PROVA DOCUMENTAL
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
LIMITES
JUNÇÃO APÓS O ENCERRAMENTO DA DISCUSSÃO DA CAUSA
NÃO ADMISSÃO
Sumário

I – O princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º do Código de Processo Civil, tem que ser compaginado com outros princípios fundamentais do direito processual, tais como o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, não podendo ser invocado para superar falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.
II – Assim, não será admissível, com fundamento no mencionado princípio do inquisitório, a junção de um documento apresentado pela parte entre o encerramento da discussão da causa e a prolação da sentença, se tal documento não pode considerar-se superveniente e, destinando-se à prova de factos alegados nos articulados, só por lapso da parte não foi junto com estes.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Autora/Recorrida: AA;

Ré/Recorrente: A... Companhia de Seguros, SA,

AA intentou a presente ação declarativa de condenação na forma comum contra A... SA, na qual conclui pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização de 10.629,00 €, acrescida da paralisação diária de 30,00 € por cada um dos dias subsequentes até pagamento integral do veículo, em ambos os casos acrescidos dos juros de mora à taxa legal de 4%.

Citada, a ré apresentou contestação, sustentando, em suma, não ser devida a indemnização reclamada pela autora.

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo decorrido, no dia 15 de outubro de 2024, a audiência final, concluída pelas alegações orais dos I. Mandatários das partes, após o que o Mmº Juiz do processo ordenou que os autos fossem conclusos para sentença.


*

No mesmo dia 15 de outubro de 2024, mas já após a conclusão da audiência de julgamento, a autora juntou aos autos um requerimento com o seguinte teor:

EXº SR DR JUIZ DE DIREITO:

AA, autora no processo à margem referido,

Vem expor e requerer:

O acidente em causa nos autos começou por ser tramitado ao abrigo do protocolo IDS, tendo sido a seguradora do veículo da autora a peritá-lo e a concluir pela perda total, facto que lhe comunicou em carta datada de 13/07/2023.

Nessa mesma carta a B... informava a autora que “o veículo se encontra em situação de perda total por preencher os requisitos legais estabelecidos”

Mais informou a autora de que “a indemnização terá por base o montante de 7.450,00 euros, valor correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual será deduzido o valor do salvado, avaliado em 1.211,00 euros de acordo com o DL 291/2007”

A alegação destes valores nos pontos 24 e 28 da p.i., tinham como suporte tal oficio recebido da B... .

Acontece que por lapso de que se penitencia, a autora só agora se deu conta que juntou o documento 8 sendo um oficio da Seguradora A..., quando na realidade queria juntar o oficio da B... como documento 8, o qual agora e aqui junta para ser considerado como prova do valor do veículo antes do acidente e salvado após o mesmo, valores apurados na sequência de perícia feita por aquela seguradora no âmbito do protocolo IDS (doc 8 que agora junta).

TERMOS EM QUE:

Requer lhe seja relevado o lapso e seja admitida a junção deste oficio da Seguradora B... para efeitos de consideração em sede de douta sentença a proferir.

JUNTA: documento 8

O Advogado (…)


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Notificada do teor deste requerimento, a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., R. pronunciou-se sobre o mesmo, concluindo “que - por inadmissibilidade legal – deverá ser indeferida a pretensão da A. e rejeitada a junção do documento anexo ao requerimento com a referência Citius 2510066, ordenando-se os respectivos desentranhamento e devolução à requerente”.

*

Em 23 de outubro de 2024 foi proferido o seguinte despacho sobre o mencionado requerimento da autora:

“Após o encerramento da audiência final, veio a A. requerer a junção aos autos de prova documental, mormente, o documento constante da ref. eletrónica n.º 2510066

Para tanto alegou que pretendia juntar tal documento com a petição inicial como sendo o documento n.º 8, apenas se tendo apercebido que o mesmo não havia sido junto após o término da audiência final.

Concedido o contraditório para o efeito, a R. insurgiu-se contra a pretensão da A., alegando que inexiste fundamento legal para a sua junção aos autos, ainda que se trate de um lapso.

Salientou ainda que, nos presentes autos teve lugar a tentativa de conciliação e foi realizada a audiência prévia e ainda que o documento data de momento anterior à instauração dos presentes autos.

II.

