ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO
PENSÃO COM BONIFICAÇÃO
Sumário

1. A cláusula 98.ª do ACT Montepio manda atender, para efeitos da dedução a que a instituição bancária tem direito, por um lado aos valores dos benefícios da mesma natureza que o trabalhador recebe daquela e da segurança social, e, por outro lado, ao período de tempo relevante (correspondente ao tempo de antiguidade do trabalhador no sector bancário em que houve contribuições para a segurança social), sendo irrelevantes o peso ou ponderação do valor das contribuições efectuadas pela instituição bancária na formação da pensão recebida pelo trabalhador da segurança social ou o modo de cálculo dos “benefícios”, mormente no que concerne a essa pensão recebida da segurança social.
2. Tal irrelevância tanto vale para apuramento da percentagem de dedução permitida como para determinação da respectiva base de incidência: esta corresponde ao benefício da mesma natureza, mormente pensão de velhice, recebida pelo trabalhador da segurança social.
3. A al. a) do n.º 4 da cláusula em referência, prevenindo o caso em que a pensão seja atribuída com penalização, e sendo certo que nada foi estabelecido para o caso de a pensão ser atribuída com bonificação, evidencia que não ocorre qualquer lacuna, mas vontade deliberada de não fazer distinção no que toca a esta situação, estando, por conseguinte, interditado que o intérprete a faça.
4. Uma vez que a dedução pela instituição bancária, nos termos explicitados, tem assento em norma de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não há qualquer locupletamento ilegítimo, tanto mais que a bonificação resulta do conjunto da carreira contributiva, nela se atendendo à verificada ao serviço da instituição bancária, mesmo que com descontos para o CAFEB (art. 6.º, n.º 2 do DL n.º 1-A/2011, de 3/01), pelo que se justifica que o beneficio que daí decorre não seja excluído da dedução à pensão paga por aquela.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, S.A., pedindo, após ampliação do pedido que foi admitida, a condenação da Ré a pagar ao Autor todas as prestações de reforma em dívida, vencidas e vincendas, com efeitos a 12 de Junho de 2022 e cujo valor já vencido ascende a 23 178,02 €, bem como a abster-se de reter percentagem superior a 28,57% da pensão estatutária atribuída pela segurança social, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, por cada mensalidade de reforma indevidamente deduzida, até integral cumprimento da obrigação.
A Ré contestou, reconhecendo a factualidade essencial alegada pelo Autor mas sustentando distinta leitura dos normativos por este invocados e pugnando pela legalidade dos descontos a que procedeu e procede. Conclui pela improcedência da acção.
Proferiu-se sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Tudo ponderado, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
i. Reconhece-se ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, nos termos fixados em M., deduzido do valor correspondente à percentagem de 28,57%;
ii. Condena-se a Ré a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, nos termos fixados em M., deduzida do valor referente à percentagem de 28,57%;
iii. Condena-se a Ré a devolver ao Autor os montantes por si retidos desde Junho de 2022, que extravasem o valor mensal correspondente à percentagem referida em i., acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral e efectivo pagamento.
Custas a cargo de Autor e Ré.»
O Autor interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objeto apenas a matéria de direito, na parte da sentença recorrida que foi desfavorável ao Autor, ao decidir que a dedução da pensão da segurança social, a reverter para a Ré, por força da aplicação do critério pro rata temporis, poderia incidir sobre a pensão total paga pela segurança social, incluindo a bonificação atribuída e não apenas sobre a pensão estatutária, conforme defendido pelo Autor, ora Recorrente;
2. O recurso é admissível e preenche o disposto no n.º 1 do art. 629.º do C.P.C., considerando por um lado, o valor da ação fixado em €30.000,01 e, por outro, o valor desfavorável ao Autor, muito superior a metade da alçada do tribunal, quer da 1.ª instância, quer da Relação, atendendo ao valor da bonificação atribuída pela segurança social, no valor mensal e vitalício de €997,26, com efeitos à data da atribuição da pensão de segurança social, em 12.05.2022;
