I – É ao Autor que compete provar (n.º 1 do artigo 342.ºdo CC), a existência de uma relação laboral com a Ré. Não se tendo apurado a existência de qualquer relação entre o Autor e a Ré, nomeadamente, que o Autor se encontrava a prestar uma atividade para a Ré, não se impõe o recurso à presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do CT.
II – Se o Autor não logrou provar a existência de uma relação laboral com a Ré, o mesmo não beneficia da presunção a que alude o n.º 1 do artigo 10.º da LAT, presunção esta que apenas liberta o sinistrado da prova do nexo de causalidade entre o evento/acidente e as lesões, mas já não do ónus de provar a verificação do próprio evento que há de resultar da relação de trabalho.
(Sumário elaborado pela Relatora)
I - Relatório
AA, residente em ..., ...,
intentou a presente ação de processo comum, contra
A..., Lda., com sede em ..., ...
alegando, em síntese que:
O Autor apresentou-se na sede e propriedade da A..., no dia 17/09/2019, pelas 8 horas e entrou juntamente com outros trabalhadores e comunicando que conforme o solicitado por BB se estava a apresentar para trabalhar ali; o sócio da Ré (CC) estava a manobrar o trator e os dois homens (o Autor e o DD) estavam junto ao poço/furo a verificar a colocação das cordas e as manobras do tratorista que orientava a deslocação da pá seguindo as indicações pedidas por este e transmitidas pelos outros dois; por razões que o Autor desconhece, a roldana metálica presa na pá soltou-se, por se ter partido a corda, atingindo o Autor na cabeça, ombro e coluna com forte intensidade, o que lhe provocou as lesões descritas nos relatórios médicos juntos aos autos; nem o Autor nem a sua família, foram contactados por qualquer companhia de seguros para a qual a Ré tivesse transferido a responsabilidade pelo acidente de trabalho; o Autor teve alta médica em 14/03/2020, mas do acidente resultaram sequelas que não lhe permitem exercer quaisquer funções e depende dos seus pais e irmão para muitas das tarefas do seu dia-a-dia e da sua subsistência; o perito médico do tribunal fixou-lhe incapacidade permanente parcial (IPP) de 36,760%, com IPATH.
Termina formulando o seguinte pedido:
“Nestes Termos,
Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser considerado o acidente descrito nos autos, como um acidente de trabalho, ocorrido nas instalações da Ré e no período de trabalho do Autor enquanto funcionário agrícola, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, e bem assim ser condenada a Ré a reconhecer o acidente descrito nos autos como acidente de trabalho e, nessa medida, condenada a ressarcir o Autor pelos danos por este causados, no seguinte:
a) Uma indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (180 dias), no valor de€ 2.899,73 (dois mil oitocentos e noventa e nove euros e setenta e três cêntimos);
b) Uma pensão anual e vitalícia de € 8.444,00 (oito mil quatrocentos e quarenta e quatro euros), por IPP, com início em 15.03.2020;
c) Um subsídio de situação de elevada incapacidade permanente, no valor de € 4.660,76 (quatro mil seiscentos e sessenta euros e setenta e seis cêntimos);
d) O valor de € 80,00 a título de despesas de deslocação e a outras despesas realizadas pelo Autor por força do acidente sofrido.”
*
Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, a Ré apresentou contestação alegando, em sinopse, que:
A Ré não contratou o A. para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, não tendo prestado qualquer atividade para a Ré; no dia em causa o A. introduziu-se na quinta Ré onde decorriam trabalhos junto à entrada da mesma para falar com CC, irmão do gerente da Ré; o A. aproximou-se do local dos trabalhos por sua iniciativa e vontade, curioso e imprudente e, nesse momento, soltou-se uma corda e roldana que veio a atingir o A. que não teve qualquer intervenção nos trabalhos.
Conclui dizendo que:
“Nestes termos e nos demais de Direito, deverá a presente acção ser julgada improcedente, por não provada.”
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Foi proferido o despacho saneador, selecionada a matéria assente, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
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Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas.
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Foi, depois, proferida sentença (fls. 49 e segs.) com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos expostos, julgo improcedente, por não provada, a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, em consequência, absolvo a Ré “A..., LDA.ª” dos diversos pedidos formulados pelo Autor, AA.”
*
O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
*
A Ré apresentou resposta concluindo:
(…).
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede concluindo que deve “ser negado provimento ao recurso e a sentença ser confirmada nos seus precisos termos.”
*
Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Questões a decidir
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Questão prévia:
Impugnação da matéria de facto
Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:
<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 . No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.
Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.
A recorrida, na resposta ao presente recurso, veio alegar o incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto previsto no n.º 2, a), do artigo 640.º do CPC, ou seja, a falta de indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, pugnando pela rejeição, nesta parte, do recurso.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, sufragou este entendimento.
Na verdade, lidas as alegações e conclusões do recurso, constatamos que o recorrente não indicou as concretas passagens da gravação em que funda o seu recurso.
Acontece que, conforme se decidiu no acórdão do STJ, de 21/03/2019, disponível em www.dgsi.pt:
<<I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.>>
Ora, tendo em conta que o recorrente impugna quatro pontos da matéria de facto não provada e tendo em conta a resposta apresentada pela recorrida, não vislumbramos que a omissão das concretas passagens da gravação tenha dificultado, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária nem que dificulte o exame por este tribunal de recurso.
Assim sendo, o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de impugnação previsto no n.º 2, a), do artigo 640.º do CPC, pelo que, este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto.
*
Assim sendo, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
1ª – Reapreciação da matéria de facto.
2ª – Se entre o Autor e a Ré existe uma relação de trabalho subordinado.
3ª – Se o Autor foi vítima de um acidente de trabalho nos termos e para os efeitos do disposto na LAT.
*
III – Fundamentação
a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:
5.1.1 O Autor, AA, nasceu em ../../1975;
5.1.2 A Ré, “A..., Lda.”, NIPC n.º ...30, com sede em ..., “A...”, ..., ..., tem como objeto social a exploração agrícola, pecuária e comercialização dos respetivos produtos, criação de bovinos para produção de leite, reparação e manutenção de máquinas e equipamentos;
5.1.3 A referida empresa tem, atualmente, como sócios e gerentes: EE e FF, casados entre si.
5.1.4 Desde 5/6/2014 até 21/12/2017, pertenciam ao conselho de administração (na altura era sociedade anónima): FF e CC.
5.1.5 Desde 22/12/2017, a sociedade transformou-se novamente em sociedade de responsabilidade limitada, tendo como sócios e gerentes FF e CC.