Em primeira linha, cumpre salientar que impende sobre as partes o ónus de instrução dos autos, sendo o momento para a junção de prova o da apresentação dos respetivos articulados, cf. o disposto no art. 552.º, n.º 6 e no art. 572.º, al. d), ambos do Código de Processo Civil.

Por outra parte, em específico quanto à prova documental, dispõe o art. 423.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes», continuando o n.º 2 que «se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado» e o n.º 3 que «após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior».

E, mais concretamente quanto à junção de documentos após o encerramento da discussão, dispõe o art. 424.º do mesmo diploma legal que «a apresentação de documentos nos termos do disposto no n.º 3 do artigo anterior não obsta à realização das diligências de produção de prova, salvo se, não podendo a parte contrária examiná-los no próprio ato, mesmo com suspensão dos trabalhos pelo tempo necessário, o tribunal considerar o documento relevante e declarar que existe grave inconveniente no prosseguimento da audiência».

Dos supracitados normativos decorre o regime jurídico processual que regula a apresentação ou o requerimento de elementos probatórios pelas partes.

Do mesmo resulta, indubitavelmente, que está vedada as partes a apresentação  de documentos após o encerramento da discussão, senão no caso de recurso, e tratando-se de documentos cuja a apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

No entanto, tal regime processual não colide com, nem anula os poderes instrutórios que assistem ao juiz, conferidos pelo art. 411.º e pelo art. 607.º, n.º 1, in fine, ambos do Código de Processo Civil.

Nessa medida, atento o objeto dos presentes autos, afigura-se com total pertinência para a boa decisão da causa a junção aos autos do documento agora atravessado pela A.. E assim é porque, no âmbito de uma ação destinada à apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual importa apurar o montante dos danos (enquanto pressuposto de tal responsabilidade).

É certo que, em caso de eventual procedência da ação, sempre se poderia relegar a questão para liquidação de sentença, no âmbito dos arts. 358.º e seguintes do Código de Processo Civil.

No entanto, tal incidente implicaria o pagamento de taxas de justiça, e a prática de atividade processual que, com a junção aos autos do documento em causa, seria evitada, como aliás é ensejo do legislador ao proibir a prática de atos inúteis, nos termos do disposto no art. 131.º do Código de Processo Civil.

Ou seja, ao admitir a junção aos autos do documento em causa, o Tribunal fica habilitado a proferir uma decisão final, no seu sentido literal, que contemple todos os aspetos fáctico jurídicos da relação material controvertida.

Dessa forma, em caso de improcedência, nada mais há a decidir. Em caso de procedência, evita-se a dedução do incidente de liquidação.

III.

Destarte, ao abrigo dos poderes instrutórios conferidos pelo art. 411.º do Código Penal, e porque não me julgo suficientemente esclarecido, determino, nos termos do disposto no art. 607.º, n.º 1, in fine do mesmo diploma legal, a reabertura da audiência, para análise do documento agora junto pela A., que ficará nos autos atenta a sua pertinência para a boa decisão da causa.

Para o efeito, designo o dia 7 de novembro de 2024, às 9h30m, neste Juízo de Competência Genérica.

Notifique, cumprindo o disposto no art. 151.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


*

Notifique ainda as partes para, no prazo de 5 dias, indicarem testemunhas ou outros meios probatórios, a produzir sobre o conteúdo do documento em causa.

Para a eventualidade de nada terem a requerer, terão apenas lugar alegações orais quanto ao teor do documento.


**

Não se conformando com este despacho, veio a ré interpor recurso do mesmo, apresentando as seguintes conclusões:

(…).


*

A autora/recorrida apresentou contra-alegações onde conclui da seguinte forma:

(…).


*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

No seguimento desta orientação, no presente recurso importa apreciar se o tribunal de primeira instância não deveria ter admitido o documento apresentado pela autora após o encerramento da audiência e, em consequentemente, também não deveria ter determinado a reabertura da audiência para análise do mesmo e eventual produção de prova (suplementar) sobre o seu conteúdo.


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A) De Facto

Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.


*

B) De Direito

As provas são apresentadas com os articulados a que respeitam e os requerimentos probatórios podem ser alterados na fase dos articulados [cfr. artigo 552.º, n.º 6, 572.º, alínea d), 588.º, n.º 5, do Código de Processo Civil], na audiência prévia quando a esta haja lugar [artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil] e não havendo lugar a esta, no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho a dispensar a audiência prévia.

