O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
Com efeito, no que diz respeito à escolha da pena, sua medida e pena de substituição, não se vislumbra afectação de algum dos seus direitos subjectivos e/ou interesses, nem a inflição de uma desvantagem, não se podendo olvidar que se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público.
No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP.
1. Nos presentes autos com o nº 69/22.7MAPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foram os arguidos AA e BB condenados, por sentença de 23/10/2024, nos seguintes termos:
AA
- Pela prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em que figura como vítima a assistente CC, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, o que perfaz o montante global de 420,00 euros.
BB
- Pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em que figura como vítima a assistente CC, na pena de 140 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros.
- Pela prática, como autor material, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros.
Após cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 215 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros, o que perfaz o montante global de 1.720,00 euros.
AA foi absolvida da prática, como autora material, do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, por que vinha pronunciada.
BB foi absolvido da prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pessoa do assistente DD, por que vinha pronunciado.
Foi ainda o demandado/arguido BB condenado no pagamento ao Centro Hospitalar Universitário …, a título de indemnização civil, da quantia de 174,71 euros, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a sua notificação para contestar o pedido formulado.
Mais foi decidido:
- Condenar o demandado BB no pagamento à demandante CC das quantias de 83,54 euros e 1.185,77, no total de 1.269,31 euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a sua notificação para contestar o pedido de indemnização.
- Absolver a demandada AA do pagamento de qualquer indemnização a título de danos patrimoniais.
- Condenar o demandado BB no pagamento à demandante CC da quantia de 4.400,00 euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, contabilizados à taxa legal desde a data da prolacção da sentença.
- Condenar o demandado BB no pagamento de eventuais danos futuros que venham a ser sofridos pela demandante CC em resultado de intervenção médica ou cirúrgica relacionada com a fractura do estiloide cubital sofrida em 23/09/2022, equivalentes à quantia que deixe de auferir, a título de vencimento pela actividade profissional à data desenvolvida, no período em que se encontre de baixa médica, desde que se prove o nexo causal com a conduta do demandado/arguido e que, comprovadamente, não seja tal perda de rendimento suportada pela Segurança Social, tudo a fixar em execução de sentença.
- Condenar a demandada AA no pagamento da quantia de 600,00 euros à demandante CC, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a data da prolacção da sentença;
- Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante DD improcedente, por não provado e absolver os demandados AA e BB do mesmo.
2. Os assistentes CC e DD não se conformaram com a decisão e dela interpuseram recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
A. O presente recurso tem como objeto a reapreciação da matéria de facto provada e não provada, mais concretamente os factos dados como provados sob os pontos 2., 3., 6., 7., 8., 9., 16. e 17. e os factos dados como não provados sob os pontos 55., 58., 59., 62., 63. e 64..
B. Entendem os recorrentes que devem ser alterados os factos dados como provados sob os pontos 2., 3., 6., 7., 8., 9., 16. e 17.
C. O Tribunal a quo considerou provado, nos pontos 2., 3., 6., 7., 8., 9., os seguintes factos:
2. AA, que se encontrava na fila de pagamento, atrás de CC, sugeriu que esta fosse levantar dinheiro numa máquina ATM, já que se estava a formar uma fila de pessoas.
3. CC respondeu que saía quando conseguisse efectuar o pagamento e que teria que esperar, tendo-se gerado uma troca de palavras entre ambas.
6. No momento em que CC apontou o telemóvel na sua direcção, AA fez um gesto abrupto, não concretamente apurado, no sentido de o baixar, evitando, assim, que a assistente a fotografasse ou filmasse.
7. Acto contínuo, envolveram-se em agressões mútuas, agarrando-se pelos cabelos e desferindo chapadas uma à outra, na cara e na cabeça, sem que se tenha apurado quem iniciou a contenda.
8. As agressões entre ambas cessaram quando foram separadas por DD, marido de CC, altura em que AA afirmou que se encontrava grávida.
9. Em momento não concretamente apurado, no decurso da altercação entre ambas, o telemóvel da assistente caiu ao solo, partindo parte do visor.
D. O Tribunal a quo indica na sentença recorrida que formou a sua convicção com base nas declarações das partes, CC e AA, e nos depoimentos das testemunhas DD e EE. Contudo, desvalorizou as provas que demonstravam os insultos e agressões iniciados pela recorrida, privilegiando uma versão desconexa e seletiva apresentada pela própria recorrida, atuando em completo desacordo com os elementos probatórios produzidos em audiência.
E. Embora a recorrida tenha apresentado um relato com evidentes lacunas e contradições, o Tribunal a quo deu-lhe um peso desproporcionado, ignorando as suas inconsistências. A versão de AA aparenta ser uma tentativa de minimizar a sua conduta, ocultando os insultos e as agressões iniciais, que são centrais na apreciação do caso.
F. Os pontos 2. e 3. da matéria de facto provada sugerem, de forma irreal, que a recorrida agiu de forma educada e cortês ao propor que CC fosse levantar dinheiro. Esta narrativa desconsidera a evidência de insultos xenófobos e ofensivos proferidos pela recorrida, ignorando o cerne dos acontecimentos e distorcendo os factos apresentados em audiência.
G. A recorrente CC, relatou nas suas declarações de partes que foi alvo de conduta hostil e desrespeitosa por parte da recorrida AA, que iniciou o conflito ao acusá-la, sem fundamento, de burlar a máquina de pagamento. A situação agravou-se com insultos xenófobos, como "volta para o teu país" e "brasileira de merda", proferidos pela recorrida ao tomar conhecimento da nacionalidade da recorrente, revelando um comportamento discriminatório e preconceituoso.
H. Ainda de acordo com o que foi relatado pela recorrente CC em suas declarações de parte, ao concluir o pagamento do estacionamento, a mesma sofreu uma espécie de um empurrão da recorrida AA, o que motivou a recorrente a buscar o seu telemóvel no veículo para gravar os insultos da recorrida.
Foi nesta ocasião em que a recorrida desferiu uma chapada no telemóvel da recorrente, atirando-o ao chão, e avançou para um confronto físico.
I. O relato da recorrente foi consistente e corroborado pelas testemunhas DD e EE, que confirmaram elementos cruciais para a descoberta da verdade material.
J. DD também prestou um depoimento detalhado, indicando ter observado a recorrida a dirigir gestos hostis e a proferir insultos discriminatórios – nas suas declarações de parte, o recorrente descreve os insultos: “brasileira de merda” e “volta pro teu país” –, incluindo as expressões xenófobas mencionadas, no momento em que a recorrente CC tentava efetuar o pagamento do estacionamento.
Também descreveu claramente a agressão inicial, afirmando que AA desferiu uma chapada no telemóvel de CC, causando a queda e dano do aparelho, tendo ainda sido esta quem iniciou as agressões físicas, ao avançar na direção da recorrente.
K. Embora DD seja marido da recorrente, o seu depoimento foi sólido, objetivo, direto e isento de contradições, com detalhes que corroboram os factos relatados pela recorrente CC. Ele descreveu, de forma coesa, a conduta inicial da recorrida, os insultos xenófobos, o dano ao telemóvel e o início das ofensas físicas.
L. No mesmo sentido, a testemunha EE confirmou ter ouvido insultos discriminatórios proferidos pela recorrida, como "se não tens dinheiro, volta para o teu país". Embora não tenha conseguido determinar quem iniciou as agressões físicas, mencionou uma troca de puxões de cabelo e descreveu a elevada tensão emocional entre as partes. Relatou ainda ter visto o telemóvel da recorrente a cair durante a confusão, alinhando-se parcialmente à versão apresentada.
M. O facto de EE não ter conseguido detalhar o início das agressões ou o modo exato como o telemóvel foi danificado não deveria justificar a desconsideração de todos os outros elementos essenciais relatados em conjunto pelas testemunhas.
N. Os três depoimentos – da recorrente CC, DD e EE – complementam-se, formando um quadro probatório coeso. Embora apresentem algumas diferenças em pormenores, convergem na identificação de AA como instigadora do conflito, tanto pelos insultos xenófobos como pelo dano ao telemóvel e pela agressão inicial.
O. O Tribunal a quo, ao valorizar a versão fragmentada e contraditória de AA, desconsiderou injustificadamente os elementos coerentes apresentados pelas testemunhas e pela recorrente. A decisão retrata a recorrida de forma favorável, ignorando provas claras da sua conduta provocadora, agressiva e criminosa.
P. A sentença recorrida omitiu aspetos cruciais, como o impacto da chapada no telemóvel da recorrente e os insultos de cariz xenófobo que deram origem ao conflito. Tal omissão demonstra uma apreciação enviesada, afastando-se da verdade material e subvalorizando o comportamento criminosa da recorrida desde o início.
Q. Em conclusão, as provas e os depoimentos apresentados indicam que AA teve uma conduta provocadora e desrespeitosa, sendo a principal instigadora do conflito. A decisão do Tribunal a quo negligenciou esses elementos, resultando numa apreciação injusta e contrária à realidade dos factos provados.
R. Em face dos documentos carreados para os autos e dos excertos das declarações de parte da recorrente e das testemunhas DD e EE, considera a recorrente que os pontos 2., 3., 6., 7., 8. e 9. dos factos provados e os pontos 55. E 64. dos factos não provados foram incorretamente julgados.
S. Deste modo, quanto a esta questão, deverá ser dado como provado os seguintes pontos:
2. AA, que se encontrava na fila de pagamento imediatamente atrás de CC, começou a reclamar da demora dizendo “Ah, pá Estás a... A burlar a máquina. Vou chamar a polícia”;
3. CC respondeu que estava a tentar pagar e que o problema era a máquina, tendo AA dito à mesma: “Ah, tu não tens dinheiro”, “Volta pro teu país”. “Brasileira de merda”.”;
6. No momento em que CC apontou o telemóvel na sua direcção, AA desferiu uma chapada contra o telemóvel atirando-o ao chão, tendo danificado o ecrã do aparelho, e de seguida, partiu em direção de CC para agredi-la;
7. Acto contínuo, envolveram-se em agressões mútuas, agarrando-se pelos cabelos e desferindo chapadas uma à outra, na cara e na cabeça
8. DD tentou separá-las, mas as agressões entre ambas apenas cessaram quando AA afirmou que se encontrava grávida.
T. Relativamente aos pontos 16. e 17. o Tribunal a quo considerou provado os seguintes pontos:
16. Ao aproximar-se de DD, ergueu o capacete e dirigiu-o à cabeça deste, tendo o assistente levantado o braço, como forma de se proteger, esquivando-se à pancada;
17. Quase em simultâneo, acorreram ao local dois indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, que se dirigiram a DD, pelas costas, agredindo-o, de modo não concretamente apurado;
U. O Tribunal a quo cometeu um grave erro ao ignorar critérios de razoabilidade nos pontos 16. e 17. da matéria provada, ao desvalorizar provas materiais, como videograma e relatórios médicos, que confirmam as lesões sofridas por DD.
Estes elementos demonstram como o recorrido agrediu o recorrente, além de descrever lesões compatíveis com agressões frontais, contrariando a decisão de que o recorrido BB, embora agressivo, não atingiu o assistente com o capacete.
V. O relatório médico detalha escoriações e equimoses no rosto, tórax e membros inferiores de DD, que corroboram agressões diretas. O Tribunal a quo, no entanto, priorizou declarações do recorrido, que mencionou ter levantado o braço em defesa, mas ignorou que as lesões são consistentes com impactos do capacete, como demonstrado no videograma, onde se ouvem sons de pancadas não captados no vídeo devido ao ângulo da câmara.
W. A tese do Tribunal a quo no sentido de que o impacto do capacete teria provocado fraturas ignora a variabilidade das lesões, que dependem do ângulo e intensidade.
Ainda que sem fraturas, as marcas descritas no relatório médico apontam para agressões compatíveis com o uso de um objeto rígido, como um capacete, reforçando a violência empregada pelo recorrido BB.
X. O Tribunal a quo considerou provado na decisão recorrida que o recorrente foi agredido por terceiros pelas costas, dando a entender que tais lesões possam ter resultado disso. No entanto, esta hipótese é contraditada pelos relatórios médicos, que descrevem lesões frontais.
Y. Estas evidências demonstram claramente que as agressões só podem ter sido causadas por um agressor que tenha atacado a vítima pela frente, o que reforça a culpabilidade do recorrido.
Z. O depoimento do recorrente DD, ao mencionar que o capacete não o atingiu diretamente na cabeça devido ao braço levantado em defesa, não exclui o impacto no resto do corpo.
AA. Na decisão recorrida este depoimento se sobrepôs ao videograma e ao relatório médico, elementos que apontam fortemente para a agressão praticada pelo recorrido BB.
BB. O Tribunal a quo priorizou depoimentos que apresentavam lacunas e contradições em detrimento do videograma e dos relatórios médicos. Embora os depoimentos das testemunhas sejam fontes válidas, estas não deveriam sobrepor- se a provas materiais que oferecem maior objetividade e precisão sobre os factos, incluindo o videograma e o relatório pericial.
CC. A fundamentação do Tribunal a quo ao interpretar a ausência de fraturas como prova de inexistência de agressão revela um entendimento limitado sobre o impacto de objetos rígidos em situações de violência. As lesões documentadas são típicas de impactos desferidos com o uso de um objeto como o capacete utilizado pelo recorrido, o que evidencia a inadequação da decisão.
DD. O videograma anexado aos autos demonstra, de forma clara, o comportamento agressivo do recorrido BB ao dirigir-se ao recorrente DD com um capacete empunhado, adotando uma postura hostil e realizando movimentos corporais e faciais indicativos de agressão. No momento em que se ouve um som de impacto, os dois indivíduos que, de acordo com a sentença recorrida, teriam agredido o recorrente pelas costas ainda se encontravam a uma distância considerável do mesmo, conforme registado pela câmara, o que descarta a possibilidade de que tenham sido responsáveis pelas lesões descritas no relatório médico. Esses factos reforçam que o impacto e as lesões foram resultados direto da conduta do recorrido.
EE. Este registo audiovisual, aliado às provas periciais, deveria ter sido determinante para fundamentar a decisão, corrigindo a leitura errada dos factos pelo Tribunal.
FF. A decisão de primeira instância negligenciou elementos probatórios objetivos, o que resultou numa análise genérica e numa conclusão desconexa com a lógica dos acontecimentos. As provas demonstram de forma inequívoca que as lesões de DD resultaram diretamente da conduta de BB.
GG. O fundamento do Tribunal a quo, de que o impacto seria insuficiente para causar fraturas, ignora que a gravidade das lesões varia conforme o ângulo e a intensidade do impacto. Assim, a análise conjunta do videograma, do som do impacto e da prova médica corrobora que as lesões sofridas pelo recorrente foram provocadas pela ação do recorrido BB.
HH. Face às provas apresentadas, torna-se necessário reformular os pontos 16. e 17. da matéria provada, reconhecendo que os golpes desferidos pelo recorrido com o capacete causaram as lesões descritas no relatório médico. Essa revisão é imprescindível para assegurar uma decisão justa e fundamentada.
II. Em face dos documentos carreados para os autos e dos excertos das declarações de partes e das testemunhas, considera a recorrente CC que os pontos 16. E 17. dos factos provados e os pontos 58., 59., 62. e 63. dos factos não provados foram incorretamente julgados.