5.1.6 Em 27/4/20218 cessa funções como gerente FF e no dia 30/8/2018 CC, sendo em 24/8/2028 nomeada como gerente EE, no dia 30/8/2018 é nomeado como gerente GG, tendo o mesmo cessado em 20/5/2021.
5.1.7 Em 29/8/2018, CC transmitiu a sua quota na sociedade a GG, seu irmão.
5.1.8 Apesar de já não ser sócio e gerente da Ré, CC continua a estar presente nas instalações da empresa e a trabalhar na mesma e a ser associado com “um encarregado” da “A...”.
5.1.9 CC tinha telefonado a HH (eletricista) para este vir verificar o estado de funcionamento de uma bomba/motor subsumível de um furo artesiano, pois o mesmo não se encontrava a funcionar;
5.1.10 Nesta decorrência, HH, tendo chegado à A..., no dia 17/9/2019, pelas 08:00 horas, constatou que a avaria se verificava no motor/bomba elétrico/a, sendo necessário proceder à retirada do/ mesmo/a.
5.1.11 Para o efeito, CC colocou um trator junto ao furo e passaram uma corda da bomba/motor do furo por dentro de uma roldana que estava presa a uma pá do trator e a corda que passa por dentro da roldana foi presa a outro trator que puxaria lentamente a corda de forma a que a bomba fosse subindo até sair.
5.1.12 No dia 17/9/2019, durante o período da manhã, a partir das 8:00/9:00 horas, HH (técnico de climatização/eletricidade) estava, juntamente com CC, a efetuar trabalhos de retirada da referida bomba/motor elétrico/o do referido poço, com uma roldana, à qual estava presa a umas cordas, que por sua vez, estavam atadas à bomba.
5.1.13 DD encontrava-se junto à saída do furo a guiar a corda e o tubo acoplado à bomba que ia saindo, à medida que a corta ia sendo puxada pelo trator e CC estava a manobrar o trator.
5.1.14 A dado momento, entre as 08:00 e às 10:00 horas, o Autor entrou na A... e aproximou-se do local dos trabalhos e trocou palavras, em termos não concretamente apurados, com CC;
5.1.15 A determinado momento, quando se encontravam a decorrer os referidos trabalhos, o Autor foi atingido pela roldana e/ou corda e caiu inanimado.
5.1.16 CC estava a manobrar o trator e DD estava junto ao poço/furo a verificar a colocação das cordas e as manobras do tratorista que orientava a deslocação da referida pá;
5.1.17 A entrada do poço/furo era muito estreita para a dimensão das bombas e dos tubos de extração de água.
5.1.18 Em resultado do evento referido em 5.1.15, o Autor sofreu as lesões descritas nos relatórios de exame pericial de fls. 90 a 92 verso, 140 a 144 verso, e 152 verso a 153 verso (reiteradas em sede de junta médica realizada no apenso de fixação de incapacidade), que se consolidaram no dia 14/3/2020 (data da alta), ficando o Autor afetado com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 36,76%, após um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) desde 17 de setembro de 2019 a 14 de março de 2020 (num total de 180 dias);
5.1.19 As sequelas descritas são causa da incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual do Autor, que já havia sido também trabalhador da construção civil;
5.1.20 Do referido acidente resultaram para o Autor traumatismo crânio-encefálico provocado pelo impacto da roldana metálica (foi-lhe diagnosticado hematoma epidural frontal esquerdo, fratura escama temporal esquerda do etmoide e frontal anterior esquerdo, com extensão no seio frontal), bem como traumatismo do ombro e coluna dorsal (fratura de D3, D6 e D9 – RMN sem lesão medular.
5.1.21 O Autor teve indicação para utilizar dorsolombostato tipo Jewett, durante oito semanas e continuou o programa de reabilitação em regime de ambulatório na sua área de residência.
5.1.22 O Autor foi assistido pelo INEM que ocorreu ao local, tendo sido lavrado auto de notícia pela Guarda Nacional Republicana de ..., conforme fls. 10 a 11 e fotografias anexas a fls. 12 a 13.
5.1.23 O Autor deu entrada nos serviços de urgência do então CHUC pelas 12:20 horas, no dia 16/10/2019 foi reencaminhado para então Hospital ... e cerca de uma semana depois deu entrada no Centro Médico de Reabilitação Rovisco Pais, onde esteve internado até 10 de janeiro 2020; desde a alta para o domicilio ainda manteve sessões de fisioterapia no CMRRC – Rovisco Pais, duas vezes por semana, mantendo uso de dorsolombostato.
5.1.24 Foi instaurado na Procuradoria do Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, o inquérito n.º286/19...., a fim de apurar a eventual prática do crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelo artigo 152.º-B do Código Penal, tendo sendo proferido despacho de arquivamento, em 31/01/2021, concluindo-se não terem sido reunidos elementos suficientes da prática do crime, conforme consta dos autos de fls. 159 a 162, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.1.25 A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) levantou, em 31/12/2020, o Auto de Notícia nº ...77, imputando à aqui Ré, na decorrência do acidente ocorrido em 17/9/2019, a prática de uma contraordenação grave prevista no n.º 2 do artigo 43.º do D.L. 50/2005, de 25/02, que consistia em “o empregador não realizava os relatórios com o resultado das verificações periódicas efectuadas aos equipamentos de trabalho, pese embora se encontrasse legalmente obrigado a realizá-los e coloca-los à disposição desta Autoridade”, conforme auto de fls. 164 a 165 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
5.1.26 O processo existente junto da ACT foi arquivado, por pagamento com redução da coima, conforme fls. 254 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.1.27 O Autor, em consequência do referido sinistro, não recebeu quaisquer quantias por parte da Ré.
5.1.28 Nem o Autor nem a sua família, foram contactados por qualquer companhia de seguros ou pela Ré.
5.1.29 O Autor foi visitado no Hospital de Coimbra e depois no da Figueira da Foz, por CC acompanhado por DD, que se interessaram pelo seu estado de saúde.
5.1.30 Em determinado dia, não concretamente apurado, BB, vizinho do Autor e seu primo, disse ao mesmo que “os II” (como são conhecidos os sócios da Ré) estavam a precisar de pessoal e que poderia procurar emprego junto destes.
5.1.31 O Autor estava desempregado, tanto mais que quando JJ, ex-mecânico, reformado, e também residente em ..., lhe falou se lhe podia ir fazer uns trabalhos, o Autor explicou-lhe que não estava disponível pois estava comprometido com os “II”.
5.1.32 O Autor depende dos seus pais e irmão para muitas das tarefas do seu dia-a-dia e da sua subsistência.
5.1.33 Após ter tido alta do Centro de Medicina de Reabilitação ROVISCO PAIS, passou a cumprir um o plano de reabilitação que lhe foi prescrito em regime de ambulatório na área de residência.
5.1.35 Sente-se também muito desanimado por se ver tão limitado.
5.1.36 Tem muitas dores no corpo (com especial incidência na cabeça e no ombro esquerdo), sofre de perturbação na visão, dorme muito mal, porque não tem posição na cama, tem uma costela saliente, tem dores e apresenta perturbação do equilíbrio na marcha, dificuldades em se baixar, movimenta-se com muitas limitações, e a nível neurológico, apresenta um défice mnésico e cognitivo pós-traumático, revela um compromisso grave da capacidade de concentração, coordenação visuo motora, afetação da capacidade de processar informação visual e fragilidade emocional decorrente do acidente.
5.1.37 As melhoras do Autor dependeram e ainda dependem, em muito, da disponibilidade dos seus familiares para o transportarem e o acompanharem.
5.1.38 Foi-lhe prescrita medicação, a saber: Propranolol 40mg, Trazodona 10mg, Paracetamol, 1000 mg, Cianocobalamina + Piridoxina + Tiamina, 0,2mg + 200mg + 100mg, Paroxetina, 20 mg, Lactulose 10mg, Pantoprazol, 40 mg, Nicotina 14 mg, adesivo transdérmico, Dosulepina (protiadene) 75mg, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
5.1.39 Além de coxear de forma visível, o Autor tem dores intensas, não se consegue baixar, nem pegar em pesos.
5.1.40 O Autor esteve inscrito na Segurança Social, como trabalhador por conta de outrem, no período entre 18/6/2019 a 05/08/2019, na empresa “B... – UNIPESSOAL, LDA.”, com sede em ..., ....
5.1.41 Desde 17/9/2018 a 30/4/2021 não lhe foram pagas quaisquer prestações sociais pela Segurança Social.
5.1.42 O Autor é beneficiário de PSI – Prestação Social para a Inclusão, desde maio de 2021 e recebeu desde 01/5/2021 a 31/12/2021 o valor mensal de € 275,30 e desde 1/1/2022 o valor mensal de €298,42.
Factos não provados
5.2.1 O Autor AA foi contactado por BB, a pedido da Ré, para saber se aquele estaria interessado em ir trabalhar para aquela sociedade, para começar no dia 17 de setembro, a trabalhar por conta e autoridade da Ré, pois esta estava com falta de mão-de-obra e por isso mesmo se encontrava a contratar trabalhadores;
5.2.2 Nesta decorrência, o Autor apresentou-se na sede e propriedade da A..., no dia 17/09/2019, pelas 8 horas e entrou juntamente com outros trabalhadores;
5.2.3 O Autor encaminhou-se na direção de DD (seu parente) e do sócio da sociedade Ré - CC - que se encontrava no trator, comunicando-lhe que conforme o solicitado por BB se estava a apresentar para trabalhar ali.
5.2.4 De imediato, o sócio da Ré, o Sr. CC que estava no trator, disse que assim sendo deveria começar de imediato a prestar trabalho, e desde logo começaria por ajudar o DD, a segurar as cordas e a orientar o trator;
5.2.5 Por razões que se prenderam com estratégia, decidida por CC, utilizada para puxar as bombas bem como com a intensidade de aceleração imprimida ao trator, manifestamente exagerada, provocou que a roldana metálica presa na pá se tenha soltado, por se ter partido a corda, atingindo o Autor na cabeça, ombro e coluna com forte intensidade, o que lhe provocou as lesões descritas nos relatórios médicos juntos;
5.2.6 O sócio da Ré (CC) estava a manobrar o trator e os dois homens (o Autor e o DD) estavam junto ao poço/furo a verificar a colocação das cordas e as manobras do tratorista que orientava a deslocação da referida pá seguindo as indicações pedidas por este e transmitidas pelos outros dois.
5.2.7 Foram precisas várias tentativas e experiências diversas para puxar as ditas bombas, em virtude da entrada do poço ser muito estreita.
5.2.8 Perante a impossibilidade de as movimentar, o tratorista deu mais intensidade no acelerador a fim de ver se, dessa forma, conseguia mover as bombas, isto sempre dando instruções e recebendo as informações do Autor e do DD que tão depressa ajustavam os cabos como indicavam a direção a seguir.
5.2.9 De tal forma foi intenso o impacto da roldana ao atingir o Autor, que este foi projetado e o seu corpo caiu inanimado sobre umas paletes que se encontravam no local.
5.2.10 O Autor foi socorrido em primeiro lugar por KK, um trabalhador que foi ou é bombeiro.
5.2.11 Do Auto de Notícia ...77, realizado pelo ACT, deu origem a um processo de contraordenação, no qual a aqui Ré foi condenada pela prática de uma contraordenação grave, sendo solidariamente condenado o sócio-gerente da mesma.
5.2.12 A mãe do Autor tinha sido informada, no próprio dia, pelo Sr. CC, representante da Ré, que se deslocou a sua casa, depois de a procurar em casa de sua irmã, para lhe comunicar o ocorrido, encontrando-se acompanhado por BB e na presença de LL, sossegando-a com a informação de que o sinistro estava coberto por seguro.
5.2.13 O mesmo CC, combinou com a mãe do Autor, apresentar-se em casa desta na segunda-feira seguinte ao sinistro, pelas 22 horas, para poderem preencher a documentação necessária, mas não só não compareceu como, após o primeiro telefonema desta no qual se desculpou por ter faltado ao combinado, nunca mais lhe atendeu o telefone.
5.2.14 Da parte da Ré, o Autor foi visitado no Hospital de Coimbra e depois no da Figueira da Foz, por CC acompanhado por DD, que se interessaram pelo seu estado de saúde.
5.2.15 Numa terceira visita realizada pelos indivíduos referidos no ponto anterior, estes recomendaram ao Autor que, se fosse ouvido no âmbito de algum processo, dissesse que estava no local do sinistro de passagem e só a ver, não devendo dizer que estava a trabalhar.
5.2.16 O Autor apenas tem o 6º ano de escolaridade e como tal, não se pode propor a outros trabalhos, que não obriguem a grande exigência física, atenta a sua falta e escolaridade.
5.2.17 Os seus pais tiveram de fazer alterações na casa, em especial na casa de banho, à medida das necessidades do Autor, na fase em que este estava completamente dependente, mas ainda agora não se encontra em condições de viver sozinho.
5.2.18 Naquele dia 17/09/2019, cerca das 9h, aproveitou o facto de os portões das instalações da respondente se encontrarem momentaneamente abertos, o que fez sem que estivesse em cumprimento de qualquer determinação ou tivesse solicitado a autorização da Ré ou de quem a representasse.
5.2.19 O A. entrou nas instalações da Ré sem autorização e dirigiu-se a CC, que conhecia ser irmão do gerente FF, cumprimentou-o dizendo que queria falar com ele, sem adiantar o assunto.
5.2.20 CC referiu-lhe que se quisesse falar-lhe teria de se afastar e aguardar à entrada da Quinta, porque estava ocupado a ajudar DD, e com o barulho dos tratores também seria impossível compreenderem-se.
5.2.21 O Autor, após tal breve diálogo com CC, dirigiu-se para junto da entrada da Quinta, onde aguardava e assistia aos trabalhos de remoção da bomba do furo, à distância.
5.2.22 A dado momento, e de uma forma absolutamente inusitada, o Autor aproximou-se do local dos trabalhos, talvez por mera curiosidade ou por se querer sentir útil enquanto aguardava para falar como CC e, nesse preciso momento, soltou-se uma corda e roldana que veio a atingir DD e o próprio Autor.
5.2.23 O que aconteceu foi que o Autor foi curioso e imprudente, e por sua iniciativa e espontânea vontade se aproximou, sem que ninguém, lhe tenha solicitado o que quer que seja, e contra as indicações que lhe tinham sido dadas, para aguardar à entrada da Quinta.
5.2.24 O Autor não teve qualquer intervenção nos trabalhos que estavam a decorrer, tendo sido atingido pela roldana e corda, no preciso momento em que se havia aproximado, por sua livre iniciativa, ao local dos trabalhos.
*
*
b) - Discussão
1ª questão
Reapreciação da matéria de facto
Procedemos à audição dos depoimentos e declarações prestados em audiência de julgamento e analisámos os documentos juntos aos autos.
Por outro lado, a Exm.ª juíza do tribunal de 1ª instância fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
<<Quanto à alegada contratação do Autor e forma como a mesma decorreu e a factualidade inerente à mesma e suas consequências, bem como à dinâmica do acidente, importa referir o seguinte:
No final da audiência final (sem que tenha presenciado a produção de prova), o Autor prestou declarações de parte, sendo que, em virtude de ter sido atingido “na cabeça”, demonstrou alguma dificuldade em expressar-se.
Recorda-se de que, no dia anterior, o BB ter ido a sua casa e a sua mãe chamou-o, tendo o BB lhe perguntado se estava desempregado e lhe perguntado se ele queria trabalhar para os “II” no dia seguinte, pelas 08:00 horas. Quando lá chegou, o portão estava fechado e viu o DD e CC e este disse-lhe para entrar. Lembra-se que estes estavam a tirar o motor de um furo. Estava lá ao Sr. CC e o Sr. DD e aquele chamou-o para entrar. Viu três ou quatro trabalhadores a entrar, nessa altura. O Sr. CC disse-lhe “ajuda aí o Zé”. Não sabe quanto tempo durou. Levava uma marmita e tinha ido ao café buscar uma sandes para levar para o almoço. Não sabe se era um emprego para aquele dia ou para ficar a trabalhar. Não se recorda de muito mais, pois perdeu os sentidos quando o acidente aconteceu e ficou muito afectado quanto à sua memória.
*
Foram ouvidas, em audiência final, as seguintes testemunhas:
1) DD (técnico de climatização/electricidade, que presta serviços à Ré, quando esta necessita, conhece do Autor da localidade e são ainda primos em terceiro grau).
Contou que foi à A... (instalações da Ré) prestar um serviço. Foi chamado por causa de uma avaria da bomba de um furo artesiano (motor da bomba que é eléctrico e não conseguiam extrair a água para os animais). Telefonaram-lhe por causa de uma avaria (não havia água). Detectou que a bomba estava avariada e que era necessário retirá-la. Estava o depoente e o CC (este estava no tractor a manobrar e puxar a corda da bomba através de uma roldana que fazia subir a bomba). Pediu ao CC para parar o tractor e roldana estava em cima. Estava a dois a três metros, quando viu o Autor e disse-lhe “bom dia”. Viu-o e não pensou sequer o que é que ele lá estava a fazer. Foi também atingido aquando do acidente aconteceu. Só se recorda de estar dentro da ambulância. Só o voltou a ver o Autor quando o foi ver ao hospital. Foi visitá-lo, com o Sr. CC, pois soube que “tinha ficado pior que o depoente” e não foram apenas para o ver e por nenhuma outra razão.
CC é funcionário da empresa, não sabe se era gerente ou sócio. Vê-o como representante dos donos. A quinta é conhecida de “Quinta ...”, pois é da família II (irmãos II). “Às vezes vai uma vez por mês à quinta, vai quando há avarias” (vai consoante o tipo de avarias e depende do tipo de avarias). Reside próximo da quinta e é actualmente uma pequena empresa (na altura do acidente trabalhava a título pessoal) e dá prioridade aos clientes próximos (o poço era para dar água aos animais e, portanto, havia urgência na reparação).
Foi visitar o Autor, juntamente com o CC, passado umas semanas do acidente acontecer. Falou com ele e este apenas disse que estava com dores. Tinham-lhe dito que o Autor “estava muito mal”. Foram vê-lo “por curiosidade” ao Hospital de Coimbra e depois foram visitá-lo ao Rovisco Pais. Nesta altura ele disse-lhe que estava a recuperar. Nessa altura falaram do acidente com o Autor, mas ele disse que não se recordava. Questionou o Sr. CC, mas ele não sabia o que Autor estava lá a fazer no dia do acidente.
Afirmou que era normal este trabalho apenas ser efectuado apenas com duas pessoas e que era um trabalho que já tinham efectuado anteriormente
O tractor estava a 10 metros do poço. O Autor estava a 2 ou 3 metros do poço e do depoente.
Estava na direcção e poderia ser atingido pela roldana. Não sabe se o Autor foi atingido pela corda ou roldana.
2) MM (70, reformada, mãe do Autor)
A depoente começou por dizer que na altura do acidente o Autor residia consigo e que o mesmo tinha estado a trabalhar um mês na construção civil.
Sabe apenas que a Ré é “uma quinta de animais e tem vários terrenos”.
O BB é seu vizinho e de vez de quando ia trabalhar para essa “Quinta ...”. Relatou que no dia anterior ao acidente, BB foi a sua casa e pediu para falar com o Autor e “não queres ir trabalhar para a quinta, pois estás desempregado?”, também lhe disse “se quiseres podes ir amanhã”. No dia seguinte, o seu filho disse-lhe que ia trabalhar para os “II”, antes das 8 horas. Foi visitar a sua irmã a casa dela, e depois apareceu NN a dizer que estavam lá uns homens para falar consigo. CC, LL (sobrinho do seu marido) e BB, sendo que estes foram dizer-lhe que o AA tinha tido um acidente, mas disseram-lhe para não se preocupar, que tinha lá ido o INEM e a GNR. Afirmou que perguntou logo “se tinha seguro” (“não sabe porquê perguntou, “veio-lhe à cabeça” - sic) e ele respondeu que tinha seguro. Ia visitar o seu filho todos os dias. Contactou com o Sr. II para preencher carta do hospital, que tinha recebido. Ficou de aparecer e não apareceu. Foi na semana a seguir ao acidente. Tentou ligar-lhe e ele não atendeu. Foi ao hospital falar com a assistente social, contando que tinha carta e o patrão não atendeu. A assistente social contactou-o e ele disse que “não se ia responsabilizar”.
O Autor tentou aprender outro trabalho que conseguisse executar no Rovisco pais e não conseguiu. Não consegue fazer nada, nem em casa. Não tem escolaridade.
O seu filho disse-lhe que o Sr. CC o foi visitar ao hospital de Coimbra, Hospital de Figueira da Foz e ao Rovisco Pais.
O seu filho trabalhou na Suíça na construção civil. Estava cá há dois anos em Portugal (só teve subsídio de desemprego durante quatro meses). Ele ajudava-a. Esteve um mês na construção civil. Nunca tinha trabalhado numa vacaria. As vezes também limpava terrenos.
Não levou refeição, mas disse-lhe que não sabia como ia ser com as refeições e ainda iam combinar.
3) LL, 54 anos, mecânico. O Autor é seu primo directo, mas não são próximos. Conhece os irmãos II (CC, GG e FF) da localidade, nomeadamente encontram-se ao domingo na Associação ... com o CC, pois este também faz nesta associação. Quando levou o Sr. CC para falar com a mãe do Autor, não saiu do carro e BB voltou para o carro. Nunca viu o seu primo, nem questionou sobre o que ele estava lá a fazer. Confirmou que o foi visitar ao Hospital. Na associação estão todos os domingos e nunca mais perguntou nada sobre este acidente ao CC.
Ouviu as ambulâncias e foi através de ambulâncias e viu-as entrar na Quinta e ficou à espera para saber o que se passava. Quando saíram as ambulâncias, saiu o CC, que perguntou que se alguém sabia onde morava a família do Autor, ao que o depoente respondeu afirmativamente e que lhe podia ir mostrar onde morava. Ele disse que queria falar com a família. Não estava lá ninguém. Foi o BB que indicou onde a mãe poderia estar. Não viu, bem ouviu qualquer conversa entre o Sr. CC e a mãe do Autor.
4) KK (aposentado, conhece o Autor dos autos; chegou a trabalhar com ele na construção civil há 15/20 anos atras, durante 5/6 anos; foi visitar o Autor ao hospital aquando do acidente; conhece os donos da Ré, mas não tem a proximidade com os mesmos):
Sobre o acidente e/ou a razão do Autor estar na Quinta ..., nada soube dizer. Sobre a pessoa do Autor, afirmou que já trabalham juntos na construção civil. Quando ao dia em causa apena disse que estava no café e viu ambulâncias a passaram e foi ver o que se passava, mas nada soube ou apurou.
5) JJ (65 anos, mecânico/desempregado, conhece o Autor, sendo seu vizinho e dá-se bem com ele, e conhece a Ré e os seus sócios muito vagamente; conhecia mais o falecido pai dos actuais donos, pois é natural da freguesia ..., não se relacionando com nenhum deles).
Soube o acidente nada sabe, nem a razão de ele ter estado na Quinta ..., no entanto afirmou que, no dia anterior, tinha pedido ao Autor para lhe ir cortar lenha e este disse-lhe que não poderia pois “já estava comprometido com os II” (como e de que forma não soube precisar).
6) NN (68 anos, aposentado, residente na Travessa ..., ... - ... – ..., conhece o Autor, pois que a sua sogra da testemunha é irmã da mãe do Autor (a testemunha faltosa OO), mas não convivem entre si; conhece a Ré, os donos da Ré conhece-os vagamente.
Sobre o acidente e a razão do Autor se encontra na “Quinta ... nada soube dizer.
7) BB (condutor/manobrador de máquinas, residente na Rua ..., ... - ... – ..., conhece o Autor, são vizinhos e dão-se bem, “conhecem-se desde sempre”; conhece a Ré e é amigo dos donos da Ré; tem maior proximidade com os donos da Ré, sendo amigos dos “II”, frequentando a casa uns dos outros):
Soube apenas dizer que no dia em causa, percebeu que estavam à procura da mãe do AA e foi indicar, ao Sr. CC, a casa onde esta se deveria encontrar (casa da irmã desta). Apenas chamou pela Dona MM e foi-se embora “pois já estava atrasado para o trabalho”. Quanto ao que foi dito pelo Sr. CC à Dona MM não sabe pois foi-se logo embora, tendo antes o Sr. CC apenas lhe dito que o “AA teve lá um acidente”.
8) CC (afirmou ser trabalhador subordinado da Ré Quinta ..., desempenhado trabalhos agrícolas; é irmão dos sócios e gerente; já foi sócio da Ré até 2018; conhece o Autor dos autos por viverem em localidades próximas e se reúnem algumas vezes):
O Sr. AA chegou às instalações da quinta e pediu para falar com alguém da exploração, no entanto o depoente disse-lhe para aguardar ou vir noutro dia. A roldana rebentou e atingiu o DD e o AA. O furo fica a cerca de seis metros. Depois de falar consigo, o Autor ficou à espera perto do portão. Quando se apercebeu o Autor já estava lá perto.
Para este trabalho não era necessário mais do que duas pessoas, um no tractor e outro para verificar se as cortas estão a subir bem.
Não sabe se o portão estava aberto, mas deveria estar, pois ele entrou. Não foi o depoente que o abriu, poderia ter sido outra pessoa, pois estão sempre fornecedores a chegar. Chamou o INEM e quando o INEM foi embora, abriram o portão e verificaram que lá estavam lá várias pessoas. Perguntou se alguém conhecia o AA de ..., o Sr. LL (que o depoente conhecia) disse que sim e foi com o depoente à casa. Não estava e depois viram o BB e este disse que estava na casa de outra pessoa e foi a esse local, com indicação do Sr- BB, e falou com a mãe do Autor. A mãe do Autor ficou em choque quando lhe disse que o seu filho “tinha tido lá um acidente”. O BB nunca foi trabalhador da Ré, são apenas amigos. Disse apenas ao BB que o AA tinha acidente lá na quinta, mas não sabia a razão de ele lá estar. O BB não sabia a razão de o AA lá estar. Só soube que ele ia lá à procura de trabalho, quando “recebeu carta do tribunal”.
Foi visitar o Autor, por duas vezes, ao hospital, mas nessas vezes o Autor nada contou sobre o acidente (primeiro não estava capaz de falar e da segunda vez disse que não se recordava o acidente).
Quando se apercebeu do Sr. AA já eram cerca das 10:00 horas. Nessa altura não estavam a entrar trabalhadores (trabalhadores da ordenha).
Antes a quinta (terreno) é do seu pai. Primeiro o seu pai tinha os terrenos e explorava agrícolas e o seu pai tinha animais em .... Em 1997, os seus irmãos constituíram a sociedade e industrializaram a exploração agrícola.
Não sabe a razão de constar “encarregado” no auto de inquirição da ACT.
No dia em causa, ligou ao DD a pedido do seu irmão, para ir ver a bomba que não estava a funcionar.
Não sabe como o Autor entrou. O portão é accionado pelo comando pelo telemóvel. Não sabe explicar como é que ele entrou. Viu-o e disse para esperar um pouco pois estava a fazer um trabalho e depois já falava com ele.
Deu à notícia à mãe e diz que apenas lhe disse que o filho “tinha tido lá um acidente” e que tinha ido para o hospital e que se precisar de alguma coisa diga”. Afirma que a mãe fica em choque e a chorar, no entanto foi embora e ela ficou lá sozinha a chorar.
Disse que o viu o Autor ao seu lado e depois foi para o portão para aguardar (diferente do DD) e depois quando se voltou já estava perto do furo e já estava no chão. Estava a puxar com o tractor para trás a cerca de 50 metros do furo (e o furo estava a cerca de 6 metros do portão de entrada). O portão é automático e é aberto através de comando que está instalado no telemóvel. Os trabalhadores da ordenha tinham vindo às 6 horas e saíram às 8:00 horas. Na altura do acidente (pelas 10h e tal) já não estavam, na quinta, outros trabalhadores (estava lá o “patrão” e cunhada que também é socia, noutro local da quinta). Não estavam mais trabalhadores. Não sabe explicar como terá entrado e quem terá aberto o portão. Abriu o portão às 8 horas e tal da manhã para o DD entrar e o portão fechou-se automaticamente.
Note-se que esta testemunha demonstrou estar totalmente comprometida, nada credível, sempre a mexer com as mãos e com as pernas. Quando pode haver qualquer coisa que o possa comprometer, afirmava que não se recordava.
Assim, sopesando, de acordo com as regras da normalidade e da experiência comum, a referida prova documental/testemunhal e por declarações de parte, no que tange aos factos respeitantes à alegada relação laboral e à alegada dinâmica do acidente no âmbito da invocada relação de laboral, importa referir o seguinte:
1.º É verdade que, as testemunhas ouvidas em julgamento (nomeadamente as testemunhas CC, DD, LL e BB) prestaram depoimentos subjectivos, titubeantes, pouco esclarecedores e, por vezes, até pouco consentâneos com as regras da experiência comum e da normalidade. No entanto, seriam a únicas testemunhas que poderiam asseverar a versão do Autor, o que não aconteceu. No caso em apreço, estaríamos perante uma pessoa (alegado trabalhador, sem que tenha alegado as concretas funções) que teria iniciado funções nesse mesmo dia do acidente (escassos minutos antes? uma hora antes? duas horas antes?) e que nem sequer ainda tinha conversado com qualquer representante da empresa (como o próprio assume), sendo certo que estes (sócios e gerentes da empresa Ré), seguindo o referido por algumas testemunhas, encontravam-se na Quinta, mas noutro local.
Até podemos admitir que o Autor se tenha deslocado à referida quinta com a intenção de ir trabalhar (em termos nem sequer alegados) para a Quinta ..., no entanto a prova não permite concluir que tenha sido contratado com alguém com poderes para tal e da forma como foi alegado.
2.ª A testemunha BB infirma que disse ao Autor e à mãe deste para aquele ir trabalhar para a Quinta ... no dia 17 de Setembro de 2019, sendo certo que admite que poderá ter dito, em data que não se recorda, que os II estavam à procura de pessoal para trabalhar na quinta e que este poderia ir lá ver se tinham trabalho para ele. Mas apenas isso. Nenhuma prova se produziu quanto ao facto de BB ser ou ter sido trabalhador da Ré ou ter quaisquer instruções por parte da Ré.
3.ª A versão do Autor é apenas asseverada pela suas declarações, mas também acaba por nem sequer confirmar que conversou com o Sr. CC sobre trabalho, tendo apenas dito que este lhe disse “Ajuda aí o Zé”.
4.º A mãe do Autor, pela sua natural subjectividade e até pela excessiva precisão quanto à pergunta sobre o seguro em momento de aflição, também pouco veio assegurar a versão do Autor vertida nos articulados (não totalmente confirmada pelas declarações de parte, nem pelas testemunhas ouvidas). A única testemunha que vem em reforço de tal versão é a testemunha JJ, no entanto o mesmo apenas afirmou que perguntou ao Autor “se podia ir ajudá-lo a cortar lenha e o mesmo disse que não, pois já estava comprometido com os II”. Porém, nada mais contextualizou. Acima de tudo, não sabe nada sobre o alegado “compromisso” com os II.
5.º A alegada relação laboral invocada pelo Autor também não encontra corroboração na prova documental. CC não é desde 2018 sócio e/ou gerente da Ré, alegando ser apenas um “trabalhador subordinado”, sendo que a empresa é do seu irmão e da cunhada (tal é confirmado pelo teor da certidão permanente, cujo código e cópia impressa junta aos autos). É certo que se admite que pudesse não ser um mero trabalhador subordinado, (e até um “encarregado agrícola”, conforme consta do auto de inquirição junto da ACT de dia 29/1/2020, de fls. 122, e auto de notícia e assumido pela testemunha AA que afirmou que este tinha alguma responsabilidade). No entanto a testemunha infirmou ter tais funções em sede de julgamento, ainda que nenhuma razão plausível tenha apresentado para constar dos autos tal referência. Porém, entanto nenhuma prova produzida, sequer testemunhal ou documental, assegura que o mesmo tivesse qualquer função de contratar pessoal ou qualquer poder para tal.
6.º Também no processo crime se concluiu, no despacho de arquivamento, que “considerando os elementos reunidos nos autos, verificamos que DD não era trabalhador da “A...”, sendo que não foram reunidos elementos que sustentem a existência de uma relação laboral entre a “A... e o sinistrado AA e, em consequência, que aquele tivesse sofrido um acidente de trabalho. Na verdade, nenhum elemento de prova foi apresentado de que AA era trabalhador da A..., quando se deu o acidente, a não ser as declarações do próprio, o que é manifestamente insuficiente para sustentar tal realidade.” (vide fls. 161 verso).
7.º Também a própria Autoridade para as Condições do Trabalho afirma, após as diligências que realizou, concluiu que “da averiguação sobre a situação de eventual enquadramento laboral do sinistrado, não se consegue demonstrar/sustentar a existência de relação laboral com a empresa A..., pois a partir dos elementos recolhidos (dentro limite das nossas competências), através das diversas pessoas ouvidas e a diversos títulos, com declarações muitas vezes contraditórias e inconsistentes (designadamente, ao nível de horas indicadas) não resultou comprovada a existência de uma relação laboral e, em consequência, que aquele tivesse sofrido um acidente de trabalho, pelo que estes serviços não realizaram inquérito” (vide fls. 105).
8.º O ónus de alegação e prova dos factos que integram a existência desde logo de uma relação laboral entre Autor e Ré, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, por tais factos se apresentarem, como constitutivos do direito invocado, competia, neste caso, ao Autor, o que, tudo, se coaduna com o disposto no artigo 516.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual «[a] dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita».
Assim, no presente caso, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho deverão ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação (sendo esta a regra), sem prejuízo de a lei facilitar essa tarefa, criando presunções a seu favor.
(…)
Assim, os factos não provados assim resultaram em virtude da prova produzida, tendo-se em consideração os ónus de prova de cada uma das partes, para além de ter sido insuficiente, vaga e imprecisa, de modo a firmar a convicção do Tribunal noutro sentido. Sendo o teor da prova documental junta e prova testemunhal apresentada manifestamente insuficiente para provar a matéria alegada e cujo ónus de prova às partes competia, em face das contingências supra referidas.
Destarte, cotejando a prova produzida, carreando os documentos e a prova testemunhal e por declarações de parte, respingando-os e filtrando-os com as regras da experiência – definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico – e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, apenas foi possível ao Tribunal dar como provada a factualidade que acima se consignou e que resulta, em súmula, da documentação junta e da posição das partes.
(…)
Destarte, perante a ausência de prova concludente, nomeadamente atenta a inexistência de prova documental ou testemunhal de corroboração e na decorrência também das conclusões já anteriormente obtidas no processo crime e no processo de contra-ordenação, não foi possível apurar a existência de relação laboral entre Autor e Ré e dai as inerentes consequências.”
Como já ficou dito, o recorrente alega que os factos não provados constantes dos pontos 5.2.1, 5.2.2 e 5.2.3. e 524 devem considerar-se provados, tendo em conta os depoimentos de JJ, da mãe do Autor, MM e as próprias declarações do Autor, conjugados com declarações e omissões das restantes testemunhas ouvidas.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente:
Dos pontos 5.2.1 a 5.2.4 consta:
5.2.1 O Autor AA foi contactado por BB, a pedido da Ré, para saber se aquele estaria interessado em ir trabalhar para aquela sociedade, para começar no dia 17 de setembro, a trabalhar por conta e autoridade da Ré, pois esta estava com falta de mão-de-obra e por isso mesmo se encontrava a contratar trabalhadores;
5.2.2 Nesta decorrência, o Autor apresentou-se na sede e propriedade da A..., no dia 17/09/2019, pelas 8 horas e entrou juntamente com outros trabalhadores;
5.2.3 O Autor encaminhou-se na direção de DD (seu parente) e do sócio da sociedade Ré - CC - que se encontrava no trator, comunicando-lhe que conforme o solicitado por BB se estava a apresentar para trabalhar ali.