Entre as exceções a este regime geral contam-se as referentes ao momento de apresentação de documentos quando não instruam os articulados a que respeitam.

Prevê o artigo 423.º do Código de Processo Civil: “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

Segundo este regime, a junção de documentos aos autos é permitida em três momentos distintos: i) com o articulado em que são alegados os factos a que os documentos servem de prova, ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, com justificação procedente ou pagamento de multa, iii) até ao encerramento da discussão em 1ª instância desde que a apresentação do documento não tenha sido possível até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

E o artigo 425.º do mesmo Código dispõe: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Como referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[1], “ Visando a prova documental a demonstração de factos relevantes para a resolução do litígio, é natural que a sua pertinência cesse, em regra, com o encerramento da discussão da causa, que corresponde ao momento em que terminam as alegações orais dos advogados das partes (art. 604º, n.º 3, al. e) do Código de Processo Civil).

Depois desse momento, apenas se pode congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art. 651º, n.1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (tendo em conta o encerramento da discussão na audiência final), são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (v.g. quando a sentença se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes ou quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam) (…)”

Tendo em conta o regime supra exposto, considerou o tribunal a quo – e bem - estar vedada à autora a apresentação do documento no momento em que o fez, ou seja, após o encerramento da discussão da causa em primeira instância.

Não obstante, considerando a total pertinência do mesmo para a boa decisão da causa, decidiu a admissão da sua junção ao abrigo dos poderes instrutórios conferidos pelo art.º 411º do CPC, determinando, concomitantemente, a reabertura da audiência de julgamento, nos termos do art. 607º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “com vista à análise desse documento” e apreciação de eventuais meios de prova que as partes viessem aa requerer sobre o conteúdo do mesmo”.

O que, em primeiro lugar, se questiona neste recurso é simplesmente se a documentação em causa pode ser admitida, ao abrigo dos poderes inquisitórios do tribunal, com fundamento na utilidade da mesma para a justa solução da causa.

É facto que, após a Reforma de 1995-1996, o juiz passou a ter uma intervenção mais ativa na instrução do processo, devendo fazer uso dos seus poderes instrutórios sempre que as circunstâncias e a boa instrução do processo o aconselhem, visando, em última instância obter um melhor apuramento da verdade material e justa composição do litígio. O Código de Processo Civil de 2013 acentuou a tendência para a ampliação dos poderes oficiosos do juiz e simultaneamente comprimiu o princípio do dispositivo, fazendo prevalecer as garantias processuais fundamentais do cidadão de busca da verdade material, que são reflexo da natureza pública da função jurisdicional civil.

Na jurisprudência afirma-se que o artigo 411.º do Código de Processo Civil estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio[2]

No comentário ao artigo 411.º do Código de Processo Civil, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta e Pires de Sousa[3] adiantam que “cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade”

Refere, por seu turno, o Ac. do TRE de 6/06/2024[4] que, “O uso oficioso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer[16].

O princípio do inquisitório autoriza que o Tribunal actue oficiosamente, fora das condições previstas no artigo 423.º da lei processual, quando designadamente se torna necessário requisitar documentos ao abrigo do disposto do artigo 436.º do Código de Processo Civil ou se verifica outra situação de carácter análogo que justifique o emprego de diligências pertinentes ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Para além do exemplo que acabamos de dar, na doutrina e na jurisprudência são elencadas como manifestações do princípio inquisitório as intervenções oficiosas no domínio da tomada de depoimento de parte (artigo 452.º), de declarações de parte (artigo 466.º), da realização de prova pericial (artigos 467.º, n.º 1, 477.º e 487.º, n.º 2), da determinação de inspecção judicial (artigo 490.º), da verificação não judicial qualificada (artigo 494.º), de inquirição de testemunhas no local da questão (artigo 501.º), de inquirição de pessoa não oferecida como testemunha (artigo 526.º), de designação de pessoa competente e de requisição de pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos (artigo 601.º) e de ordenar a reabertura da audiência para realizar diligências complementares necessárias (artigo 607.º).

No entanto, esse princípio do inquisitório coexiste com outros princípios fundamentais do direito processual, designadamente o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não pode ser invocado para superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova[5].
Como se afirma no Ac. desta Relação de 12/03/2019[6] a propósito do critério de aplicação da norma do art.º 411º do Código de Processo Civil, “(r)esulta desta conclusão que a responsabilidade do tribunal quanto ao cumprimento desta norma tem de ser avaliada, delimitada e aplicada tendo em consideração outros princípios processuais, como o princípio dispositivo, a autorresponsabilidade e igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz.
Todos estes princípios existem para serem cumpridos no processo em todos os seus momentos.”