JJ. Deste modo, quanto a esta questão, deverá ser dado como provado os seguintes pontos:
16. BB, com o intuito de causar dores e lesões corporais, desferiu golpes com o capacete no corpo de DD, causando-lhe, como consequência directa e necessária da conduta de BB, o ofendido DD sofreu as seguintes lesões:
- na face: duas escoriações lineares com cerca de 1 cm x 0,3 cm (eixo: longitudinal x transversal) localizadas no 1/3 externo a sobrancelha à direita.
- no tórax: equimose no terço médio da face lateral à direita do tórax com cerca de 6 cm no seu maior diâmetro;
- no membro inferior esquerdo: escoriação com cerca de 1 cm no seu maior diâmetro, localizada na face dorsal do 3.º dedo do pé com fractura do terço distal da unha.
17. A conduta perpetrada pelo arguido BB causou, no assistente DD, dores, sofrimento, angústia, desgaste emocional e psicológico, preocupação, medo e constrangimentos pessoais e profissionais.
KK. Face ao exposto, a decisão do Tribunal a quo, ao absolver a recorrida AA do crime de dano relativo ao telemóvel de CC e o recorrido BB do crime de ofensa à integridade física simples contra DD desconsidera provas materiais, testemunhais e audiovisuais robustas.
LL. Pelo que os recorrentes solicitam uma reavaliação rigorosa dos factos e da provas apresentadas, com a consequente condenação dos recorridos e conformidade com a lei aplicável.
MM. Relativamente ao crime de dano, a atuação de AA ao derrubar telemóvel de CC, causando a quebra do visor, preenche todos os elemento do tipo legal previsto no artigo 212.º do CP. O Tribunal de primeira instância desvalorizou indevidamente o nexo causal direto entre a conduta da recorrida e o dano causado. Mesmo que não tenha havido intenção específica de danificar o dispositivo, o comportamento agressivo foi suficiente para gerar o resultado danoso.
NN. Além disso, as expressões xenófobas proferidas pela recorrida contra a vítima, como "brasileira de merda, volta para o teu país", evidenciam motivação discriminatória, que deveria ter levado à qualificação do crime com base no artigo 145.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, em conjugação com a alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º. A ausência de tal qualificação desvaloriza a gravidade do comportamento da recorrida e a necessidade de responsabilização adequada.
OO. Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, o recorrido BB agiu de forma intencional e agressiva ao atingir DD com um capacete, causando lesões documentadas por relatórios médicos. Este comportamento enquadra-se no artigo 143.º, n.º 1 do CP. O Tribunal de primeira instância desconsiderou o nexo de causalidade claro entre a conduta do recorrido e as lesões sofridas pela vítima, mesmo diante de provas documentais e audiovisuais inequívocas.
PP. A ausência de responsabilização penal dos recorridos demonstra um erro material na apreciação da prova e compromete os princípios de justiça e proteção às vítimas. Os elementos subjetivos e objetivos exigidos pelos tipos legais estão claramente preenchidos, exigindo a reformulação da sentença para garantir a condenação dos recorridos.
QQ. Assim, solicita-se a condenação da recorrida AA pelo crime de dano, qualificado pelo artigo 145.º do CP, devido à motivação xenófoba, e do recorrido BB pelo crime de ofensa à integridade física simples.
RR. A reformulação da sentença é imprescindível para assegurar a justiça e evita a impunidade.
SS. Por fim, requer-se a reavaliação da prova, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, a) do CPP, para que sejam devidamente ponderados os elementos probatórios que comprovam de forma inequívoca os crimes praticados.
TT. O artigo 401.º, n.º 2, do CPP assegura aos assistentes o direito de recorrer de decisões finais, especialmente quando estas causam prejuízo direto aos seus interesses. No caso em questão, a pena aplicada ao recorrido BB, de apenas 140 dias de multa, é manifestamente desproporcional face à gravidade dos factos provados.
UU. Foram considerados provados os seguintes factos:
18. assistente CC saiu do veículo, gritando que o marido nada tinha a ver com o assunto, momento em que o arguido BB se lhe dirigiu novamente, desferindo-lhe uma chapada na face, que provocou a sua queda ao solo.
19. Já com a assistente no chão, o arguido desferiu pontapés que a atingiram nas costas, mais a apelidando de “brasileira de merda”.
21. As agressões apenas cessaram por intervenção dos seguranças do recinto, que contactaram a Polícia Marítima, a fim de tomar conta da ocorrência.
24. Como consequência directa e necessária da conduta de BB, a ofendida CC sofreu as seguintes lesões:
- no membro superior direito: trauma do punho, com fractura do estiloide cubital, que careceu de imobilização gessada;
- no membro inferior direito: edema doloroso à palpação no bordo externo do calcâneo;
- no membro inferior esquerdo: equimose no glúteo à esquerda, com cerca de 9 cm por 13 cm (eixo: longitudinal x transversal).
VV. Ora, apurou-se que o recorrido BB desferiu uma chapada que fez CC cair ao solo, agredindo-a em seguida com pontapés, apenas cessando as agressões com a intervenção de seguranças, evidenciando a brutalidade da conduta.
WW. Cabe ressaltar que as agressões ocorreram em um espaço público, na presença de diversas pessoas, enquanto o recorrido proferia insultos xenófobos como "brasileira de merda".
XX. A vítima sofreu lesões físicas severas, incluindo fratura do punho direito, edema no calcâneo direito e equimose extensa, além de danos psicológicos significativos, diagnosticados como síndrome de ansiedade e stress pós-traumático.
YY. A decisão de primeira instância, no entanto, desconsiderou a violência e a humilhação sofridas pela vítima, qualificando o seu testemunho como "excessiva vitimização". Tal análise menosprezou o impacto físico, emocional e social das agressões, subestimando a necessidade de uma pena que garanta a prevenção e a proteção das vítimas.
ZZ. Por outro lado, a decisão recorrida deu peso desproporcionado à ausência de antecedentes criminais dos recorridos e à confissão parcial de BB, ignorando que a confissão foi inevitável face às provas robustas nos autos. Ademais, o recorrido não demonstrou arrependimento genuíno nem procurarou reparar os danos causados.
AAA. O artigo 71.º do CP determina que a pena deve considerar o grau de culpa, a ilicitude do ato e os prejuízos causados. A aplicação de uma multa mínima revela-se insuficiente para atender aos critérios legais e para expressar o repúdio social por atos de violência xenófoba praticados em espaço público.
BBB. A conduta do recorrido enquadra-se nas circunstâncias qualificativas previstas no artigo 145.º, n.º 1, conjugado com o artigo 132.º, n.º 2, alínea f), do CP, devido aos insultos xenófobos proferidos durante as agressões. Este agravamento deveria ter sido considerado, pois a motivação discriminatória intensifica a censurabilidade do ato.
CCC. A aplicação de uma pena mais severa, como prisão suspensa condicionada a injunções, seria uma resposta penal mais eficaz, cumprindo os objetivos de prevenção geral e especial, previstos no artigo 40.º do CP, ao mesmo tempo que reforça o caráter educativo e dissuasor da sanção.
DDD. A pena aplicada não reflete a gravidade da conduta nem o impacto sobre a vítima, enfraquecendo a função preventiva do sistema penal. A revisão da sentença é necessária para garantir uma resposta proporcional aos factos provados e para reafirmar a importância da proteção da dignidade humana, consagrada no artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa.
EEE. O contexto das agressões, em que um homem fisicamente superior atacou uma mulher mais vulnerável fisicamente, acompanhado de insultos discriminatórios, exige um juízo de censura firme. A pena de multa aplicada ignora os valores fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico e compromete a confiança da sociedade no sistema de justiça.
FFF. Assim, é imprescindível que o Tribunal da Relação reavalie a sentença, substituindo a pena de multa por uma pena de prisão suspensa condicionada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de condutas, ou, alternativamente, agravando a pena de multa ao seu limite máximo. Apenas uma resposta penal proporcional poderá garantir a efetiva proteção dos direitos da vítima e o repúdio adequado à conduta do recorrido.
GGG. Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do CC, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela jurídica, assegurando à vítima uma compensação económica.
HHH. A fixação da indemnização deve observar critérios de equidade, tendo em conta a extensão e a gravidade dos danos, o grau de culpa do agente e as circunstâncias do caso. Doutrina e jurisprudência apontam para uma ponderação prudencial, baseada na boa prudência, bom senso e ponderação das realidades da vida, devendo-se garantir uma compensação que, mesmo não reparando integralmente o dano, proporcione alguma satisfação à vítima.
III.O Tribunal a quo não fixou adequadamente as indemnizações devidas aos recorrentes pelos danos não patrimoniais sofridos.
JJJ. No caso da recorrente CC, ficou provado que sofreu agressões físicas que resultaram num período de 42 dias de doença, incapacidade para o trabalho, dores persistentes e limitações no membro superior direito até outubro de 2023. Foi também diagnosticada com síndrome de ansiedade e stress pós-traumático, incluindo perturbações no sono, diretamente relacionadas com as agressões físicas e verbais praticadas pelos recorridos, que ainda incluíram insultos xenófobos.
KKK. O sofrimento psicológico da recorrente CC foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas DD e EE, que relataram as dificuldades emocionais e as mudanças no comportamento da vítima, que passou a evitar locais que anteriormente frequentava por receio de reviver o trauma. A violência física e verbal, ocorrida em público e perante testemunhas, constitui uma grave violação de bens jurídicos protegidos, justificando uma compensação de € 15.000,00 pelos danos sofridos, conforme o artigo 496.º do CC.
LLL. Relativamente ao recorrente DD, provou-se que foi vítima de uma agressão física praticada pelo recorrido BB, que violou o seu direito à integridade física e dignidade. Apesar de as lesões sofridas pelo recorrente não terem sido tão graves quanto as de CC, é justa uma compensação de € 5.000,00 pelos danos morais e psicológicos experimentados.
MMM. Ainda que o Tribunal ad quem entenda que as lesões não foram diretamente causadas pelas pancadas desferidas pelo recorrido, existe nexo causal entre a conduta violenta do recorrido e o sofrimento do recorrente, justificando a indemnização pelos danos não patrimoniais.
NNN. A decisão recorrida deu peso desproporcionado à ausência de antecedentes criminais dos recorridos e à confissão parcial de BB, ignorando que a confissão foi inevitável face às provas robustas nos autos. Ademais, os recorridos não demonstraram arrependimento genuíno nem procuraram reparar os danos causados.
OOO. A jurisprudência nacional reconhece a importância de fixar indemnizações significativas em casos de violência física e verbal, especialmente quando envolvem discriminação xenófoba e humilhação pública, como neste caso.
PPP. Deste modo, requer-se a modificação da decisão recorrida, fixando-se as indemnizações cíveis devidas aos recorrentes nos montantes de € 15.000,00 para CC e € 5.000,00 para DD. Estes valores são proporcionais à gravidade dos danos experimentados, ao elevado grau de ilicitude das condutas dos recorridos e às necessidades de proteção das vítimas, refletindo os princípios da equidade e da proporcionalidade previstos no CC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a. Alterar-se a decisão quanto aos factos dados como provados e não provados nos pontos acima indicados, conforme os elementos probatórios apresentados e as conclusões supra;
b. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a recorrida AA do crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º do Código Penal, substituindo-a por outra que condene a recorrida pela prática do referido crime, qualificado por motivo discriminatório, nos termos dos artigos 132.º e 145.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, aplicando-se a pena adequada;
c. Alterar-se a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrida AA do crime ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, qualificando-a por motivo discriminatório, nos termos dos artigos 132.º e 145.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, aplicando-se a pena adequada;
d. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu o recorrido BB do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, substituindo-a por outra que condene o recorrido pela prática do referido crime contra o recorrente DD, aplicando-se a pena adequada;
e. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrido BB do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal contra CC, substituindo-a por outra que condene o recorrido pela prática do referido crime, qualificado por motivo discriminatório, nos termos dos artigos 132.º e 145.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, aplicando uma pena de prisão, suspensa condicionada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de condutas; ou, alternativamente, numa pena de 250 (duzentos) dias de multa, à taxa de 10,00 (dez euros);
f. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que condenou os recorridos BB e AA, no pagamento das quantias de € 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos euros) e € 600,00 (seiscentos euros), respetivamente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à recorrente CC;
Substituindo-a por outra que condene os recorridos BB e AA, no pagamento das quantias de € 12.000,00 (doze mil euros) e € 3.000,00 (três mil euros), respectivamente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à recorrente CC, acrescidas de juros legais desde a notificação para contestar o pedido de indemnização até efetivo e integral pagamento;
g. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu o recorrido BB do pedido indemnizatório, substituindo-a por outra que condene o recorrido BB no pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados ao recorrente DD acrescido de juros legais desde a notificação para contestar o pedido de indemnização até efetivo e integral pagamento;
h. Revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu e condenou os demandantes e demandados nas custas do pedido civil, substituindo-a por outra que redistribua as custas, com majoração proporcional à procedência dos pedidos formulados no presente recurso, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!!!
3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos (transcrição):
Sufragamos a fundada argumentação/posição do Ministério Público junto da 1ª instância pela sua correção jurídica e clareza, bem se pronunciando acerca das questões a dirimir, cujo teor aqui no essencial damos por reproduzido, com os aditamentos que seguem.
Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal a quo valorou correta e criteriosamente, sem dúvidas, a prova produzida à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, sem violação, por conseguinte, dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova ofensiva de qualquer preceito constitucional, sem violação das garantias de defesa do arguido.
O tribunal valorou a prova em sentido diferente do entendimento dos recorrentes, é certo.
Porém, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de primeira instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes seria necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica por violação de regras de experiência comum, o que, manifestamente, os recorrentes não lograram fazer.
Uma mera discordância subjetiva quanto a factualidade dada como provada, com base numa análise e valoração da prova diferente da efetuada pelo tribunal a quo e, daí partindo, chegar-se inexoravelmente a uma conclusão diferente, não basta para colocar em crise o fundadamente decidido como no caso.
Não basta que se diga que determinado facto está mal julgado, sendo necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
A impugnação da matéria de facto não consiste na repetição do julgamento efetuado na 1ª Instância, mas na reapreciação da prova por erro de julgamento, não se destinando ao confronto da mesma com vista à descredibilização da convicção formada pelo Tribunal.
Atente-se que o artº412, nº3, al. b), do C.P.P. fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
A prova produzida em audiência é livremente valorável pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereça.
“(…) a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão” – cfr. Acórdão do T.C. nº 198/2004, de 24/03/04, DR II Série, de 2/06/2004.
E a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.
Toda a decisão judicial constitui, precisamente, a superação não só da dúvida metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
Como bem decidido no Acórdão do TRP de 17/09/2014, Processo nº 409/11.4GBTMC.P1, in www.dgsi.pt/jtrp, assim sumariado:
I - O julgamento da causa é o que se realiza em 1ª instância e o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto.
II - O recurso, em caso algum pode servir para obter um novo julgamento, agora em 2ª instância: o objeto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dito.
III - Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de 1ª instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade e o da imediação. Com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal – o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.
IV - O princípio da imediação pressupõe um contacto direto e pessoal entre o Julgador e as pessoas que perante ele depõem (bem como restante prova produzida) cujos depoimentos irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto. É precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em 1ª instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes – o que, de todo em todo, o tribunal de recurso não dispõe.
V - Há que atender e valorar fatores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal e não-verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.
VI - Por isso, quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado pelo tribunal de 1ª instância ofende as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.
VII - O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de 1ª instância.