3. A douta sentença recorrida considerou improcedente o pedido do Autor, por considerar que a pensão atribuída pela segurança social é una e indivisível, não sendo atribuídas pela segurança social duas pensões distintas - estatutária e bonificada - mas apenas e tão só, uma única pensão, o que não é correto, pois a bonificação é de facto um complemento à pensão estatutária, perfeitamente quantificado e com um escopo específico definido pelo legislador;
4. O Decreto-Lei 187/2007, de 10 de maio define as regras de cálculo da pensão dos beneficiários do regime previdencial da segurança social, designando esta pensão como pensão estatutária, a única que é una e indivisível, distinguindo a lei outras situações especiais, como seja, a pensão de velhice com redução, ou a pensão de velhice com bonificação ou, por exemplo, a pensão unificada, definindo, em cada caso, o valor da redução, da bonificação ou da pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, componentes distintas que cumprem desideratos específicos definidos pelo legislador, os quais a serem englobados numa alegada pensão una e indivisível, deixam de poder alcançar os objetivos para os quais foram criados, sem prejuízo da pensão paga ser um valor global a creditar ao beneficiário;
5. A bonificação da pensão a atribuir pela segurança social, está prevista no art. 37.º do DL 187/2007 e visa especificamente premiar o trabalhador por manter-se ao serviço, para além da idade legal ou pessoal de reforma, sendo um incentivo ao envelhecimento ativo, conforme previsto no preâmbulo do citado decreto-lei, a reverter, naturalmente, para o trabalhador que não para a entidade empregadora;
6. Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 37.º do DL 187/2007, é exigível um período mínimo contributivo para a segurança social de 15 anos, para efeitos de atribuição da bonificação da pensão, sendo que a antiguidade bancária do recorrente ao serviço da Ré, apenas preencheu 12 anos contributivos para o regime geral de segurança social;
7. Sem prejuízo, por força do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, os anos civis com registo de contribuições no âmbito do regime de proteção social do setor bancário foram considerados elegíveis pelo legislador, para efeitos de atribuição da bonificação, o que representou um esforço financeiro do Estado, que não da Ré;
8. O Recorrente, registou uma carreira contributiva no total de 54 anos, elegíveis para efeitos de bonificação, nos termos do disposto no art.º 6 do Decreto-Lei n.º 1-A/2001, conjugado com o DL 187/2007, pelo que, no limite, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, sempre teria de ter sido considerada, para efeitos de dedução da pensão da segurança social, a percentagem de 12/54 (22,22%) e não 12/42 (28,57%) como decidido pela douta sentença recorrida e tendo em conta que a base de incidência considerada pelo tribunal a quo englobou igualmente (e ilicitamente) a bonificação atribuída pela segurança social;
9. O ACT do Montepio, não prevê qualquer benefício equiparável à bonificação atribuída pela segurança social, nem qualquer incentivo à permanência dos trabalhadores para além da idade mínima de reforma, sendo que nos termos do disposto no n.º 9 da cláusula 99.ª do ACT do Montepio, só por acordo com a instituição é possível manter o contrato de trabalho, para além da idade mínima de reforma, acordo que pode ser retirado unilateralmente a qualquer momento por decisão da Ré;
10. Tal como defendido pelo Professor Doutor Rui Medeiros, o desconto da bonificação da pensão estatutária, a favor das instituições de crédito, é intolerável em face do princípio da legalidade, conjugado com o princípio do enriquecimento injustificado. A apropriação económica pela Ré de um benefício que é por lei destinado especificamente ao trabalhador, traduz-se num locupletamento ilegítimo por parte da instituição;
11. Ao decidir como decidiu a sentença, objeto do presente recurso, efetuou uma errada interpretação do artigo 37.º do DL 187/2007, de 10.5, bem como das cláusulas 98.ª e 99.ª do ACT Montepio;
12. Devendo a douta sentença ser revogada, na parte que foi desfavorável ao Autor, considerando-se que a percentagem de 28,57% a reter pela Recorrida deverá incidir tão somente sobre a pensão estatutária e não sobre a bonificação/pensão bonificada, só assim se observando o disposto no DL 187/2007 bem como o escopo do legislador ao consagrar este incentivo de permanência no mercado de trabalho.»
A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência.
Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se a dedução da pensão auferida pelo Autor da segurança social, a efectuar pela Ré de acordo com o critério pro rata temporis, deve incidir sobre a pensão total, incluindo a bonificação atribuída aí incluída, ou deve incidir apenas sobre a pensão estatutária.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
A. AA e “Finibanco, S.A.” celebraram, em 03 de Setembro de 1998, acordo escrito, denominado Contrato de Trabalho, mediante o qual o segundo declarava admitir o primeiro ao seu serviço e este se obrigava a prestar-lhe a sua actividade com a categoria de Sub-Director, no Grupo I, nível 13, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário;
B. Sob a Cláusula Oitava do acordo referido em A., as partes estabeleceram que a antiguidade e tempo de serviço se contam, para todo os efeitos, designadamente diuturnidades e segurança social, a partir de 14 de Setembro de 1998;
C. Em 04 de Abril de 2011, o “Finibanco, S.A.” foi adquirido pela “Caixa Económica Montepio Geral”;
D. Na sequência do referido em C. o acordo mencionado em A. foi transferido para a aqui Ré;
E. Em 14 de Outubro de 2015, o Autor celebrou com a Ré acordo escrito denominado de “Contrato de suspensão de prestação de trabalho”, mediante o qual acordaram que a prestação de trabalho do Autor ficaria suspensa desde 01 de Novembro de 2015 até atingir a idade legal de reforma por invalidez presumível;
F. Em 12 de Junho de 2022, o Autor passou à situação de reforma por invalidez presumível;
G. Na data referida em F. o Autor contava com 23 anos, 7 meses e 28 dias de antiguidade no sector bancário;
H. Na data referida em F. o Autor tinha a categoria profissional de Director e o nível retributivo 16;
I. O Autor é filiado, desde 25 de Setembro de 1998, no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (“SNQTB”);
J. Em 12 de Maio de 2022, o Autor efectuou pedido de reforma junto do Instituto de Segurança Social:
K. O Autor possui registo de contribuições fora do sector bancário entre Outubro de 1968 e Setembro de 1998;
L. Desde Outubro de 1998, o Autor descontou para a segurança social por trabalho efectuado no sector bancário;
M. Em 10 de Novembro de 2022, o pedido do Autor foi deferido pelo Instituto de Segurança Social, atribuindo-lhe uma pensão por velhice no valor de € 4.104,85;
N. O cálculo da pensão referida em M. teve em conta quarenta e dois anos de contribuições para formação da pensão, num total de cinquenta e quatro anos de contribuições;
O. Dos anos referidos em N., doze anos foram no sector bancário;
P. O valor referido em M., tem por base uma pensão de € 3.107,59 mensais, acrescidos de um factor de bonificação de 1,54;
Q. A pensão referida em M. foi paga ao Autor a partir de 08 de Dezembro de 2022, com retroactivos a 12 de Maio de 2022, num total de € 31.470,52;
R. Por comunicação electrónica datada de 21 de Novembro de 2022, o Autor deu conhecimento à Ré do ofício da segurança social;
S. Por comunicação electrónica datada de 30 de Março de 2023, a Ré deu a conhecer ao Autor a sua discordância quanto à aplicação da regra pro rata temporis e solicitou a devolução da quantia já paga, no montante de € 21.662,93;
T. Em Março de 2023, a Ré iniciou a dedução mensal, ao valor pago pela segurança social, no montante de € 2.015,97;
U. Por comunicação datada de 04 de Abril de 2023, o Autor solicitou à Ré o envio de ... a fim de efectuar a devolução de retroactivos devidos pelo pagamento da pensão, dando conta à Ré que “sendo a pensão estatuária atribuída pela Segurança Social no valor de € 3.107,59; o período contributivo considerado para o cálculo 42 anos; o período a que tem direito o banco 12 anos; o cálculo mensal da pensão de abate seria: (12/42)x3.107.59 euros=887,88euros/mês (…)”;
V. A pensão suportada pela Ré ascende ao montante global de € 3.333,70;
W. Entre 12 de Junho de 2022 e Outubro de 2023, a Ré reteve ao Autor os seguinte valores:
(…)
X. Em Setembro de 2023, na sequência do referido em S., o Autor entregou à Ré a quantia de € 21.662,93.
3.2. Como se referiu, a questão que se coloca a este tribunal é a de saber se a dedução da pensão auferida pelo Autor da segurança social, a efectuar pela Ré de acordo com o critério pro rata temporis, deve incidir sobre a pensão total, incluindo a bonificação atribuída aí incluída, como se entendeu na sentença recorrida, ou deve incidir apenas sobre a pensão estatutária, como sustenta o Recorrente no seu recurso.
Não se questiona que à situação dos autos se aplica o estabelecido na cláusula 98.ª do Acordo Colectivo entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação dos Sindicatos Independentes da Banca - FSIB, publicado no BTE n.º 7/2017, de 22-02-2017, vigente à data em que o Autor passou à situação de reforma por velhice.
Aí se estabelece:
Garantia de benefícios e articulação de regimes
1- As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.ª
3- Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.
