I - Para além dos factos essenciais que às partes compete alegar, é lícito ao tribunal considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado de forma conclusiva, resultem da instrução da causa e sobre os quais tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
II - O dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e se, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio.
III - A garantia bancária autónoma, embora sem definição na nossa legislação, refere-se ao acordo nos termos do qual uma entidade financeira ou bancária se obriga a entregar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, na sequência da celebração de um contrato entre o beneficiário e o ordenante, sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.
IV - Nesse âmbito, a prática evidencia duas modalidades essenciais:
a) de um lado, a designada garantia autónoma simples, na qual as partes limitam-se a prever a autonomia da obrigação do garante em relação à existência, validade ou excepções oponíveis ao crédito, admitindo apenas a oponibilidade de excepções próprias da relação de garantia;
b) de outro, a garantia à primeira solicitação ou on first demand, na qual as partes estipulam que o garante não oporá qualquer excepção à exigência da garantia, satisfazendo-a, imediatamente e sem discussão, logo que tal seja solicitado pelo credor.
V - No que respeita às relações entre o devedor ordenante e o credor garantido, para a neutralização da garantia autónoma, que pode resultar do incumprimento contratual, do enriquecimento sem causa ou do abuso de direito, é sobre o devedor/ordenante da garantia que recai o ónus da alegação e da prova relativamente aos factos necessários à respectiva verificação.
VI - Afastada a existência de incumprimento do contrato por parte do garantido e apurada a existência de defeitos na realização da empreitada, que não foram reparados apesar de tal ter sido solicitado pelo dono de obra, sob a advertência de recurso às garantias contratuais, está presente o fundamento material da execução destas e afastada a possibilidade de ela determinar a obrigação de restituir com base em enriquecimento sem causa.
VII - O abuso de direito constitui um instituto de ultima ratio, para situações de clamorosa ou evidente injustiça: não basta, para que se verifique, que o titular do direito exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico daquele, antes sendo necessário que esses limites sejam manifestamente excedidos, i. é, que ofendam de forma ostensiva a consciência ética e jurídica da generalidade dos cidadãos.
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
(3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
2.º Adjunto: Ana Paula Amorim
RELATÓRIO.
A..., S.A., titular do N.I.P.C. ...31, com sede na Avenida ... de ..., em ..., concelho de Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B... S.A., com o N.I.P.C. ...59, e sediada na Rua ..., em ..., concelho de Vila do Conde.
Pediu que, pela procedência da acção, seja a R. condenada a restituir à A. a quantia de que indevidamente se apropriou, por ter accionado garantia bancária sem fundamento para tanto, no montante de 82.931,03€, acrescido de juros de mora, à taxa comercial, desde 15/7/2021, data em que a garantia foi honrada, até integral pagamento, bem como condenada a solicitar ao Banco 1... a revogação do accionamento de uma segunda garantia bancária, no valor accionado de 24.801,97€, a abster-se de voltar a accionar a garantia bancária ainda existente quanto ao valor remanescente da boa execução da obra e ainda condenada no pagamento da quantia de 15.000,00€ para reparação dos danos morais causados pelo seu comportamento.
Para o efeito e em síntese apertada, alegou que, na sequência da celebração de dois contratos de empreitada entre as partes, tendo em vista as obras de ampliação de uma unidade industrial para a ré, situada na freguesia ..., em Vila do Conde, pelos preços de €1.183.558,88 e de €451.558,11, a autora tratou de obter junto do Banco 1... duas garantias bancárias, on first demand, a favor da ré, representativas de depósito de garantia de 5% do valor de cada uma das empreitadas.
Posteriormente, quando já havia caducado o direito que poderia assistir ao abrigo desses contratos, a ré, sem que nada o fizesse prever, lançou mão das garantias bancárias, solicitando ao Banco 1... o pagamento do montante total de €82.931,03, relativamente à segunda garantia, e o montante parcial de €24.801,97, quanto à primeira garantia, esta ainda não honrada, o que fez sem qualquer motivo ou justificação, e sem informar à autora de ter procedido a quaisquer intervenções nos trabalhos, nem enviar para a autora qualquer factura que lhe permitisse acionar as garantias bancárias.
Mais, afirmou que a ré enriqueceu ilegitimamente naqueles valores e na exata medida do empobrecimento da autora e que se viu na obrigação de repor ou negociar a reposição desse montante ao Banco 1....
Todavia, a ré não tinha o direito de o fazer, por ter considerado efetivamente reparadas pela autora todas as patologias por si denunciadas e ter impedido os trabalhadores da autora de concluir os trabalhos de reparação das restantes, para além de ter acompanhado, permanentemente, a execução dos trabalhos de empreitada, sem nunca fazer qualquer reparo, por ter recusado as propostas de reparação feitas pela autora nas caleiras, sem justificação, e por ter pretendido a substituição das tubagens de água gelada, sem que antes tivesse concedido à autora a possibilidade de proceder à sua reparação.
Em consequência, disse ter sofrido danos morais pela violação e prejuízo do seu direito de imagem e do bom nome que sempre gozou junto das entidades bancárias.
Devidamente citada, a R. ofereceu contestação, na qual, em resumo, afirmou que, na sequência da celebração do contrato de empreitada, foi assinado entre as partes, a 17/8/2016, o Auto de receção provisória, com a indicação dos trabalhos que à data ainda estavam por concluir e que a A. não corrigiu, sendo que, quanto aos trabalhos que corrigiu e reposicionou, e que não o foram na totalidade, realizou-os sempre após o prazo convencionado.
Mais, impugnou parte da matéria constante da petição inicial, salientou que na ata lavrada da reunião que ocorreu entre a Autora e a Ré, no dia 7 de junho de 2017, no ponto 2, já se mencionaram os atrasos sofridos e as consequências dos mesmos, tal como resulta do e-mail enviado à A. a 16 de agosto de 2018 e que, em maio de 2020, ainda bem dentro do prazo geral de garantia da construção, e após um levantamento mais sistemático dos defeitos de construção e estruturais, foi efetuada uma reclamação global à ora Autora, enquanto responsável pela empreitada.
Contudo, parte das anomalias denunciadas não foi solucionada e outra parte foi tardiamente, ou de forma deficiente, conforme foi detalhadamente explicado na carta enviada pela Ré à Autora no dia 18 de junho de 2020.
Por outro lado, para além de outras imperfeições, que especificou, e dos atrasos, ocorreu que quando os trabalhadores da A. foram confrontados sobre o tipo de tinta que estavam a aplicar, e porque as latas não tinham nenhum elemento identificativo, o que motivou a recolha de uma amostra para análise, por forma a garantir que o material era aquele que havia sido contratualizado, os dois trabalhadores da A., por livre e espontânea vontade, abandonaram as instalações da Ré.
Por fim, quanto às patologias da obra, n.º 7, referente às caleiras, o decorrer do tempo tornou visível que não estavam de acordo com o Caderno de Encargos, o que foi denunciado por carta enviada pela R. à A. no dia 5 de maio de 2020, sendo falso que resulte da falta de manutenção, e quanto à patologia n.º 9, relativa aos tubos com soldadura, já estava claramente identificada no Auto de Recepção Provisória e havia sido relembrada pela Ré, ficando acordado que a substituição seria feita no prazo de 5 anos, quando houvesse uma paragem de produção da parte da fábrica da Ré, sendo que parte da patologia foi resolvida, contudo, não na sua totalidade, e daí que a Ré se tenha visto forçada a executar as garantias.
A A. emitiu pronúncia sobre os documentos que acompanharam a contestação e respondeu às excepções deduzidas pela contraparte.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, que procedeu, sem reclamações, à fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, em três sessões, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.
E foi dessa sentença que, inconformada, a A. interpôs recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
Rematou com as seguintes conclusões:
PRIMEIRA: Atendendo à matéria factual vertida pelas partes nos seus articulados e não podendo a recorrente conformar-se com a decisão proferida, colocam-se duas questões à apreciação de V/Exas:
a) A primeira, saber se a ré fez prova da factualidade por si alegada em sede de exceção de não cumprimento, porquanto a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. – sic. artigo 576.º, n.º 3 do C.P.C. (invocado pela própria ré no artigo 132.º da sua Contestação)
b) A segunda, em saber se a autora estava obrigada a reparar os defeitos relativos à tubagem das águas frias e às caleiras e se pode ser responsabilizada pela sua não reparação e bem assim se a ré estava legitimidade a acionar as garantias bancárias.
SEGUNDA: Antes disso, assinala-se que a sentença padece de vício sancionado por nulidade por verificação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., que expressamente se argui.
TERCEIRA: Vertendo agora à primeira questão, assinala-se que a autora alegou que a ré nunca lhe deu conhecimento de ter procedido a quaisquer intervenções nos trabalhos que haviam sido executados por terceiros, nem nunca a ré lhe debitou qualquer valor pelos trabalhos executados por terceiros; nem nunca a ré enviou à autora qualquer fatura que lhe tivesse sido emitida por entidade terceira.
QUARTA: Não obstante a ré ter impugnado esta factualidade – artigo 125.º da Contestação – a verdade é que nada refere em contrário, tendo antes alegado que o montante pecuniário executado pela ré está em direta e estreita relação com as obrigações que a autora deveria ter cumprido e não cumpriu. – sic. artigo 125.º da Contestação.
QUINTA: De acordo com as regras da repartição do ónus da prova, incumbia à ré demonstrar e provar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pela autora, e que, no essencial, pelos fundamentos vertidos na petição inicial, visavam a devolução pela ré do valor pecuniário executado pelo acionamento das garantias.
SEXTA: A ré não só não alegou como, consequentemente, não fez prova, de que no cumprimento da sua obrigação de reparar os defeitos denunciados houvesse a autora de despender um montante pecuniário equivalente àquele que a ré obteve pelo acionamento das garantias bancárias.
SÉTIMA: Pelo que impunha-se que improcedesse totalmente a exceção de não cumprimento invocada pela ré.
OITAVA: Sem prescindir, considera-se ainda que o Tribunal levou à matéria dos factos provados factualidade que não foi alegada pelas partes nos seus articulados, mormente a que verteu na alínea k) dos Factos Provados, por não ter sido alegada pela ré.
NONA: Ainda que assim não fosse, não poderia o Tribunal levar tal factualidade à matéria dos Factos Provados, desde logo, porque a ré não fez prova de ter pago a quantia de €24.801,97€.
DÉCIMA: Para além disso, da prova produzida resultou demonstrado que a substituição das tubagens das águas geladas importaria um custo na ordem dos 15.000,00€, sendo que valor alegadamente despendido pela ré destinou-se também a substituir as tubagens das águas quentes, cujo defeito nunca foi denunciado.
DÉCIMA PRIMEIRA: Ainda que a ré tivesse despendido a quantia de 15.000,00€ na substituição das tubagens de água gelada – que não se reconhece - continuaria a persistir a desproporcionalidade entre o benefício pecuniário que a ré retirou pela execução das garantias e o prejuízo que serviu de fundamento para o acionamento dessas garantias.
DÉCIMA SEGUNDA: O que determinaria a improcedência da exceção perentória de não cumprimento, invocada pela ré ou, na pior das hipóteses – sempre na perspetiva da autora – a admissão dessa exceção reduzida ao quantitativo de 15.000,00€, com a consequente condenação da ré na devolução à autora do valor diferencial, isto é, de 92.733,00€.
DÉCIMA TERCEIRA: Em face do exposto e sem prejuízo do que se dirá a seguir, impunha-se que o tribunal a quo tivesse julgado a ação totalmente procedente - para o caso de se entender que será de excluir da matéria dos factos provados a factualidade vertida na alínea K) – ou, no mínimo, tivesse julgado a ação parcialmente procedente, condenando a ré a devolver à autora a quantia de 92.733,00€ - para o caso de se entender procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto a respeito da matéria vertida nessa alínea k), quanto ao valor máximo de 15.000,00€ admitido pela própria ré como sendo necessários para a substituição das tubagens.