VIII - A alteração do decidido em 1ª instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do art. 412.º do CPP, se a reavaliação das provas produzidas impuser diferente decisão, mas já não se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.
IX - Ou seja, sempre que a convicção do julgador em 1ª instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso.
X - Não é a circunstância, consabidamente recorrente nos processos judiciais, sejam eles de natureza criminal ou outra, de terem sido apresentadas versões distintas acerca de determinados factos ou até mesmo uma parte inverosímil de certo depoimento que impõem ao julgador ter de os aceitar ou recusar in totum, cabendo-lhe, isso sim, a tarefa de os cotejar para detetar em cada um deles o que lhe merece ou não crédito e em que termos.
In casu o tribunal recorrido valorou de forma exaustiva, minuciosa e conjugada os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos, sendo que, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes.
Ao invés, a motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova.
De facto, aí vêm explicados, de forma inteiramente congruente e plausível, os meios de prova a que conferiu credibilidade e as razões por que a conferiu, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes, os quais se encontram sem margem para dúvidas corretamente subsumidos no tipo legal de crime.
No caso inexiste qualquer desconformidade insanável entre a prova produzida em julgamento, na qual o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção e os factos que, com base em tal prova, veio a considerar provados, sendo certo que no juízo alcançado pelo tribunal não se vislumbra qualquer atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a fundamentação do Acórdão tem suporte na regra estabelecida no art.127º do C.P.P., de acordo com a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo.
Conclui-se, pois, que o tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo ao tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127º do C.P.P..
6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.
Enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos.
Espécie e dosimetria da pena aplicada ao arguido.
Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar relativamente ao demandado BB/montantes atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais.
2. A Decisão Recorrida
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 23.09.2022, ao início da tarde, no parque de estacionamento da Marina de …, mais concretamente junto à máquina para pagamento de talões existente na rotunda da marina, CC estava a tentar efectuar, sem sucesso, o pagamento do estacionamento da sua viatura.
2. AA, que se encontrava na fila de pagamento, atrás de CC, sugeriu que esta fosse levantar dinheiro numa máquina ATM, já que se estava a formar uma fila de pessoas.
3. CC respondeu que saía quando conseguisse efectuar o pagamento e que teria que esperar, tendo-se gerado uma troca de palavras entre ambas.
4. Após ter realizado o pagamento, CC cruzou-se com AA, que continuava na fila, tendo-lhe esta desferido um encontrão com o braço.
5. CC decidiu ir buscar o telemóvel ao veículo, que se encontrava estacionado imediatamente ao lado das caixas de pagamento, de modo a fotografar e filmar a aqui arguida AA e, posteriormente, participar os factos às autoridades.
6. No momento em que CC apontou o telemóvel na sua direcção, AA fez um gesto abrupto, não concretamente apurado, no sentido de o baixar, evitando, assim, que a assistente a fotografasse ou filmasse.
7. Acto contínuo, envolveram-se em agressões mútuas, agarrando-se pelos cabelos e desferindo chapadas uma à outra, na cara e na cabeça, sem que se tenha apurado quem iniciou a contenda.
8. As agressões entre ambas cessaram quando foram separadas por DD, marido de CC, altura em que AA afirmou que se encontrava grávida.
9. Em momento não concretamente apurado, no decurso da altercação entre ambas, o telemóvel da assistente caiu ao solo, partindo parte do visor.
10. Após, CC entrou para a sua viatura, …, de matrícula …, de cor branca e dirigiu-se para a cancela existente à saída da marina, com o intuito de alertar os seguranças do sucedido.
11. Alertado por AA, BB, seu companheiro, dirigiu-se para a zona das cancelas, no motociclo com a matrícula …, atravessando-o em frente ao veículo conduzido por CC, visando evitar que a mesma se ausentasse do local e pretendendo tirar-lhe satisfações relativamente ao ocorrido momento antes com a companheira.
12. Prontamente, dirigiu-se à assistente apelidando-a de “brasileira de merda”.
13. Logo em seguida, desferiu uma pancada com o capacete no para-brisas do veículo, partindo-o e uma pancada na porta lateral esquerda (do condutor), que ficou amolgada, causando aos assistentes um prejuízo no valor de € 1.468,18, correspondente ao valor orçamentado para a respectiva reparação.
14. Alertados pela confusão gerada na cancela e pelos danos causados no veículo, DD e EE prontamente acorreram ao local, em auxílio da assistente CC.
15. Ao avistar DD e EE, que corriam de telemóveis em punho, a filmar a conduta do arguido BB, este dirigiu-se, de forma impetuosa, a DD, empunhando o capacete.
16. Ao aproximar-se de DD, ergueu o capacete e dirigiu-o à cabeça deste, tendo o assistente levantado o braço, como forma de se proteger, esquivando-se à pancada.
17. Quase em simultâneo, acorreram ao local dois indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, que se dirigiram a DD, pelas costas, agredindo-o, de modo não concretamente apurado.
Entretanto,
18. A assistente CC saiu do veículo, gritando que o marido nada tinha a ver com o assunto, momento em que o arguido BB se lhe dirigiu novamente, desferindo-lhe uma chapada na face, que provocou a sua queda ao solo.
19. Já com a assistente no chão, o arguido desferiu pontapés que a atingiram nas costas, mais a apelidando de “brasileira de merda”.
20. Nesse momento, já ali se encontrava, também, a arguida AA.
21. As agressões apenas cessaram por intervenção dos seguranças do recinto, que contactaram a Polícia Marítima, a fim de tomar conta da ocorrência.
22. Ao abandonar o local, quando os assistentes já se encontravam no interior do veículo a aguardar a chegada da Polícia Marítima, o arguido bateu no vidro lateral, do lado do condutor e cuspiu para mesmo.
23. Como consequência directa e necessária da conduta de AA, a ofendida CC sofreu dores nas zonas atingidas.
24. Como consequência directa e necessária da conduta de BB, a ofendida CC sofreu as seguintes lesões:
- no membro superior direito: trauma do punho, com fractura do estiloide cubital, que careceu de imobilização gessada;
- no membro inferior direito: edema doloroso à palpação no bordo externo do calcâneo;
- no membro inferior esquerdo: equimose no glúteo à esquerda, com cerca de 9 cm por 13 cm (eixo: longitudinal x transversal).
25. Tais lesões determinaram um período de doença de 42 dias de doença, incapacitante para a sua actividade profissional.
26. No dia 26.09.2022, a assistente apresentava gesso desde as falanges proximais dos dedos da mão direita até ao terço superior do antebraço e edema com cerca de 3 cm no seu maior diâmetro, localizado na região retro-auricular direita.
27. No dia 26.09.2022, o assistente DD apresentava:
- na face: duas escoriações lineares com cerca de 1 cm x 0,3 cm (eixo: longitudinal x transversal) localizadas no 1/3 externo a sobrancelha à direita.
- no tórax: equimose no terço médio da face lateral à direita do tórax com cerca de 6 cm no seu maior diâmetro;
- no membro inferior esquerdo: escoriação com cerca de 1 cm no seu maior diâmetro, localizada na face dorsal do 3.º dedo do pé com fractura do terço distal da unha.
28. Tais lesões determinaram um período de 5 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral (2 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (2 dias).
29. A arguida AA agiu com o intuito de causar dores e atingir a integridade física de Laís Musse, o que conseguiu.
30. O arguido BB agiu com o intuito de causar dores e lesões corporais na assistente CC, o que conseguiu.
31. O arguido BB, ao desferir, com um capacete, pancadas no veículo automóvel identificado em 10., agiu com o propósito, concretizado, de causar os danos acima descritos, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo da respectiva proprietária.
32. Os arguidos agiram de forma deliberada livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei e tendo a liberdade para se determinarem de acordo com tal avaliação.
Mais se provou que:
33. À data dos factos, a arguida AA encontrava-se grávida de 17 semanas, estando de baixa, por gravidez de risco.
34. O vidro frontal do veículo propriedade da assistente CC foi substituído a expensas da seguradora ….
Provou-se, ainda, relativamente aos pedidos de indemnização civil, que:
35. A assistente despendeu a importância de € 83,54 em medicamentos que lhe foram prescritos na sequência dos factos.
36. À data dos factos a assistente exercia a actividade profissional de auxiliar de ação médica, auferindo um vencimento mensal líquido de € 846,98.
37. A assistente esteve de baixa médica no período compreendido entre 24.09.2022 e 04.11.2022 (42 dias) e, durante esse período incapacitada de trabalhar, deixando de auferir a quantia de € 1.185,77.
38. Nesse período não recebeu subsídio de doença ou qualquer outro rendimento.
39. As condutas perpetradas pelos arguidos AA e BB causaram, na assistente, dores, sofrimento, angústia, desgaste emocional e psicológico, preocupação, medo e constrangimentos pessoais e profissionais.
40. A assistente CC sofreu, durante largos meses, de limitação e dores no membro superior direito e, pelo menos até Outubro de 2023, sofreu síndrome de ansiedade e stress pós-traumático, com perturbação do sono associada às agressões perpetradas pelos arguidos.
41. Na sequência das agressões sofridas, CC foi assistida no Centro Hospitalar Universitário …, ascendendo a assistência médica e medicamentosa prestada ao valor de € 174,71, que ainda não se mostra ressarcido.
42. Actualmente, a assistente exerce a sua actividade profissional no … e aufere, mensalmente, um vencimento bruto de € 1.439.39.
Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal da arguida AA, com relevo para a determinação da sanção:
43. Encontra-se desempregada, situação que mantém desde que cessou a licença de maternidade.
44. Não possui quaisquer rendimentos, realizando biscates, de natureza que não concretizou, para amigos.
45. Reside com o companheiro, aqui arguido e o filho, de 1 ano e 9 meses, em casa arrendada, pela qual paga uma renda mensal no valor de € 450,00.
46. Suporta, igualmente, o valor de € 25,00 de creche do filho menor, a que acresce material.
47. Estudou até ao 12º ano de escolaridade.
48. Não regista antecedentes criminais.
Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal do arguido BB, com relevo para a determinação da sanção:
49. É empregado de mesa e exerce a sua atividade, por conta de outrem, no estabelecimento de restauração “…”, propriedade do progenitor. Aufere um rendimento mensal no montante de € 1.100,00.
50. Reside com a companheira aqui arguida, e o filho menor de ambos.
51. Tem outro filho de 9 anos de idade, que vive com a mãe e ao qual paga, mensalmente, uma prestação de alimentos no valor de € 150,00.
52. No mais suporta as despesas normais.do agregado familiar.
53. Estudou até ao 9º ano de escolaridade.
54. Não regista antecedentes criminais.
Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):
55. Foi a pancada desferida pela arguida AA no telemóvel da assistente que provocou a queda do mesmo ao solo, partindo-o.
56. A substituição do vidro do telemóvel da assistente, ascendeu a R$ 700,00, equivalente a € 130,88.
57. O arguido BB desferiu pancadas com o seu capacete no capot, no tecto de abrir e no vidro traseiro do lado esquerdo do veículo conduzido pela assistente CC.
58. BB desferiu com o capacete no braço, nas costelas e junto ao sobrolho direito de DD.
59. Como consequência directa e necessária da conduta de BB, o ofendido DD sofreu as seguintes lesões:
- na face: duas escoriações lineares com cerca de 1 cm x 0,3 cm (eixo: longitudinal x transversal) localizadas no 1/3 externo a sobrancelha à direita.
- no tórax: equimose no terço médio da face lateral à direita do tórax com cerca de 6 cm no seu maior diâmetro;
- no membro inferior esquerdo: escoriação com cerca de 1 cm no seu maior diâmetro, localizada na face dorsal do 3.º dedo do pé com fractura do terço distal da unha.
60. O arguido desferiu pontapés no ombro direito da assistente CC.
61. Quando a assistente se encontrava junto à cancela, a arguida AA puxou-lhe os cabelos e deu-lhe uma chapada na cara.
62. As lesões sofridas por DD, no tórax e membro inferior esquerdo, foram resultado da conduta de BB.
63. O arguido BB agiu com o intuito de causar dores e lesões corporais no assistente DD, o que conseguiu.
64. A arguida AA, ao dar uma pancada no telemóvel de CC, sabia que a sua conduta era adequada a provocar a sua queda no chão e que, nessa sequência, o mesmo se poderia partir, conforme sucedeu, conformando-se com esse facto, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo da respectiva proprietária.
Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, beneficiando da imediação, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.
O Tribunal começou por valorar as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB, as quais, no essencial, se mostraram consentâneas entre si.
AA, depois de circunstanciar espácio-temporalmente os factos, referindo que os mesmos tiveram lugar nos meses de Agosto ou Setembro de 2022, depois do almoço entre as 14:00 e as 15:00 mencionou que se encontrava na caixa para pagamento do estacionamento do parque da Marina …, encontrando-se a assistente CC à sua frente.
Disse que, na sequência de várias tentativas, a assistente não conseguia pagar com o cartão, tendo-lhe sugerido que fosse ao multibanco levantar dinheiro. Em resposta, a assistente referiu que apenas saísse saía do local quando quisesse e que continuaria a tentar efetuar o pagamento. Mais mencionou que, nessa altura, disse-lhe estar grávida e que ali se encontrava à espera há bastante tempo.
A conversa continuou, tendo a assistente afirmado “só saio quando quiser, tens que esperar, puta”. Nessa altura, efetivamente, admitiu ter-se dirigido a CC com a expressão “oh brasileira, vai para a tua Terra”.
Nessa sequência, disse que a ofendida ficou bastante exaltada e que foi buscar o telemóvel ao carro, começando a filmá-la. Por forma a evitar que tal sucedesse, adiantou ter baixado o telemóvel, garantindo, porém, que não o fez cair ao chão.
Prosseguiu dizendo que a assistente veio atrás de si e começou a agredi-la com “golpes na cabeça”, limitando-se a encolher-se e a proteger a cabeça. Questionada, assegurou que, em momento algum, agrediu a assistente.
Disse, ainda, ter sido o marido da assistente, que se encontrava no interior do veículo estacionado no primeiro ou segundo lugar de estacionamento, a seguir à máquina de pagamento, que intercedeu a seu favor e “tirou a ofendida de cima de si”.
Salientou que, durante as agressões alertou, por diversas vezes, que se encontrava grávida, pedindo-lhe para parar.
Segundo esclareceu, atrás de si, na fila para pagamento, encontravam-se outras pessoas que não quiseram interferir, talvez por receio. Junto com DD estava outro indivíduo que não teve qualquer intervenção.
Disse que a assistente entrou, de seguida, para o interior do seu veículo automóvel, um …, de cor branca.
Nesse momento, referiu ter contatado telefonicamente o seu namorado a pedir ajuda, mais lhe transmitindo que a assistente ia fugir. Apercebendo-se do contacto telefónico estabelecido, CC entrou para o lugar do condutor e abandonou o local dirigindo-se até às cancelas de saída da Marina, tentando, inclusivamente, nesse trajecto, atropelá-la.
Relativamente ao marido da assistente e ao outro indivíduo, disse que permaneceram no local.
BB chegou perto de si 2 ou 3 minutos depois, tendo vindo diretamente do local de trabalho, num restaurante na praia. Este ter-se-á apercebido que estava bastante nervosa, descrevendo-lhe o veículo em causa e que direção o mesmo tomou.