4- O incumprimento do referido no número anterior, determina que:
a) No caso em que o benefício assuma a natureza de pensão e esta seja atribuída com penalização, as instituições subscritoras considerem, para o apuramento da diferença a que se refere a segunda parte do número 1, o valor da referida pensão sem aplicação do fator de sustentabilidade e com uma taxa de penalização correspondente a 75 % da taxa efetivamente aplicada pela Instituição ou serviço de Segurança Social.
b) No caso em que não seja requerido o pagamento dos benefícios logo que reúnam condições para o efeito, apenas é garantido pelas instituições subscritoras, a partir dessa data, o pagamento da diferença entre os benefícios previstos neste acordo e o valor, por si estimado, dos benefícios a atribuir pelas instituições ou serviços de Segurança Social.
c) No caso em que não seja comunicada às instituições subscritoras a atribuição dos benefícios ou não lhes seja enviada cópia da comunicação recebida das instituições ou serviços de Segurança Social, aplica-se o previsto na alínea b) deste número.
5- As correções que se mostrem devidas em relação aos valores pagos pelas instituições subscritoras nos termos da presente secção serão efetuadas logo que esta disponha dos elementos necessários para o seu processamento e serão aplicadas à data em que produzam ou devessem ter produzido efeitos.
6- No momento da passagem à situação de reforma as instituições subscritoras informarão o trabalhador dos diplomas legais, em vigor nessa data e que lhe são aplicáveis, que regulam a atribuição de subsídios e pensões por parte dos regimes públicos de Segurança Social.
Conforme decorre da factualidade provada, o Autor efectuou descontos para a segurança social, quer decorrentes da prestação de actividade remunerada a entidade não bancária, quer decorrentes de trabalho prestado no sector bancário, ou seja, durante período de tempo que foi tido em conta na antiguidade do mesmo atendida para efeitos do cálculo da pensão de reforma que a Ré lhe atribuiu.
Assim, nos termos da cláusula sobredita, a Ré podia descontar ao Autor a parte da pensão que lhe foi atribuída pelo Centro Nacional de Pensões em função do período em que o mesmo esteve a trabalhar no sector bancário efectuando descontos para a segurança social – 12 anos –, de modo a impedir que este período fosse contabilizado para as duas pensões de reforma, acarretando uma duplicação de benefícios.
Trata-se de concretizar o disposto no art. 67.º, n.º 1 da Lei n.º 4/2007, de 16/01 (revista pela Lei n.º 83-A/2013, de 30/12), segundo o qual, salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.
Verificando-se, porém, que ocorria discórdia entre as partes quanto à percentagem da dedução a efectuar e quanto à base de incidência da mesma, o Autor propôs a presente acção, pedindo a condenação da Ré a proceder a dedução que, por um lado, atendesse à percentagem de 28,57% (alcançada de acordo com o critério pro rata temporis), e, por outro lado, tivesse por base apenas a pensão estatutária atribuída pela segurança social.
O tribunal recorrido julgou o pedido procedente no que se refere à aplicação da percentagem de 28,57% (mostrando-se a sentença transitada em julgado nessa parte), mas improcedente quanto à incidência sobre a pensão estatutária (no valor de 3.107,59 €), decidindo que a incidência era sobre a pensão total, no valor de 4.104,85 €, que tem por base a pensão estatutária acrescida dum factor de bonificação de 1,54.
Para o efeito, considerou o tribunal a quo que:
«Aqui chegados, cumpre referir que à cláusula em referência está subjacente a pensão calculada pela Segurança Social, não se podendo ficcionar um cálculo diferente – ou seja, a pensão, para efeitos de cálculos será a que efectivamente foi atribuída ao Autor (não havendo que distinguir entre pensão estatutária e pensão bonificada).
Na verdade, a pensão atribuída pela Segurança Social - não obstante a menção a pensão estatutária, é una e indivisível, já que para a formação do seu quantitativo concorre a pensão estatutária multiplicada pelo factor de bonificação. Ou seja, o factor de bonificação não surge como um complemento ou agregado à pensão estatutária, antes dela é parte integrante e concorre no seu quantitativo, tanto mais que a Segurança Social não comunica ao autor ter direito a pensão estatutária e x valor e direito ao factor de bonificação em y valor. A dar provimento à alegação do Autor estaríamos afinal, a efectuar um desmembramento artificial da pensão de reforma, que nenhuma sustentação se encontra para isso na letra da lei. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Abril de 2022, com o número de processo 15010/20.3T8LSB.L1.
Efectuar assim, como parece entender o Autor, uma divisão do montante da pensão atribuída ao Autor entre pensão estatutária e pensão bonificada significaria, afinal, uma simulação de sub pensão que, como se viu, nenhuma sustentação encontra na lei.
Considerar-se-á, assim, o valor da pensão atribuía ao Autor, no valor mensal de € 4.104,85.»
Insurge-se o Autor, argumentando, em síntese, que a pensão estatutária é que é una e indivisível e que da mesma se destacam outras situações especiais previstas na lei, como a redução ou bonificação, não só pelo facto de o respectivo valor e cálculo ser autonomamente comunicado ao beneficiário, como por cumprirem desideratos específicos definidos pelo legislador, que no caso da bonificação é premiar o trabalhador por manter-se ao serviço para além da idade legal ou pessoal de reforma, através de incentivo suportado pelo Estado/segurança social e não pela Ré, pelo que a apropriação por esta dum benefício que é destinado especificamente ao trabalhador se traduz num locupletamento ilegítimo.
A argumentação do Autor não procede.
Na verdade, desde logo, não é só a bonificação mas a totalidade da pensão de velhice atribuída pela segurança social que constitui um benefício destinado exclusivamente ao trabalhador: o que sucede é que, pelas razões acima delineadas, a cláusula 98.ª do ACT aplicável prevê o direito de o empregador proceder à sua dedução nos termos aí referidos, cabendo tão somente determinar o sentido a atribuir a tal cláusula.
Ora, aqui chegados, afigura-se pertinente chamar à colação a interpretação que, ainda que a propósito da percentagem da dedução a efectuar na pensão (questão já decidida nos presentes autos com trânsito em julgado), o Supremo Tribunal de Justiça tem feito desta e doutras cláusulas de redacção similar constantes de convenções colectivas de trabalho do sector bancário.
Diz-se, por exemplo, no Acórdão de 12-01-2023, proferido no processo n.º 422/21.3T8CSC.L1.S111:
“Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.
A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios, o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.
Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.
Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente, torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.”
Por outras palavras, a cláusula 98.ª do ACT em apreço manda atender, para efeitos da dedução a que a instituição bancária tem direito, por um lado aos valores dos benefícios da mesma natureza que o trabalhador recebe daquela e da segurança social, e, por outro lado, ao período de tempo relevante (correspondente ao tempo de antiguidade do trabalhador no sector bancário em que houve contribuições para a segurança social), sendo irrelevantes o peso ou ponderação do valor das contribuições efectuadas pela instituição bancária na formação da pensão recebida pelo trabalhador da segurança social ou o modo de cálculo dos “benefícios”, mormente no que concerne a essa pensão recebida da segurança social.
Ora, se assim é, tal irrelevância tanto vale para apuramento da percentagem de dedução permitida como para determinação da respectiva base de incidência: esta corresponde ao benefício da mesma natureza, isto é, no presente caso, a pensão de velhice, recebida pelo trabalhador da segurança social.
Acresce que, nos termos da al. a) do n.º 4 da cláusula em referência, no caso em que a pensão seja atribuída com penalização, as instituições subscritoras podem considerar, para apuramento da diferença de que se vem falando, o valor da pensão recebida da segurança social sem aplicação do factor de sustentabilidade e com uma taxa de penalização correspondente a 75 % da taxa efectivamente aplicada por aquela, sendo certo que nada foi estabelecido para o caso de a pensão ser atribuída com bonificação.
Evidencia-se, pois, que não ocorre qualquer lacuna, mas vontade deliberada de não fazer qualquer distinção no que toca à situação de atribuição de pensão bonificada, estando, por conseguinte, interditado que o intérprete a faça. Como refere a Apelada, «(…) o facto de as Partes terem discutido, negociado e acordado aquele n.º 4, e nada terem feito constar quanto aos efeitos da bonificação, não pode ter outra leitura interpretativa que não seja a de que, a este propósito, não quiseram fazer constar qualquer desvio à regra dos n.ºs 1 e 2 da mesma cláusula.»
Por outro lado, uma vez que a dedução pela instituição bancária, nos termos explicitados, tem assento em norma de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, improcede necessariamente a invocação de locupletamento ilegítimo. Ademais, o próprio Apelante admite que a bonificação resulta do conjunto da carreira contributiva, nela se atendendo à verificada ao serviço da instituição bancária, mesmo que com descontos para o CAFEB (art. 6.º, n.º 2 do DL n.º 1-A/2011, de 3/01), pelo que se justifica que o beneficio que daí decorre não seja excluído da dedução à pensão paga por aquela.
Improcede, pois, o recurso.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 26 de Março de 2025
Alda Martins
Paula Santos
Alves Duarte
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1. Disponível em www.dgsi.pt.