Assim, a possibilidade prevista no art.º 411º (que consagra o princípio do inquisitório em matéria probatória) de o juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não pode servir como forma de suprir as omissões da parte na indicação dos seus meios probatórios. É que o juiz não pode, nem deve, em princípio, substituir-se à parte, atento o princípio do dispositivo.

Ora, no caso em apreço, de acordo com os fundamentos que a própria autora aduz no seu requerimento de 15 de outubro de 2024 (referência citius 2510066), o documento cuja junção foi admitida pelo Mmº Juiz a quo – após o encerramento da discussão da causa, com fundamento no princípio do inquisitório - é anterior à data da instauração da ação, destina-se à prova de factos alegados na petição inicial, já estava na sua posse e só por lapso não foi junto com aquela peça processual.

Quer isto dizer que, não o tendo feito antes, em qualquer dos momentos processuais que a lei lho admitia, a autora apenas poderia ter apresentado o referido documento até ao vigésimo dia anterior à data designada para a realização da audiência de julgamento – e ainda assim com multa – uma vez que nos parece não ser de equacionar qualquer das hipóteses previstas no n.º 3 do citado art. 423º do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, sibi imputet

É que, como nos recorda Lopes do Rego[7], “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.

Entendemos, por conseguinte, não estarem reunidos os pressupostos legais para que o tribunal admitisse o documento apresentado pela autora através do requerimento de 25 de outubro de 2024, razão pela qual não se poderá manter tal decisão.

Pretende ainda o recorrente a revogação da subsequente decisão do tribunal a quo que determinou a reabertura da audiência de julgamento. Vejamos.

Nos termos do disposto no art. 607º, n.º 1 do Código de Processo Civil: “Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar convenientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e  ordenando a demais diligências necessárias”.

A reabertura da audiência a que se reporta o artigo 607.º, n.º 1, do Código de Processo Civil constituiu uma decorrência, a apreciar caso a caso, da circunstância de, num momento em que já tenha sido encerrada a audiência (com produção probatória), o tribunal se defrontar com um segmento relevante para a decisão da causa, que não se encontre suficientemente esclarecido, caso em que determinará a reabertura da audiência, diligenciando pelo que for necessário com vista a debelar as dúvidas que careçam de ser esclarecidas.

Na hipótese dos autos, o Mmª Juiz a quo determinou a reabertura da audiência de julgamento com fundamento na necessidade da análise do documento que acabava de admitir, tendo ainda ordenado a notificação das partes “para, no prazo de 5 dias, indicarem as testemunhas ou outros meios probatórios, a produzir sobre o conteúdo do documento”.

Assim, tendo em conta que a decisão que admitiu o supramencionado documento não deverá manter-se, também não poderá subsistir a decisão que determinou a reabertura da audiência com fundamento na junção daquele documento.

Impõe-se, assim, revogar a decisão que, com o mencionado fundamento, determinou a reabertura da audiência final


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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).

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IV. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão que admitiu a junção do documento apresentado pela autora em 25 de Outubro de 2024 (referência citius 2510066) – que deverá ser desentranhado do processo, bem como a decisão que determinou a reabertura da audiência de julgamento para análise do referido documento e apreciação de prova sobre o seu  conteúdo.

Custas da apelação a cargo da apelada.


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Coimbra, 25 de fevereiro de 2024

Com assinatura digital:

Hugo Meireles

Luís Manuel Carvalho Ricardo

Cristina Neves


[1] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pag. 502
[2] Cf. entre outros o AC. do TR de 11-01.2021, processo 594/19.1T8PVZ-A.P1 (Damião e Cunha), in www.dgsi.pt
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 524

[4] processo 3211/16.3T8STR-C.E1 (Relator TOMÉ DE CARVALHO), in www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, entre outros, cf. o A TRP de 27/01/2022, processo n.º 1513/20.3T8PNF.P1 Relatora Judite Pires), in www.dgsi.pt
[6] Processo 141/16.2T8PBL-A.C1, (Relator Alberto Ruço), in www.dgsi.pt,
[7] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina.