ª Juíza teve o cuidado de alertar que “tal presunção não se estende, nem abrange, quer as áreas que constam do registo, quer as próprias confrontações do prédio, pelo que, desde já se deixa claro, que não resulta desta presunção legal o direito de propriedade dos Réus sobre áreas em concreto que estejam em disputa, como é a área correspondente à porta e à entrada do edifício sita na Rua 1 n.º 1, em Local 1.”.
Passou-se de seguida à análise do regime jurídico da enfiteuse concluindo-se que “a partir de 14.06.1965, o 1.º e o 2.º Réus passaram a ser co-titulares do direito de enfiteuse em causa. Não havendo igualmente qualquer facto que demonstre que esse direito se extinguiu antes de 07.04.1976, nesta data de 07.04.1976 extinguiu-se tal direito, passando o imóvel a pertencer, na sua totalidade (propriedade plena) a quem tinha o seu domínio útil, ou seja, ao 1.º e 2.º Réus.”.
Daqui resulta então linear que a factualidade provada dos pontos 4, 5 e 6 é aquela que resulta objectivamente dos documentos juntos aos autos, designadamente registo predial e escritura pública, nem poderia ser de outro modo, aliás, como bem se destacou na fundamentação de facto da sentença recorrida: “De salientar que, independentemente da apreciação jurídica que possa ser feita no que respeita à validade ou invalidade deste registo, e qual o eventual vicio de que possa padecer (a verificar-se a sua invalidade) – análise que sempre se enquadraria no âmbito do direito substantivo – tal não afasta a constatação da ocorrência desse mesmo registo de aquisição a favor dos Réus CC e BB, como uma realidade e enquanto facto que impõe ser dado como assente, como foi.”.
Então, a decisão de facto que resulta objectivamente de documento, cuja autenticidade não foi colocada em causa, é distinta da análise jurídica das eventuais consequências desse facto no plano do direito substantivo, cuja fundamentação de direito não pode estar em oposição com a decisão final.
Ora, analisando a fundamentação de direito, verifica-se que o tribunal analisou os argumentos legais que entendeu aplicáveis ao caso, constando nomeadamente que «…a partir de 14.06.1965, o 1.º e o 2.º Réus passaram a ser co-titulares do direito de enfiteuse em causa. Não havendo igualmente qualquer facto que demonstre que esse direito se extinguiu antes de 07.04.1976, nesta data de 07.04.1976 extinguiu-se tal direito, passando o imóvel a pertencer, na sua totalidade (propriedade plena) a quem tinha o seu domínio útil, ou seja, ao 1.º e 2.º Réus».
Acrescentando que «… com a extinção do direito de enfiteuse e a investidura na titularidade do direito de propriedade plena do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1675 da freguesia de Local 1, apenas bastou aos 1.º e 2.º Réus requerer a actualização do registo predial quanto à aquisição do imóvel, o qual se apresentou gratuito, justificando a razão pela qual a aquisição do mesmo se encontra definitivamente registada a seu favor pela Ap. 2 de 11.04.1995».
E concluindo que o registo de aquisição da propriedade dado como assente no ponto 4) dos factos provados não padecia de qualquer vicio que o invalidasse.
Nesta sequência, não ocorre qualquer contradição entre os factos provados do ponto 6 em relação aos pontos 4 e 5, os fundamentos de facto estão em consonância com a decisão de facto que é perfeitamente inteligível e entre a fundamentação jurídica e a decisão final constante da sentença em crise não se descortina qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Questão diversa é saber se essa fundamentação está ou não juridicamente correcta, mas então aí já nos situamos fora do âmbito dos vícios da sentença e já no domínio da reapreciação jurídica da causa.
Deste modo, não ocorreu qualquer nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, com referência aos pontos de facto 4, 5 e 6, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
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8.2. Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativa à apreciação de uma nulidade suscitada nos autos pela Autora no seu articulado superveniente:
A Recorrente alegou essencialmente que o tribunal omite a apreciação de uma nulidade suscitada nos autos pela Autora no seu articulado superveniente, em contraponto, os Recorridos discordam desse entendimento.
A este propósito, importa salientar que, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/20245 (Nuno Gonçalves, proc. n.º 21/21.0YFLSB, www.dgsi.pt): “Constitui jurisprudência pacífica que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.”.
E ainda como se decidiu Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/20246 (Mário Belo Morgado, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt):
“Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”.
No caso concreto em apreciação resulta efectivamente dos autos que em 20/04/2023 veio a Autora apresentar articulado superveniente requerendo que se conhecesse dos vícios da inexistência jurídica ou da nulidade do registo de aquisição feito em nome dos 1.º e 2.º Réus referente ao prédio descrito viciosamente sob o n.º 1761 da freguesia de Local 1, bem como que se declarasse que os Réus não são proprietários de tal prédio (cfr. ref.ª 11219377) e que este articulado superveniente veio a ser admitido por despacho datado de 08/05/2022 nos termos do art. 265.º, n.º 2 e art. 588.º, n.º 1, 2, 3, al. a) e 4, ambos do CPC.
No entanto, resulta claro dos autos que esses pedidos foram analisados e decididos expressamente pelo Tribunal em sede de decisão final, juntamente com os pedidos primitivos, sendo incompreensível a invocação deste vício.
Aliás, importa salientar que não se pode confundir omissão de pronúncia com uma fundamentação insuficiente ou incorrecta, questões estas que pertencem ao nível da reapreciação jurídica da causa.
Consta efectivamente da sentença recorrida – no que a estes pedidos diz respeito – que «....face ao exposto, porque resulta da análise jurídica supra referida o direito de propriedade dos 1.º e 2.º Réus BB e CC sobre o prédio urbano, sito na Rua 1, freguesia e concelho de Local 1, composto por casa de habitação, r/c com 3 compartimentos e corredor, 1º andar com vários compartimentos, com 92 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1675 da freguesia de Local 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 1761/19950411, impõe-se julgar como improcedente o primeiro pedido formulado pela Autora, o que se determina.»
Bem como consta ainda que «…naturalmente, também se julga improcedente o pedido dos Réus formulado em sede de articulado superveniente, quanto ao conhecimento dos vícios da inexistência jurídica ou da nulidade do registo de aquisição feito em nome dos 1.º e 2.º Réus referente ao prédio descrito sob o n.º 1761 da freguesia de Local 1».
Deste modo, não ocorreu a invocada omissão de pronúncia no que respeita às questões colocadas pela Autora no seu articulado superveniente, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
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8.3. Da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia ao ser dado como provado o ponto 26 porque os Réus não invocaram a figura da usucapião nem o direito de passagem:
A Recorrente alegou essencialmente que ocorreu excesso de pronúncia, porquanto não tendo os Réus reconvindo nem convocado a figura da usucapião, nem sequer o direito de passagem, perdendo assim em definitivo a possibilidade de o fazerem, não faz qualquer sentido inscrever como matéria provada o aduzido sob o ponto 26, porque pressupõe a invocação desses requisitos da usucapião, não tendo sido invocada a figura, não pode o tribunal “a quo” substituir-se à parte na superação dessa omissão.
Os Recorridos discordam desse entendimento.
Nos termos da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo o que baliza os poderes e os limites do conhecimento do juiz, o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, no qual se prevê que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento ofícios de outras.
A este propósito, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/20247 (Mário Belo Morgado, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt), “II- Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. III- A nulidade por excesso de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções.”.
E como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/10/20248 (Nelson Borges Carneiro, proc. n.º 2242/20.3T8LRA.C1.S1, www.dgsi.pt) “O excesso de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz conheça de causas de pedir não invocadas, ou de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes.”.
E ainda como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/20229 (Nuno Ataíde das Neves, proc. n.º 3395/16.0T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt), “Verifica-se a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso.”.
Resta saber o que se deve entender por questões, para efeitos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter. Não farão parte dessas “questões” os argumentos e as motivações produzidas pelas partes, mas apenas os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções invocadas (José Alberto dos Reis Código de Processo Civil anotado, Vol. V. pág. 142, e José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 704, melhor citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/05/202410 (Maria Amália Santos, proc. n.º 3212/19.0T8BCL.G1, www.dgsi.pt).
Estão, daqui resulta que a nulidade por excesso de pronúncia abrange tanto as questões de direito como as questões de facto, devidamente enquadradas pela causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas que definem o objeto do litígio, excluindo os argumentos e as motivações invocados pelas partes.
No caso concreto em apreciação, está em análise o ponto 26 dos factos provados:
26. Quando a Autora e o falecido marido adquiriram o prédio urbano descrito em 1), já os Réus CC e BB ocupavam o prédio urbano descrito em 4), o que fizeram sempre de forma pública, pacifica e, até recentemente (desde a data do falecimento de LL), sem qualquer oposição de quem quer que fosse, ininterruptamente por mais de meio século, como se de donos se tratassem.
Para justificar a inexistência da nulidade invocada a Mm.ª Juiz no despacho previsto no art. 617.º, n.º 1, do CPC, entendeu essencialmente que “tal facto resulta naturalmente da matéria factual alegada, tanto pela Autora (veja-se os pontos 3 e 7 da petição inicial, este último, na parte em que refere que os Réus não são proprietários do imóvel onde habitam) como pelos Réus (veja-se os pontos 38, 39, 42, 43 e 44 da contestação), da qual foi necessário estripar as expressões conclusivas e de direito.”, bem como, “o Tribunal não está impedido de alterar - em sede de sentença (factualidade dada como provada e não provada) - a redação da matéria factual alegada pelas partes nos seus articulados, dela retirando conceitos jurídicos e conclusões, habitualmente presentes na técnica de alegação/conclusão própria destas peças processuais.”, acrescentando ainda que “E ainda que esse facto tenha sido referido brevemente na apreciação jurídica da causa, nenhuma consequência legal dele se retirou, já que não foi com fundamento na aquisição por usucapião que este Tribunal resolveu a questão do reconhecimento do direito de propriedade do imóvel descrito no ponto 4) a favor dos Réus.”.
Apreciando:
No artigo 3 da Petição Inicial, a Autora alegou que “No mesmo edifício e a paredes-meias, mas constituindo um prédio autónomo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1675, da freguesia de Local 1, vivem os 1.º e 2.º RR….”; e no art. 7.º alegou que “Mas os RR. não são os proprietários desse imóvel onde habitam…”.
Ou seja, daqui apenas resulta que a Autora alegou de relevante que os referidos Réus ali “habitam” ou “vivem” e nada mais.
Vejamos os artigos 38 a 44 da contestação:
“38.Os 1º e 2ª RR são proprietários de um imóvel, que constitui a sua casa de morada de família que confina com o da A.
39.Cfr certidão de registo predial e caderneta predial que protestam juntar.
40.Uma e outra casa estão juntas pela parcela que confere acesso de ambas à rua.
41.A A. não ignora que a pretensa parcela que refere é a que fornece acesso de ambas as casas (a sua e a dos 1º e 2º RR) à rua.
42.Sempre foi assim.
43.Enquanto o falecido marido da A. foi vivo, as famílias vizinhas nunca tiveram qualquer disputa, e sempre mantiveram uma sã convivência.
44.Nunca havendo problemas sobre o acesso de qualquer das famílias ali residentes, nem sobre a propriedade daquela parcela (que a A. e seu agora falecido marido nunca sequer insinuaram ser exclusivamente sua). “.
Então daqui resulta que os Réus apenas alegaram de relevante que são “proprietários” de um imóvel que constitui “casa de morada de família”, que a “parcela” em causa é a que “fornece acesso de ambas as casas (a sua e a dos 1º e 2º RR) à rua”, que “Sempre foi assim” e que “Nunca havendo problemas sobre o acesso de qualquer das famílias ali residentes, nem sobre a propriedade daquela parcela”.
Ora, da análise dos factos alegados tanto pela Autora como pelos Réus constata-se que deles não resulta, directa ou indirectamente, a invocação da aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio descrito no ponto 4, nem em reconvenção nem por via de excepção (cfr. art. 571.º, do CPC), nem dos factos por si alegados na Contestação se pode retirar levemente tal circunstância, tratando-se de mera impugnação motivada, bem como, a Autora também não mencionou a aquisição por usucapião a favor dos 1.º e 2.º Réus, apenas alegou que estes ali “vivem” ou “habitam”.
Parece-nos assim excessivo que se possa retirar dos factos alegados pelos Réus nos artigos 38.º a 44.º da Contestação a invocação de aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio em causa.
Importa referir ainda que a aquisição por usucapião do direito real não é automática, não podendo o tribunal supri-la oficiosamente, tem de ser invocada, judicial (tanto em reconvenção como por via de excepção) ou extrajudicialmente – cfr. art.º 303.º, ex vi art.º 1292.º, do Código Civil.
Ora, no caso concreto, nem a usucapião foi expressamente invocada pelos Réus nem os factos por si alegados integram aquele instituto.
Aqui chegados, já vimos que os factos constantes do ponto 26 não tem correspondência com os factos alegados, mas poderá ainda assim ser considerada na decisão de facto como factos complementares ou instrumentais?
Não se ignora que com o actual CPC se pretendeu maior síntese dos articulados e por isso não está afastado o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, desde que permitam percecionar a realidade que se pretende invocar e possam ser posteriormente objeto de uma maior concretização na sentença, bem como, a consideração dos factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem natureza oficiosa11.
Com efeito, sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório12.
E a propósito dos factos instrumentais: “Quanto aos factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros factos de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção), não há ónus de alegação nem sequer qualquer tipo preclusão, pelo que poderão ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova atinentes aos temas da prova que tenham sido enunciados.”13.
Nesta sequência, ao juiz é reconhecida a possibilidade de ter em conta factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais oportunamente alegados nos articulados, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
Contudo, no caso concreto em apreciação, parece-nos evidente que os factos dados como provados no ponto 26 são factos principais ou essenciais e não meramente complementares ou concretizadores de factos essenciais, nem se tratando de factos meramente instrumentais, pois integram os pressupostos da figura jurídica da usucapião que não foi invocada pelas partes, nem esta é questão a decidir de facto ou de direito.
Deste modo, em suma, não se podendo qualificar os factos do ponto 26 dos factos provados como concretizadores ou complementares de factos essenciais oportunamente alegados nem factos instrumentais, não podem ser considerados oficiosamente pelo tribunal, ocorrendo nesta parte excesso de pronúncia – o que conduz à nulidade parcial da sentença.
Neste sentido, em situação semelhante, se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/05/202414 (Maria Amália Santos, proc. n.º 3212/19.0T8BCL.G1, www.dgsi.pt), onde, para além do mais, se sumariou que «II- É nula a sentença, na parte em que o juiz tomou conhecimento da alegada prática de atos de posse por parte da ré, atos esses suscetíveis de levarem à aquisição da parcela reivindicada por usucapião, questão essa que não foi suscitada pela ré na contestação. III- Declarada a nulidade (parcial) da sentença, deve o tribunal de recurso supri-la, retirando da sua fundamentação o segmento da decisão anulado, ou não o levando em consideração na apreciação das demais questões colocadas.».
O conhecimento daquela factualidade, mesmo que no caso concreto em apreciação na sentença recorrida não tenham sido retiradas consequências jurídicas da factualidade constante do ponto 26, configura causa de nulidade (parcial) da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, o que se declara, por se tratar de vício estrutural.
Verificada a referida nulidade, importa supri-la segundo a regra da substituição do tribunal recorrido (cfr. art.º 665.º, n.º 1, do CPC), dispensando-se a audição das partes (cfr. art. 665.º, n.º 3), por absoluta desnecessidade, uma vez que a nulidade foi suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso, à qual vieram os Recorridos responder, tendo-se também a Mm.ª Juíza pronunciado sobre a invocada nulidade.
Efetivamente, a nulidade parcial da decisão não determina a baixa dos autos à 1ª instância, pois cabe ao tribunal ad quem, no exercício dos seus poderes de substituição, suprir essa nulidade, o que se torna simples no caso dos autos, devendo apenas ser retirado da decisão proferida o segmento anulado da mesma (ponto 26 dos factos provados), e não se levar em consideração tal segmento na apreciação das restantes questões colocadas em sede de enquadramento jurídico.
Deste modo, em suma, em consequência da nulidade parcial exclui-se do elenco dos factos provados a factualidade constante do ponto 26 e todas as referências e análise feitas na sentença com referência a tal matéria.
*
9. Impugnação da decisão da matéria de facto constante do ponto 8 e das alíneas b), d), g), h):
9.1. A Recorrente entende que deve levar-se à matéria dada como provada o que consta das alíneas b), d), g) e h) dos factos não provados e o ponto 8. dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: 8. O acesso da via pública ao prédio urbano dos Réus descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 2 em Local 1 e indica as razões desse seu entendimento. Em contraponto, a Recorrida discorda.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita a determinadas regras ou ónus sob pena de rejeição e o incumprimento destas regras também deve ser oficiosamente conhecido.
As conclusões apresentadas, conjugadas com o corpo das alegações, permitem alcançar a pretensão da Recorrente, que cumpriu minimamente as regras exigidas, para efeitos do disposto no art. 640.º, do CPC.
*
9.2. Vejamos os factos impugnados pela Recorrente:
Ponto 8. O acesso da via pública ao prédio urbano dos Réus descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 1, em Local 1, ainda que não exclusivamente, já que também se fazia através de uma porta de entrada existente na cozinha que dá para a Rua 2, na mesma localidade.
Al. b) Que os prédios urbanos descritos em 1) e 4) não tenham uma entrada comum.
Al. d) Que os Réus tenham instalado o contador da água na Travessa 2 e na Rua 2, em Local 1, bem como a caixa de recepção de correspondência postal.
Al. g) Que a porta de acesso ao prédio sita na Rua 1, em Local 1 e a respectiva fechadura são unicamente pertença da Autora.
Al. h) Que a porta da Rua 1, n.º 1, em Local 1, sempre existiu mas somente para dar acesso ao prédio da Autora.
A decisão de facto da primeira instância,, no que concerne ao ponto 8 dos factos provados está fundamentada do seguinte modo:
«A prova dos factos descritos em 3), 7), 8) e 10) resultou das declarações do Réu DD e dos depoimentos das testemunhas II, MM, HH, FF, NN, OO e PP, que se mostraram credíveis quanto a estas matérias.
Com efeito, no seu depoimento de parte, o Réu DD começou por confirmar que a Autora é proprietária de um imóvel que se situa no mesmo edifício onde os seus pais (aqui também Réus) têm a sua casa de morada de família, paredes-meias uma com a outra.
Referiu que o acesso de via pública à casa da Autora sempre se fez pela porta e escadas que existem na Rua 1, n.º 1, em Local 1. Acrescentou que, da mesma forma, o acesso principal da via pública à casa dos seus pais também sempre foi pela mesma porta de entrada sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1.
Admitiu, contudo, que ao contrário da Autora, os Réus seus pais, tiveram outrora no passado, um outro acesso à via pública que se fazia por uma porta que dava para a Travessa 2 n.º 2, em Local 1, mas que entretanto foi fechada e substituída por uma janela, como permanece até hoje.
Confessou, também, que este acesso da via pública para casa dos seus pais através da porta de entrada sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, não é exclusivo, já que esse acesso também pode ser feito pela porta que os pais têm na cozinha, que dá para a Rua 2, n.º 1, em Local 1, na parte de cima da casa, com vista para o castelo.
Insistiu, porém, que, sem prejuízo da existência desta porta no topo norte da casa, o acesso principal da via pública à casa dos Réus foi sempre através da porta de entrada sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, que aqueles já utilizavam mesmo antes da Autora e do seu falecido marido comprarem a casa deles.
Terminou descrevendo essa entrada principal como tendo uma porta para a rua, seguida de um lanço de escadas e no cimo delas está, entre o mais, um hall de entrada e a porta da casa dos pais, que nunca esteve tapada ou obstruída por qualquer móvel.
Esta descrição da entrada sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, coincide, na integra, com o depoimento da testemunha II, filha da Autora, que apenas acrescentou que no cimo desse hall existem na verdade três portas: duas de cor verde, que dão acesso ao interior da casa da sua mãe, aqui Autora e uma castanha, que dá acesso à casa dos Réus.
É facto que esta testemunha referiu que, na sua presença e da sua mãe, os Réus nunca usaram aquela entrada para aceder à via pública. Relatou um acordo verbal entre os seus pais e os Réus CC e BB feito no passado pelo qual estes últimos se comprometiam a usar apenas a porta de entrada que dá para a Rua 2 n.º 1. Porém, esta afirmação não só não foi confirmada por ninguém mais ouvida em julgamento, como foi contrariada pelos depoimentos de outras testemunhas, que ao contrário desta, não demonstraram interesse directo no desfecho da causa, no que a este ponto diz respeito, como adiante se verá.
No mais, esta testemunha também confirmou que os Réus tiveram uma porta de acesso à via pública na Travessa 2, a qual foi fechada e que agora têm uma outra porta para a via pública na Rua 2, que era onde a Ré CC passava mais tempo.
No seu depoimento, a testemunha MM, neto da Autora, descreveu a entrada da Rua 1, n.º 1, da mesma forma que os restantes supra referidos. Disse frequentar a casa de férias dos avós apenas um mês por ano, no verão.
Também esta testemunha apresentou a versão de que esta entrada apenas servia a casa dos seus avós, uma vez que era a única entrada da rua que possuíam, enquanto que os Réus tinham uma outra na Rua 2, n.º 1. Contudo, essa conclusão não afasta a utilização simultânea pelos Réus das duas entradas que possuíam, e mesmo que se admitisse que não o fizessem durante o mês de férias que esta testemunha ali passava, nada impediria de o fazer nos restantes onze meses do ano, em que ela ali não se encontrava.
Em suma, a afirmação desta testemunha quanto à utilização pelos Réus da porta de entrada sita na Rua 1, n.º 1, é fundada numa conclusão frágil e pouco consistente, para além de a mesma apenas poder atestar uma prática temporalmente muito curta – um mês por ano – que seguramente não refletiria a realidade que se vivia todo o restante ano.
Também a testemunha HH, filha da Autora, referiu o uso exclusivo daquela entrada pelos pais, quando ali se deslocavam em férias. Referiu que durante esse tempo estival os Réus “entregavam a chave da porta que detinham e passavam a usar apenas a porta de acesso à via pública que têm na Rua 2”.
Contudo, admitiu esta testemunha que não descartava a possibilidade dos Réus utilizarem simultaneamente aquela entrada ao longo dos restantes meses do ano em que a sua família não estava ali, já que detinham uma chave da porta da rua e no hall de entrada havia uma porta que dava acesso à sua casa.
Ou seja, esta testemunha, à semelhança das anteriores, formou convicção quanto a uma realidade, tendo por base o que via acontecer durante um mês por ano, sendo certo que se desconhece por quantos anos viu tal acontecer. Ainda assim, admitiu que essa realidade se pudesse alterar ao longo dos restantes meses do ano que estavam ausentes. Na verdade, sempre seria uma convicção frágil e facilmente abalável, como o foi pela restante prova.
E essa prova do contrário aconteceu, primeiramente e como vimos, pelas declarações de parte do Réu QQ, mas não só. Também com o depoimento da testemunha FF, reformada, antiga moradora da casa que hoje é da Autora, durante a década de 60 do século XX e até 1972, que se mostrou isento e desinteressado, merecendo credibilidade.
De acordo com esta testemunha, os seus pais arrendaram a casa à família RR. Lembra-se que o acesso da via pública para as duas casas (a sua casa e a casa que já era dos Réus) se fazia sempre pela mesma porta, que se situava na Rua 1, n.º 1, em Local 1. Recorda-se que todas as portas que davam para o hall de entrada e tinham chave e que para passar dos quartos para a sala, era preciso passar pelo dito hall de entrada. Disse que a porta da rua só era fechada à chave durante a noite, por uma tal de senhora Maria, que era muito cuidadosa.
Confirmou que, ao contrário da casa dos Réus, a sua casa só tinha este acesso à via pública. Já a casa dos Réus tinha uma porta para a via pública na rua de cima, pela cozinha.
A mesma versão apresentou a testemunha NN, empreiteiro e pedreiro de profissão, conhecido de ambas as partes e pessoa sem qualquer interesse directo na causa. Por esta testemunha foi dito ter estado no interior das duas casas em causa porque aí executou trabalhos de construção civil, nos anos 90 do século XX. Confirmou que o acesso da via pública a estas casas fazia-se através de uma porta que dava para um hall de entrada que por sua vez, dava para as portas individuais de ambas as casas. Ou seja, tratava-se de uma única porta da rua que depois de um lance de escadas dava acesso às duas portas da cada uma das casas.
Recorda-se que ambas as portas das casas tinham chave e nunca assistiu a qualquer discussão entre o pai da Autora ou esta e os Réus CC e BB por causa desta entrada.
No mais, confirmou que a casa dos Réus tem uma porta que dá acesso à via publica pela rua de trás, que dá para o Castelo.
Por este tempo, frequentava a casa dos Réus a testemunha OO, amiga dos Réus, que actualmente vive na Rua 2, em Local 1. Esta testemunha também foi peremptória ao afirmar que sempre utilizou a porta da entrada que existe na Rua 1 n.º 1, para entrar em casa dos Réus. E que era por esta porta que as pessoas que arrendavam a casa ao lado também entravam, já que servia as duas portas, as quais tinham chave.
Questionada porque utilizava esta porta da rua e não a que existe na Rua 2, onde passou também a morar, esta testemunha respondeu que à data viva na localidade de ... e, por isso, utilizava a porta principal existente na Rua 1, n.º 1.
Referiu que a casa dos Réus também tem uma porta que dá para a rua de Cima (Rua 2) e que também chegou a entrara por essa porta muitas vezes, especialmente quando começaram os conflitos entre as partes por causa da porta da entrada principal.
O depoimento da testemunha PP, vizinho das partes (é proprietário de uma vivenda sita na Rua 1, n.º 3, em Local 1), foi relevante para reforçar a convicção do Tribunal quanto à utilização pelos Réus da porta de entrada existente na mesma rua, já que não tendo relação especial ou de parentesco com nenhuma das partes, o mesmo se revelou objectivo e imparcial.
Começou por descrever a entrada sita na Rua 1 exactamente da mesma forma que as anteriores testemunhas. Confirmou que chegou a entrar na casa dos Réus algumas vezes, tanto na sua infância como já de adulto e que tanto utilizava, de forma indiscriminada, a porta da rua existente na Rua 1, como a porta existente na rua de cima, a Rua 2. Não relacionou a opção pela porta com a presença ou ausência da família SS na sua casa.
Por fim, temos o depoimento da testemunha TT, sobrinho dos Réus, bastante conhecedor da casa destes. É facto que esta testemunha tem já uma relação de parentesco e proximidade que poderia perigar a credibilidade das suas afirmações. Porém, a versão que trouxe a julgamento foi totalmente coincidente com a versão das testemunhas anteriores e trazida pelo Réu QQ, o que reforça a sua veracidade.
Assim, também esta testemunha confirmou que a casa dos Réus tinha duas portas: aquela que fica na Rua 1, que dava depois para um lanço de cerca de seis escadas e várias portas no hall, sendo uma delas da casa dos seus tios e a outra, da casa do UU, família que na época era inquilina da família da Autora. E uma outra porta “muito baixa” que existia na rua ao lado, tudo indicando estar a referir-se à porta que existia na Travessa 2 e que posteriormente foi substituída por uma janela.
Explicou que tanto usava uma como a outra entrada vindo da via pública, sendo certo que esta segunda porta era tão baixa, que quase não se podia passar por ela. Confirmou que posteriormente, a sua tia passou a ter uma outra porta na Rua 2, que dava da cozinha para um quintal.
No mais, deixou claro que nunca viu estas duas famílias discutir por causa da porta sita na Rua 1 e que nunca teve qualquer problema com a família da Autora quando acedia da via pública para a casa dos tios entrando pela porta daquela rua.
Em suma, parece inequívoco da prova produzida em julgamento, que o prédio urbano propriedade da Autora apenas teve e tem uma forma de aceder da via pública para o seu interior, e esse acesso é pela porta existente na Rua 1, n.º 1. Já o prédio urbano propriedade dos Réus, teve outras opções no seu passado – uma porta na Travessa 2, que deixou de existir e uma porta na Rua 2 que ainda existe – mas esse facto nunca significou que eles deixassem de utilizar também e de forma simultânea a porta da entrada sita na Rua 1.».
E quanto à motivação dos factos não provados ora impugnados consta da fundamentação de facto da sentença o seguinte:
«Os factos descritos em b), c), f) e h) foram contrariados pela prova produzida em audiência de julgamento. Sobre esta matéria já se debruçou detalhadamente este Tribunal na fundamentação dos factos vertidos em 3), 7), 8) e 10), mais concretamente os factos 3) e 8), para cuja leitura se remete.
Como supra se referiu, a versão da Autora foi, no essencial, confirmada pelas testemunhas II, MM e HH. Contudo, todas estas testemunhas atestaram uma realidade que presenciaram num curto espaço de tempo e que facilmente se podia explicar por razões de cortesia e respeito pela privacidade do vizinho. Ou seja, dito de outro modo, estas testemunhas não viviam permanentemente em Local 1. Aqui passavam um mês por ano e nem sequer pudemos saber por quantos anos frequentaram a casa da Autora. Admitindo que o fizeram por décadas, ainda assim, não podem atestar o que se passava com a entrada da Rua 1, n.º 1, ao largo de todo os restantes meses do ano. Isso mesmo acabaram por reconhecer estas testemunhas.
Também não pode descartar este Tribunal que as boas relações de vizinhança entre LL e os Réus BB e CC, explicassem a preferência pela entrada através da porta da Rua 2 por parte dos Réus durante o mês de férias que a família da Autora passava em Local 1, tanto mais que o acesso aos quartos de dormir da casa desta se fazia pelo hall de entrada comum.
No mais, há que considerar que todas estas testemunhas que confirmaram a versão da Autora são sua família directa – filhos e neto – com claro interesse pessoal na decisão do mérito da causa a favor daquela, contrariamente às restantes testemunhas que afiançaram versão exactamente contrária, que não têm essa relação directa com os Réus, sendo-lhes (tanto quanto se pode perceber) indiferente o sentido do desfecho da causa, o que naturalmente reforça a sua imparcialidade.
Em suma, resultou da prova produzida e que logrou convencer este Tribunal que a entrada sita da Rua 1, n.º 1, servia efectivamente, na maior parte do ano, tanto a casa da Autora como a casa dos Réus, tratando-se de uma entrada comum aos dois imóveis.
Também resultou claro que não se tratava de um aproveitamento por parte dos Réus durante a ausência da família da Autora, mas bem mais que os Réus, por amizade ou cortesia entre vizinhos, optavam por servir-se da porta que tinham na Ria 2 para aceder da via pública à sua casa, durante o mês de férias em que a família da Autora passava em Local 1.
Não resultou, em absoluto, da prova produzida em julgamento ou fora dele que a porta (ou sequer a fechadura, já que esta foi por várias vezes substituída por ambas as partes em conflito) de acesso sita na Rua 1, n.º 1, pertencesse única e exclusivamente à Autora. Não basta a esta afirmá-lo. Não bastou às suas testemunhas referi-lo, como acima se deixou expresso. Havia que comprová-lo de forma inequívoca, o que a Autora não logrou. Nenhuma planta arquitectónica/projecto de arquitectura ou de obras foi junto que comprove ou sequer indicie que esta porta e esta entrada pertençam unicamente ao imóvel da Autora. Esta não requereu a realização de prova pericial cujo objecto incidisse sobre esta matéria e que contribuísse para esclarecer este ponto. Nem a certidão predial ou a caderneta predial são provas bastantes sobre esta matéria, já que se limitam a referir qual a área do prédio em causa e não como é que esta se distribuiu, sendo certo que, como vimos, estes dois documentos nem sequer têm informação coincidente quanto à área do imóvel.
Assim sendo, não restou senão a este Tribunal dar como não provado o facto vertido em g).
Por fim, nenhuma prova cabal foi produzida em juízo que confirmasse que os Réus tenham instalado o contador da água na Travessa 2 e na Rua 2, em Local 1, bem como a caixa de recepção de correspondência postal. Para tal muito teria contribuído a junção aos autos pela Autora de fotografias desses locais, demonstrando a eventual existência desse contador ou caixa de recepção de correspondência postal. Por essa razão, não tendo sido suficiente a prova trazida aos autos sobre este tema, entendeu o Tribunal dar como não provado o facto vertido em d).».
Insurgindo-se contra esta motivação, a Recorrente alegou que o Réu DD declarou que não se lembrava se na porta do seu prédio que dá para o hall de entrada que dá acesso pela Rua 1 existia um móvel a bloquear interiormente essa porta, contudo, para além de ser irrelevante não se trata realmente de uma “confissão” como pretende a Recorrente desde logo porque a confissão é indivisível (cfr. art. 360.º, do Código Civil) e o Réu mencionou claramente a existência de três frentes do edifício e três acessos ao seu prédio, incluindo o acesso pela Rua 1, sendo que esta dava acesso do hall de entrada à sala do seu prédio e a circunstância da sua mãe passar a maior parte do tempo no piso de cima ou se os Réus faziam a maior parte da sua “vida” no piso superior da casa não tem qualquer relevância, o que é relevante é se para aceder ao prédio dos Réus era utilizado o acesso pela referida Rua 1 como se veio efectivamente a comprovar.
Por sua vez, pretende a Recorrente retirar do teor do depoimento da testemunha FF que o “hall tinha e tem um uso exclusivamente afecto ao prédio da Autora” quando esta testemunha refere que «Foi sempre assim. Aquilo era assim, a casa do Sr. BB do lado esquerdo, do lado da frente e ao lado eram dos meus pais. Curiosamente, as casas não tinham comunicação, a do lado esquerdo com a da frente, não, a do lado direito com a da frente. Portanto, tínhamos quartos do lado direito e para irmos para a cozinha tínhamos que vir ao hall.» – contudo, esta alegação da Recorrente é uma mera ilação que retira deste depoimento, sem sustentáculo na demais prova produzida, antes pelo contrário, resulta incontroverso dos demais depoimentos que existia e existe uma porta do prédio dos Réus para acesso a esse mesmo hall.
Com efeito, é preciso notar que a testemunha II (filha da própria Autora, ora Recorrente) admitiu que no cimo do mencionado hall existem três portas: duas de cor verde, que dão acesso ao interior da casa da sua mãe, aqui Autora e uma castanha, que dá acesso à casa dos Réus, bem como, referiu a existência de um acordo verbal entre os seus pais e os Réus CC e BB feito no passado pelo qual estes últimos se comprometiam a usar apenas a porta de entrada que dá para a Rua 2, n.º 1. Porém, esta afirmação não só não foi confirmada por nenhuma outra testemunha, como foi mesmo contrariada pelos depoimentos de outras testemunhas, mas é sugestivo porque se a Autora fosse proprietária do referido hall de entrada por que motivo teria de chegar a acordo com o proprietário do outro prédio (dos Réus) para apenas ter a sua exclusiva utilização?
Aliás, é ainda sugestivo que a própria testemunha HH (também filha da Autora), referiu que durante o tempo estival os Réus “entregavam a chave da porta que detinham e passavam a usar apenas a porta de acesso à via pública que têm na Rua 2” – mesmo não sendo credível, como assinalado na sentença, esta testemunha não descartava a possibilidade dos Réus utilizarem simultaneamente aquela entrada ao longo dos restantes meses do ano em que a sua família não estava ali, já que detinham uma chave da porta da rua e no hall de entrada havia uma porta que dava acesso à sua casa.
Nesta sequência, não é possível retirar a ilação de que o hall de acesso e/ou a porta da Rua 1 é de utilização exclusiva da Recorrente ou mesmo que esse espaço faz parte do seu prédio, aliás, note-se que em sede de alegações a Recorrente nunca afirma que é proprietária desse espaço mas apenas que tem a sua “utilização exclusiva”.
E a circunstância da testemunha GG ter afirmado no seu depoimento qual das entradas era mais ou menos utilizada, onde se encontrava o receptáculo do correio ou o contador da luz ou da água não altera as anteriores considerações, pois nenhuma das partes, nem a Autora nem os Réus alegaram factos relativos à aquisição do direito de propriedade sobre o espaço em causa, por usucapião ou outro modo válido, apenas está em causa a “utilização” do espaço em causa como acesso à via pública. De todo o modo, mesmo que a caixa do correio e o contador da água ou da luz estejam colocados em rua diferente não significa que não existisse acesso disponível e utilizado pelos Réus precisamente pela Rua 1.
Por outro lado, não tem qualquer relevância se a “vida” dos Réus se desenvolvia no piso superior e se todas as obras feitas incidiram sobre essa parte, como mencionado pela testemunha GG, porque estes factos não afastam a utilização por parte dos Réus do acesso pela referida Rua 1 pela prova produzida, como já referido.
Acresce ainda que não é possível concluir que era em torno do acesso pela Rua 2 que se desenvolvia a “vida familiar e social dos Réus” porque como já referido o que é relevante é saber se os Réus utilizavam o acesso pela Rua 1 e efectivamente isso foi confirmado, mas mais, sempre existiu uma porta de acesso do prédio dos Réus para esse hall de acesso à Rua1.
Finalmente, a circunstância de constar do ponto 11. nunca ter havido qualquer disputa quanto ao acesso à via pública situado na Rua 1 ou que nem a Autora nem a sua família permaneciam muito tempo em Local 1 ou que na sua ausência os Réus CC e BB tinham as chaves da casa da Autora e cuidavam da mesma, tratando da limpeza e da caiação, não altera as anteriores considerações.
Portanto, ao contrário do que entende a Recorrente não é possível inferir dos apontados depoimentos que o acesso a partir da Rua 1, n. 1, era exclusivo da Autora e sua família, por isso, consequentemente, não pode levar-se à matéria dada como provada o que consta das alíneas b) e h) dos factos não provados nem alterar a redacção do ponto 8. dos factos provados.
Sobre este aspecto é lapidar o que consta da motivação da sentença, que aqui se reproduz novamente para melhor compreensão:
«Não resultou, em absoluto, da prova produzida em julgamento ou fora dele que a porta (ou sequer a fechadura, já que esta foi por várias vezes substituída por ambas as partes em conflito) de acesso sita na Rua 1, n.º 1, pertencesse única e exclusivamente à Autora. Não basta a esta afirmá-lo. Não bastou às suas testemunhas referi-lo, como acima se deixou expresso. Havia que comprová-lo de forma inequívoca, o que a Autora não logrou. Nenhuma planta arquitectónica/projecto de arquitectura ou de obras foi junto que comprove ou sequer indicie que esta porta e esta entrada pertençam unicamente ao imóvel da Autora. Esta não requereu a realização de prova pericial cujo objecto incidisse sobre esta matéria e que contribuísse para esclarecer este ponto. Nem a certidão predial ou a caderneta predial são provas bastantes sobre esta matéria, já que se limitam a referir qual a área do prédio em causa e não como é que esta se distribuiu, sendo certo que, como vimos, estes dois documentos nem sequer têm informação coincidente quanto à área do imóvel.».
Ora, é incontroverso que o próprio prédio dos Réus tem uma porta de acesso ao hall onde está a porta de acesso à Rua 1, contraria assim totalmente a pretensão da Recorrente.
Já quanto à factualidade constante da al. d) dos factos não provados esta deve ser levada parcialmente à matéria de facto provada, porque o Réu DD faz referência expressa a tais factos no seu depoimento, devendo por isso passar a ter esta redacção:
9.-a) Os Réus instalaram o contador da água na Rua 2, em Local 1, bem como a caixa de recepção de correspondência postal.
Por sua vez já consta do ponto 9 dos factos provados o seguinte:
«9. O contador da electricidade do prédio urbano dos Réus descrito em 4) está situado, pelo menos desde 20.11.2015, na Travessa 2, n.º 2, em Local 1, sendo que a morada indicada pelo Réu BB no contrato celebrado com a EDP Comercial para a entrega de correspondência é a Rua 2, n.º 2, em Local 1.».
Deve ser eliminado o facto não provado constante da al. g) dos factos não provados por ser conclusivo e jurídico.
Finalmente, em resultado da prova produzida, acima analisada, deve ainda aditar-se a seguinte factualidade ao rol dos factos provados:
«7.-a) O edifício referido tem uma porta de acesso da Rua 1, seguida de um lanço de escadas e no cimo delas está, entre o mais, um hall de entrada com três portas: duas de cor verde, que dão acesso ao interior da casa da Autora e uma castanha que dá acesso à casa dos Réus [aditado].».
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9.3. Em consequência da alteração parcial da matéria de facto devem passar a considerar-se definitivamente a seguinte factualidade:
A) Factos provados:
1. Pela Ap. 1279 de 06.08.2015, foi registada a aquisição, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, a favor da Autora AA, viúva, de HH, solteira, II, divorciada e JJ, casado com KK, sob o regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano sito em Rua 1, n.º 1, em Local 1, destinado à habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 38 da freguesia de Local 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 358/19901107.
2. A Autora e o seu falecido marido, LL, adquiriram o prédio urbano descrito em 1) através de escritura pública de compra e venda outorgada em 22.01.1976, no Cartório Notarial de ..., pelo preço de 31.000$00 (trinta e um mil escudos), o qual, à data, se encontrava inscrito na matriz predial sob o artigo 57 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9066.
3. O acesso da Autora da via pública ao seu imóvel sempre foi feito e continua hoje a fazer-se, de forma exclusiva, pela entrada existente na Rua 1, n.º 1, em Local 1.
4. Pela Ap. 2 de 11.04.1995, foi registada a aquisição, por compra, a favor dos Réus CC e BB, casados entre si sob o regime da comunhão geral de bens, do prédio urbano, sito na Rua 1, freguesia e concelho de Local 1, composto por casa de habitação, r/c com 3 compartimentos e corredor, 1º andar com vários compartimentos, com 92 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1675 da freguesia de Local 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 1761/19950411.
5. Os Réus CC e seu marido BB, adquiriram, por escritura pública de compra e venda de prédio enfiteutico, datada de 14.06.1963, pelo preço de 29.000$00 (vinte e nove mil escudos), o domínio útil do prédio urbano descrito em 4).
6. Na mesma escritura pública, preveniu o Notário os outorgantes de que esse acto de compra e venda supra referido não podia ser submetido a registo definitivo, sem que o prédio vendido se encontrasse definitivamente inscrito a favor dos vendedores.
7. O prédio urbano descrito em 1) e o prédio urbano descrito em 4) situam-se no mesmo edifício, “a paredes-meias”, sendo que não estão constituídos em propriedade horizontal.
7.-a) O edifício referido tem uma porta de acesso da Rua 1, seguida de um lanço de escadas e no cimo delas está, entre o mais, um hall de entrada com três portas: duas de cor verde, que dão acesso ao interior da casa da Autora e uma castanha que dá acesso à casa dos Réus [aditado].
8. O acesso da via pública ao prédio urbano dos Réus descrito em 4) sempre se fez pela entrada existente na Rua 1, em Local 1, ainda que não exclusivamente, já que também se fazia através de uma porta de entrada existente na cozinha que dá para a Rua 2, na mesma localidade.
9. O contador da electricidade do prédio urbano dos Réus descrito em 4) está situado, pelo menos desde 20.11.2015, na Travessa 2, n.º 2, em Local 1, sendo que a morada indicada pelo Réu BB no contrato celebrado com a EDP Comercial para a entrega de correspondência é a Rua 2, n.º 2, em Local 1.
9.-a) Os Réus instalaram o contador da água na Rua 2, em Local 1, bem como a caixa de recepção de correspondência postal.
10. Em data não concretamente apurada, os Réus, por sua iniciativa, decidiram substituir uma porta de acesso à via pública que existia na parede que dava para a Travessa 2, em Local 1, por uma janela.
11. Os Réus CC e BB mantinham com o falecido marido da Autora, LL, uma relação de reciproca cordialidade e de sã vizinhança, nunca tendo havido qualquer disputa quanto à propriedade do acesso à via pública situado na Rua 1, n.º 1, em Local 1.
12. Desde o falecimento de LL que a Autora e os seus filhos, não consentem, expressamente, na utilização pelos Réus da porta de acesso à via pública existente na Rua 1, n.º 1, em Local 1, a qual passou a ocorrer contra a sua vontade.
13. Porque se encontrava degradado e não reunia condições físicas de conforto e segurança, nem capacidade de alojamento para acolher a sua família, a Autora decidiu fazer obras de remodelação e ampliação no seu prédio urbano, descrito em 1), que implicaram alterações em todo o seu interior e ainda a substituição da porta de acesso à via pública situada na Rua 1, em Local 1.
14. As obras de reparação de interiores e exteriores e substituição da porta e janelas, bem como a mão de obra custaram à Autora a quantia total de € 6.800,00 (seis mil e oitocentos euros).
15. Essas obras tiveram inicio em finais de 2013 e estavam praticamente concluídas no inicio de Outubro de 2014.
16. Após a mudança da porta de acesso (Rua 1) e das portas interiores, apenas a Autora e o empreiteiro, enquanto não se concluíram as obras, ficaram com uma cópia das chaves.
17. Em finais de Setembro do ano de 2014, durante um fim de semana, os Réus pediram aos filhos da Autora uma cópia das chaves de acesso ao prédio, pretensão que estes não satisfizeram, nem a Autora.
18. Na sequência, os Réus, no fim de semana de 4/5 de Outubro de 2014, na ausência da Autora e de seus filhos, substituíram a fechadura da porta de acesso ao edifício sita no n.º 1 da Rua 1, em Local 1.
19. Quando tomou conhecimento desse facto, a Autora dirigiu aos Réus BB e CC uma carta, datada de 05.10.2014, através da qual, entre o mais, convida os mesmos a reporem de imediato a situação anterior, ou seja, a instalação do canhão da fechadura retirado da porta da entrada do prédio, sob pena de serem acionados judicialmente, aguardando que a situação esteja reposta até ao fim de semana de 11/12 de Outubro de 2014.
20. Os Réus BB e CC não responderam à carta referida em 18), nem repuseram o canhão da fechadura retirado da porta da entrada.
21. A Autora tornou a mudar a fechadura da porta de entrada da Rua 1, em Local 1.
22. Os Réus, em face da ausência da Autora e dos seus filhos, voltaram a substituir a fechadura da porta de entrada da Rua 1, em Local 1.
23. A Autora participou criminalmente dos Réus, tendo dado origem ao processo de inquérito n.º 3/15.0..., que correu termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António, que culminou num despacho de arquivamento.
24. Inconformada, a Autora requereu a abertura de instrução que terminou com despacho de não pronuncia dos arguidos pela prática dos crimes de dano, p. e p. pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal e pelo crime de violação de domicilio, p. e p. pelo art. 190º, n.º 1, do Código Penal, junto aos autos com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. O prédio urbano descrito em 1) tem identificado na Rua 1, n.º 1, em Local 1, o código de local de fornecimento de energia eléctrica celebrado pelo seu marido.
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B) Factos não provados:
a) Que o prédio urbano descrito em 1) tenha uma área coberta de 84 m2 e seja composto por edifício térreo, com várias divisões.
b) Que os prédios urbanos descritos em 1) e 4) não tenham uma entrada comum.
c) Que o acesso do prédio urbano dos Réus à via pública se passou a fazer de forma exclusiva, após a substituição da porta referida em 10), pela porta existente na Rua 2, em Local 1.
d) [Eliminado – passou a provado].
e) Que a aquisição do prédio urbano descrito em 4) nunca tenha sido registada a título definitivo a favor dos vendedores outorgantes da escritura pública referida em 5).
f) Que os Réus, aproveitando-se da ausência da Autora, em virtude de missões no estrangeiro e depois da sua colocação profissional em Lisboa, passaram a utilizar um acesso à sua habitação através da porta de entrada da casa da Autora, sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, e abriram uma porta para o hall de entrada que dá para essa Rua.
g) [Eliminado].
h) Que a porta da Rua1, n.º 1, em Local 1, sempre existiu mas somente para dar acesso ao prédio da Autora.
i) Que a a atitude dos Réus criou grande nervosismo, angústias e graves perturbações emocionais à Autora, que perdeu o sono e o apetite.
j) Que Autora teve de recorrer, em consequência disso, a uma regular assistência médica e medicamentosa em razão das perturbações causadas.
k) Que a Autora e os seus filhos têm evitado deslocar-se ao seu prédio urbano em Local 1 para evitar conflitos, injúrias e ameaças físicas por parte dos Réus e isso é fonte de profundo desgosto e permanente inquietação.
l) Que nem a Autora, nem a sua família podem sossegar e fruir plenamente do seu prédio urbano descrito em 1).
*
10. – Da reapreciação jurídica da causa:
10.1. Já vimos que a decisão proferida em primeira instância foi de total improcedência dos pedidos formulados com consequente absolvição dos Réus.
No recurso de apelação a Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pela primeira instância argumentando essencialmente que estando em causa uma acção de simples apreciação negativa competia aos Réus provar que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio em causa e que estes não lograram fazê-lo, bem como discorda da aplicação feita pelo tribunal recorrido à situação vertente do DL 233/76 de 2 de abril, por ser inconstitucional, porque tal diploma investe o enfiteuta na titularidade do direito de propriedade do imóvel promovendo a ablação da propriedade sem qualquer contrapartida, tratando-se de uma expropriação, citando o art. 62.º da Constituição, que o referido diploma não tem credências constitucionais porque publicado anteriormente à aprovação e vigência da Lei fundamental, subordinando-se por isso ao disposto no n. 2 do art. 290.º da CRepP, que reza o seguinte: “O direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados.” e no caso é contrário; ainda que o prédio não foi objecto de registo à data da publicação daquele diploma, nem à data da última alteração que lhe foi introduzida; a A. impugnou o registo de aquisição uma vez que, repete-se, os RR. não poderiam ter a propriedade registada em seu nome porque, ainda no domínio da vigência da figura jurídica da enfiteuse, se limitaram a comprar o domínio útil do prédio e ficaram expressamente advertidos de que não poderiam proceder ao registo definitivo da aquisição sem que previamente o prédio fosse registado a título definitivo a favor dos vendedores; apesar da advertência expressamente feita nesse sentido pela Notária na escritura em causa, de 14/06/1963, o registo foi lavrado sem que a propriedade tivesse sido inscrita previamente e a título definitivo a favor dos transmitentes do domínio útil; fez-se constar da requisição de registo que o prédio estava omisso, mas não se cumpriu a exigência que a escritura documentava e que obrigaria ao tal registo prévio em nome dos transmitentes, até porque disso dependia a aplicação do diploma de 1976; que a figura da enfiteuse pressupõe a existência de um senhorio ou titular do domínio directo e um enfiteuta ou titular do domínio útil. Inexistindo senhorio inexiste enfiteuse, não podendo por isso os RR. prevalecer-se do diploma; que tendo sido revogada a figura da enfiteuse, competia ao Conservador promover a regularização do trato sucessivo, dado que não desconhecia a titularidade anterior do prédio e a qualidade em que possuíam, pois isso resulta da escritura levada a registo; o Conservador não justifica, mínima e legalmente, o registo feito, omitindo em absoluto que a escritura exarava simplesmente a aquisição do domínio útil do prédio; que o registo feito constitui uma inexistência jurídica, por absoluta falta de título, um vício que expressamente se argui (arts. 14.º e 15.º do Código do Registo Predial), daí que o DL 233/76 de 2 de abril deva ser julgado inconstitucional, também quando interpretado com o sentido, alcance e termos feitos pelo tribunal “a quo” e com os resultados práticos verificados, por violação dos arts. 2.º, 3.º, 13.º, 20.º, 62.º/2, 202.º/2 e 290.º/2 da CRepP, na medida em que ofende a tutela efectiva dos direitos de propriedade, e os princípios da adequação, da proporcionalidade e da protecção da confiança.
Os Recorridos discordam de tal entendimento e consideram que deve manter-se a sentença.
A apreciação do mérito da acção e do recurso exige que previamente se apure a exacta configuração da acção de modo a definir o seu objecto, o que cabe nela decidir e qual das partes tem o ónus da prova.
O pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, é o seguinte:
«a) ser declarado que os réus não são proprietários do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1675, da freguesia de Local 1;
b) ser declarada a inexistência de qualquer servidão a favor dos réus, ou qualquer direito destes, seja de que natureza for, de passagem ou de acesso ao prédio através da Rua 1, n.º 1, em Local 1;
c) serem os réus condenados solidariamente a pagar à A. a quantia de vinte e três mil euros, sendo três mil euros a título de danos materiais, e vinte mil euros a título de danos não patrimoniais, com juros à taxa legal desde a citação e até efectivo pagamento, tudo com custas e demais legal a cargo dos réus.».
Estamos assim perante uma cumulação de três pedidos.
Então, em resultado do primeiro e do segundo pedidos a acção tem a natureza de acção de simples apreciação negativa que o artigo 10.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil define como aquelas cuja finalidade é «obter unicamente a declaração da inexistência de um direito ou de um facto».
E o terceiro pedido coloca-nos em face de uma acção de condenação, porque tem por objecto exigir do demandado a prestação de um facto (artigo 10.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil).
Importa desde já referir que é perfeitamente lícito cumular os três pedidos acima mencionados, apesar da diversa natureza dos mesmos, por se verificar o condicionalismo previsto nos artigos 36.º e 37.º, do CPC, ex vi art. 555.º, n.º 1, do CPC.
A caracterização da natureza da acção é importante porque nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga – cfr. art. 343.º, n.º 1, do Código Civil (que rege sobre as regras do ónus da prova em casos especiais).
Ou dito de outro modo, se o réu se arroga titular de um crédito sobre o autor, ou se arroga proprietário de um prédio que pertence ao autor ou ainda se arroga titular de uma servidão de passagem ou outro direito real menor que onere prédio do autor, perante estas afirmações o autor pode requerer que se declare judicialmente que tal crédito ou direito real não existem e o ónus de prova dos factos constitutivos do direito de crédito ou do direito real em causa cabe precisamente ao réu.
No entanto, existe uma nuance importante neste tipo de acções – a quem cabe afinal a alegação da causa de pedir da acção propriamente dita? E qual é a causa de pedir nas acções desta natureza?
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora15, defendem que «nas próprias acções de mera declaração negativa o autor tem de mencionar a causa de pedir, ou seja, o facto concreto que serve de base à sua pretensão».
Como alerta Teixeira de Sousa16, «o art. 343.º, n.º 1, CC regula a distribuição do ónus da prova nas acções de simples apreciação negativa, impondo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Estes factos constitutivos só podem surgir em processo através de um pedido reconvencional do réu (art. 266.º, n.º 1), já que, para contestar os factos impeditivos ou extintivos alegados pelo autor, basta a impugnação (isto é, a negação) destes factos pelo réu (art. 574.º, n.º 1). (b) O art. 343.º, n.º 1, CC segue a regra geral de que a prova dos factos constitutivos compete à parte que os invoca (art. 342.º, n.º 1, CC) […] Da improcedência de uma acção de apreciação negativa de um direito só pode decorrer o reconhecimento da existência deste direito se o réu tiver alegado e feito prova dos factos constitutivos desse mesmo direito, ou seja, se o réu tiver deduzido o pedido reconvencional de declaração desse direito. A mera improcedência da acção pela não prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos alegados pelo autor significa apenas que não ficou demonstrada a não existência do direito».
Com efeito, se assim não fosse, bastaria ao devedor, numa jogada de antecipação à acção de cumprimento do credor, instaurar uma acção de simples apreciação negativa com o fundamento de que o réu continua a defender que o crédito não se extinguiu, para transferir para este o ónus de provar que o crédito subsiste quando a extinção do mesmo tem de decorrer de um facto extintivo cuja alegação e prova compete, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código de Processo Civil, ao devedor. Seria a estratégia processual a definir a regra do ónus da prova o que é de todo inconcebível (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2024, Catarina Serra, proc. n.º 693/22.8T8PDL.L1.S1, in www.dgsi.pt)17.
Então, ao instaurar a acção de simples apreciação negativa o autor tem de alegar o direito que pretende que seja declarado inexistente, isto é, o direito de que o réu se arroga titular e que tem o autor no polo passivo, na posição de devedor ou obrigado, bem como, tem ainda de fundamentar o seu interesse processual na instauração da acção.
Como já referido, como visam pôr termo a uma situação de incerteza, mediante a declaração da inexistência de um direito, só é legitimo lançar meio deste tipo de acções quando a parte que a ela recorre estiver perante uma incerteza real, séria e objectiva, e quando, dessa incerteza, lhe possa advir um dano.
Ao contrário das acções de condenação, não se destinam a condenar a parte, mas apenas a afirmar na ordem jurídica a inexistência de um direito por parte da demandada.
Por isso, como refere Alberto dos Reis18, na acção declarativa de simples apreciação “não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de um direito.”.
Como justificação das acções de simples apreciação, escreve ainda o mesmo autor: “o estado de incerteza sobre a existência de um direito ou de um facto é susceptível de causar prejuízo a uma pessoa; deve, por isso, pôr-se à disposição dessa pessoa um meio de se defender contra tais prejuízos. Esse meio é a acção declarativa. Quer dizer, o prejuízo inerente à incerteza do direito ou do facto legitima e justifica o uso da acção de simples declaração positiva ou negativa”.19
Estas acções podem servir igualmente para afirmar ou negar direitos reais.
E a propósito de direitos reais, Menezes Cordeiro20 elenca como acções de simples apreciação negativa ou negatórias aquelas pelas quais “o titular de um direito sobre determinada coisa consegue que seja judicialmente declarada a inexistência de outro direito real sobre a mesma coisa.”
E ainda José Alberto Vieira21, a propósito da legitimidade para a acção negatória, que identifica como acção de simples apreciação negativa, defende que pode ser instaurada pelo titular de um direito real maior (v.g. propriedade), quer contra quem se arroga titular de um direito real menor (servidão, usufruto), quer contra quem se arroga titular de um direito da mesma natureza. Nesta medida, o proprietário de uma coisa pode intentar acção de simples apreciação negativa contra quem se arroga titular do mesmo direito, de forma a ver declarada a sua inexistência. Nesta medida, esta acção não é de “reivindicação porquanto não se pede a restituição da coisa, e é negatória, uma vez que o pedido consiste na declaração da inexistência do direito do réu.”.
Nesta sequência, o putativo titular de um direito real sobre uma coisa pode instaurar acção contra quem se arroga titular de um direito real conflituante sobre essa mesma coisa, visando a declaração da inexistência desse direito, competindo-lhe alegar a correspondente causa de pedir: factos dos quais resulte a titularidade de um direito sobre a coisa e a incerteza jurídica criada pela parte demandada, com o consequente pedido de declaração da inexistência desse direito conflituante.
José Alberto Vieira22 salienta que “O fundamento da acção negatória é o direito real do autor; a causa de pedir, o facto jurídico do qual emerge o direito real invocado pelo autor da acção (art. 498º, nº 4 do CPC) e o pedido, a declaração da inexistência do direito real (…) do réu.”
Nestes termos, estando em causa um direito real, ao autor incumbe a prova do facto aquisitivo do direito real invocado e à parte demandada incumbe o ónus de prova “dos factos constitutivos do direito que se arroga.” (artº 341, nº1 do C.C.), resultando da ausência de prova destes factos a procedência da acção.
Dito de outro modo, se o ónus de prova de que o direito existe a seu favor cabe ao réu, já ao autor cabe a alegação e prova dos factos indiciadores do seu estado de incerteza e dos factos que demonstram o seu direito (real) sobre o imóvel e que são, ao mesmo tempo, impeditivos do (presumido) direito de propriedade (ou outro direito real menor, como a servidão de passagem) a favor do réu.
Neste sentido, para melhores desenvolvimentos sobre esta temática podem ser consultados o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/12/202423 (Aristides Rodrigues de Almeida, proc. n.º 13867/22.2T8PRT.P1, www.dgsi.pt) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/09/202424 (Cristina Neves, proc. n.º 142/19.9T8ALD.C1, www.dgsi.pt).
Quer isto dizer, volvendo ao caso concreto, que aos Réus cabia o ónus de prova do seu direito de propriedade e à Autora, para além da alegação da inexistência do direito e dos factos indiciadores do estado de incerteza ou de insegurança que justificam a demanda judicial, a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado pelos Réus que mais do que factos impeditivos do direito invocado pelos Réus, constituem afinal a sua causa de pedir e que justificam a sua legitimidade para a instauração desta acção.
*
10.2. Posto isto, no caso concreto em apreciação, no que toca ao primeiro pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, resulta desde logo evidente que não existe qualquer conflito relativamente ao direito de propriedade dos Réus, porque a Autora não alegou ser titular de qualquer direito real conflituante sobre o prédio onde habitam os Réus nem que estes se arrogam proprietários do prédio daquela.
Com efeito, na sua Petição Inicial a Autora foi bastante clara ao alegar que “1.º “A A. é proprietária, conjuntamente com os seus filhos … do prédio sito na Rua 1, n. 1, em Local 1, actualmente descrito sob a ficha n. 358/19901107 … inscrito na matriz predial urbana … sob o art. 38” e que “3.º “No mesmo edifício e a paredes-meias, mas constituindo um prédio autónomo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1675, da freguesia de Local 1, vivem os 1.º e 2.º RR…” e ainda que “4.º “O imóvel em causa comporta assim duas habitações distintas, com entradas diversas, que não têm uma entrada comum e que por isso não estão constituídas em propriedade horizontal”.
Ou seja, a Autora salientou logo desde o início na sua P.I. que tanto esta como os Réus têm prédios perfeitamente autónomos entre si, bem como, ao longo de toda a sua Petição Inicial nunca alegou que os Réus se arrogam como proprietários do seu prédio (sito na Rua 1, n. 1, em Local 1, actualmente descrito sob a ficha n. 358/19901107, inscrito na matriz predial urbana, sob o art. 38).
Deste modo, no que diz respeito ao direito de propriedade da Autora sobre o prédio em causa não existe qualquer dúvida, incerteza ou conflito que possa derivar da circunstância dos 1.º e 2.º Réus serem ou não titulares do direito de propriedade sobre um outro prédio localizado “paredes-meias” com aquele, isto é, não são conflituantes tais direitos reais – por isso não se verificam os pressupostos necessários para apreciação negativa do primeiro pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, ficando assim prejudicada a apreciação das demais questões com este relacionadas.
O único conflito, no âmbito da apreciação da presente acção de simples apreciação negativa, diz respeito essencialmente à utilização de um determinado local do interior do edifício – o espaço correspondente ao hall de acesso e porta à via pública pela Rua 1:
– A Autora alega que os Réus utilizam esse espaço e entende que não o podem utilizar;
– Os Réus alegam que utilizam esse espaço e entendem que têm o direito de o fazer.
Mas note-se que nunca a Autora alegou que os Réus se arrogaram como proprietários desse espaço nem os Réus na sua Contestação alegaram tal circunstância, nem por via de excepção nem por via de reconvenção.
Então, compete reapreciar o segundo pedido formulado pela Autora, ora Recorrente: esta pretende que se declare a “inexistência de qualquer servidão a favor dos Réus, ou qualquer direito destes, seja de que natureza for, de passagem ou de acesso ao prédio através da Rua 1, n.º 1, em Local 1.”.
Ora, relativamente a esta “servidão” ou “direito de passagem” ou “acesso” (mesmo independentemente do modo de qualificação jurídica desse direito), podemos desde já adiantar que concordamos no essencial com o que consta da fundamentação da sentença recorrida, porque para a Autora poder obter o reconhecimento de que os Réus não têm direito de utilizar o hall de entrada e porta de acesso à Rua 1 teria de alegar e provar ser proprietária desse mesmo espaço.
Contudo, a Autora não logrou provar ser proprietária desse espaço ou, dito de outro modo, não logrou provar que tal espaço pertence ao seu prédio, para poder assim ver reconhecida a inexistência do direito de utilização por parte dos Réus.
Então, como consta da fundamentação da sentença a este propósito [transcrição]:
«E facilmente percebemos que para que se possa falar de servidão de passagem – seja para o seu reconhecimento, seja para o seu não reconhecimento, como pretende a Autora – é necessário que exista, antes de mais, um prédio que se diga serviente (o sujeito à servidão) e um outro denominado de prédio dominante (o que dela beneficia), tal como preceitua o art. 1543º do Código Civil.
No caso em apreço, a Autora configura a causa de pedir como sendo o seu prédio urbano (inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 38 da freguesia de Local 1) o denominado prédio serviente e o prédio urbano dos Réus (inscrito na matriz predial sob o artigo 1675 da freguesia de Local 1) o prédio dominante.
Dito de outra forma, para que se possa reconhecer (ou não), no caso em análise, uma possível servidão de passagem, a área que compreende o hall de entrada, a escadaria e a porta do exterior sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, teria necessariamente que encontrar-se incluída na área total do prédio urbano da Autora. E nessa medida, os Réus, enquanto proprietários do imóvel ao lado, teriam (ou não) a faculdade de se aproveitar das utilidades de prédio da Autora em benefício do aproveitamento das utilidades do seu próprio prédio.
Acontece, porém, que da factualidade dada como provada, não resulta assente que essa área que compreende o hall de entrada, a escadaria e a porta do exterior sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, seja parte integrante da área total do prédio urbano da Autora. Ou seja, que essa área/entrada esteja dentro/faça parte da área total do prédio urbano da propriedade da Autora.
Na verdade, nem sequer resulta da factualidade dada como assente que essa área/entrada sita na Rua 1, n.º 1, em Local 1, seja parte integrante do prédio urbano dos Réus. Realidade que estes, diga-se em abono da verdade, nunca invocaram, contrariamente ao que fez a Autora em todo o articulado inicial9.
Em face da inexistência de um prédio a que se possa qualificar de serviente – um imóvel que se encontre sujeito ao aproveitamento das suas utilidades, no caso, o beneficio de aceder da via pública ao interior de um outro prédio – torna-se juridicamente impossível reconhecer-se (ou não) a existência de uma servidão de passagem, seja ela constituída por usucapião ou por outra qualquer via legalmente estipulada.
Em suma, sem prédio onerado, não se pode considerar a existência de uma servidão de passagem, ou um ónus de qualquer outra natureza.
Porém, esta impossibilidade de reconhecimento da existência de uma servidão de passagem por via da usucapião não significa que esse direito real de gozo não exista efectivamente no caso em análise. Esse direito pode-se ter constituído na esfera jurídica dos Réus e carecer de reconhecimento judicial. Significa tão só que, com a factualidade dada como assente nestes autos, não é possível a este Tribunal considerar a verificação e reconhecimento (ou não) desse direito.
Nessa medida, não se pode ponderar a procedência deste pedido formulado pela Autora (ainda que seja de simples apreciação negativa – cfr. art. 10º, n.º 3, al. a), do CPC), que naturalmente se deve julgar improcedente, o que se determina.».
Cumpre apenas acrescentar que a Autora, ora Recorrente, não só não demonstrou que o espaço em causa faz parte do seu prédio como ainda não alegou na sua Petição Inicial a prática de factos susceptíveis de aquisição do espaço em causa por usucapião (ou outro modo de aquisição originário).
Importa ainda salientar que a Recorrente, nas suas alegações não se insurge contra aquele enquadramento jurídico que veio a julgar totalmente improcedente o segundo pedido formulado (sobre a inexistência de qualquer servidão a favor dos Réus, ou qualquer direito destes, seja de que natureza for, de passagem ou de acesso) mas apenas se insurge contra o enquadramento jurídico referente ao primeiro pedido formulado (sobre a inexistência do direito de propriedade dos 1.º e 2.º Réus), que já vimos não se verificarem os necessários pressupostos para a sua apreciação.
Nesta sequência, como bem salientado na sentença recorrida, em face da inexistência de um prédio a que se possa qualificar de serviente – um imóvel que se encontre sujeito ao aproveitamento das suas utilidades, no caso, o beneficio de aceder da via pública ao interior de um outro prédio – torna-se juridicamente impossível reconhecer-se (ou não) a existência de uma servidão de passagem, seja ela constituída por usucapião ou por outra qualquer via legalmente estipulada.
Termos em que, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo sobre a validade do registo de aquisição feito em nome dos 1.º e 2.º Réus referente ao prédio descrito sob o n.º 1761 da freguesia de Local 1, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso de apelação confirmando-se a sentença recorrida.
*
11. Responsabilidade Tributária
As custas do recurso de Apelação são a cargo da Recorrente/Autora.
*
III. DISPOSITIVO
Nos termos e fundamentos expostos,
1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente/Autora e, em consequência confirmar a sentença.
2. Custas do recurso de Apelação são a cargo da Recorrente/Autora.
3. Registe e notifique.
*
Évora, data e assinaturas certificadas
Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto
2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques
1. Em resultado da redução do pedido apresentada pela Autora e admitida por decisão de 18/01/2021.↩︎
2. Deixado em branco no original.↩︎
3. Deixado em branco no original.↩︎
4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f4c369730e08ba8680258b17002e112a?OpenDocument↩︎
5. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4147f7504c91d0880258aa0003bc7ab?OpenDocument↩︎
6. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6aeec6e660d904980258ad9003e5976?OpenDocument↩︎
7. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6aeec6e660d904980258ad9003e5976?OpenDocument↩︎
8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f16e66acd65cfb9e80258bb70050fd26?OpenDocument↩︎
9. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ab7ea227ed095e67802588bf0049973c?OpenDocument↩︎
10. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7bcbb03d432e34bb80258b17003d06a9?OpenDocument↩︎
11. Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 28.↩︎
12. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/02/2016 (António Carvalho Martins, proc. n.º 2316/12.4TBPBL.C1, www.dgsi.pt).↩︎
13. Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 32.↩︎
14. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7bcbb03d432e34bb80258b17003d06a9?OpenDocument↩︎
15. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. actualizada, pág. 245, nota 3.↩︎
16. Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil online, disponível no blog https://blogippc.blog spot.com/2024/07/cpc-online-21.html↩︎
17. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/745fc9bfd60b4fae80258b0400579719?OpenDocument↩︎
18. Alberto dos Reis, José, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 15.↩︎
19. R.L.J. Ano 80º- 231.↩︎
20. CORDEIRO, António de Menezes, Direitos Reais, Lex, 1993, pág. 594.↩︎
21. VIEIRA, José Alberto, Direitos Reais, Almedina, 2º edição, 2018, págs. 444.↩︎
22. VIEIRA, José Alberto, ob. cit, pág. 445.↩︎
23. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/dedecb759aad920b80258bf9005e4ca5?OpenDocument↩︎
24. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/d234af436e03701d80258bb0004d77a7?OpenDocument↩︎