DÉCIMA QUARTA: Sem prescindir, a autora considera que não estava obrigada proceder às reparações das tubagens, nem das caleiras e também entende que não pode ser responsável por “compensar a ré” pela reparação dos defeitos por si invocados.
DÉCIMA QUINTA: Começando pelas tubagens da refrigeração da água gelada, considera a autora ter ficado demonstrado através da prova documental junta e ainda pela prova testemunhal produzida, que as tubagens não teriam de ser substituídas e só teriam de ser reparadas as soldaduras das tubagens e apenas em caso de rutura.
DÉCIMA SEXTA: Tendo ficado assente que a autora houvesse de reparar ulteriormente as soldaduras das tubagens apenas em caso de rotura, a dada altura, a partir de maio de 2020, a ré começou a exigir que a autora substituísse todas as tubagens do sistema de refrigeração de água gelada, sem que tivesse ocorrido alguma anomalia na tubagem, estando o sistema de refrigeração em pleno funcionamento.
DÉCIMA SÉTIMA: E fê-lo em momento coincidente a ter verbalizado e expressado à autora que iria proceder a nova avaliação das tubagens, por recurso ao Instituto de Qualidade de Soldaduras (ISQ), sendo que só então se haveria de concluir da necessidade de se reparar as soldaduras.
DÉCIMA OITAVA: Não obstante, e contrariamente ao por si afirmado e transmitido à autora, sem dar a conhecer o resultado da segunda avaliação a submeter ao IQS e sem previamente solicitar da autora a reparação das soldaduras (após dispor do relatório da avaliação a submeter), a ré, segundo veio a apurar-se em julgamento (sem que o tivesse alegado), terá tratado de mandar substituir as tubagens, quer das águas frias, quer das águas quentes.
DÉCIMA NONA: Da conjugação e análise crítica da prova produzida, no seu todo, e mencionada no corpo destas alegações, considera a autora que se impunha que o tribunal tivesse levado à matéria dos factos provados a seguinte factualidade, por relevante para boa decisão da causa:
r) As partes acordaram que a reparação das soldaduras das tubagens do circuito de água gelada fosse feita num momento posterior, por forma a não prejudicar o normal funcionamento da unidade industrial da ré, e apenas em caso de rutura;
s) Desde a data da sua instalação pelo subcontratado da autora até 2021, o sistema de refrigeração da água gelada manteve-se em pleno e normal funcionamento;
t) Em junho e julho de 2020, a ré solicitou à autora a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade;
u) Porém, em 18 de junho de 2020, por email dirigido à autora, a ré informa que em agosto do corrente ano recorrerá ao ISQ para que este organismo avalie, de novo, o estado da rede das tubagens de água gelada, sendo que, com base no relatório que dai advir será necessário reparar as não conformidades nas soldaduras TIG.
v) A ré não mais informou a autora se mandou realizar a nova avaliação, nem lhe deu a conhecer o resultado dessa avaliação;
x) A ré não mais interpelou a autora para proceder à reparação das soldaduras das tubagens de sistema de refrigeração das águas geladas;
z) A ré decidiu mandar substituir, sem que o tivesse sido à autora, as tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas e das águas quentes.
VIGÉSIMA: Mais deve ser levada à matéria dos Factos provados as menções e referências feitas à factualidade relacionada com as tubagens de águas geladas constantes:
aa) do teor acima reproduzido do Declaração de Boa Execução, de 12/05/2017;
ab) do teor da ATA DE REUNIÃO DE 07/06/2016;
ac) do teor da COMUNICAÇÃO DE 22/05/2020 DA AUTORIA DA AUTORA
ad) do teor da COMUNICAÇÃO DA AUTORIA DA AUTORA DE 26/06/2020;
ae) do teor da CARTA DA AUTORA DE 10/07/2020
VIGÉSIMA: Perante esta factualidade, que a recorrente considera ter ficado perfeitamente demonstrada, não pode a autora ser responsabilizada por a ré ter decidido mandar substituir as tubagens de água fria e da água quente.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: Nem pode a autora responder, nem ver as garantias que prestou serem executadas em proveito e benefício da ré.
VIGÉSIMA SEGUNDA: Com efeito, resulta demonstrado que a ré pretendia a substituição das tubagens de água gelada, sem que antes tivesse concedido à autora a possibilidade de proceder à sua reparação, o que, por si só, afastaria a pretensão da ré quanto às tubagens de água gelada. – sic. artigo 1221, n.º 1 do Código Civil.
VIGÉSIMA TERCEIRA: Por outro lado, haverá de se reconhecer que a pretensão da ré de exigir, depois, a substituição das tubagens de água gelada, tendo (alegadamente) em conta as exigências técnicas do caderno de encargos, é totalmente infundada e ilegítima.
VIGÉSIMA QUARTA: Para além disso também decorre do supra exposto que a ré aceitou a obra nas condições convencionadas e sem vícios quanto às tubagens de água gelada, pelo que jamais a autora haveria de responder por quaisquer defeitos relacionados com o sistema de tubagens. – sic. artigos 1218º e 1219º do Código Civil.
VIGÉSIMA QUINTA: Como se não bastasse, a exigência feita pela ré à autora para proceder à substituição das tubagens de água, quando antes reconheceu e aceitou que se procedesse à reparação, em momento ulterior, das soldaduras a TIG, configura evidente situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o que, à cautela, se invoca e se requer seja reconhecido.
VIGÉSIMA SEXTA: Mais se verificou que o sistema de tubagens de água gelada estava apto, como sempre esteve, de forma ininterrupta, a satisfazer os fins pela sua utilização.
VIGÉSIMA SÉTIMA: Só por manifesta e gritante má-fé é que se compreende que, tendo a ré falado expressamente em reparar na sua comunicação de 8 de maio de 2020, tivesse, ulteriormente, em 18 de junho de 2020, referido que, afinal o que havia sido assumido nessa mesma reunião seria que se colocaria nova tubagem, o que é contraditório com aquilo que a própria ré havia dito anteriormente.
VIGÉSIMA OITAVA: Mas como se não bastasse, do teor literal da comunicação dirigida pela ré à autora em 18 de junho de 2020 resulta que a B... decidiu que em agosto do corrente ano recorrerá ao ISQ para que este organismo avalie, de novo, o estado da rede das tubagens de água gelada, sendo que, com base no relatório que dai advir será necessário reparar as não conformidades nas soldaduras TIG.
VIGÉSIMA NONA: Depois desta comunicação, a autora não mais foi informada do que quer que seja relacionado com as soldaduras das tubagens de água gelada.
TRIGÉSIMA: A autora nunca recebeu da ré o relatório que esta referiu que ia solicitar à ISQ para avaliação do estado da rede das tubagens de água gelada.
TRIGÉSIMA PRIMEIRA: De igual modo, a autora não foi interpelada pela ré para reparar o que viesse a mostrar-se necessário quanto às não conformidades nas soldaduras TIG, que resultassem do referido relatório.
TRIGÉSIMA SEGUNDA: E assim, se a ré decidiu substituir as tubagens de água gelada, fê-lo por sua conta e risco e sem que possa exigir da autora o que quer que seja.
TRIGÉSIMA TERCEIRA: Daí que também não assistisse à ré o direito de acionar as garantias bancárias.
TRIGÉSIMA QUARTA: No que concerne ao tema das caleiras, da conjugação e análise crítica da prova produzida, no seu todo, mormente daquela que se mencionou no corpo destas alegações, considera a autora que se impunha que o tribunal tivesse levado à matéria dos Factos Provados a seguinte factualidade, por relevante para boa decisão da causa:
af) Segundo a ré os defeitos das caleiras decorriam da sua má execução;
ag) Não obstante, quer durante a execução dos trabalhos, quer no Auto de Receção Provisória, quer na Declaração de Boa Execução da Obra, quer na Ata de reunião tida em 07/06/2017, nunca foi feita qualquer menção ou reparo sobre a forma como foi construída a caleira;
ah) Só em 08/05/2020 é que a ré comunicou à autora a obrigatoriedade de substituição das caleiras existentes;
ai) Apesar de não reconhecer o defeito, a autora propôs aplicar nas caleiras tela líquida, o que foi recusado pela ré;
aj) teor de escrito da autoria da autora, datado de 26/06/2020: No que se refere à Patologia 7, muito nos espanta referirem, decorrido todo este tempo desde a receção provisória da obra, que as caleiras não cumprem o solicitado no Caderno de Encargos. Na verdade, toda a obra foi acompanhada diariamente e com rigor por parte da fiscalização e em momento algum foi esta sociedade informada que não estaria a cumprir o Caderno de Encargos no que se refere a este trabalho em específico, tendo sido, os materiais utilizados acompanhados dos respetivos certificados, objeto de aprovação prévia por aquele organismo e representante do DO. Mais lembramos que na receção provisória da obra nada consta em relação ao que, tão prontamente sugerem na V/comunicação, designadamente de que as caldeiras não cumprem o caderno de encargos, pelo contrário juntamos o documento em anexo que constata exatamente o oposto (cfr. doc. n.º 2). Assim que por mera hipótese académica, que se afasta, as caleiras não cumpriam o previsto no Caderno de Encargos, o facto é que a fiscalização e o DO aceitaram a obra no estado em que se encontrava na receção provisória. Mantém-se o proposto e se V/ Exas assim aceitarem será aplicada nos caleiros a referida tela líquida, facto que em conjunto com a correta manutenção das caleiras, solucionará os problemas reportados.
al) teor do escrito da autoria da autora, datado de 21/07/2020: No que respeita às tubagens de água fria e caleiras, estas serão executadas por empresa externa e debitadas à A..., conforme oportunamente transmitido.
am) A ré, sem dar previamente a conhecer à autora, em vez de mandar substituir a caleira, decidiu aplicar uma caleira de zinco;
an) A aplicação da caleira de zinco importa um custo substancialmente superior, em quase o dobro, do custo pela execução da caleira no material orçamentado.
TRIGÉSIMA QUINTA: Ora, perante esta factualidade, que a recorrente considera ter ficado perfeitamente demonstrada, não pode a autora ser responsabilizada por a ré ter decidido mandar aplicar caleiras novas em material distinto do originariamente aplicado pela autora e com custos substancialmente superiores.
TRIGÉSIMA SEXTA: Nem pode responder, nem ver as garantias que prestou serem executadas em proveito e benefício da ré.
TRIGÉSIMA SÉTIMA: Pois que a ré, através da entidade fiscalizadora que decidiu contratar, acompanhou, permanentemente a execução dos trabalhos de empreitada e nunca fez qualquer reparo à forma como foi construída a caleira.
TRIGÉSIMA OITAVA: Para além disso, e como se extrai do documento n.º 6 junto com a petição inicial, quer a entidade fiscalizadora quer a ré aceitaram que a obra estava em condições de ser recebida e apta a ser utilizada, sem que tivesse sido feito qualquer reparo às caleiras existentes e à forma como havia sido construída.
TRIGÉSIMA NONA: Por tal motivo, a denúncia de tal patologia sempre se haveria de considerar indevida e injustificada e sempre se imporia concluir que a ré invocou falsamente que as caleiras não cumpriam o solicitado no Caderno de Encargos.
QUADRAGÉSIMA: Por outro lado, apesar de não reconhecer o defeito da sua responsabilidade, a autora propôs a aplicação nos caleiros de tela líquida, que a ré recusou, não tendo, sequer, autorizado que fosse testada a eficácia da solução oferecida, pelo que, também por este motivo, ficou a autora desresponsabilizada de ter de proceder a outra qualquer intervenção nas caleiras.
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA: Considera, pelo exposto, a autora, que não era da sua responsabilidade reparar a alegada patologia relacionada com as caleiras, pelo que estava a autora legitimidade a recusar-se a proceder à sua reparação.
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA: Daí que também não assistisse à ré o direito de acionar as garantias bancárias.
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA: Ao fazê-lo a ré obteve um enriquecimento indevido e sem causa, na exata medida do empobrecimento da autora.
QUADRAGÉSIMA QUARTA: Ao fazê-lo a ré adotou um comportamento desproporcional ao prejuízo que alegou ter (ainda que não o tivesse demonstrado)
QUADRAGÉSIMA QUINTA: A ré agiu de má fé;
QUADRAGÉSIMA SEXTA: E a admitir-se que lhe assistiria qualquer direito, sempre a ré teria agido em gritante abuso de direito.
QUADRAGÉSIMA SÉTIMA: Pelo que se impõe seja a ré condenada a restituir à autora o valor das garantias que, indevidamente, decidiu acionar.
QUADRAGÉSIMA OITAVA: Em consequência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, vai também impugnada a decisão que levou à matéria dos Factos Não Provados a factualidade vertida no segundo, quarto, quinto, sexto e sétimo (até tela líquida) parágrafos desse segmento da sentença, factualidade essa que deverá ser levada à matéria dos Factos Provados (como a recorrente propugnou em cima).
QUADRAGÉSIMA NONA: Procedendo o presente recurso, nos termos pretendidos, atendendo à factualidade dada como provada na alínea p) dos Factos Provados, deverá ainda a ré ser condenada a pagar à autora a quantia de 5.000,00€ para compensação dos danos que lhe causou ao ter acionado, indevida e infundadamente, as garantias bancárias.
Finalizou pedindo que, pela procedência do recurso, seja revogada a sentença e seja condenada a R. a devolver à A. os quantitativos pecuniários que obteve pelo acionamento das garantias e ainda a pagar à A. a quantia de € 5.000,00 para compensação dos danos causados.
A R. ofereceu resposta ao recurso, com as seguintes conclusões:
I. A sentença recorrida não merece qualquer reparo atendendo à sua fundamentação e clareza, não tendo violado ou mal interpretado qualquer questão factual ou norma jurídica.
II. A sentença não padece da nulidade invocada pela Recorrente, porquanto não existe qualquer contradição entre os factos constantes da alínea g) dos factos provados, e a fundamentação da sentença relativamente à matéria ínsita na referida alínea.
III. Da reprodução do documento constante da alínea g) resulta, entre outros, que “Pelo Sr. AA, como representante do Empreiteiro Adjudicatário, foi declarado que aceitava e reconhecia as deficiências como inteiramente exato o mencionado e na lista de patologias”.
IV. Na referida lista de patologias reconhecidas pela Recorrente constavam:
c) A “revisão à estanquicidade das claraboias e caleiras…”;
d) A “Substituição e reposição a novo de acordo com o C.E. do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal”.
V. O Tribunal dada a prova produzida assumiu, e bem, a convicção que foram detetados também defeitos na estanquicidade das caleiras logo em 2016.
VI. Pelo que não se vê qualquer contradição ou incongruência entre o facto dado como provado na referida alínea g) e a fundamentação da sentença no que respeita a esse facto, pelo que não se encontra a alegada nulidade invocada pela Recorrente, devendo a mesma improceder.
VII. No que respeita à exceção de não cumprimento alegada pela Recorrida na sua contestação, cumpre referir que não corresponde à verdade que a Recorrida nunca tenha dado conhecimento à Recorrente da intervenção de terceiros, ou da imputação dos custos com a reparação por via do acionamento as garantias,
VIII. A Recorrida solicitou por diversas vezes à Recorrente a reparação dos mencionados defeitos e avisou do acionamento das garantias bancárias destinadas à reparação dos defeitos que a Recorrente não eliminou.
IX. Veja-se uma dessas interpelações que consta do documento n.º 3 junto com a contestação que a Recorrente não impugnou.
X. Igualmente os documentos n.ºs 9 e 12 juntos pelas própria Recorrente são demonstrativos das interpelações feitas pela Recorrida para reparação e aviso de acionamento das garantias bancárias.
XI. De resto, como bem decidiu o Tribunal a quo, a Recorrente não alegou na causa de pedir, nem no pedido deduzido na sua petição indicia, que o valor das garantias era excessivo para a reparação defeitos,
XII. E, por isso, não pode agora vir alegar tal facto em sede de recurso.
XIII. Como bem refere o Tribunal a quo a Recorrente apenas “alegou ter cumprido integralmente o contrato e eliminado os defeitos existentes e não obstante a ré accionou a garantia”.
XIV. Foi essa a causa de pedir da Recorrente, ou seja, que o acionamento das garantias pela Recorrida foi abusivo porquanto não existiam defeitos, e os que existiam haviam sido reparados, factos que a Recorrente não logrou provar.
XV. A Recorrida logrou provar a legitimidade no acionamento das garantias bancárias porquanto provou que as anomalias denunciadas à Recorrente não foram eliminadas na sua totalidade.
XVI. Acresce que, ao contrário do que alega a Recorrente, o Tribunal apenas deu como provados factos alegados pelas partes.
XVII. A Recorrida alegou que reparou os defeitos por recurso a terceiros tendo acionado a garantia bancaria para esse efeito, tudo como resulta dos artigos 125.º e 131.º da contestação.
XVIII. De resto, a Recorrente nunca colocou em causa a reparação de quaisquer defeitos pela própria Recorrida, mesmo em sede de resposta à exceção de não cumprimento invocada.
XIX. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, quanto à matéria alegada na alínea K) dos factos provados, matéria essa alicerçada na prova documental junta pela própria Recorrente (documento n.º 20 junto com a p.i) tendo ficado demonstrado a execução do trabalho que constam daquela fatura e o respetivo pagamento, conforme resulta também do depoimento da testemunha BB, ouvido em audiência de julgamento no dia 10 de Novembro de 2023 (com início pelas 14:37 horas e términus pelas 15:07 horas).
XX. Igualmente sobre esta matéria veja-se o depoimento da testemunha CC ouvido em audiência no dia 20 de Setembro cujo depoimento iniciou pelas 15,16 horas e com a duração de 1 hora, 12 minutos e 42 segundos.
XXI. Da prova documental junta aos autos resulta também, inequivocamente, que a Recorrente apesar de ter reconhecido a necessidade de repor a novo a tubagem, não o fez.
XXII. Não basta à Recorrente mencionar nas suas alegações, prova documental que nunca juntou aos autos, nomeadamente uma alegada declaração assinada a 7 de Março de 2018 na qual consta a alegada substituição da água gelada.
XXIII. De resto, ficou bem patente que a Recorrente não fez prova de que tivesse intervencionado e resolvido as patologias referentes à tubagem de água, pois se o tivesse feito o resultado da análise à Tubagem feito pelo ISQ, em 2020, não teria tido o resultado que se analisou em audiência de julgamento.
XXIV. Ou seja da conjugação de toda a prova produzida, testemunhal e documental verificou-se que efetivamente a Recorrente não reparou todas as anomalias que reconheceu no “Auto de receção provisória”, nomeadamente a tubagem de água gelada e a reparação das caleiras,
XXV. Sobre a não reparação da tubagem pela Recorrente e a necessária intervenção de terceiros nessa reparação, veja-se o depoimento da testemunha DD, ouvido em audiência do dia 19.12.2023, depoimento com início pelas 14,58 horas, com a duração de 52 minutos e 15 segundos.
XXVI. De resto, ficou claramente explicitado que a razão de ser da emissão da declaração pela C..., de 12 de Maio de 2017, foi a necessidade de usar tal declaração devido ao processo de PER da Recorrente, que estava em curso àquela data.
XXVII. Pelo que, não há qualquer outra prova que possa determinar a alteração, pretendida pela Recorrente da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo
XXVIII. No que se refere às caleiras, igualmente ficou demonstrada a falta da reparação desta anomalia pela Recorrente e, ao contrário do alegado por esta, tal anomalia não advinha da falta de manutenção, mas antes da má execução daquelas caleiras, conforme resultou do depoimento da testemunha EE inquirido na audiência de 10.11.2023 cujo depoimento iniciou às 15:08 horas e terminou pelas 15:34 horas:
XXIX. Pelo que, dúvidas não restam face a este depoimento, do estado em que se encontravam as caleiras e do valor da sua reparação.
XXX. Acresce a comunicação de 21.07.2020, efetuada pela Recorrida à Recorrente, onde se comunicou que quanto às tubagens e às caleiras “as mesmas serão executadas por empresa externa e debitadas à A..., conforme oportunamente transmitido”, revela a reiterada comunicação das patologias à Recorrente e ainda a informação (dada a inação da Recorrente) que o trabalho seria feito por terceiros e suportado pela Recorrente .
XXXI. A prova documental junta aos autos sobre esta matéria é extensa e demonstrativa da postura da Recorrente ao recusar reconhecer as anomalias referente à tubagem e caleiras.
XXXII. Pelo que não restava à Recorrida outra solução que não fosse a de acionar as garantias bancárias para fazer face aos custos com reparação das anomalias, tenho a Recorrida acionado legitimamente tais as garantias, dado o incumprimento da Recorrente na eliminação dos defeitos,
XXXIII. Nesta conformidade, bem andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a ação intentada pela Recorrente, não merecendo a sentença proferida qualquer alteração.
Em consequência, pediu seja negado provimento ao recurso, com a inerente manutenção da sentença recorrida sem qualquer reparo.
O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade arguida na segunda conclusão do recurso, tendo pugnado pela sua não verificação.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido com o efeito e no regime de subida apropriados.