Referiu que o namorado se dirigiu, então, à zona das cancelas no seu motociclo, acabando a própria por se encaminhar para o mesmo local, apeada, nunca pensando que se pudesse colocar em risco novamente. Explicou que o seu objetivo sempre foi o de evitar que a assistente fugisse e que, posteriormente, o companheiro a levasse ao hospital.
Chegada às cancelas, assegurou não ter visto quaisquer seguranças, estando o motociclo propriedade do BB a impedir a passagem do veículo da assistente.
Afirmou que a assistente se lhe dirigiu e desferiu-lhe um pontapé na barriga, provocando a sua queda ao chão. Instada, reiterou que a assistente sabia perfeitamente que estava grávida, por a ter alertado várias vezes para tal condição.
A partir do momento em que caiu ao chão, mencionou ter entrado em estado de choque, não tendo percepção do que aconteceu à sua volta, apenas indicando que houve uma “confusão”, sucedendo-se os factos de forma extremamente rápida, sem que saiba quem agrediu quem e como começou. Salientou que, quando se apercebeu, já “estavam todos lá, inclusivamente os seguranças”, cessando a contenda aquando da chegada da polícia marítima, sendo apenas nessa altura que se levantou do chão.
No que concerne ao comportamento do companheiro BB, confirmou que o mesmo embateu com o capacete no vidro da frente do veículo conduzido pela assistente. Embora não o tenha presenciado, pois chegou depois, apercebeu-se que tal ocorreu.
Garantiu que em momento algum tocou em CC, limitando-se a defender-se, protegendo a cabeça com os braços e encolher-se. Avançou que a gravidez era de risco e que, evidentemente, naquele estado, não ia bater em ninguém, até porque já tinha sofrido um aborto e receava perder o bebé.
Questionada, disse não se ter apercebido que qualquer dos intervenientes apresentasse sofrimentos.
Começou o arguido BB por mencionar que se encontrava, no seu local de trabalho, no Restaurante “…”, no passadiço da Praia da …, quando foi alertado para um telefonema da namorada, que veio a encontrar no início do passadiço, junto a um pequeno supermercado, com cabelos arrancados, muito nervosa e a chorar, relatando-lhe a sua versão dos factos.
Uma vez que o seu motociclo estava estacionado junto ao supermercado, conduziu até à cancela, onde avistou um veículo com as características que lhe tinham sido transmitidas pela companheira. Por forma a evitar que o mesmo se ausentasse do local, atravessou o seu motociclo à frente do veículo e dirigiu-se à condutora, reconhecendo que o fez com a expressão “oh brasileira do caralho, o que é que fizeste à minha mulher?”
Em resposta a ofendida, ter-lhe-á dito para sair da frente, fazendo uma aceleração com o veículo.
Nessa altura, admitiu ter desferido uma pancada com o capacete no vidro da frente do lado do condutor, partindo-o e, outra, na porta do lado do condutor, porquanto ofendida não queria sair do interior do veículo, não tendo qualquer recordação de ter, igualmente, batido com o capacete no vidro de trás.
Negou, peremptoriamente, ter embatido com o capacete no tecto de abrir ou no capot do veículo, onde apenas desferiu duas chapadas com a mão.
Nessas circunstâncias de tempo e lugar, disse ter avistado dois indivíduos que se lhe dirigiam, correndo, de forma exaltada. Levantou, então, o capacete para a frente e foi, igualmente, na direção dos mesmos. Entretanto, sem que percebesse o que os motivava, dois rapazes, que até àquela data desconhecia, empurraram os tais dois indivíduos, desferindo, num deles, um pontapé nas costas, envolvendo-se em agressões, tendo noção de o assistente ter caído ao chão.
Mencionou que CC saiu do veículo e iniciou num bate-boca com a sua companheira, que também acorreu ao local, agredindo-a com um pontapé na barriga e provocando a queda de AA ao chão.
Reconheceu ter desferido uma chapada na face da aqui assistente, estando convicto que a mesma não chegou a cair ao chão. Negou, todavia, ter-lhe desferido pontapés nas costas, não se apercebendo de a ter pisado na mão, pelo que, a ter ocorrido alguma pisadela, fê-lo inadvertidamente.
Por fim, quando os assistentes e o indivíduo que os acompanhava acederam ao interior do veículo, admitiu ter cuspido no vidro do lado do condutor.
Instado, disse não se ter apercebido que DD apresentasse quaisquer marcas de agressões, não o podendo garantir porque o mesmo refugiou-se imediatamente no veículo.
Após a visualização, no decurso das suas declarações, dos fotogramas e videogramas que constam dos autos, limitou-se a esclarecer, a este respeito, que foi na direção dos 2 indivíduos com o capacete levantado “porque estes também vinham na sua direção”.
Assegurou não ter “batido” em mais ninguém, nem com o capacete nem com as mãos.
Também se valoraram as declarações prestadas pelos assistentes.
CC, num discurso sempre muito emotivo e, a nosso ver, de excessiva vitimização, referiu que os factos tiveram lugar em Setembro de 2022, após o almoço, ao início da tarde, na Marina …, iniciando-se junto à caixa de pagamento do estacionamento.
À sua frente, encontrava-se outra pessoa que estava a ter dificuldades em efetuar o pagamento e, atrás de si, a aqui arguida. Chegada a sua vez, também não conseguiu efetuar o pagamento, uma vez que a máquina bloqueava, ouvindo AA afirmar “estás a burlar a máquina, vou chamar a polícia”. Replicou que tentava efectuar o pagamento do estacionamento, ao que a arguida replicou “não tens é dinheiro. Volta para o teu país, brasileira de merda”.
Chamou, então, o marido, que se encontrava no interior do veículo, estacionado imediatamente ao lado da caixa de pagamento e terá sido com a ajuda deste que efetuou o pagamento. Após o concluir, no momento em que passou junto à arguida, afirmou que esta lhe deu uma cotovelada, não sabendo, no entanto, precisar onde a atingiu.
Decidiu, aí, que iria apresentar queixa, indo buscar o seu telemóvel ao carro, para filmar a aqui arguida e a situação. Contudo, mencionou que quando se aproximou da mesma, esta bateu no seu telemóvel, jogando-o ao chão, pelo que não chegou a contactar as autoridades.
Em seguida, disse que AA “jogou-se para cima de si” e começou a bater-lhe e a puxar-lhe o cabelo. Reconheceu que a agarrou, igualmente, pelos cabelos, altura em que a arguida alegou que estaria grávida, largando-a no imediato.
Quando lhe foi perguntado, asseverou não ser perceptível que a arguida estivesse grávida, uma vez que a barriga não era visível.
Disse que o marido as tentou separar e que se apercebeu que a arguida contactou o namorado ou uma ou uma qualquer pessoa íntima no sentido de ali se deslocar para a apoiar.
Resolveu, nesse instante, solicitar ao marido que permanecesse no local, junto à arguida, de forma que ela não se ausentasse, enquanto iria chamar os seguranças junto às cancelas. Assim sucedeu, permanecendo o marido com o amigo EE no local e a própria conduziu o seu veículo até às cancelas, onde o imobilizou.
Prosseguiu dizendo que, quando ali se encontrava, ainda no interior do veículo, aproximou-se uma mota, conduzida pelo aqui arguido, que se encostou ao seu veículo, Acto contínuo, BB, que trajava a farda do restaurante “…”, aproximou-se, com um capacete nas mãos, embatendo com o mesmo no vidro do para-brisas, do lado do condutor, no tejadilho, no vidro na lateral e no capot.
Pouco após, quando se apercebeu da presença do marido, da testemunha EE e de AA no local, referiu ter saído do veículo de forma a chamar os seguranças.
No que concerne a AA disse que a mesma se encontrava próxima de si e que a insultou, garantindo que não lhe tocou e muito menos lhe desferiu um qualquer pontapé.
Realçou que o arguido correu na direção do DD, tentando atingi-lo com o capacete, mas ressalvando que não lhe chegou a acertar, uma vez que o marido se desviou. Foram, no entanto, dois indivíduos que, entretanto, surgiram no local, que agrediram o seu marido.
Porém, quando gritou que DD não tinha “nada a ver com o assunto”, o arguido dirigiu-se a si, agredindo-a. Explicou que o arguido a empurrou e pontapeou na perna, provocando a sua queda ao chão, ao lado do veículo. Ainda lhe pisou a mão direita e o pulso, não se recordando de uma eventual bofetada.
A dado momento, disse que ao local acorreram, também, dois seguranças, um dos quais a protegeu e tendo sido por intervenção deste que o arguido cessou as agressões.
Quando, finalmente, lograram entrar no interior do veículo – os assistentes e o amigo –, refere que o arguido afirmou “volta para o teu país brasileira de merda”, mais cuspindo no vidro, do lado do condutor.
Relativamente às lesões sofridas, afirmou ter ficado durante dois meses com uma tala de gesso, devido à fratura na zona do pulso, não beneficiando de subsídio de doença em virtude de estar a trabalhar há apenas 4 ou 5 meses, na …, não reunindo os descontos exigidos. Assim, para além de ter ficado impedida de trabalhar, não auferiu qualquer rendimento nesse hiato temporal.
Ficou, ademais, condicionada nos seus movimentos e na execução de tarefas diárias e de higiene, não conseguindo, igualmente, cuidar do filho, à data com 1 ano de idade, conduzir, cozinhar ou ir ao ginásio, deixando, inclusivamente, de praticar desporto na praia da …, por receio de ali se deslocar.
Mais tarde, foi-lhe diagnosticado stress pós-traumático, sofrendo ataques de pânico com frequência, situação que ainda hoje sem mantém, beneficiando de terapia e acompanhamento psicológicos.
Relativamente às filmagens juntas aos autos, esclareceu terem sido realizadas com o telemóvel do meu marido. Já o seu iphone ficou com o ecrã partido, vendo-se obrigada a substituir o visor.
Já DD,
Confirmando o circunstancialismo espácio temporal dos factos, começou por mencionar ter permanecido no interior do seu veículo, com o amigo EE, que estava estacionado próximo da caixa de pagamento do estacionamento, enquanto a mulher foi pagar.
Confirmou que uma pessoa se encontrava relativamente descontrolada, perto da sua esposa, a gesticular, de forma impaciente, com a senhora da frente, antes de CC. Verificando, pouco depois, que também a mulher não estava a conseguir efectuar o pagamento, dirigiu-se-lhe, levando moedas.
Ouviu, então, a AA proferir a expressão “brasileira de merda, se não tem dinheiro, volta para o teu país.”
Após CC concretizar o pagamento, verificou que a arguida bateu no braço da sua mulher com o cotovelo. Acto contínuo, a assistente foi buscar o telemóvel, para filmar a questão da xenofobia uma vez que que lhe haviam sido dirigidas injúrias raciais. A mulher pretendia, segundo esclareceu, ter prova das palavras da arguida caso esta as repetisse.
No momento em que ia começar a filmar, percebeu que a arguida bateu no telemóvel e “foi para cima da mulher”, envolvendo-se com puxões de cabelos e “tapas” no rosto, tendo tentado separá-las.
Assegurou ter sido apenas no momento em que AA soltou a mulher, que aquela anunciou que estava grávida. No imediato, a assistente soltou os cabelos da arguida.
Garantiu que até esse momento desconheciam que a arguida estava grávida, por tal ser imperceptível.
A mulher entrou, logo em seguida, no veículo e foi em direção à cancela, permanecendo o assistente do local, com o amigo EE a “guardar” a arguida.
Dado que esta atravessou a faixa de rodagem e foi na direção do passadiço, optaram por se dirigir até junto da cancela, sendo que, a meio do caminho, viu uma mota a parar em frente ao veículo da mulher e constatou que BB desferiu uma pancada, com o capacete, no vidro da frente do veículo e na lateral do mesmo.
Resolveu começar a filmar a situação, ao mesmo tempo que corria na direcção do veículo.
Contudo, ao aperceber-se da sua presença, o arguido veio na sua direção, com o capacete em riste, apenas não o atingindo na cara, uma vez que colocou o braço em frente, embatendo, antes, nesta zona. Entretanto, duas ou três pessoas surgiram atrás de si, agredindo-o.
A mulher saiu, então, do carro e começou a gritar, altura em que o arguido voltou a encaminhar-se para junto desta. Apesar de o seu campo de visão ter ficado bloqueado pelo veículo e de não conseguir precisar o que aconteceu entre arguido e assistente, não tem dúvidas que esta caiu ao solo, ao lado do veículo. Sabe, sim, que no momento em que a esposa, finalmente, logrou refugiar-se no veículo, já apresentava uma dor no braço, deduzindo, por esse motivo, que algo terá acontecido enquanto a mesma se encontrava caída no chão.
Instado, esclareceu terem sido os seguranças que separaram BB da sua mulher.
No que respeita a AA negou que em algum momento o tivesse agredido, contrariamente ao que sucedeu com a esposa, afirmando que “estava a tentar agredir a mulher com chapadas”, concretizando que “pelo menos tentou” atingi-la. Negou, peremptoriamente, que CC tenha desferido qualquer pontapé na barriga da arguida.
Ainda precisou que o arguido cuspiu no vidro do lado do condutor, desferindo um soco no mesmo.
Relativamente aos ferimentos por si sofridas, admitiu desconhecer se foram os mesmos consequência da conduta de BB, presumindo que tenha sido ele a agredi-lo na zona lateral do corpo. No que concerne ao olho, admitiu ter sido outra pessoa a agredi-lo, ao passo que a ferida no dedo do pé, desconhece como a fez.
Já a assistente CC apresentava várias lesões, nomeadamente as nádegas roxas e o braço partido, tendo sido engessado. Explicou que, no período em que o braço permaneceu engessado, a mulher não trabalhou, não recebeu qualquer subsídio da Segurança Social e não conseguia cuidar do filho, com 1 ano de idade.
Disse que a mulher sofreu de dores durante bastante tempo e ficou psicologicamente afetada durante bastantes meses. Adiantou que a mesma padece de stress pós-traumático, estando a ser acompanhada e tomando medicação.
Por receio, CC deixou de correr na praia da …, de jogar beach ténis e de frequentar a zona.
Confirmou que o telemóvel da mulher ficou partido.
O Tribunal atendeu, bem assim, ao depoimento prestado pelas testemunhas FF, GG e EE.
E, ao passo que o relato feito pela primeira testemunha é extremamente confuso, sem qualquer encadeamento lógico, fazendo alusão a factos que não tinha como ter presenciado, o que indicia ter sido influenciado por narrativas posteriores de terceiros, quiçá dos próprios assistentes, já as demais testemunhas revelaram-se perfeitamente coerentes, assertivas, isentas e bastante esclarecedoras quanto à dinâmica dos factos, merecendo-nos inteira credibilidade.
Assim,
FF referiu conhecer arguidos e assistentes da data dos factos – que não soube precisar, em 2022 – data essa em que se encontrava de serviço na cancela da Marina de …, quando se apercebeu de uma confusão, saindo para o exterior a fim de se inteirar do sucedido.
Afirmou ter visto duas senhoras a discutir e empurrar-se mutuamente, com puxões de cabelos. Questionado sobre o exacto local onde presenciou tais factos, referiu que os mesmos tiveram lugar junto à cancela, próximo da entrada do hotel ….
Continuou, dizendo que separou as duas senhoras e tentou proteger a “senhora brasileira”, que colocou atrás de si, surgindo, instantes após, BB num motociclo e outras pessoas, que não identificou, deixando, face à confusão, “de conseguir proteger” a assistente. Fez alusão a “pessoal da praia” que veio “defender” os aqui arguidos.
Junto à cancela, assistiu ao arguido agredir a “senhora brasileira”, “dando um tapa nela” e provocando a sua queda ao chão e, já no chão, desferiu-lhe pontapés na parte lateral das costas, afirmando, em simultâneo “brasileira de merda, volta para a tua terra”. Apesar de não ter recordação de o arguido ter pisado a assistente, sabe que esta se queixou do pulso.
Refere que, nesse ínterim, voltou a conseguir proteger a “senhora brasileira”, esclarecendo que o marido não a conseguiu defender, dirigindo-se para o interior do carro, com receio.
Questionado, clarificou não ter presenciado qualquer agressão ao “senhor brasileiro”, embora tenha visto os tais indivíduos que ali surgiram “pressioná-lo”, de forma que, contudo, não esclareceu.
Relativamente à arguida AA, assegurou não ter percebido que estivesse grávida, embora alguém tivesse falado no assunto, não manifestando qualquer recordação de esta ter sido pontapeado pela assistente CC.
Já no final, viu o aqui arguido desferir uma pancada com o capacete no para-brisas do veículo dos “senhores brasileiros”.
Novamente instando, confirmou que todos os factos presenciados ocorreram junto à cancela, onde estava de serviço com GG, estando convicto que a sua ordem cronológica correspondeu à descrição que acabou de fazer.
À semelhança do colega, a testemunha GG disse ter conhecido arguidos e assistentes apenas na data dos factos, há cerca de 2 anos atrás, recordando-se da situação, embora não estando em condições de precisar a altura em que ocorreram.
Disse que estava com o colega FF, na casinha junto à cancela, quando ouviu um barulho.
Já no exterior avistou uma mota e um veículo – da aqui assistente – próximo da cancela, do lado direito, bem como um senhor com um capacete na mão e o vidro do para-brisas do veículo partido. Embora não o tenha visto desferir qualquer golpe, deduz que o vidro se tenha partido por força de uma pancada com o capacete.
Dirigiu-se, de imediato, para junto deles e atestou que BB agrediu a “senhora brasileira”, aqui, assistente, de forma que não soube precisar, recordando-se, contudo, que esta caiu ao chão.
Garantiu que seguraram o arguido assim que conseguiram, impedindo que prosseguisse as agressões, não confirmando que este tenha atingido a assistente enquanto a mesma esteve prostrada no chão.
Adiantou que chamaram as autoridades e permaneceu no local até à chegada da Polícia Marítima.
Não evidenciou recordação de ter visto alguém a filmar e não se apercebeu que AA estivesse grávida, sendo o arguido quem fez alusão a tal condição.
Assegurou não ter assistido a quaisquer agressões entre as senhoras, nem mesmo entre o arguido e o assistente, mas unicamente, as ocorridas entre BB e a assistente CC, nos termos a que fez referência. Acrescentou que alguns populares se aproximaram e tentaram acalmar os ânimos, não se tendo apercebido que tivessem agredido quem quer que seja.
Questionado, mencionou não se ter apercebido que alguém apresentasse ferimentos ou se tivesse queixado, não ouvindo a assistente queixar-se do punho.
Relativamente a insultos, atestou terem sido proferidas palavras racistas, embora não as saiba reproduzir, mais esclarecendo que “todas as pessoas se encontravam exaltadas”.
Soube, mais tarde, através de terceiros, que a situação entre arguida e assistente se havia desencadeado junto à caixa de pagamento do estacionamento.
Por fim, a testemunha EE, amigo dos assistentes, explicou que, há cerca de 2 anos, foi fazer desporto para a praia da … e aceitou boleia do assistente – que tinha o carro parqueado no estacionamento da Marina – até ao seu, que havia deixado fora do recinto.
Relatou que, enquanto a assistente CC foi pagar o estacionamento, ficou a conversar com o amigo, no carro, nos primeiros lugares de estacionamento junto à máquina. Apesar de estarem distraídos no interior do veículo, percebeu que a assistente demorava mais do que o normal e verificou que a mesma conversava com outra pessoa, na fila para pagar. Percebeu, igualmente, que a máquina estaria com problemas de pagamentos, razão pela qual o assistente foi chamado pela mulher no sentido de levar outro cartão ou moedas que permitissem efetuar o pagamento.
Constatou uma situação de stress e exaltação entre a aqui arguida e a assistente, tendo ouvido vozes elevadas e a expressão “se não tens dinheiro, volta para o teu país”, replicando CC que ia acabar de pagar. Ao início, confessou não ter atribuído grande relevância ao assunto.
Posteriormente, a assistente foi buscar o telemóvel ao veículo, para filmar algumas conversas havidas com AA. Nesse momento, admite que tenha existido um encontrão entre ambas, referindo ter-se despoletado uma confusão entre ambas, sendo difícil perceber quem começou, por estar de costas.
Ainda assim, assistiu a puxões de cabelos mútuos e, na confusão, ao telemóvel “voar”, desconhecendo se se partiu.
Pensa que outra pessoa, para além do assistente, as tentou separar, regressando os três ao interior do veículo, momento em que a arguida bateu num dos vidros e alegou estar grávida, sendo sua intenção chamar a polícia.
Esclareceu, todavia, ser imperceptível que a mesma estivesse grávida.
Prosseguiu, esclarecendo que o DD disse que ficaria no local consigo, enquanto a assistente iria chamar os seguranças, junto à cancela, sendo clara a intenção do assistente em separar, fisicamente, a arguida da mulher.
Muito embora a arguida se tivesse ausentado, permaneceram naquele local a aguardar o regresso de CC. Realçou, contudo, terem ouvido o barulho de vidros a partir, dirigindo-se, ambos, de imediato, a correr para junto da cancela, comprovando que o veículo conduzido pela assistente estava a ser danificado por um indivíduo, bastante violento, munido de um capacete. Momentos antes, viu o referido indivíduo circular de mota e parar antes da cancela.
Quando corriam na direção da cancela, tiraram os telemóveis para filmar.
Do seu lado esquerdo, apercebeu-se de presença de algumas pessoas – ficou com a sensação que seriam amigos ou colegas do arguido – que evitavam que a testemunha e o assistente interviessem, tendo tentado imobiliza-los.
Ao aperceber-se da presença de ambos, e nomeadamente por estarem a filmar, realçou que o arguido “ficou com muita raiva”, tendo o assistente sido agredido, tanto pelo arguido, que tentou acertar ou acertou-lhe na cabeça com o capacete, como pelos outros indivíduos que, conforme disse, ficou com a sensação serem amigos de BB.
Enfatizou que tudo se passou em escassos segundos e, logo em seguida, o arguido voltou a focar-se na assistente que, entretanto, tinha saído do carro e gritava que o marido nada tinha a ver com o assunto. Nesse momento, também está convicto que a arguida AA acorreu ao local.
Não evidenciou qualquer hesitação ao afirmar que CC foi agredida pelo arguido, caindo ao chão e, no meio tempo em que ali esteve prostrada, foi pontapeada por aquele, factos que, todavia, DD não presenciou, por se encontrar do lado oposto do veículo.
Quanto lhe foi perguntado, disse achar que AA não chegou a agredir a assistente CC, “embora tenha tentado”. Houve, sim, isso recorda-se, de palavras injuriosas dirigidas por ambos os arguidos à assistente, assinalando ter ouvido expressões como “brasileira de merda, volta para o teu país”.
No que concerne à presença dos dois seguranças, que estariam na casinha da cancela, referiu que, num primeiro momento estavam confusos sobre o que estaria a passar, mas rapidamente “leram a situação” e intervieram, agarrando o arguido e logrando, por essa vida, pôr termo às agressões contra a assistente.
Garantiu que, à excepção do episódio inicial entre “as senhoras”, em momento algum os assistentes agrediram os arguidos.
No que concerne a eventuais lesões físicas ou queixas, referiu não ter visto sangue, admitindo, porém, que a assistente estivesse queixosa, sabendo, posteriormente, que tinha o braço magoado e, durante algum tempo, não exerceu qualquer atividade profissional.
Também teve conhecimento que a mesma se encontrava psicologicamente afetada com toda a situação, no que se mostrou solidário, confidenciando que os três ficaram em choque, tendo a própria testemunha deixado de frequentar a Marina de … após os factos.
Mais referiu ter-se sentido cobarde por não ter tido ingerência nos factos, mas disse que a situação foi absolutamente inédita e inesperada.
Disse, por fim, que os assistentes não conheciam, até àquela data, qualquer dos arguidos.
Ora,
Reproduzidas que ficaram as declarações e os depoimentos prestados pelos vários intervenientes nos autos, cumpre fazer uma síntese da prova, por alusão a cada facto dado como provado.
Assim,
As declarações prestadas pela arguida AA e pela assistente Laís permitiram dar como provados os factos vertidos para os arts. 1. a 3. supra.
Apesar de a arguida ter negado qualquer encontrão na assistente, tanto esta, como o marido, aqui assistente o confirmaram, sendo que EE admitiu que tal tivesse ocorrido, embora não o pudesse, neste momento, atestar com total certeza. Ficámos convictos, até pela impaciência demonstrada pela arguida perante a demora no pagamento do parque pela assistente e pela agressividade verbal demonstrada, que a tivesse provocado naqueles termos (art. 4. supra).
A circunstância de a assistente ter ido buscar o telemóvel ao veículo, por forma a filmar e fotografar a arguida, também não foi questionado por qualquer dos intervenientes, estando tal facto perfeitamente assente, encontrando-se mencionado no art. 5. supra.
No que concerne ao facto constante do art. 6. supra, importa salientar que a arguida AA admite ter baixado o telemóvel que a assistente apontava na sua direção, com o intuito de evitar que esta a fotografasse e filmasse, sendo que ambos os assistentes atestam que aquela desferiu uma pancada no telemóvel.
Porém, enquanto a arguida negou que o telemóvel tivesse caído ao chão, os assistentes asseguraram que, por força da pancada aplicada, o mesmo caiu ao solo, quebrando o visor.
Relevante para a convicção do Tribunal foi, sem dúvida, o depoimento de EE, testemunha que se revelou isenta e desinteressada, não obstante o vínculo de alguma amizade mantido com os assistentes.
Referiu, este, que o telemóvel “voou” no decurso da altercação física entre arguida e assistente, contenda essa iniciada após AA ter afastado o telemóvel.
Da conjugação da prova produzida, ficou, efectivamente, o Tribunal convicto que o telemóvel caiu ao solo, partindo-se, muito embora não se tenha determinado, com a necessária certeza e segurança, o exacto momento em que tal ocorreu e, concretamente, se tal queda se ficou a dever a uma conduta voluntária e deliberada da arguida.
Razão pela qual apenas se deu por assente a factualidade aludida no art. 9. supra e como não provados os factos que se verteram para os arts. 54. e 63. supra.
No que toca ao facto que se deixou transcrito no art. 7. supra, resulta das declarações de todos os intervenientes presentes no local que arguida e assistente se envolveram fisicamente. Todavia, enquanto a arguida afirma ter sido agredida pela assistente CC, esta apresenta versão diametralmente oposta, garantindo ter sido a própria a vítima de agressões por parte daquela.
Neste concreto ponto, foram determinantes as declarações prestadas pelo assistente DD e bem assim pela testemunha EE. Com efeito, estes foram peremptórios ao referir que ambas se envolveram em agressões mútuas, traduzidas em puxões de cabelo e chapadas na face, que apenas cessaram pela intervenção de DD (art. 8. supra)
Nenhum deles fez qualquer alusão a quem iniciou a contenda, não existindo quaisquer outras testemunhas presenciais, sendo certo, que o clima de animosidade existente entre arguida e assistente não permite atribuir mais ou menos credibilidade a qualquer das versões apresentadas, tanto mais, que uma infirma a outra.
Não logrou, por conseguinte, o Tribunal apurar quem, efetivamente, iniciou as agressões, que foram, sem dúvida, mútuas e ocorreram, de facto.
No mais, não ficou, de todo, provado, em audiência, que a gravidez de AA fosse óbvia à data dos factos. Atente-se que, à excepção do namorado, nenhum outro interveniente, o declarou, tendo todos sido questionados a esse respeito e todos realçado não se terem apercebido que evidenciasse uma barriga reveladora dessa condição.
Por seu turno, os assistentes e a testemunha EE foram unânimes ao afirmar que, apenas no final da altercação, a arguida declarou estar grávida (art. 8. supra).
A prova do facto vertido para o art. 10. supra decorre, de forma pacífica, da conjugação das declarações prestadas pela arguida AA, pelos assistentes e pela testemunha que EE. Não ficou o Tribunal, contudo, convicto da versão apresentada pela arguida AA no sentido de a assistente ter pretendido encetar uma fuga do local. Além do mais, nunca tal teria sido declarado, mas resultado de uma dedução pessoal da mesma.
O facto trazido para o art. 11. supra também não sofreu qualquer contestação. Na verdade, são os próprios arguidos a atestar que AA alertou o companheiro e que, nessa sequência, este se dirigiu, de imediato, num motociclo no sentido da cancela, onde a assistente havia parqueado o seu veículo. É inquestionável que pretendia tirar-lhe satisfações sobre os factos que a arguida lhe tinha acabado de transmitir.
De igual modo, o assistente DD e a testemunha EE confirmaram ter presenciado o arguido a deslocar-se, no seu motociclo, em direção à cancela.
O Tribunal deu como provado o facto constante do art. 12. supra, pela confissão do próprio arguido, aliada às declarações prestadas pela assistente CC.
Também o arguido confessou o facto vertido para o art. 13. supra. Ou seja, que desferiu uma pancada, com o capacete, tanto no para-brisas da frente, como na porta lateral esquerda do veículo que CC conduzia.
Já a prova dos danos causados se encontra documentada nas fotografias constantes de fls. 159 e 160, enquanto o valor da reparação, do orçamento junto a folhas 219 a 223. Perante a ausência de prova em sentido contrário, apenas se deram como provados os danos assumidos pelo arguido e não quaisquer outros. Nessa medida, não pudemos deixar de dar como não provados os factos constantes do art. 56. supra.
Todos os intervenientes fizeram alusão ao facto que se deixou plasmado no art. 14. supra.
Também a factualidade descrita no art. 15. supra se mostra assente por via das declarações prestadas pelos assistentes, pela confissão do arguido BB, pelo teor do relatório de visualização de fls. 178 e pela visualização em audiência de julgamento dos fotogramas e videogramas gravados no DVD que se encontra junto a fls. 129.
Muito embora a filmagem captada pelo telemóvel de DD não ateste, integralmente, o facto que se deu como assente no art. 16. supra., é perfeitamente perceptível o arguido BB se lhe dirigiu de forma bastante impetuosa e agressiva, com o capacete em riste, numa altura perfeitamente compatível com a cabeça do assistente DD, não nos assaltando qualquer dúvida que, na sequência da filmagem, interrompida abruptamente, se seguiu uma tentativa de pancada nessa zona do corpo, não colhendo, portanto, a versão do arguido, que o negou.
De salientar que, embora DD reconheça o arguido não lhe acertou na cabeça – afastando-se, assim, igualmente, as lesões sofridas na zona do olho –, afirma que o atingiu com o capacete no braço, quando o ergueu para se tentar proteger.
Não ficámos, todavia, convictos que tal se tenha verificado.
Desde logo, veja-se que nem a assistente CC confirma tal agressão. Pelo contrário, esta expressamente relata que o arguido correu na direção de DD com o capacete, mas não o atingiu, uma vez que o marido se desviou.
Por outro lado, uma pancada com um capacete, com a violência com que vinha o arguido animado – e que se mostra plenamente documentada no videograma visualizado –, seguramente deixaria sérios hematomas ou marcas bastante visíveis numa qualquer zona que viesse a ser atingida, nomeadamente num braço, arriscando-nos, mesmo, a dizer que, caso o arguido tivesse, efectivamente, atingido o braço do assistente, existia uma real probabilidade de o fracturar.
Sucede que, nem o assistente faz alusão a quaisquer dores naquela zona, nem mesmo o relatório pericial, elaborado 3 dias após, evidencia algum tipo de lesão.
Relativamente à presença de outros populares no local, que tentaram interceptar o assistente DD e a testemunha EE, chegando mesmo a agredir o primeiro, deriva a mesma das declarações e depoimentos de todos os intervenientes, à excepção da arguida AA, que nenhuma menção fez a tal facto.
É o próprio assistente quem, de forma bastante honesta, identifica os 2 populares como os autores das lesões sofridas na face (art. 17.) e quem reconhece não ter noção das circunstâncias em que a lesão no dedo do pé foi causada.
Também as demais lesões evidenciadas no relatório pericial não são compatíveis com a conduta do arguido BB. Na verdade, o assistente apenas faz alusão ao facto de aquele o ter atingido no braço – situação que afastámos acima –, tendo “presumido” ter sido este quem o atingiu na zona lateral das costas. Mostrou-se hesitante neste concreto ponto, enquanto admite que os populares que acorreram ao local igualmente o agrediram, de forma que não concretizou. A conjugação da prova produzida não permitiu, pois, dar como provado o facto que se transcreveu para o art. 57. supra.
Não resultou, pois, inequívoco, a nosso ver, que tal lesão tenha sido provocada por uma pancada desferida pelo arguido, motivo pelo qual não a demos como assente.
Relativamente ao art. 18. supra, dir-se-á que o facto de a assistente CC ter saído do interior do veículo e gritado que o marido, nada tinha a ver com o assunto, voltando-se, no imediato, o arguido para si, decorre das declarações prestadas pelos assistentes e pela testemunha EE, que se mostrou ser bastante assertivo, sincero e imparcial, não obstante a relação de alguma amizade que mantenha com CC e DD.
Ainda quanto à factualidade que se deixou consignada neste art. 18., é o próprio arguido BB quem confessa ter desferido uma bofetada na face da assistente. Apesar de não admitir que a violência de tal bofetada provocou a queda de CC ao solo, tal decorre das declarações prestadas por quase todos os outros intervenientes processuais, à excepção dos próprios arguidos, atribuindo o Tribunal maior credibilidade àqueles e sendo a que melhor se coaduna com as lesões documentadas nos autos.
Já as demais agressões à assistente foram atestadas pelos depoimentos das testemunhas FF e EE, que confirmaram que estando a mesma prostrada no chão, foi agredida com pontapés por parte de BB.
O arguido confessa ter apelidado a assistente de “brasileira de merda”, tendo sido tal expressão igualmente presenciada pelas testemunhas FF e EE. Já GG fez menção a palavras de conteúdo xenófobo, muito embora não as soubesse concretizar, o que corrobora os depoimentos dos demais (art. 19. supra).
Para além da versão do arguido, que nega qualquer outra agressão para além da chapada desferida, as demais declarações e depoimentos foram perfeitamente consonantes no sentido de as agressões apenas terem cessado pela intervenção dos seguranças do recinto, que agarraram o arguido e contactaram a polícia marítima. A versão do arguido não se mostra corroborada por qualquer outro meio de prova, notando-se que, nem mesmo AA a apoia, escudando-se no facto de estar caída no chão, em pânico, o que mais ninguém atesta, e não ter tido percepção dos termos em que se processou a confusão que se gerou (arts. 20. e 21. supra).
O facto que se deixou plasmado no art. 22. supra encontra suporte nas imagens e na filmagem visualizadas em audiência e nas declarações prestadas por ambos os assistentes, tendo sido, inclusivamente, assumido pelo próprio arguido.
As dores, desgaste emocional e psicológico e perturbação sentidas pela assistente, na sequência da conduta inicial da arguida AA, são decorrência, lógica, das regras da experiência comum e dos juízos de normalidade. Com efeito, certamente, tão combalida saiu a arguida da altercação – conforme ficou evidenciado nas suas declarações e do arguido BB –, como a aqui assistente, sendo inquestionável que puxões de cabelo e chapadas são condutas perfeitamente aptas a atingir a integridade física de quem as sofre e a causar inevitáveis dores, incómodos, constrangimentos, bem como a afectar psicologicamente a vítima.
Assim, se deram como provados os factos constantes dos arts. 23., 39. e 40. supra.
Já não se provou, de todo, que, num segundo momento, junto à cancela, a arguida tenha voltado a atingir a assistente, seja com chapadas, pontapés, puxões de cabelos ou outro tipo de acções.
Aliás, em audiência de julgamento, nem a própria arguida, nem qualquer outro interveniente, quando questionados, fizeram menção a um qualquer confronto físico, efectivo, entre ambas, junto à cancela. Assim, não podia o Tribunal deixar de dar como não provados o facto plasmado no art. 60. supra.
Importa deixar-se consignado, relativamente ao art. 24. supra, que não se provou, em momento algum, no decurso do julgamento, que BB tenha, deliberadamente, pisado o pulso ou a mão da assistente CC, quando a mesma se encontrava caída no chão.
Contudo, a mesma não apresentava qualquer lesão momentos antes. E, logo após os factos, apresentou-se queixosa do membro superior direito, tendo sido assistida, logo após, nessa mesma data no CHU…, onde foi detectada uma fractura no pulso.
Não podemos senão concluir que tal fractura, para além das demais lesões documentadas no relatório pericial, resultaram, directa e necessariamente, da conduta do arguido, que a esbofeteou, provocando a respectiva queda ao solo e a pontapeou em seguida. Não se provou, todavia, que o arguido pontapeou a assistente no ombro, nunca tendo sido feita uma alusão a tal facto no decurso da audiência, nem mesmo pela própria, motivo pelo qual não se provou o facto constante do art. 59. supra.
Atendendo à diferença de estatura entre o arguido, alto e atlético e a assistente, de compleição física baixa e franzina, também não poderemos deixar de dar por assente que, ao desferir-lhe uma chapada na face, que lhe provocou a queda no chão, necessariamente terá o arguido equacionado que a mesma poderia sofrer lesões físicas e dores nas zonas atingidas, como efectivamente sucedeu. E, decorre das regras da experiência comum e dos juízos de normalidade, que alguém que sofra uma queda desamparada ao solo tente amortizá-la com os braços e mãos, o que o arguido não podia deixar de prever.
Não podemos afirmar, evidentemente, acusar o arguido de pretender provocar a dita fratura. Contudo, tal lesão foi consequência de uma conduta livre, voluntária e consciente da sua parte e apenas ao mesmo pode ser imputada.
Para a prova das lesões sofridas (arts. 24., 25. e 26. supra), o Tribunal teve, bem assim, em consideração, quer o episódio de urgência junto a fls. 256 a 259, do relatório médico de fls. 272, como o teor do relatório pericial constante de folhas 31 a 33, e das fotografias de fls. 119, para além, evidentemente, das declarações prestadas por ambos os assistentes.
As lesões a que se faz menção nos arts. 27. e 28. supra sofridas pelo assistente de DD decorrem do teor do relatório pericial junta fls. 35 a 36 e das fotografias de fls. 112.
Apesar de documentadas, não é possível estabelecer um nexo causal entre a conduta do aqui arguido BB e tais lesões, pelos motivos que acima se deixaram expendidos, levando a dar como não provados os factos reproduzidos nos arts. 57., 58., 61. e 62. supra.
A prova produzida é suficiente para concluirmos no sentido de ambos os arguidos terem, em todos os momentos, agido dolosamente (arts. 29. a 32. supra)
Na verdade, num primeiro momento, a arguida AA desferiu chapadas e puxões de cabelo em CC, o que, inevitavelmente, lhe causou dores nas zonas atingidas e as sequelas psicológicas a que acima se fez alusão (art. 23. supra).
Ademais, não se provou que a arguida tenha agido em legitima defesa ou, mesmo, em retorsão a uma prévia agressão daquela. Pelo contrário, ficou perfeitamente assente que as agressões foram mútuas e não se descortinou quem as iniciou.
Também não se nos suscitam dúvidas que BB quis, deliberadamente, agredir a assistente CC. Mas, saliente-se, apenas esta, uma vez que não ficou suficientemente provado que tenha, efectivamente, atingido o corpo e a saúde de DD, tal como salientado supra (art. 62. supra).
Do mesmo modo é perfeitamente pacífico que ao desferir pancadas com o capacete no veículo identificado nos autos e conduzido pela assistente de CC quis, o arguido causar danos no mesmo, sabendo, de antemão, que tal veículo não lhe pertencia e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Quanto ao facto que se deixou plasmado no art. 33. supra, importa esclarecer que as fotografias juntas aos autos a fls. 483 e 483 verso não fazem qualquer prova relativamente ao estádio de gravidez que a arguida AA evidenciava à data dos factos. Com efeito, as fotografias não se encontram datadas e das mesmas não é possível atestar que se referem ao corpo da arguida porquanto apenas é fotografada a barriga, sem qualquer outro contexto ou correspondência com características evidentes da arguida.
A prova da respectiva gravidez advém, no entanto, do teor do relatório de urgência junto a fls. 19 e do atestado junto a fls. 484 verso.
São os próprios assistentes a afirmar que a substituição do vidro frontal do seu veículo foi substituída a expensas da seguradora, o que se mostra comprovado pela declaração junta a fls. 224, razão pela qual se deu como provado o facto reproduzido para o art. 34. supra.
Por fim,
Os factos dados como provados no que ao pedido de indemnização civil da assistente CC diz respeito tiveram por base as declarações prestadas pela própria e por DD, que nos pareceram sinceras e que se mostram corroboradas pela documentação junta a fls. 371 e 372 – baixa médica –, fls. 340 e seguintes – contrato de trabalho – fls. 386 – recibos de vencimento – fls. 377 e 380 – atestados médicos – fls. 381, 382, 384 e 385 – facturas e prescrições médicas – e fls. 383 – tala (arts. 35. a 40. supra).
Por seu turno, as despesas incorridas com a assistência médica e medicamentosa da assistente no CHU… mostram-se documentadas a fls. 400 (art. 41. supra).
Apesar de se encontrarem documentados danos no telemóvel da assistente (cfr. fotografia de fls. 130), não é possível atestar que o mesmo tenha sido efectivamente reparado e, na afirmativa, que a factura junta a fls. 370 respeite a uma tal reparação. Com efeito, a factura está em nome de DD, e não da aqui assistente e data de 20.09.2023, ou seja, exactamente 1 ano após os factos – ocorridos em 23.09.2022. Não é pois, possível, no entender do Tribunal, considerando o lapso de tempo decorrido entre os eventos, fazer, com a necessária certeza e segurança, uma correspondência entre o dano causado e o alegado prejuízo sofrido, no valor correspondente a € 130,88. Assim, se deu como não provado o facto constante do art. 55. supra.
De realçar que também não nos parece crível, contrariando as regras da experiência comum e os juízos de normalidade, que a assistente aguardasse 1 ano até reparar os danos causados no seu telemóvel pessoal, que, necessariamente, utilizava diariamente.
A prova da ausência de antecedentes criminais ou dos antecedentes dos arguidos resulta dos certificados do registo criminal constantes de fls. 503 e 504.
A prova da situação pessoal e económica dos arguidos resultou das declarações pelos mesmos prestadas em sede de audiência de julgamento.
Apreciemos.
Questão prévia
Como resulta das conclusões da motivação de recurso, os recorrentes/assistentes pretendem com este, para além do que se refere à matéria do pedido de indemnização civil, obter a condenação:
- Da arguida AA, pela prática de um crime de dano “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 212º, “132º e 145.º, n.º 1, alínea a)”, do Código Penal.
- Da arguida AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a)”, do Código Penal.
- Do arguido BB, pela prática contra o assistente DD de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
- Do arguido BB, pela prática contra a assistente CC de um crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal, aplicando uma pena de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de condutas ou uma pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 10,00 euros.
Ora, desde logo se apresenta a problemática da legitimidade e interesse em agir dos assistentes para recorrer da parte penal da sentença da 1ª instância.
Conforme estabelecido no artigo 401º, nº 1, alínea b), do CPP, têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra si proferidas. Porém, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir – nº 2.
E, de acordo com o artigo 69º, do mesmo diploma, os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei – nº 1; sendo que, compete em especial aos assistentes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça - alínea c), do nº 2.
O nosso STJ por via do Acórdão nº 8/99, in DR nº 185, I Série-A, de 10/08/1999, firmou jurisprudência no sentido de que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
Consagrou entendimento que largamente já vigorava no mesmo Tribunal e que se tem vindo a manter, como resulta do Acórdão do mesmo Tribunal de 18/01/2012, Proc. nº 1740/10.1JAPRT.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt , segundo o qual “a decisão que condene o arguido como autor de um crime de homicídio simples não poderá considerar-se proferida contra o assistente se houver discordância no estrito aspecto da qualificação jurídico-penal dos factos. E também não se poderá dizer que, por essa razão, o assistente tem um interesse concreto em agir, no sentido de necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu. O assistente não pretende propriamente uma mera discussão jurídica sobre a correcta qualificação dos factos, mas sim o agravamento da pena através da alteração da qualificação; tal agravamento insere-se no exercício do jus puniendi do Estado, que ao Mº Pº cabe promover, e cabendo a promoção de tal interesse ao Mº Pº, o assistente não pode recorrer por falta de interesse em agir (cf., v. g. ac. STJ de 29 de Junho de 2005, proc. 2041/05-3ª).”
Os arguidos vinham pronunciados (despacho de 01/02/2024), após Requerimento de Abertura da Instrução apresentado pelos assistentes:
- AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do mesmo Código.
- BB, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do mesmo Código.
Não foram pronunciados, como pretendido pelos assistentes, a arguida AA pelo cometimento de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 144º, alínea a) e 145º, nº 1, alínea c), do Código Penal e o arguido BB pelo mesmo tipo criminal.
Foram condenados, AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em que figura como vítima a assistente CC; BB, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em que figura como vítima a assistente CC e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal.
Face a estas condenações, importa concluir que sustentaram os assistentes uma determinada posição no processo (ainda que não exactamente coincidente com a que agora vêm defender), que a decisão recorrida não acolheu, de onde resulta terem legitimidade para recorrer.
E, quanto ao interesse em agir, este “resultará da análise da pretensão do recorrente, em concreto, quando confrontada com a respectiva necessidade ou indispensabilidade para fazer vingar um direito ou interesse seu (…) averiguamos se o interesse prosseguido pelo assistente é atendível para o efeito, tendo em conta o estatuto processual do assistente e, no limite, aquilo que se pretende com a punição”, conforme se elucida no Ac. do STJ de 07/05/2009, Proc. nº 09P0579, a ler no referenciado sítio.
No caso em apreço, no que concerne às questões da impugnação da matéria de facto e respectiva qualificação jurídica, afigura-se-nos terem os assistentes interesse em agir, mesmo inexistindo recurso interposto pelo Ministério Público, sendo certo, até, quanto a esta, que nada impede o Tribunal superior de “indagar, por iniciativa própria, da correcção da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido”, como alumia o Ac. do STJ de 02/04/2008, Proc. nº 07P4197, disponível em www.dgsi.pt.
Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento
Os recorrentes/assistentes discordam da matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 3, 6, 7, 8, 9, 16 e 17, dos fundamentos de facto da decisão recorrida e bem assim da considerada como não provada vertida nos pontos 55, 58, 59, 62, 63 e 64, fazendo apelo a segmentos das próprias declarações e do depoimento da testemunha EE, prestados em audiência de julgamento, bem como aos fotogramas, videograma e documentos clínicos juntos aos autos.
Ora, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, como é o caso, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, têm de discriminar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º (cumprindo, actualmente, face à revogação deste nº 3 pela Lei nº 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 22/03/2022, considerar a remissão como feita para o seu nº 1), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - nº 6.
Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência – o que se verifica no caso em apreço - o que não obsta a que, nesta eventualidade, o recorrente, querendo, também proceda à transcrição dessas passagens).
Analisando as conclusões e a motivação (corpo) de recurso, constata-se que se individualizam os pontos de facto considerados como incorrectamente julgados.
Contudo, não se especificam quais as concretas provas (pois os recorrentes fazem apelo à prova gravada para alicerçar o seu inconformismo) que impõem decisão diversa da recorrida, com individualização das específicas passagens que, no seu entender, sustentam a impugnação.
E, nem relacionado se mostra o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
Com efeito, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respectivas conclusões, os recorrentes estabelecem a relação entre um concreto segmento, individualizado pela menção ao seu início e termo, do depoimento/declarações trazidos à colação e o ponto ou pontos de facto que, por este meio, almejam alterar (na verdade, apenas indicam o início e termo de cada um desses depoimento/declarações na sua integralidade).
Não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão.
Não tendo cumprido os recorrentes (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, realça-se pela repetição) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhes convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 07/10/2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt e Acs. do Tribunal Constitucional nºs 259/2002, de 18/06/2002 e 140/2004, de 10/03/2004, ambos consultáveis no sítio respectivo.
Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal dos assistentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Analisemos então.
Pretendem os recorrentes que das próprias declarações e do depoimento da testemunha EE, dados a conhecer em audiência de julgamento, resulta comprovado que a arguida AA, quando esta e a assistente se encontravam na fila de pagamento no parque de estacionamento, se dirigiu à assistente dizendo: “Ah, tu não tens dinheiro”; “volta para o teu país”; “brasileira de merda”. Bem assim que a arguida desferiu uma palmada no telemóvel da assistente, atirando-o ao chão e investiu na direcção desta para a agredir.
Ora, no que diz respeito às mencionadas expressões, trata-se de matéria fáctica que não consta do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida; pelo que não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre da conjugação do estabelecido nos artigos 410º, nº 1, 412º, nº 3 e 428º, do CPP.
Na verdade, tal fundamento de recurso – como se salienta no Ac. do Tribunal Constitucional nº 312/2012, de 20/06/2012, disponível no sítio respectivo - já não se situa em sede de apreciação da correcção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos (que, aliás, nem sequer constam do despacho de pronúncia lavrado aos 01/02/2024), visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância.
Podíamos, porém, estar perante a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, que sanciona a sentença que não contenha as menções referidas no nº 2 do artigo 374º, incluindo a enumeração dos factos provados e/ou não provados que resultaram da discussão da causa.
Contudo, tal factualidade (nos termos e sentido que os assistentes pretendem ver dados como provados, realce-se), não resulta inequivocamente da discussão da causa.
Com efeito, elucida o tribunal recorrido na parte da sentença relativa à formação da sua convicção quanto à factualidade que deu como provada e não provada, que a arguida declarou ter dirigido à assistente a expressão “oh brasileira, vai para a tua Terra”.
Mas, aduziu também a arguida que assim procedeu porque a assistente estava a demorar no pagamento do estacionamento, a arguida lhe disse estar grávida e que ali se encontrava à espera há bastante tempo, sendo que aquela retorquiu “só saio quando quiser, tens que esperar, puta”.
Já o assistente deu a conhecer que ouviu a arguida dirigir à assistente, sua esposa, a expressão “brasileira de merda, se não tem dinheiro, volta para o teu país”, enquanto a testemunha EE, amigo dos assistentes e que se encontrava no interior da viatura da assistente com o assistente relatou ter ouvido, junto à máquina de pagamento, a arguida dizer para a ora recorrente “se não tens dinheiro, volta para o teu país”.
Como resulta claro, não se mostra, sem margem para dúvidas, demonstrado que tenha a arguida dirigido à assistente, quando se encontravam junto à máquina de pagamento do estacionamento e no circunstancialismo sequencial dos acontecimentos apontado pelos recorrentes na motivação de recurso, as expressões por estes mencionadas na peça recursória e, desde logo, “brasileira de merda”.
Daí que, não se imponha que tal factualidade seja tida por assente, não estando também presente a referida nulidade.
Já quanto a ter a arguida desferido uma palmada no telemóvel da assistente, que conduziu a que este tombasse no solo, danificando o ecrã do aparelho – facto dado como não provado nos pontos 55 e 64 -, esta versão sustentada pela assistente nas suas declarações em audiência de julgamento, foi negada pela arguida.
E, o assistente declarou que, no momento em que sua esposa ia começar a filmar a arguida com o telemóvel, esta bateu no aparelho e bem assim que este ficou partido, já não relatou que tivesse o telemóvel, por efeito da pancada, caído ao solo, sendo que a testemunha EE visualizou puxões de cabelos mútuos e, na confusão, o telemóvel “voar”, desconhecendo se se partiu.
Como é sabido, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.
No caso sub judice, o tribunal recorrido alumia as razões da valoração que fez e do texto da decisão não se retira essa inadmissibilidade, nem a demonstram os recorrentes.
Daí que, resulta isento de crítica, também por não obliterar as mesmas regras, o entendimento expresso de que da conjugação da prova produzida, ficou, efectivamente, o Tribunal convicto que o telemóvel caiu ao solo, partindo-se, muito embora não se tenha determinado, com a necessária certeza e segurança, o exacto momento em que tal ocorreu e, concretamente, se tal queda se ficou a dever a uma conduta voluntária e deliberada da arguida.
Afirmam ainda os assistentes, relativamente à factualidade descrita nos pontos 6 e 7 dos factos provados, apelando para as declarações da assistente prestadas em audiência, que foi a arguida que investiu na direcção daquela para a agredir (quando o tribunal recorrido fixou que não se apurou quem iniciou a contenda).
Diz-se a propósito na decisão revidenda:
(…) resulta das declarações de todos os intervenientes presentes no local que arguida e assistente se envolveram fisicamente. Todavia, enquanto a arguida afirma ter sido agredida pela assistente CC, esta apresenta versão diametralmente oposta, garantindo ter sido a própria a vítima de agressões por parte daquela.
Neste concreto ponto, foram determinantes as declarações prestadas pelo assistente DD e bem assim pela testemunha EE. Com efeito, estes foram peremptórios ao referir que ambas se envolveram em agressões mútuas, traduzidas em puxões de cabelo e chapadas na face, que apenas cessaram pela intervenção de DD (art. 8. supra)
Nenhum deles fez qualquer alusão a quem iniciou a contenda, não existindo quaisquer outras testemunhas presenciais, sendo certo, que o clima de animosidade existente entre arguida e assistente não permite atribuir mais ou menos credibilidade a qualquer das versões apresentadas, tanto mais, que uma infirma a outra.
Não logrou, por conseguinte, o Tribunal apurar quem, efetivamente, iniciou as agressões, que foram, sem dúvida, mútuas e ocorreram, de facto.
Face ao explanado, não resulta que mereça acolhimento a crítica efectuada, pois a convicção formada tem apoio na prova produzida e não viola regras da experiência comum.
Quanto ao momento em que a arguida deu a conhecer que se encontrava grávida (que na sentença se considerou provado ter ocorrido quando foram separadas por DD e os recorrentes pretendem ter sido imediatamente antes de as agressões entre assistente e arguida cessarem e por força dessa afirmação), tendo em atenção o objecto do processo e a economia do recurso, mostra-se irrelevante.
Relativamente à factualidade dada como assente nos pontos 16 e 17, aduzem os recorrentes que resulta dos videogramas e relatórios médicos juntos aos autos que o arguido agrediu o recorrente com o capacete que trazia consigo.
Quanto à materialidade em causa, desvela o tribunal recorrido:
Também a factualidade descrita no art. 15. supra se mostra assente por via das declarações prestadas pelos assistentes, pela confissão do arguido BB, pelo teor do relatório de visualização de fls. 178 e pela visualização em audiência de julgamento dos fotogramas e videogramas gravados no DVD que se encontra junto a fls. 129.
Muito embora a filmagem captada pelo telemóvel de DD não ateste, integralmente, o facto que se deu como assente no art. 16. supra., é perfeitamente perceptível o arguido BB lhe dirigiu de forma bastante impetuosa e agressiva, com o capacete em riste, numa altura perfeitamente compatível com a cabeça do assistente DD, não nos assaltando qualquer dúvida que, na sequência da filmagem, interrompida abruptamente, se seguiu uma tentativa de pancada nessa zona do corpo, não colhendo, portanto, a versão do arguido, que o negou.
De salientar que, embora DD reconheça o arguido não lhe acertou na cabeça – afastando-se, assim, igualmente, as lesões sofridas na zona do olho –, afirma que o atingiu com o capacete no braço, quando o ergueu para se tentar proteger.
Não ficámos, todavia, convictos que tal se tenha verificado.
Desde logo, veja-se que nem a assistente CC confirma tal agressão. Pelo contrário, esta expressamente relata que o arguido correu na direção de DD com o capacete, mas não o atingiu, uma vez que o marido se desviou.
Por outro lado, uma pancada com um capacete, com a violência com que vinha o arguido animado – e que se mostra plenamente documentada no videograma visualizado –, seguramente deixaria sérios hematomas ou marcas bastante visíveis numa qualquer zona que viesse a ser atingida, nomeadamente num braço, arriscando-nos, mesmo, a dizer que, caso o arguido tivesse, efectivamente, atingido o braço do assistente, existia uma real probabilidade de o fracturar.
Sucede que, nem o assistente faz alusão a quaisquer dores naquela zona, nem mesmo o relatório pericial, elaborado 3 dias após, evidencia algum tipo de lesão.
Relativamente à presença de outros populares no local, que tentaram interceptar o assistente DD e a testemunha EE, chegando mesmo a agredir o primeiro, deriva a mesma das declarações e depoimentos de todos os intervenientes, à excepção da arguida AA, que nenhuma menção fez a tal facto.
É o próprio assistente quem, de forma bastante honesta, identifica os 2 populares como os autores das lesões sofridas na face (art. 17.) e quem reconhece não ter noção das circunstâncias em que a lesão no dedo do pé foi causada.
Também as demais lesões evidenciadas no relatório pericial não são compatíveis com a conduta do arguido BB. Na verdade, o assistente apenas faz alusão ao facto de aqueleo ter atingido no braço – situação que afastámos acima –, tendo “presumido” ter sido este quem o atingiu na zona lateral das costas. Mostrou-se hesitante neste concreto ponto, enquanto admite que os populares que acorreram ao local igualmente o agrediram, de forma que não concretizou. A conjugação da prova produzida não permitiu, pois, dar como provado o facto que se transcreveu para o art. 57. supra.
Não resultou, pois, inequívoco, a nosso ver, que tal lesão tenha sido provocada por uma pancada desferida pelo arguido, motivo pelo qual não a demos como assente.
Pois bem.
O que ressalta, desde logo, da argumentação expendida pelos recorrentes na motivação de rercurso é a sua desconformidade com as declarações que a propósito prestaram em audiência de julgamento, pretendendo fazer crer da veracidade da versão factual que agora trazem aos autos (que consiste em ter o arguido BB desferido pancadas em DD, com o capacete que trazia na mão, no braço, face, tórax e membro inferior esquerdo), quando em audiência não declararam que tal se verificou.
É vero que do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal junto aos autos em 15/11/2022, concernente a DD, consta que este apresentava, aos 14/11/2022, lesões na face, tórax e membro inferior esquerdo (escoriação com cerca de 1 cm no seu maior diâmetro localizada na face dorsal do 3º dedo do pé com fratura do terço distal da unha), mas menos certo se não mostra que não apresentava lesão alguma no braço.
E, quanto às demais lesões, como dito, não foram relatadas pelos assistentes e não resulta das fotografias, fotogramas ou vídeo juntos aos autos, que exista algum nexo causal entre o comportamento do arguido e as mesmas, tendo ainda de se ter em conta que os dois indivíduos não identificados que, entretanto, surgiram e agrediram DD não o fizeram pelas costas (como pretendem os recorrentes), pois o que consta provado é que se dirigiram pelas costas, agredindo-o, de modo não concretamente apurado.
Já quanto à factualidade que os assistentes descrevem como “a conduta perpetrada pelo arguido BB causou, no assistente DD, dores, sofrimento, angústia, desgaste emocional e psicológico, preocupação medo e constrangimentos pessoais e profissionais” e pretendem se dê como provada, resulta claro da leitura dos factos provados e não provados, que deles não consta, e, face ao retro mencionado, também não surge indiscutivelmente da discussão da causa, pelo que falece a sua pretensão.
De onde, também aqui temos de concluir que a prova foi valorada com razoabilidade e os elementos apontados na sentença como relevantes para a decisão de facto foram coerentemente explanados e valorados de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum, não se impondo esta alteração factual.
Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos recorrentes teriam estes que demonstrar que a convicção obtida pelo julgador da 1ª instância constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresentem uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.
Tal demonstração de que as provas que apontam conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não foi feita, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto, julgando-se a dada como provada (e não provada) definitivamente fixada.
Enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos
Foram condenados os arguidos, AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, sendo ofendida a assistente CC; BB, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, em que figura como ofendida a assistente CC e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal.
No entender dos recorrentes, deveria o tribunal recorrido ter condenado a arguida AA pelo prática de um crime de dano “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 212º, “132º e 145.º, n.º 1, alínea a)”, do Código Penal e um crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a)”, do Código Penal; o arguido BB, pela prática contra o assistente DD de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal e pela prática contra a assistente CC de um crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Vejamos então.
No que tange ao crime de dano que teria sido cometido por AA, reporta-se, no dizer dos assistentes, ao “derrubar do telemóvel de CC, causando a quebra do visor”.
Ora, esta factualidade que pretendiam ver dada como provada e que, no seu entender integraria a prática de um crime de dano, não o foi.
E, tendo em atenção a materialidade assente, preenchidos não estão os elementos objectivos e subjectivos deste ilícito criminal.
Já quanto ao crime de ofensa à integridade física perpetrado pela arguida e de que foi vítima a assistente CC, provado está que a arguida desferiu chapadas na cara e na cabeça desta e agarrou-lhe os cabelos.
Mais se provou que como consequência directa e necessária da conduta de AA, a ofendida CC sofreu dores nas zonas atingidas; a arguida AA agiu com o intuito de causar dores e atingir a integridade física de CC, o que conseguiu, bem assim que agiu de forma deliberada livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo a liberdade para se determinar de acordo com tal avaliação.
Ora, estabelece-se no artigo 143º, nº 1, do Código Penal, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido (…).”