a) Representantes da autora e da ré apuseram as suas assinaturas nos escritos datados de 23 de Dezembro de 2015, juntos aos como documento n.º 2 com a petição inicial (fls. 20 e ss), intitulados “Aditamento Contrato de Empreitada” e “Contrato de Empreitada”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente que a autora se obriga a executar todos os trabalhos necessários às obras de ampliação de uma unidade industrial existente na Rua ... na freguesia ..., em Vila do Conde mediante o pagamento pela ré de €1.183.558,88; (alínea a) dos factos assentes)
b) Representantes da autora e da ré apuseram as suas assinaturas nos escritos datados de 28 e 23 de Dezembro de 2015, juntos aos como documento n.º 3 com a petição inicial (fls. 41, verso, e ss), intitulados “Aditamento Contrato de Empreitada” e “Contrato de Empreitada”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente que a autora se obriga a executar todos os trabalhos necessários à 2.ª fase das obras de ampliação de uma unidade industrial existente na Rua ... na freguesia ..., em Vila do Conde mediante o pagamento pela ré de €451.558,11; (alínea b) dos factos assentes)
c) De ambos os escritos constava ainda nomeadamente, e de forma idêntica: “ARTº 4 – CAUÇÃO O empreiteiro presta caução, através de garantia bancária, incondicional e à primeira solicitação, com a outorga do presente Contrato, no valor de 5% do valor da empreitada, conforme cópia que se junta como Anexo 3, sendo esta libertada após recepção definitiva da obra pelo Dono da Obra. (…) ARTº 10 – FISCALIZAÇÃO DOS TRABALHOS 1. A direcção e fiscalização dos trabalhos serão exercidas pelo Dono da Obra, por intermédio dos delegados nomeados para esse efeito, os quais se designam por “Fiscalização”. (…) 3. Para além das atribuições e competências que lhe foram atribuídas nos demais artigos deste Contrato, a Fiscalização terá competência para: a) Suspender obras e serviços, total ou parcialmente, em qualquer tempo, sempre que essa medida necessária; b) Recusar qualquer serviço ou material que não atenda as especificações do contrato de empreitada e documentos anexos ao mesmo, ou, se aí não estiverem eventualmente especificados, cuja qualidade não apresente atributos compatíveis com a obra a que se destinam; (…) d) Aceitar ou recusar firmas e/ou profissionais contratados pelo Empreiteiro como subempreiteiros, fornecedores, tarefeiros e assalariados. 4. A acção da Fiscalização em nada diminui a responsabilidade do Empreiteiro, no que se refere à boa execução dos trabalhos, salvo naquilo que for expressamente determinado pela mesma Fiscalização e contrariamente ao parecer do Empreiteiro, determinação essa que, para o efeito, só poderá ser invocada quando tenha sido feita por escrito, o que o Empreiteiro poderá, em tal caso, exigir. (…) ARTº 23 – PAGAMENTOS AO EMPREITEIRO (…) 5. O desconto para garantia do contrato, de 5%, será feito em cada um dos pagamentos mensais a que o Empreiteiro tiver direito, podendo tal desconto ser substituído por garantia bancária, em termos semelhantes aos mencionados no anterior n.0 3 do art.0 40, após a recepção provisória, e desde que haja acordo do Dono da Obra. Tratando-se de pagamentos de trabalhos a mais, o desconto para garantia será de 10% do respectivo valor. (…) ARTº 26 - CAUÇÃO DE GARANTIA 1. A caução de garantia é constituída pela garantia bancária prevista no. 40, acrescida das retenções mensais efectuadas nos pagamentos devidos ao Empreiteiro, nos termos do presente Contrato (incluindo as retenções devidas pelos trabalhos a mais), sendo esta libertada aquando da recepção definitiva da obra. (…) ARTº 27 – MULTAS CONTRATUAIS (…) 2. Se o Empreiteiro não concluir obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações concedidas, ser-lhe-á aplicada até à data da recepção provisória ou à resolução do contrato, a seguinte multa contratual diária: a) 1960 (um por mil) do valor de adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo; b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de (zero vírgula cinco por mil), até atingir o máximo de (cinco por mil), sem contudo e na sua globalidade, poder vir a exceder 20% (vinte por cento) do valor da adjudicação. (…) 4. No caso de incumprimento do prazo global da Empreitada, o Empreiteiro, para atém das multas, assume o encargo da Fiscalização, durante todo o período em que for excedido esse prazo. (…) ART. 29º RECEPÇÃO PROVISÓRIA 1. A recepção provisória da obra terá fugar assim que fiquem concluídos todos os trabalhos nela abrangidos, quer os inicialmente previstos, quer os que venham a ser realizados no decorrer da Empreitada, a realização de testes de bom funcionamento de todos os equipamentos e instalações, a entrega dos respectivos manuais técnicos, de todos os certificados legalmente exigidos para a obtenção do alvará de autorização de utilização e efectuada a limpeza total da obra. 2. A recepção provisória será efectuada por intermédio de vistoria, a pedido do Empreiteiro ou por iniciativa do Dono da Obra. A vistoria será levada a cabo por representante do Dono da Obra e pela Fiscalização na presença do Empreiteiro, lavrando-se o respectivo auto que será assinado por todos os presentes. 3. Após a vistoria, o Dono da Obra, pode, segundo o seu exclusivo critério: -Proceder à recepção provisória final, quando, pela vistoria realizada, se verificar estar a obra em condições de ser recebida; ou Proceder à recepção provisória condicionada, se for verificada qualquer deficiência. resultante da imperfeita ou deficiente execução dos trabalhos, ou da qualidade inferior dos materiais utilizados ou fornecimentos efectuados, caso em que será marcado um prazo, concertado com o Empreiteiro, para proceder às necessárias reparações, findo o qual se procederá a nova vistoria para efeitos de recepção provisória final da obra. Se, findo o prazo referido, as reparações não tiverem sido executadas ou não tiverem sido feitas por forma a sanar integralmente as deficjências encontradas, assistirá ao Dono da Obra o direito de as mandar efectuar, por conta de outro empreiteiro, accionando as garantias previstas no contrato ou deduzindo as respectivas quantias nos montantes em divida ao empreiteiro; ou - Determinar ao Empreiteiro que continue a execução da Empreitada, especificando os trabalhos que deve executar antes da emissão de qualquer dos autos referidos nos itens anteriores, caso conclua que a obra não está em condições de ser recebida. Neste caso, o Dono da Obra pode, se assim o entender, fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida desde que o Empreiteiro se obrigue a concluir as restantes partes em prazo pré-fixado, sendo para todos os efeitos contratuais este último tido como data final da recepção provisória. (…) ARTº 31 – - PRAZO DE GARANTIA / REPARAÇÕES 1. O prazo de garantia da Empreitada é de 5 (cinco) anos e será contado a partir da data de Recepção Provisória Final e Total da obra. 2. Durante o prazo de garantia constitui encargo do Empreiteiro a conservação dos trabalhos que realizou, cumprindo-lhe proceder por sua conta à imediata reparação de quaisquer deficiências, erros, omissões ou imperfeiçoes que sejam verificadas. O Empreiteiro é, igualmente, responsável pelos prejuízos que, porventura, resultem dessas deficiências, provenientes da má execução dos trabalhos ou a defeitos de qualidade nos materiais empregues (…). 6. Sem prejuízo de outras penalidades estabelecidas na lei ou no presente Contrato e cumulativamente com as mesmas, o Empreiteiro obriga-se a pagar uma multa diária de 45€ (quarenta e cinco euros), por cada dia de atraso na conclusão da reparação elou substituição mencionadas neste número. 7. Se o Empreiteiro não cumprir a obrigação mencionada no número anterior no prazo que lhe for fixado pelo Dono da Obra, poderá este executar os referidos trabalhos ou substituição de materiais e equipamentos, accionando a caução de garantia prestada nos termos do presente Contrato para obter os valores correspondentes ao custo total, real ou previsto, das reparações elou substituições que mandará executar por conta do Empreiteiro e para obter o pagamento das penalidades que eventualmente lhe forem devidas pelo Empreiteiro, sem perda da garantia total da Obra. (…) ARTº 33 – RECEPÇÃO DEFINITIVA 1. A recepção definitiva da empreitada terá lugar findo o prazo de garantia e por iniciativa do Dono da Obra ou a pedido do Empreiteiro. (…)”; (alíneas a) e b) dos factos assentes)
d) Em vista aos estipulado no supra transcrito art. 23.º, n.º 5, Banco 1... S.A. fez emitir, a pedido da autora, o documento n.º 8 junto com a petição inicial (fls. 67), intitulado “Garantia Bancária ...93”, datado de 21 de Junho de 2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “garantia bancária executável ao primeiro pedido da Beneficiária relativa ao de garantia de 5% (cinco por cento) do valor da "Empreitada Geral de Ampliação da UN2", até ao valor de Eur. 82.931,03 (oitenta e dois mil novecentos e trinta e um euros e três cêntimos), obrigando- -se o Banco, dentro da citada importância, a fazer a entrega à Beneficiaria, nos 3 (três) dias úteis da data de recepção do pedido, de quaisquer quantias que esta lhe venha a solicitar por e sem que esta tenha que justificar ou apresentar quaisquer razões para o efeito”; (alínea c) dos factos assentes)
e) Em vista aos estipulado no supra transcrito art. 23.º, n.º 5, Banco 1... S.A. fez emitir, a pedido da autora, o documento n.º 7 junto com a petição inicial (fls. 66, verso), intitulado “Garantia Bancária ...75”, datado de 14 de Maio de 2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “presta, pelo presente documento, uma garantia bancária a favor de B..., SA, (…) até ao montante de Eur. 85.197,77 (oitenta e cinco mil, cento e noventa e sete euros e setenta e sete cêntimos), representativa do depósito de garantia de 5% do valor da citada empreitada, como se o mesmo tivesse sido feito pela referida adjudicatária, responsabilizando-se pela sua realização, por parte desta, se, por falta de cumprimento do contato, esta incorrer em tal obrigação”; (alínea c) dos factos assentes)
f) A autora deu início aos trabalhos a que se reportam as alíneas a) a c) em 15 de Fevereiro de 2016; (alínea d) dos factos assentes)
g) Representantes da autora e ré apuseram as suas assinaturas no escrito junto como documento n.º 6 com a petição inicial (fls. 65), intitulado “Auto de Recepção Provisória”, datado de 17 de Agosto de 2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “A vistoria em causa foi pedida pelo empreiteiro para o efeito de recepção provisória e, tendo-se verificado estar a obra em condições de ser recebida, se aceitou e declarou poder a mesma passar a ser utilizada. Pelo Sr. Eng. FF, como representante da entidade fiscalizadora, foi declarado que nada haveria a opor e que a obra estava em condições de ser entregue para utilização, sob exceção das deficiências constantes na lista abaixo, as quais deverão estar corrigidas até à data descrita em frente a cada deficiência/patologia/correcção. Pelo Sr. AA, como representante do Empreiteiro Adjudicatário, foi declarado que aceitava e reconhecia as deficiências como inteiramente exacto o mencionado e na lista de patologias, podendo o Dono da Obra proceder à sua utilização. Pela Sr.ª Eng.ª GG, como representante do Dono da Obra, foi declarado que aceitava as conclusões e fazia a recepção provisória nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 217.2, 218.2 e 219.2 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e nos termos do Art.º 29 -- Recepção Provisória, Art.º 27 — Multas Contratuais e Art.º 30 — Resolução do Contrato dos Contratos de Empreitada. Os trabalhos em falta que carecem de correcção ou reposição são os seguintes com a respetiva data máxima de correção: (…) - Justificação porque uma das mangas têxteis da unidade existente, apresenta-se a maior parte das vezes congelada, incluindo a correcção da manga têxtil da mesma à saída do tubo rígido, até 9/dez/16; (…) - Acabar com os remates de serralharia ainda em falta, nomeadamente as pelúcias e remates de acabamento, revisão à estanquicidade das clarabóias e caleiras sendo o prazo máximo correcção até 16/dez/2016; (…) - Substituição e reposição a novo de acordo com o C.E. do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal, em que fica pendente a sua substituição para altura de paragem de produção, sendo que a A... será informada, por correio electrónico, com o mínimo 15 dias corridos, de antecedência. E não havendo mais nada a tratar, foi efectuada a recepção provisória com as exclusões referidas e lavrado o presente auto que depois de lido em voz alta e julgado conforme, vai ser assinado pelos intervenientes, tendo sido também acordado que em caso de incumprimento por parte do Empreiteiro com as datas assinaladas, este assumia a total responsabilidade das custas inerentes à reposição dos mesmos.”; (alínea d) dos factos assentes e arts. 71.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação)
h) A ré fez remeter à autora, que o recebeu em 8 de Maio de 2020, o escrito junto por cópia como documento n.º 9 com a petição inicial (fls. 67, verso), com menção de assunto “Patologias no Edifício UN 3 (fase 1 e fase 2)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente o seguinte: “Relativamente à referida empreitada, identificaram-se as patologias que se apresentam devidamente expressas no documento anexo. Como é do vosso conhecimento, a B... contratou o ISQ para avaliar a totalidade da rede das tubagens de água gelada, tendo sido identificadas não conformidades/irregularidades do trabalho da A... nas soldaduras a TIG, situação esta que a A... se comprometeu a reparar posteriormente para não atrasar, ainda mais, a conclusão da obra. (…) Desta forma, a A... deve proceder à substituição das tubagens de água gelada, tendo em conta as exigências técnicas do caderno de encargos. (…) sendo que para esse efeito têm o prazo de 30 dias a contar da receção desta carta. (…) Em face do acima descrito, vimos solicitar a correção dos defeitos supramencionados, pelo que aguardamos que informem das datas disponíveis para a execução dos respetivos trabalhos. (…) Na falta de resposta adequada dentro do prazo solicitado, a B... assumirá, de imediato, a execução da correção das referidas patologias e debitará os custos à A... SA. (…) Patologia 1: Passadiço da cobertura que deveria ser galvanizado com imersão a quente apresenta na sua totalidade diversos pontos de ferrugem, a própria grade do pavimento apresenta abatimentos (por incorreta colocação) e a pintura apresenta em diversas zonas ferrugens a aparecer. (…) Patologia 2: A estrutura metálica da Un3 (fase 1 e fase 2) apresentam em diversos locais, com predominância pelo exterior, pontos de ferrugem, bem como a tinta intumescente a lascar. (…) Patologia 3: Diversas zonas com indício de entrada de água com predominância nas zonas de meia cana, entre o pavimento e as paredes exteriores, bem como junto dos diversos vãos do edifício. (…) Patologia 4: Fissuras no pavimento, essencialmente, nas zonas circundantes dos pilares metálicos. (…) Patologia 5: Existem diversos escorrimentos que advêm das juntas das chapas da fachada, por aplicação incorreta ou por uso de parafusos de ferro, que fazem com que exista "babados" na fachada. (…) Patologia 6: Fissuras nas paredes exteriores, sendo esta patologia a de menor relevância sobre as demais, pois é, essencialmente, junto aos pilares metálicos e portão de acesso ao mezanino. (…) Patologia 7: É obrigatório a substituição integral das caleiras existentes, bem como uma revisão geral aos tubos de queda das águas pluviais. Este é o maior problema dado que sempre que chove entra água, ou por pontos de soldas da caleira (bem visível pela parte inferior da mesma que está a aparecer ferrugem) ou pela ligação entre a caleira e/ou tubo de queda. Esta água que entra está a cair em cima do quadro eléctrico e máquinas de produção o que está a colocar em perigo pessoas e máquinas. Para além do já anteriormente relatado, desde a sua aplicação, a forma como foi "construída" a caleira não deixa a água escoar na sua totalidade; existem também diversos pontos de ferrugem na própria chapa, bem visíveis inclusive pela parte inferior.”; (alínea e) dos factos assentes e arts. 68.º, 69.º e 81.º a 84.º da petição inicial)
i) À data da emissão dos documentos descritos em d) e e), a autora executara já os trabalhos carecidos de correcção assinalados no auto de recepção provisória descrito em g), com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal; (arts. 16.º e 18.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação)
j) Na sequência da comunicação descrita em h) a autora fez deslocar trabalhadores às instalações da ré que procederam à reparação das patologias aí assinaladas, com exceção dos problemas apontados nas caleiras e tubos de queda de águas pluviais e nas soldaduras do circuito de água gelada, que persistiam nos termos descritos em g) e h) após Agosto de 2020, data da última deslocação de trabalhadores da autora à obra; (arts. 20.º, 24.º, 58.º, 59.º, 63.º e 64.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação)
k) A ré fez reparar o circuito de água gelada, nomeadamente com substituição de tubagens, e parte dessa reparação importou no pagamento de €24.801,97, titulado pela factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), que a ré fez remeter a Banco 1..., S.A. para accionamento da garantia referida em e); (art. 44.º da petição inicial)
l) Em 1 de Agosto de 2020, no momento em que trabalhadores por conta da autora se preparavam para finalizar a reparação dos pontos de ferrugem na estrutura metálica, descritos na patologia 2 na alínea h) dos factos provados, a entidade encarregada pela ré de fiscalizar a execução da obra questionou a qualidade da tinta que estava a ser usada, recolheu uma amostra, e impediu o prosseguimento destes trabalhos que faltavam; (arts. 25.º a 27.º e 55.º da petição inicial)
m) Após trabalhos realizados pela autora em sequência da missiva descrita na alínea h), a ré fez remeter à autora o escrito junto como documento n.º 16 com a petição inicial (fls. 94, verso), datado de 5 de Agosto de 2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual declarou aceitar as reparações realizadas pela autora quanto às patologias 1 e 3 a 6, assinaladas na alínea h); (arts. 33.º a 35.º da petição inicial)
n) Em Junho de 2021, em referência à declaração descrita em d), a ré solicitou a Banco 1..., S.A., o pagamento de €82.931,03, tendo aquela sociedade bancária efectuado o pagamento de tal montante à ré em Julho de 2021; (arts. 40.º, 41.º e 49.º da petição inicial)
o) Em Junho de 2021, em referência à declaração descrita em e), a ré solicitou a Banco 1..., S.A., o pagamento de €24.801,97, remetendo para tanto a factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), mas aquela sociedade bancária não realizou até agora qualquer pagamento a respeito; (art. 40.º da petição inicial)
p) Em consequência do pagamento descrito em n), e como a autora não provesse o seu saldo bancário com o valor correspondente até ao final do mês, o Banco 1..., S.A. comunicou a situação de incumprimento à central de risco, cujo registo perdurou cerca de três meses, enquanto a autora negociou o pagamento a Banco 1..., que implica um acréscimo de dificuldade na negociação de crédito junto da banca; (arts. 108.º, 112.º e 114.º da petição inicial)
q) A autora fez reparar as patologias assinaladas na alínea h), com excepção das respeitantes à soldadura do circuito de
Por outro lado, a primeira instância declarou não provados os factos seguintes:
1) Que as partes tenham formulado quaisquer declarações adicionais ao descrito em g) dos factos provados para além do aí constante (arts. 9.º a 11.º da petição inicial).
2) Que a ré nunca tenha informado a autora que fizera reparar e custear a reparação do circuito de água gelada e não tenha facturado tais custos à autora (arts. 45.º e 47.º da petição inicial).
3) Que em 2018 tenham ocorrido trabalhos em vista a reforçar as soldaduras da tubagem de água gelada (arts. 89.º, 92.º e 93.º da petição inicial).
4) Que após Junho de 2020 a autora não mais tenha sido informada sobre o estado e necessidade de reparação das tubagens de água gelada (arts. 97.º e 98.º da petição inicial).
5) Que a ré ou a entidade fiscalizadora da obra nunca tivessem feito qualquer reparo sobre a forma como foi construída a caleira (art. 70.º da petição inicial).
6) Que a ré não tivesse feito quaisquer reparos às caleiras aquando da recepção provisória da obra ou tivesse feito outras declarações de conformidade para além das descritas na alínea g) dos factos provados (arts. 71.º e 72.º da petição inicial).
7) Que os problemas respeitantes à estanquicidade das caleiras e tubos de quedas de água referidos em j) resultasse de deficiente manutenção por parte da ré (arts. 73.º, 74.º e 77.º da petição inicial).
8) Que a ré recusasse a proposta da autora em reparar os problemas de estanquicidade apontados nas caleiras através de aplicação de tela líquida, e que tal solução fosse eficaz para resolver tais problemas (art. 75.º da petição inicial).
9) Que a autora tivesse reconhecido perante a ré a sua responsabilidade pela eliminação dos defeitos respeitantes às caleiras e tubos de queda de águas pluviais (arts. 89.º, 111.º e 112.º da contestação).
Afirma a recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por ter consignado na alínea g) que a A. reparou as patologias assinaladas na alínea h), com exceção das respeitantes à soldadura do circuito de (água gelada), inversamente ao que resulta da fundamentação.
Nas alegações, acrescenta que na motivação da matéria de facto o tribunal assumiu a convicção que foram detetados defeitos na estanquicidade das caleiras logo em 2016, que nunca foram suficientemente reparados.
Já a recorrida não vislumbra qualquer contradição entre o facto dado como provado na referida alínea g) e a fundamentação da sentença.
Para o tribunal recorrido, na decisão proferida ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, nas alíneas i) e j) (e não g) e h), como refere a autora) é referido que a autora executou trabalhos de reparação dos vícios assinalados, com excepção dos problemas apontados nas caleiras e no circuito da água gelada, pelo que não há contradição com a fundamentação, quando refere que o tribunal assumiu a convicção que os problemas apontados nas caleiras nunca foram suficientemente reparados.
Como resulta da descrição factual antecedente, a alínea g) da matéria provada diz respeito ao teor do auto de recepção provisória, pelo que, apenas por manifesto lapso se compreende a arguição da nulidade por referência a esse segmento dos factos apurados.
Na verdade, assiste razão ao tribunal recorrido quando aponta a questão essencial para as alíneas i) e j), nas quais foi apurado que a A. executou os trabalhos carecidos de correcção assinalados no auto de recepção provisória, com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal.
Resultando igualmente da fundamentação, e como coerente respaldo da comprovação de tais factos, que os defeitos sobre a estanquicidade das caleiras e sobre a necessidade de reparação e substituição das tubagens de água gelada com soldadura reprovada pelo ISQ (…) se manterem sem reparação desde a recepção provisória de 17/08/2016.
É certo que a alínea q) dos factos provados apenas se refere à soldadura do circuito, mas em atenção aos elementos acima apreciados e à própria redacção da referida alínea, que está manifestamente incompleta, temos por certo que a sua inclusão resultou de simples erro material e que, para além disso, ela não tem a mínima virtualidade de contrariar a comprovação da matéria das alíneas i) e j) .
Não é possível vislumbrar, pois, como defende a R., qualquer contradição entre os factos provados e a motivação da decisão de primeira instância em que eles foram fundamentados.
Por outro lado, sustenta a recorrente que o Tribunal levou à matéria provada, na alínea k), factualidade de que estava impedido de conhecer, pois não foi alegada pelas partes nos seus articulados, nomeadamente, pela ré, a quem esse facto poderia aproveitar.
Já a recorrida recorda a alegação dos arts. 125.º e 131.º da contestação: no primeiro referiu que o montante pecuniário executado pela Ré está em direta e estreita relação com as obrigações que Autora deveria ter cumprido e não cumpriu, e no segundo considerando que a Autora não cumpriu com a sua obrigação, nem suportou a reparação efetuada por terceiro.
A referida alínea dos factos provados reza assim: A ré fez reparar o circuito de água gelada, nomeadamente com substituição de tubagens, e parte dessa reparação importou no pagamento de €24.801,97, titulado pela factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), que a ré fez remeter a Banco 1..., S.A. para accionamento da garantia referida em e); (art. 44.º da petição inicial).
É certo que o tribunal a quo faz assentar esse facto na resposta ao art. 44 da petição inicial, onde a A. alegou que “quanto ao valor de 24.801,97€, cujo pagamento a ré solicitou ao Banco 1..., por referência à outra garantia bancária, só após ter sido solicitada por esta entidade bancária é que a autora ficou a saber que aquele valor respeitava à fatura n.º FT 1/8920, datada de 07/07/2021, emitida pela D.... – cfr. doc. n.º 21 que se junta, mas cujo teor, por falso, vai expressamente impugnado”.
Isso quando, em rigor, tal resposta emerge da conjugação dessa com a alegação dos arts. 125 e 131 da contestação e que, embora imperfeitamente expressa, encerra ainda a alegação do pagamento do valor que a própria A. trouxe ao processo, embora em forma de impugnação antecipada.
No mesmo sentido, aliás, a R. alegou na contestação, sobre as tubagens de água gelada, ter advertido a A. de que “na falta de resposta adequada dentro do prazo solicitado, a B... assumirá, de imediato, a execução das referidas patologias e debitará os custos à A... SA.” (art. 69).
Pensamos, por isso, que a resposta do tribunal recorrido, na referida alínea, manteve-se dentro do perímetro do objecto da acção fornecido pelas alegações das partes.
Em acréscimo, a verdade é que, nos termos do art. 5.º/2, als. a) e b), do CPC, para além dos factos essenciais que às partes compete alegar, sempre é lícito ao tribunal considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, resultem da instrução da causa e sobre os quais tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Ora, os factos essenciais dos presentes autos radicam no cumprimento integral, alegado pela A., das suas obrigações relativas à empreitada, incluindo a eliminação dos defeitos existentes, e na correspondente impugnação da R., concretizada na alegação de defeitos que não foram reparados devidamente.
E dessa alegação, segundo pensamos, a realização do pagamento em causa, tendo em vista a reparação de um dos apontados defeitos, e no fundo destinada a confirmar a versão da R., sempre assumiria a natureza de facto instrumental, bem assim, como vimos, de simples desenvolvimento ou complemento de uma alegação conclusiva.
Sendo certo, ademais, que sobre esse facto a A. teve oportunidade de tomar posição, tanto que foi ela quem fez inicialmente referência à matéria e apresentou o documento a que se reportava.
Razões pelas quais, a nosso ver, não estão verificados os vícios apontados pela recorrente à decisão recorrida, com a inerente improcedência das conclusões II e VIII.
Todavia, atento o referido erro material de que padece, é justificada a eliminação da alínea q) dos factos provados, o que se decide.
Como se sabe, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus.
De acordo com o disposto no artigo 640º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
Enquanto o número 2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A análise do recurso demonstra, segundo pensamos, que a recorrente cumpriu as referidas exigências, indicando os concretos factos que, a seu ver, foram incorretamente julgados, os meios probatórios que, na mesma óptica, justificam outra resposta e a decisão que entende ser a adequada.
Devendo destacar-se, a respeito da observância do único ónus em que tal poderia ser discutido, acima referido em primeiro lugar, que, não obstante a impugnação em conjunto de vários factos, a matéria impugnada está indissociavelmente ligada entre si e a sua apreciação global tem respaldo nos mesmos meios de prova, o que satisfaz à exigência legal para a admissibilidade da impugnação factual deduzida.
Neste sentido, por exemplo, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que “tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova - o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal” (cfr. Acórdão de 1/6/2022, relatado por Mário Belo Morgado, no processo nº1104/18.9T8LMG, e disponível na base de dados acima identificada).
No caso dos autos, a recorrente pretende que se julguem provados os seguintes factos, relativamente ao capítulo das tubagens de água gelada:
r) As partes acordaram que a reparação das soldaduras das tubagens do circuito de água gelada fosse feita num momento posterior, por forma a não prejudicar o normal funcionamento da unidade industrial da ré, e apenas em caso de rutura;
s) Desde a data da sua instalação pelo subcontratado da autora até 2021, o sistema de refrigeração da água gelada manteve-se em pleno e normal funcionamento;
t) Em junho e julho de 2020, a ré solicitou à autora a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade;
u) Porém, em 18 de junho de 2020, por email dirigido à autora, a ré informa que em agosto do corrente ano recorrerá ao ISQ para que este organismo avalie, de novo, o estado da rede das tubagens de água gelada, sendo que, com base no relatório que dai advir será necessário reparar as não conformidades nas soldaduras TIG;
v) A ré não mais informou a autora se mandou realizar a nova avaliação, nem lhe deu a conhecer o resultado dessa avaliação;
x) A ré não mais interpelou a autora para proceder à reparação das soldaduras das tubagens de sistema de refrigeração das águas geladas;
z) A ré decidiu mandar substituir, sem que o tivesse solicitado à autora, as tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas e das águas quentes.
Defende ainda que se faça menção aos seguintes elementos:
aa) do teor acima reproduzido do Declaração de Boa Execução, de 12/05/2017;
ab) do teor da ATA DE REUNIÃO DE 07/06/2016;
ac) do teor da COMUNICAÇÃO DE 22/05/2020 DA AUTORIA DA AUTORA;
ad) do teor da COMUNICAÇÃO DA AUTORIA DA AUTORA DE 26/06/2020;
ae) do teor da CARTA DA AUTORA DE 10/07/2020.
Já em tema de estanquicidade das caleiras, a recorrente sustenta a inclusão dos seguintes factos provados:
af) Segundo a ré os defeitos das caleiras decorriam da sua má execução;
ag) Não obstante, quer durante a execução dos trabalhos, quer no Auto de Receção Provisória, quer na Declaração de Boa Execução da Obra, quer na Ata de reunião tida em 07/06/2017, nunca foi feita qualquer menção ou reparo sobre a forma como foi construída a caleira;
ah) Só em 08/05/2020 é que a ré comunicou à autora a obrigatoriedade de substituição das caleiras existentes;
ai) Apesar de não reconhecer o defeito, a autora propôs aplicar nas caleiras tela líquida, o que foi recusado pela ré;
aj) teor de escrito da autoria da autora, datado de 26/06/2020: No que se refere à Patologia 7, muito nos espanta referirem, decorrido todo este tempo desde a receção provisória da obra, que as caleiras não cumprem o solicitado no Caderno de Encargos. Na verdade, toda a obra foi acompanhada diariamente e com rigor por parte da fiscalização e em momento algum foi esta sociedade informada que não estaria a cumprir o Caderno de Encargos no que se refere a este trabalho em específico, tendo sido, os materiais utilizados acompanhados dos respetivos certificados, objeto de aprovação prévia por aquele organismo e representante do DO. Mais lembramos que na receção provisória da obra nada consta em relação ao que, tão prontamente sugerem na V/comunicação, designadamente de que as caldeiras não cumprem o caderno de encargos, pelo contrário juntamos o documento em anexo que constata exatamente o oposto (cfr. doc. n.º 2). Assim que por mera hipótese académica, que se afasta, as caleiras não cumpriam o previsto no Caderno de Encargos, o facto é que a fiscalização e o DO aceitaram a obra no estado em que se encontrava na receção provisória. Mantém-se o proposto e se V/ Exas assim aceitarem será aplicada nos caleiros a referida tela líquida, facto que em conjunto com a correta manutenção das caleiras, solucionará os problemas reportados.
al) teor do escrito da autoria da autora, datado de 21/07/2020: No que respeita às tubagens de água fria e caleiras, estas serão executadas por empresa externa e debitadas à A..., conforme oportunamente transmitido.
am) A ré, sem dar previamente a conhecer à autora, em vez de mandar substituir a caleira, decidiu aplicar uma caleira de zinco;
an) A aplicação da caleira de zinco importa um custo substancialmente superior, em quase o dobro, do custo pela execução da caleira no material orçamentado.
Para além disso, a recorrente insurge-se contra a resposta negativa dada aos seguintes pontos, entendendo que ficaram provados:
Que a ré nunca tenha informado a autora que fizera reparar e custear a reparação do circuito de água gelada e não tenha facturado tais custos à autora (arts. 45.º e 47.º da petição inicial).
Que após Junho de 2020 a autora não mais tenha sido informada sobre o estado e necessidade de reparação das tubagens de água gelada (arts. 97.º e 98.º da petição inicial).
Que a ré ou a entidade fiscalizadora da obra nunca tivessem feito qualquer reparo sobre a forma como foi construída a caleira (art. 70.º da petição inicial).
Que a ré não tivesse feito quaisquer reparos às caleiras aquando da recepção provisória da obra ou tivesse feito outras declarações de conformidade para além das descritas na alínea g) dos factos provados (arts. 71.º e 72.º da petição inicial).
Que a ré recusasse a proposta da autora em reparar os problemas de estanquicidade apontados nas caleiras através de aplicação de tela líquida.
Finalmente, afirma a recorrente que a R. não fez prova de pagamento da quantia de €24.801,97 a que alude a alínea k) dos factos provados.
Relativamente às tubagens, porquanto, segundo alega, a sua reparação apenas teria de ser feita, por indicação da R., em momento ulterior e em caso de ruptura, e igualmente por a A. ter ficado a aguardar a avaliação do ISQ, de cujo resultado não foi informada pela R., que também não procedeu a mais qualquer interpelação para reparação, visto que, em vez disso, mandou ela própria reparar, sem o ter solicitado à empreiteira.
No que concerne às caleiras, na medida em que apenas em 08/05/2020 a R. terá comunicado à A. a obrigatoriedade de substituição, ao que a segunda, apesar de não reconhecer o defeito, propôs aplicar nas caleiras tela líquida, o que foi recusado pela R., sendo que esta, novamente sem dar prévio conhecimento à contraparte, decidiu aplicar uma caleira de zinco, embora implicando um custo substancialmente superior, em quase o dobro, do valor da execução da obra com o material orçamentado.
Esta é, no essencial, a alegação que a A. ensaiou no recurso quanto aos dois defeitos essenciais sobre os quais incidiu o debate em primeira instância, e que, deve reconhecer-se, já havia alegado, em parte, na petição inicial, seja quanto ao problema das caleiras (arts. 67 a 80), seja a respeito da questão das tubagens de água gelada (arts. 81 a 100).
Por outro lado, constata-se a existência de significativas contradições ou incoerências na matéria de facto que a recorrente pretende aditar.
Desde logo, quanto às tubagens de água gelada, reconhece que “em junho e julho de 2020, a ré solicitou à autora a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade”.
Para depois afirmar que, juntamente com esse facto, pretende se julgue provado que “a ré não mais interpelou a autora para proceder à reparação das soldaduras das tubagens de sistema de refrigeração das águas geladas” e que “a ré decidiu mandar substituir, sem que o tivesse solicitado à autora, as tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas e das águas quentes”.
Pretendendo ainda excluir dos factos provados, para o incluir na matéria provada, que “após Junho de 2020 a autora não mais tenha sido informada sobre o estado e necessidade de reparação das tubagens de água gelada”.
Em acréscimo, não se vislumbra o interesse da pretensão de aditar o facto de “em 18 de junho de 2020, por email dirigido à autora, a ré informa que em agosto do corrente ano recorrerá ao ISQ”, para avaliação do estado da rede das tubagens de água gelada, se já depois disso, como a recorrente reconhece (em Junho e Julho de 2020), a ré solicitou a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade.
Relativamente à questão das caleiras, a recorrente admite que “em 08/05/2020 é que a ré comunicou à autora a obrigatoriedade de substituição das caleiras existentes” e reconhece também que a R. recusou a solução de aplicação de tela líquida que a A. propôs.
Para além disso, a própria A. sublinha a comunicação (da autoria da R., e não da A., cfr. doc. nº14 da PI), datada de 21/07/2020, segundo a qual: No que respeita às tubagens de água fria e caleiras, estas serão executadas por empresa externa e debitadas à A..., conforme oportunamente transmitido.
Afirmando de seguida, paradoxalmente, que “a ré, sem dar previamente a conhecer à autora, em vez de mandar substituir a caleira, decidiu aplicar uma caleira de zinco”, quanto à qual, afinal, apenas se insurge sobre o custo, afirmando custar quase o dobro da caleira no material orçamentado.
Finalmente, quanto ao pagamento da quantia de €24.801,97 referente à reparação das tubagens de água gelada, que a recorrente pretende afastar da alínea k) dos factos provados, verifica-se que já na petição inicial, não obstante a impugnação que deduziu, a A. afirmou, com o claro sentido de admissão do facto, que “se a R. decidiu substituir as tubagens de água gelada, como indicia a fatura emitida pela D... e ora junta como doc. n.º 21, fê-lo por sua conta e risco e sem que possa exigir da autora o que quer que seja” (art. 101), e que não lhe assiste “o direito de acionar a segunda garantia bancária pelo valor de 24.801,97€, correspondente ao valor total ilíquido constante dessa fatura e relacionada com as novas linhas de água gelada” (art. 102 da petição inicial).
Em terceiro plano, face aos meios probatórios indicados e aos pontos da impugnação da matéria de facto que convocam, resulta das alegações que a recorrente evidencia as seguintes concretas discordâncias:
1) “Não resultou da prova testemunhal que a reparação do circuito de água gelada tivesse importado aquele quantitativo, pois que a intervenção feita por entidade terceira consistiu na substituição das tubagens da água gelada, mas também na substituição das tubagens da água quente”:
·Declarações da testemunha BB;
2) Da prova documental constante do teor da Ata de Reunião havida em 07/06/2017, resulta que é a própria ré quem reconheceu que a reparação do circuito de água gelada importaria o custo de €15.000,00:
·Declarações da testemunha HH;
3) Sem dar a conhecer o resultado da segunda avaliação a submeter ao IQS e sem previamente solicitar da autora a reparação das soldaduras (após dispor do relatório da avaliação a submeter), a ré, segundo veio a apurar-se em julgamento (sem que o tivesse alegado), terá tratado de mandar substituir as tubagens, quer das águas frias, quer das águas quentes:
·Depoimento da testemunha BB (da D...); e
·Depoimento da testemunha CC;
·Depoimento da testemunha FF;
·Depoimento da testemunha HH.
Seguidamente, a recorrente invoca prova documental: AUTO DE RECEÇÃO PROVISÓRIA – 16/08/2017; DECLARAÇÃO DE BOA EXECUÇÃO – 12/05/2017; ATA DE REUNIÃO DE 07/06/2016; COMUNICAÇÃO DIRIGIDA À A... - 08/05/2020; COMUNICAÇÃO DE 22/05/2020 DA AUTORIA DA AUTORA; COMUNICAÇÃO DA RÉ DE 18/06/2020; COMUNICAÇÃO DA AUTORIA DA AUTORA DE 26/06/2020; CARTA DA AUTORA DE 10/07/2020; EMAIL DE 21/07/2020 DA AUTORIA DA RÉ.
4) No que concerne às caleiras, podemos constatar que o problema era a ligação das chapas:
· Depoimento da testemunha EE;
5) Não foi substituída a caleira; pelo contrário, foi mantida a estrutura com a aplicação na caleira de um material de zinco, com diferença de valor para a execução da caleira que a autora tinha executado, visto que, se a aplicação da caleira em zinco custou 50.000,00€, a execução da caleira no material orçamentado custaria menos 30% a 40%:
· Depoimento da testemunha EE;
Invocando novamente, de seguida, prova documental: AUTO DE RECEÇÃO PROVISÓRIA – 16/08/2017; DECLARAÇÃO DE BOA EXECUÇÃO – 12/05/2017; ATA DE REUNIÃO DE 07/06/2016; COMUNICAÇÃO DIRIGIDA À A... - 08/05/2020; COMUNICAÇÃO DE 22/05/2020 DA AUTORIA DA AUTORA; COMUNICAÇÃO DA RÉ DE 18/06/2020; COMUNICAÇÃO DA AUTORIA DA AUTORA DE 26/06/2020; CARTA DA AUTORA DE 10/07/2020; EMAIL DE 21/07/2020 DA AUTORIA DA RÉ.
Ora, salvo o devido respeito por outra opinião, não vislumbramos como é possível extrair destes concretos cinco pontos arrimo bastante para a comprovação dos factos que a recorrente pretende aditar, nem que interesse podem uns e outros assumir para o desfecho da causa.
Veja-se que a primeira instância enquadrou na sentença as referidas alegações da A. afirmando, em síntese, que “as estipulações contratuais em presença, quer no que toca à prestação e funcionamento da caução, quer no que toca à faculdade do dono da obra recorrer a terceiros para eliminar defeitos, sem necessidade de propositura prévia de acção própria para discussão do direito à eliminação desses defeitos, com sujeição a prazo de caducidade, quer no que toca à distinção e regulamentação da recepção provisória e da recepção definitiva da obra, são paralelas à regulamentação do contrato administrativo de empreitada de obras públicas, nos termos regulados nomeadamente nos arts. 88.º a 90.º, 325.º, 394.º, 396.º, e 397.º, do Código dos Contratos Públicos”.
“A partir destas estipulações contratuais, que não julgamos contrariar quaisquer normas imperativas, mormente a respeito da caducidade dos direitos da ré, como resulta do art. 330.º, n.º 1, do CC, não acompanhamos a argumentação da autora quando invoca que a ré não lhe deu possibilidade de eliminar os defeitos, pelo que não tem direito a cobrar o seu custo de eliminação, ou quando invoca a caducidade dos direitos da ré, nos termos do art. 1224.º, do CC, uma vez que se baseia em normas supletivas derrogadas pelas estipulações contratuais convencionadas entre as partes”.
Acrescentou: “Reitera-se que o tribunal não irá apreciar a questão de se a ré imputou à autora custos que excediam o necessário à reparação dos defeitos, executando obras mais dispendiosas do que as contratadas, ou se interpelou o Banco 1... em valor superior ao que lhe era devido, uma vez que a autora não alegou tais factos na petição inicial”.
Desse modo, reforçou a indicação inicial segundo a qual “foi abordado durante a audiência, mas não tinha sido alegado sequer por via subsidiária, um outro facto ilícito contratual, que não poderá ser objecto desta decisão, por não ter integrado a causa de pedir nesta acção, nos termos do art. 5.º, n.º 1, do CPC. No curso da audiência, a autora começou a questionar que a ré teria accionado as garantias bancárias por valor superior aos custos necessários à eliminação dos defeitos verificados e demais penalidades contratuais. Trata-se de um facto constitutivo diverso do inicialmente alegado, que não pode ser enquadrado pelo tribunal como complemento ou concretização do inicialmente alegado, e que mobilizaria actividade probatória mais extensa do que a enquadrada pelos temas de prova, com que as partes não poderiam razoavelmente contar”.
E no âmbito do recurso, seja nas alegações, seja nas conclusões, nada se vislumbra por parte da recorrente no sentido de colocar em crise este enquadramento jurídico.
Em face disso, questões como o quantitativo em que importou a reparação do circuito de água gelada, o problema das caleiras centrado na ligação das chapas e mesmo a diferença de valor entre a caleira em zinco e no material orçamentado, não evidenciam qualquer relevância.
Na verdade, não têm ligação à causa de pedir na forma como foi estruturada pela A., assente no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas como empreiteira e na reparação por si realizada dos defeitos verificados, dizendo respeito, diversamente, ao pretenso excesso no custo das reparações efectuadas posteriormente a mando da R., e que na sentença recorrida foi decidido, sem qualquer reparo da recorrente, traduzir matéria diversa do facto constitutivo do direito inicialmente alegado.
O mesmo ocorrendo relativamente à circunstância de, segundo alega a recorrente, a R. não ter dado a conhecer o resultado da segunda avaliação a submeter ao ISQ, respeitante às tubagens de água gelada, e não ter solicitado previamente a reparação das soldaduras.
Algo que, em qualquer caso, perde todo o relevo perante o facto, cuja veracidade a recorrente admite, de em Junho e Julho de 2020 a R. ter solicitado à A. a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade.
Tanto mais que, volvidos mais de quatro anos desde o início da execução da empreitada, essa comunicação da R., em jeito de ultimato, encontra respaldo nos acordos celebrados com a A., na parte em que se estipulou que Após a vistoria, o Dono da Obra, pode, segundo o seu exclusivo critério: -Proceder à recepção provisória final, quando, pela vistoria realizada, se verificar estar a obra em condições de ser recebida; ou Proceder à recepção provisória condicionada, se for verificada qualquer deficiência. resultante da imperfeita ou deficiente execução dos trabalhos, ou da qualidade inferior dos materiais utilizados ou fornecimentos efectuados, caso em que será marcado um prazo, concertado com o Empreiteiro, para proceder às necessárias reparações, findo o qual se procederá a nova vistoria para efeitos de recepção provisória final da obra. Se, findo o prazo referido, as reparações não tiverem sido executadas ou não tiverem sido feitas por forma a sanar integralmente as deficjências encontradas, assistirá ao Dono da Obra o direito de as mandar efectuar, por conta de outro empreiteiro, accionando as garantias (…).
Na verdade, a importância da factualidade apontada pela A. esvai-se por inteiro porquanto ela não contraria nem coloca em crise os pontos essenciais em que se estribou a decisão recorrida, contemplados nas citadas alíneas i) e j), que a recorrente não impugnou.
Impondo-se manter inalterado, por isso, que a A. executou os trabalhos carecidos de correcção e assinalados no auto de recepção provisória, com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo ISQ (alínea i. dos factos provados), e que a A. fez deslocar trabalhadores às instalações da R. que procederam à reparação das patologias aí assinaladas, com exceção dos problemas apontados nas caleiras e tubos de queda de águas pluviais e nas soldaduras do circuito de água gelada, que persistiam nos termos descritos no auto após a última deslocação de trabalhadores da A. à obra (alínea j. dos factos provados).
Matéria de facto que, sendo a verdadeiramente essencial na configuração da causa de pedir e da causa de contestar da presente acção, a recorrente não enfrentou, certamente por dela não discordar, em face da análise de toda a prova produzida, o que conduziu à sua consolidação.
Optando, em lugar disso, pela tentativa de contornar essa factualidade com alegações relativas a excesso de custos e à sua desproporcionalidade face ao orçamento inicial que não indicou inicialmente como causa de pedir e sem idoneidade para afastar a essencialidade da manutenção dos citados defeitos desde o auto de recepção provisória da obra.
Compreende-se que a recorrente pretenda ainda, ao convocar os factos que pretende aditar e, sobretudo, ao afirmar que a contraparte não lhe deu a conhecer o resultado da segunda avaliação a submeter ao ISQ e não lhe solicitou a reparação das soldaduras, procurar respaldo para a aplicação do instituto do abuso de direito no qual, embora de forma subsidiária, também justificou os seus pedidos.
Essa factualidade, porém, face a todo o exposto e como se verá adiante também no plano do direito, é manifestamente insuficiente para o efeito.
Em consequência, impõe-se concluir que a impugnação da matéria de facto, que no âmbito do presente recurso foi empreendida pela A., é irrelevante para a decisão da causa.
Com efeito, vistos os factos que a recorrente pretende ver aditados, por um lado, e aqueles que têm de manter-se inalterados, por não terem sido objecto de qualquer censura, por outro, sobretudo os emergentes das citadas alíneas i) e j) da matéria provada, deve concluir-se pela irrelevância das alterações propostas para a apreciação do mérito da causa.
Constatação que, de acordo com as regras gerais de gestão processual e de proibição da prática de actos inúteis, consagradas nos arts. 6.º e 130.º do Código de Processo Civil, determina a inviabilidade, independentemente do cumprimento do disposto no art. 640.º do mesmo diploma, de proceder-se agora à reapreciação da prova.
É que, como tem sustentado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto, por se tratar de ato inútil” (cfr. Acórdão de 09/02/2021, tirado no processo 27069/18.3T8PRT.P1.S1, da autoria de Maria João Vaz Tomé e disponível em texto integral, em linha, no sítio jurisprudencia.pt).
Entendimento que, aliás, tem sido repetidamente defendido, mesmo em arestos mais recentes, destacando-se que “de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte”.
Para concluir, em conformidade, que “o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023, relatado por Mário Belo Morgado, no processo 835/15.0T8LRA e acessível na base de dados da Dgsi em linha).
Deve rejeitar-se, em consequência, o recurso da matéria de facto, com a inerente improcedência das conclusões IX, XVI a XX, XXX a XXXIV e XXXXVIII.
Com efeito, por força do art. 473.º do CC, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: “(i) a existência de um enriquecimento; (ii) a falta de causa que o justifique; (iii) e que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pp. 454ss, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2022, tirado no processo nº867/20.6T8GDM e disponível em texto integral na base de dados da Dgsi em linha).
Destacando-se que a inexistência de causa justificativa é a condição essencial ou verdadeiramente “caracterizadora da acção de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto, que se não fosse injusto não seria sem causa” (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 3.ª ed., pp. 381-3).
Podendo assim dizer-se que, em geral, quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa e quando, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.
Por outro lado, como refere a doutrina, a principal finalidade do nº2 do art. 473.º do Cód. Civil é auxiliar o julgador na interpretação do requisito da falta de causa justificativa, mediante “algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formulação” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Ob. loc. cit.).
Constituindo, pois, uma linha de rumo interpretativa, acompanhada da enumeração exemplificativa de três situações típicas de enriquecimento desprovido de causa: a condictio in debiti, ou de repetição do indevido, a condictio ob causam finitam, ou de enriquecimento emergente de causa que deixou de existir, e a condictio ob causam datorum, ou de locupletamento em virtude da falta do resultado previsto.
Ora, à luz destas indicações, tem de concluir-se que a falta de causa justificativa, sendo requisito necessário para o enriquecimento sem causa, tem de ser alegada e comprovada pela parte interessada na sua aplicação e que nesse instituto fundamenta o invocado direito à restituição.
Trata-se de um natural corolário das regras relativas à distribuição do ónus da prova, consagradas nos arts. 342.º e seguintes do Código Civil
E que, sob a influência da teoria das normas de Rosenberg e do princípio da substanciação, fazem recair sobre quem invoca o direito (no caso, à restituição) o encargo de alegar e comprovar todos os seus factos constitutivos ou, noutra terminologia, os requisitos previstos na norma jurídica de natureza substantiva (aqui, o art. 473.º do CC) indispensáveis para a sua aplicação.
Em consequência, a jurisprudência vem decidindo reiteradamente que “na obrigação de indemnizar, com fundamento em enriquecimento sem causa, constitui um ónus do autor alegar e provar a falta de causa da atribuição patrimonial e não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição”, sendo “preciso convencer o tribunal da falta de causa” (cfr. Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2021, proferido no processo nº663/20.0T8PNF, relatado por Ana Paula Amorim, e de 3/11/2011, da autoria de Filipe Caroço, tirado no processo nº6557/09.3TBVNG, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/3/2021, relator Pedro de Lima Gonçalves, processo nº3424/16.8 T8CSC, todos disponíveis na já citada base de dados em linha).
Tal como, identicamente, a doutrina venha sustentando que “é requisito de procedência da acção baseada no enriquecimento sem causa a prova da inexistência de causa para o enriquecimento” (cfr. L. P. Moitinho de Almeida, Enriquecimento Sem Causa, 2.ª ed., p. 77).
Em consequência, não releva, a nosso ver, a argumentação da recorrente sobre o facto de a contraparte, a beneficiária da garantia, não ter feito prova de que na reparação dos defeitos denunciados tivesse a A. de despender um montante pecuniário equivalente ao acionamento das garantias bancárias.
Desde logo porque, caso fosse isso exigível, a exigência teria por efeito subverter e mesmo anular a finalidade de cobertura de riscos a favor do beneficiário que preside ao acordo de garantia autónoma.
Por outro lado, na medida em que, ao invés, face ao enquadramento jurídico acima exposto, é sobre a A., como ordenante, que impende o ónus de demonstrar a falta de motivo idóneo para que as garantias tivessem sido accionadas, seja como pressuposto do incumprimento contratual, seja por enriquecimento sem causa, seja ainda no âmbito do abuso de direito.
Todavia, não é possível dar por verificados os requisitos de aplicação de qualquer uma dessas figuras, visto que, para além de as garantias terem sido previstas no contrato, sem que se denuncie qualquer violação do acordado, a recorrente não comprovou que a solicitação de pagamento estivesse ausente de causa justificativa ou que mereça a aplicação do art. 334.º do CC.
É o que resulta, em primeiro lugar, da circunstância de ter sido apurada a existência de defeitos na realização da empreitada, nas caleiras e nas tubagens de água gelada, que não foram reparados pela empreiteira, apesar de tal ter sido solicitado pelo dono da obra, sob a advertência de recurso às garantias contratuais, e que constituem o fundamento material de execução destas e, simultaneamente, a causa da transferência patrimonial a favor da R.
Na verdade, a garantia à primeira solicitação está prevista contratualmente sem subordinação a qualquer fundamento material.
Traduz, pois, um direito ancorado no contrato a favor do beneficiário, em face do qual o accionamento da garantia, por si só, não legitimará a invocação de incumprimento contratual por parte do garantido.
Por isso, entendemos que é precisamente para a garantia à primeira solicitação que o enriquecimento sem causa constituirá o único meio (para além do abuso de direito) que poderá servir para a defesa da posição (direito à restituição) do ordenante.
Ora, como se viu, doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que, mesmo sendo um facto negativo, a prova da falta de justificação no enriquecimento sem causa compete a quem pretende a restituição.
Razões pelas quais, na garantia on first demand, quem pretende a restituição deve provar o facto negativo da falta de fundamento material da solicitação de pagamento, não cabendo impor ao beneficiário (dono de obra), no confronto com o garantido (empreiteiro), demonstrar que o valor do seu prejuízo (reparação dos defeitos subsistentes na empreitada) coincide com o montante recebido através do accionamento daquela garantia.
Neste sentido, não é possível esquecer a concreta causa de pedir da presente ação, e apenas nesse domínio nos podemos mover, que a A. enquadrou na petição inicial no enriquecimento sem causa, com os factos que alegou, embora no recurso, procurando no fundo inverter a distribuição do ónus probatório, tenha passado a sustentar a suposta falta de comprovação da excepção do não cumprimento do contrato que, impropriamente, segundo entendemos, por se tratar afinal da impugnação da falta de fundamento material para a solicitação, a R. mencionou na contestação
Acresce que, ao indagar da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa no âmbito da garantia autónoma, a jurisprudência já respondeu negativamente, apontando a sua conformidade com o contrato como causa justificativa das transferências patrimoniais a que dê lugar, pois “estando provada a causa para a transferência patrimonial (pagamento de determinada quantia com base nas garantias prestadas), não há enriquecimento sem causa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2017, relator Sousa Lameira, processo 11403/15.6T8PRT, acessível na citada base de dados).
E quanto ao abuso de direito, o mesmo aresto também tomou posição, reforçando as exigências para a sua aplicação em tema de garantia autónoma, visto que constitui “um instituto de ultima ratio, para situações de clamorosa injustiça: não basta, para que se verifique, que o titular do direito exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, antes sendo necessário que esses limites sejam manifestamente excedidos, i.e., que ofendam de forma clamorosa a consciência ética e jurídica da generalidade dos cidadãos”.
Trata-se, ademais, de entendimento recorrente dos tribunais superiores neste tema, segundo o qual, “no ajuizamento dos pressupostos exigíveis nos casos de legítima recusa de cumprimento da garantia autónoma, acolhe-se um critério fortemente restritivo na sua delimitação, e em coerência, na evidência do abuso de direito, exige-se uma prova “líquida”, “inequívoca” ou “irrefutável” do abuso do direito, na execução da garantia autónoma”.
Para concluir que, “de acordo com estes princípios e a configuração factual do caso em juízo, é de concluir, em segurança, que o exequente actua no exercício de um direito titulado, sendo que nenhuma prova foi feita de que a sua conduta se revele ofensiva da ideia de Justiça do cidadão médio, e de todo, não extrapola, excessivamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/1/2022, processo 21927/16.2T8LSB, relatado por Isabel Salgado e disponível na citada base de dados).
Para além disso, entre as situações habitualmente apontadas na doutrina para a verificação do abuso de direito – o venire contra factum proprium, a inalegabilidade da nulidade de um negócio jurídico, a suppressio pelo não exercício de um direito, o tu quoque, baseado no aproveitamento de prévia actuação ilícita, e o desequilíbrio no exercício das posições jurídicas – apenas esta última poderia aproveitar à pretensão da recorrente.
A verdade, porém, é que essa doutrina, mesmo sendo, em geral, menos restritiva do que a jurisprudência, já especificamente quanto ao desequilíbrio como fundamento do abuso de direito, reconduz as hipóteses em que pode verificar-se à situação em “que o titular, exercendo embora um direito formal, fá-lo em moldes que atentam contra vectores fundamentais do sistema, com relevo para a materialidade subjacente” (cfr. A. Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, in Revista da Ordem dos Advogados em linha, ano 2005, Vol. II, cap. 13, II).
Ora, no caso dos autos, mesmo que todos os factos que a recorrente pretendeu aditar fossem julgados provados, não se manifesta da contraparte, a nosso ver, face à factualidade que está demonstrada sem impugnação, qualquer actuação contrária a vectores fundamentais do sistema ou própria de uma clamorosa injustiça.
Diversamente, a matéria provada que não mereceu discussão no recurso demonstra, sem margem para dúvida, que a R. executou as garantias perante a subsistência de defeitos relevantes que há muito havia denunciado e que, para além disso, não estavam reparados a seu contento depois de decorridos mais de quatro anos desde o início dos trabalhos e depois de solicitações para o efeito, mesmo com a advertência de execução das garantias.
Acrescendo, por fim, o respeito pelos montantes máximos garantidos, os quais, na verdade, a R. ficou longe de esgotar.
Não se vislumbrando, nessa medida, que a recusa da opção de colocar tela líquida nas caleiras, e a concomitante preferência pelo uso de caleiras de zinco, ou que a substituição, sem nova solicitação à empreiteira, das tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas, por valor claramente inferior ao da segunda garantia, possam justificar a paralisação do exercício do direito da R. de accionar as garantias prestadas em observância do contrato.
E daqui resulta, desde logo por ausência de qualquer facto ilícito imputável à R., a falta de fundamento para o pedido de condenação a pagar à A. a quantia de 5.000,00€ para compensação dos danos causados.
Improcedem, pois, todas as restantes conclusões do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Nos termos e com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, atento o seu decaimento e segundo o disposto no art. 527.º do CPC.
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)
Porto, d. s. (10/3/2025)
Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Ana Olívia Loureiro- [Voto de vencido: Muito embora se acompanhe a decisão e a respetiva fundamentação quando aos demais pedidos, discordo dso entendimento defendido quanto à distribuição do ónus da prova no que se refere ao factos em que se baseia o pedido de condenação da ré na restituição de 82.931,03€, bem como à afirmação de que não tem relevância para a decisão o apuramento dos custos de reparação dos defeitos não reparados pela autora por não terem “ligação à causa de pedir”.
Tendo a autora alegado que a ré fez sua quantia a que não tinha direito (por terem sido reparados todos os defeitos denunciados) e muito embora se conclua que esta tinha fundamento para acionar a garantia autónoma, o pedido de restituição da totalidade do valor, em que cabe, a meu ver, a possibilidade de restituição apenas parcial do mesmo, decorre da relação contratual de empreitada - que foi alegada - e não do contrato de garantia autónoma.
A autora alegou, no que releva convocar, que reparou todos os defeitos que lhe foram denunciados pela ré. Provou-se que dos defeitos denunciados apenas dois ficaram por reparar ou foram indevidamente reparados e que para reparação de um deles a ré já pagou a um terceiro um determinado valor.
Assim, não obstante a bondade da afirmação de que, no âmbito do contrato de garantia autónoma cabe ao devedor/ordenante o ónus de alegar e provar (perante o garante ou perante o beneficiário) os factos de que dependa a sua pretensão de não acionamento da garantia, tal afirmação já não terá a meu ver cabimento, salvo o devido respeito, no âmbito do contrato base, de empreitada, em que pode basear-se o pedido de restituição do valor que a ré fez seu, valor que apenas se destinava a garantir o seu eventual crédito.
O facto de estar garantido o pagamento desse crédito não desonera o credor dessa alegação e prova. Apenas no âmbito da execução do contrato de garantia o mesmo está desonerado de ambas. Uma vez acionada a garantia caberá já ao credor garantido alegar e provar o montante do seu crédito, pois só tem direito de ser pago até ao montante do mesmo. Se assim não for, a garantia autónoma passa a funcionar como uma estipulação contratual da indemnização/cláusula penal e não como mera garantia, que é. Contribuindo para a distinção dos dois conceitos veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2014 no processo 5063/11.0TBOER. L1-6.
A ré, aliás, fundou sua defesa (também) na afirmação do seu direito de reter todo o montante da garantia que acionou na invocação da exceção de não cumprimento do contrato, alegando que uma vez que a autora não cumpriu com a obrigação de reparar os defeitos da obra tinha o direito de não a reembolsar pelo valor da garantia acionada. Cabia, pois, a meu ver, à ré o ónus de provar o valor do seu crédito decorrente dos defeitos da obra imputáveis à autora e assim o fundamento da exceção perentória que opôs à pretensão da autora.
No sentido de que “A garantia bancária não dispensa que, no confronto do devedor e credor (apelante e apelada) se discutam os direitos que assistem à apelada na qualidade de dona da obra” veja-se o acórdão desta relação de 16-05-2017 (processo 1614/13.4JPRT.P1.].
Ana Paula Amorim