A aludida factualidade integra, efectivamente, a prática do crime por que foi condenada a arguida, pois preenche os seus elementos objectivos e subjectivos.
No que concerne ao que os assistentes denominam de crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a)”, do Código Penal, importa dizer que não assinalam qual a alínea do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal, que têm em mente (pese embora, certo é, as circunstâncias elencadas nessas alíneas não esgotem as susceptíveis de evidenciar a especial censurabilidade ou perversidade), mas presumimos que se reportam à alínea f) deste.
Dito isto, de acordo com o consagrado no artigo 145º, do Código Penal, se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º - cfr. alínea a) do nº 1; sendo susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º - nº 2.
E, consagra-se na alínea f), do nº 2, do artigo 132º, do referido Código, que é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente “ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima”.
Ora, provado não está que as palmadas na face e na cabeça e agarrar dos cabelos da assistente pela arguida tenham sido determinados, motivados, por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima.
É certo que a arguida, como até admitiu, dirigiu à assistente a expressão “oh brasileira, vai para a tua terra”, mas também referiu tê-lo feito porque a assistente estava a demorar no pagamento do estacionamento, comunicou-lhe que estava grávida (o que se não comprovou ter sido dito neste momento, mas provado está que à data tinha uma gravidez de 17 semanas e estava de baixa por gravidez de risco), e que ali se encontrava à espera há bastante tempo, sendo que esta lhe respondeu “só saio quando quiser, tens que esperar, puta”.
E, como decorre das declarações da assistente, confirmadas pelas da arguida, vertidas na sentença recorrida, as referidas agressões só se iniciaram já depois de realizar, com o auxílio de seu marido, o pagamento do estacionamento, ido recolher o seu telemóvel ao veículo de que era proprietária e que se encontrava estacionado ao lado da caixa e regressado para perto da arguida com o aparelho na mão para a filmar, contra o que AA se insurgiu, o que reforça o entendimento veiculado de que as ofensas não foram motivadas pela circunstância de a vítima ser de origem nacional brasileira ou, diga-se também, qualquer outra susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade.
Destarte, não opera a qualificação do crime praticado pela arguida de ofensas à integridade física na pessoa de CC.
Os assistentes entendem ainda que a conduta do arguido BB contra a assistente CC se subsume ao crime de ofensa à integridade física “qualificado por motivo discriminatório”, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, “132º e 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Provados estão, (entre outros), os seguintes factos:
Alertado por AA, BB, seu companheiro, dirigiu-se para a zona das cancelas do parque de estacionamento tripulando um motociclo e atravessou-o em frente ao veículo conduzido por CC, visando evitar que a mesma se ausentasse do local e pretendendo tirar-lhe satisfações relativamente ao ocorrido momento antes com a companheira.
Prontamente, dirigiu-se à assistente apelidando-a de “brasileira de merda”.
Ao avistar DD e EE, que corriam de telemóveis em punho, a filmar a conduta do arguido, este dirigiu-se, de forma impetuosa, a DD, empunhando o capacete.
Ao aproximar-se de DD, ergueu o capacete e dirigiu-o à cabeça deste, tendo o assistente levantado o braço, como forma de se proteger, esquivando-se à pancada.
Quase em simultâneo, acorreram ao local dois indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, que se dirigiram a DD, pelas costas, agredindo-o, de modo não concretamente apurado.
Entretanto, a assistente CC saiu do veículo, gritando que o marido nada tinha a ver com o assunto, momento em que o arguido se lhe dirigiu novamente, desferindo-lhe uma chapada na face, que provocou a sua queda ao solo.
Já com a assistente no chão, o arguido desferiu pontapés que a atingiram nas costas, apelidando-a de “brasileira de merda”.
As agressões apenas cessaram por intervenção dos seguranças do recinto, que contactaram a Polícia Marítima, a fim de tomar conta da ocorrência.
O arguido agiu com o intuito de causar dores e lesões corporais na assistente CC, o que conseguiu.
O arguido agiu de forma deliberada livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e tendo a liberdade para se determinar de acordo com tal avaliação.
Analisada esta factualidade e o que demais consta da sentença revidenda na sua globalidade e não de forma segmentada, temos de concluir que as referidas agressões não tiveram como motivo/não foram determinadas/não foram despoletadas pela origem nacional da vítima, pois o arguido não se encontrava sequer no local do confronto entre a arguida e a assistente e para ele só se dirigiu porque a arguida AA, sua companheira que, relembremos, se encontrava com uma gravidez de risco, o contactou telefonicamente a pedir ajuda e comunicou que quem a agrediu estava em fuga (relatando-lhe, certamente, como é da experiência comum de situações desta natureza, o que na sua perspectiva se tinha passado).
E é esta comunicação e não a circunstância da pessoa com quem ocorrera o conflito com AA ser de nacionalidade brasileira, que faz o arguido se deslocar do seu local de trabalho, num restaurante na praia, de motociclo até ao parque de estacionamento, com o intuito de evitar que a assistente abandonasse o local e, manifestamente, tirar desforço do que tinha acontecido entre a assistente e a sua companheira.
Porque assim é preenchida não está a qualificativa prevista o artigo 132º, nº 2, alínea f), do Código Penal, nem estamos perante situação em que as circunstâncias em que as agressões do arguido à assistente foram perpetradas reflectem uma especial censurabilidade ou perversidade da actuação daquele exigida para a qualificação do crime.
Não podemos deixar, ainda, de frisar, que as expressões utilizadas pelo arguido são, indubitavelmente, ofensivas da honra e consideração da assistente, sendo susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal.
Só que, tal crime reveste natureza procedimental particular. Ou seja, o procedimento criminal depende, para além da queixa, da dedução de acusação particular pelo ofendido constituído assistente, como resulta do estabelecido no artigo 188º, nº 1, do Código Penal e artigo 50º, nº 1, do CPP.
Acontece que, notificada para requerer a sua constituição como assistente nos autos, CC não a impetrou no prazo legalmente estabelecido, pelo que foi determinado o arquivamento pelo Ministério Público, por inadmissibilidade legal do procedimento.
Os assistentes sustentam também integrar a conduta do arguido BB para com o assistente DD, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, com fundamento na versão factual que pretendiam fazer valer ao impugnarem a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida.
Ora, como visto, este seu desiderato não foi alcançado e, compulsando a materialidade fixada, preenchidos não estão os elementos objectivos deste crime.
Termos em que, o recurso tem de improceder também neste segmento.
Espécie e dosimetria da pena aplicada ao arguido
Inconformados se mostram os recorrentes com a pena de multa aplicada ao arguido BB, pugnando pela condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução, “condicionada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta”, ou, subsidiariamente, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de 10,00 euros.
Ou seja, o que pretendem é a agravação das penas concretas (parcelares e única) impostas pelo tribunal recorrido.
Ora, ao contrário do que se verifica quanto às questões da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento e enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, em que se considerou terem os assistentes legitimidade e interesse em agir para recorrer do decidido na 1ª instância, no que diz respeito à escolha da pena, sua medida e pena de substituição, não se vislumbra afectação de algum dos seus direitos subjectivos e/ou interesses, nem a inflição de uma desvantagem, não se podendo olvidar que “se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP”, conforme se pode ler no citado Ac. do STJ de 07/05/2009 – vd. também Ac. do STJ de 31/01/2024, Proc. nº 809/22.4PHAMD809/22.4PHAMD.L1.S1, .L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.disponível em www.dgsi.pt.
E vero é que o Ministério Público se conformou (mal ou bem, não cumprindo que sobre esse posicionamento e seu mérito aqui nos pronunciemos), com a decisão revidenda.
Face ao que, tendo em atenção estes fundamentos do recurso, carecem os recorrentes de interesse em agir, pelo que se impõe a sua rejeição, por inadmissibilidade legal nesta parte, nos termos conjugados dos artigos 401º, nº 2, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), todos do CPP.
Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar relativamente ao demandado BB/montantes atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais
O arguido/demandado BB foi condenado no pagamento à demandante CC da quantia de 4.400,00 euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
A arguida/demandada AA foi condenada no pagamento da quantia de 600,00 euros à demandante CC, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Os recorrentes/demandantes/assistentes mostram-se insatisfeitos com estes montantes, impetrando a condenação de BB no pagamento da quantia de 12.000,00 euros e AA na quantia de 3.000,00 euros, respectivamente.
Mais avançam dever o demandado BB ser condenado a pagar ao demandante DD a quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo que do pedido formulado foi o mesmo absolvido.
Vejamos.
Estabelece-se no artigo 129º, do Código Penal, que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulado pela lei civil.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no artigo 483º, do Código Civil, segundo o qual:
“Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Resulta do aludido preceito que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:
-O facto ilícito;
-O dano;
-O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;
- A culpa.
O facto ilícito é o facto voluntário – a acção ou omissão – que viola o direito de outrem ou deveres impostos por lei que vise a defesa dos interesses particulares, sem, contudo, conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.
O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e pode ter natureza patrimonial e não patrimonial.
O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e nessa medida indemnizáveis - artigo 563º, do Código Civil.
Finalmente, a culpa representa a imputação subjectiva do facto ao agente e traduz uma determinada posição ou situação censurável deste perante o facto ilícito, podendo assumir a forma de negligência ou de dolo.
O dever de indemnizar engloba o prejuízo causado e bem assim os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que previsíveis – artigo 564º, do Código Civil.
Em causa não está, no recurso, a comprovação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual enunciados no artigo 483º, do Código Civil, relativamente à vítima CC e aos arguidos/demandados AA e BB enquanto responsáveis, mas apenas os montantes atribuídos pelos danos não patrimoniais, como dito.
Nos termos dos artigos 496º, nº 1 e nº 3, 1ª parte e 494º, ambos do Código Civil, quanto aos danos de natureza não patrimonial, o seu montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, 1982, pág. 304, ou como se refere no Ac. do STJ de 12/01/2006, Proc. nº 4176/05 - 7ª Secção, deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade, não olvidando, em nome da segurança da justiça, a prática jurisprudencial no sector – vd. quanto a ter de se atender também à prática jurisprudencial, Ac. do STJ de 28/06/2007, Proc. nº 07B1543, Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 05P3638, Ac. do STJ de 27/01/2009, Proc. nº 08P1962 e Ac. do STJ de 05/11/2009, Proc. nº 120/01.2GBPMS.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Os danos não patrimoniais abrangem os prejuízos, como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente.
A indemnização prevista no artigo 496º, nº 1, que tem em vista o quantum doloris causado, mais do que uma indemnização é uma verdadeira compensação, porquanto o escopo a alcançar é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, sendo que procurará ser justa e equitativa e não com um alcance meramente simbólico, ou miserabilista (embora também não deva, nem possa, representar um negócio) uma vez que se destina a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que tenha sofrido e que já não podem ser retirados por quem quer que seja – cfr. Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 06P480, Ac. do STJ de 23/04/2008, Proc. nº 08P303, Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 08P3380 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 271/09.7YFLSB, que podem ser lidos no referenciado sítio.
Importa ainda se tenha em conta “constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998” – assim, Ac. do STJ de 07/06/2018, Proc. nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
Ora, provado está que, em consequência directa e necessária da conduta da demandada AA, a ofendida CC sofreu dores nas zonas atingidas (face a cabeça).
E, em consequência directa e necessária da conduta do demandado BB, a ofendida CC sofreu as seguintes lesões:
- no membro superior direito: trauma do punho, com fractura do estiloide cubital, que careceu de imobilização gessada;
- no membro inferior direito: edema doloroso à palpação no bordo externo do calcâneo;
- no membro inferior esquerdo: equimose no glúteo à esquerda, com cerca de 9 cm por 13 cm (eixo: longitudinal x transversal).
Lesões que lhe determinaram um período de 42 dias de doença, incapacitante para a sua actividade profissional.
E, provado está também que:
As condutas perpetradas pelos arguidos AA e BB causaram na assistente, dores, sofrimento, angústia, desgaste emocional e psicológico, preocupação, medo e constrangimentos pessoais e profissionais.
A assistente CC sofreu, durante largos meses, de limitação e dores no membro superior direito e, pelo menos até Outubro de 2023, sofreu síndrome de ansiedade e stress pós-traumático, com perturbação do sono associada às agressões perpetradas pelos arguidos.
Quanto às condições económicas dos demandados, provou-se que AA se encontra desempregada, não auferindo quaisquer rendimentos; reside com o arguido e um filho com 1 ano e 9 meses de idade, em casa arrendada, pela qual paga uma renda mensal no valor de 450,00 euros.
Já o demandado BB, exerce a actividade de empregado de mesa por conta de outrem, no estabelecimento de restauração propriedade do progenitor, auferindo um rendimento mensal no montante de 1.100,00 euros; reside com a arguida, sua companheira e o filho menor de ambos; tem outro filho de 9 anos de idade, que vive com a mãe e ao qual paga, mensalmente, uma prestação de alimentos no valor de 150,00 euros.
Pois bem.
Face aos factos provados, tendo em atenção a intensidade da culpa dos demandados (não se podendo deixar de frisar que, no que tange ao confronto entre CC e AA, nem sequer se apurou quem o iniciou) reflectida nas respectivas actuações e que agiram dolosamente; a gravidade e extensão dos prejuízos morais suportados pela ofendida, atendendo também à condição económica daqueles, entende-se que se mostram ajustadas as quantias atribuídas a título de indemnização por danos não patrimoniais, pelo tribunal recorrido.
Pretende o demandante DD a condenação do demandado BB no pagamento da quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que afirma ter sofrido em consequência da actuação daquele.
Como referido já, desse pedido foi o demandado absolvido.
No entanto, a absolvição penal não traz necessariamente a improcedência do pedido de indemnização civil, desde que fundado em responsabilidade extracontratual por facto ilícito ou pelo risco, como resulta do estabelecido no artigo 377º, nº 1, do CPP.
A propósito, elucida-se na decisão revidenda:
Não se provou existir qualquer nexo causal entre as lesões sofridas pelo assistente DD, que se deram como assentes, e uma conduta livre, voluntária e culposa do arguido BB, indo o mesmo, aliás, com tal fundamento, absolvido do crime de ofensas à integridade física simples de que se encontrava pronunciado (…) Tal como se salientou supra, não assiste ao assistente DD o direito ao ressarcimento, pelo aqui arguido BB, de qualquer importância, nem a título de danos patrimoniais – nem sequer peticionados –, nem de danos não patrimoniais.
Este entendimento apresenta-se correcto, pelo que o pedido do demandante não podia proceder.
Destarte, cumpre negar provimento ao recurso neste segmento.
Face ao total decaimento da pretensão dos demandantes civis/recorrentes (também assistentes), devem as custas relativas ao pedido de indemnização civil em causa no recurso que interpuseram para este Tribunal da Relação ficar a seu cargo.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
A) Rejeitar o recurso interposto pelos assistentes CC e DD na parte relativa às questões da espécie e dosimetria da pena aplicada ao arguido BB;
B) No mais que à matéria penal diz respeito, negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida;
Custas pelos recorrentes/assistentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC para cada um deles.
C) Negar provimento ao recurso interposto pelos demandantes civis/assistentes CC e DD na parte relativa à condenação no pedido de indemnização civil e confirmar a decisão recorrida;
Custas cíveis a suportar pelos recorrentes/demandantes, que decaíram na totalidade.
Évora, 9 de Abril de 2025
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)
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(Artur Vargues)
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(Edgar Gouveia Valente)
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(Mafalda Sequinho dos Santos)