5.2.4 De imediato, o sócio da Ré, o Sr. CC que estava no trator, disse que assim sendo deveria começar de imediato a prestar trabalho, e desde logo começaria por ajudar o DD, a segurar as cordas e a orientar o trator;
Antes de mais cumpre dizer que as testemunhas e o Autor prestaram os seus depoimentos e declarações, respetivamente, nos temos descritos na fundamentação de facto da sentença recorrida supratranscrita.
Ora, tendo em conta toda a prova produzida, tal como consta da referida fundamentação, ao contrário do alegado pelo recorrente, não foi feita prova bastante e credível da existência de uma relação laboral entre o Autor e a Ré.
Na verdade, desde já adiantamos que nem das declarações do Autor se extrai a existência de tal relação, nomeadamente, a sua contratação, posto que o mesmo apenas declarou que o BB, no dia anterior, lhe perguntou se queria trabalhar para os II e para lá estar no dia seguinte às 8 h, mas não disse o que era para fazer nem com quem ia falar; “vai lá porque precisam de uma pessoa mas não sabe se era só para esse dia”; foi para a Quinta Ré, abriram-lhe o portão e o CC disse-lhe para ir ajudar o DD, nada tendo dito àquele, pensa que o BB já lhe tinha ligado antes; “não disse ao que ia porque ele já devia saber”.
Por outro lado, certo é que a testemunha JJ referiu que, no dia anterior, tinha perguntado ao Autor se lhe podia ir cortar lenha e este disse-lhe que “já estava comprometido para ir para os II” e a testemunha MM, mãe do Autor, disse que ouviu o BB perguntar ao Autor se estava disponível para ir trabalhar no dia seguinte para a Quinta ..., no entanto, ao contrário do alegado pelo recorrente, destes depoimentos não se retira a existência de qualquer relação laboral entre o Autor e a Ré, sendo certo que não foi feita prova bastante e credível de que o Autor “recebeu do CC instruções para ajudar o DD” e da matéria provada constante do ponto 5.1.29 não se retira o alegado pelo recorrente no sentido de que “nenhum dos dois (DD ou CC) perguntaram ao Recorrente o que tinha ido fazer, no fatídico dia do acidente, à sede da Ré, porque ambos sabiam o que este tinha ido fazer – tinha ido apresentar-se ao trabalho, seguindo as instruções do BB”.
E o mesmo ocorre no que concerne ao depoimento da testemunha CC, do qual não resulta o alegado pelo recorrente no sentido de que o CC sabia “o que o Autor lá foi fazer- Trabalhar”.
É manifesto que ao contrário do alegado pelo recorrente do ponto 5.1.30 (Em determinado dia, não concretamente apurado, BB, vizinho do Autor e seu primo, disse ao mesmo que “os II” (como são conhecidos os sócios da Ré) estavam a precisar de pessoal e que poderia procurar emprego junto destes), não resulta a existência de “quaisquer instruções da Recorrida para que BB contratasse ou contactasse o Autor, no sentido de ir trabalhar para a Ré, que se debatia com falta de trabalhadores”, pelo que, é irrelevante se CC tinha ou não “funções de contratar”, como pessoa responsável da Ré, como “encarregado agrícola”.
Por fim, resta dizer que como resulta das regras da experiência, o Autor não terá aparecido, sem mais, na Quinta da Ré, sendo certo que, conforme resulta da matéria de facto provada (ponto 5.1.30), em determinado dia, não concretamente apurado, BB, vizinho do Autor e seu primo, disse ao mesmo que “os II” (como são conhecidos os sócios da Ré) estavam a precisar de pessoal e que poderia procurar emprego junto destes, no entanto, como já referimos, de tal matéria não se extrai, desde logo, que BB atuou a mando ou em representação da Ré.
Assim sendo, tal como consta da fundamentação da sentença recorrida, não foi feita prova da existência de qualquer relação laboral entre o Autor e a Ré.
Pelo exposto, a matéria descrita nos pontos 5.2.1, 5.2.2, 5.2.3 e 5.2.4 deve manter-se como não provada.
Improcede, assim, a pretendida alteração da matéria de facto.
2ª questão
Se entre o Autor e a Ré existe uma relação de trabalho subordinado e
3ª questão
Se o Autor foi vítima de um acidente de trabalho nos termos e para os efeitos do disposto na LAT.
Antes de mais importa dizer que a pretendida alteração da matéria de facto foi julgada improcedente.
Por outro lado, alega o recorrente que:
- O legislador estabeleceu, no art.º 12º do CT, uma presunção legal, a chamada presunção de laboralidade e, assim sendo, o Autor fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demostrados que sejam aquelas características, caso a outra parte não prove factos tendentes a ilidir aquela presunção.
- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra, ou outras, que delas beneficiam se verificarem algumas das seguintes característica elencadas nas alíneas a) a e) do dito artigo 12º do CT.
- Entende o Tribunal recorrido que das características elencadas no supra referido artigo, a única que se comprova é a da al a) por considerar que o Autor que se encontrava nas instalações da Ré e teve um acidente quando se encontravam a ser realizados trabalhos de extração de uma bomba.
- Entende o Recorrente que não se pode deixar de reconhecer que, nos presentes autos, os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertenciam ao beneficiário da atividade; que o Recorrente observou horas de início (conforme previsto na alínea c) do citado artigo) e não as de termo, já que se deu o acidente provado nos autos; não se observou a característica enunciada na alínea d) do citado art.º 12º do CT, pelo singular facto de que se tratava do primeiro dia de trabalho do Recorrente e não chegou a haver qualquer pagamento fruto do infortúnio da situação, pelo que, por força de presunção, sempre teria de se considerar a existência de contrato de trabalho por verificação de quase todos os pressupostos elencados na Lei.
- O artigo 10º da dita Lei 98/2009, estabelece uma presunção legal quanto à prova e origem da lesão, que em súmula consagra que se a lesão for observada no local e no tempo de trabalho considera-se ou presume-se consequência de acidente de trabalho.
- O Autor invocou uma relação laboral subordinada, alegou-a e fez prova da mesma, para efeitos de se encontrar abrangida pelos artigos 3º e 4º da Lei 98/2009, em toda a sua extensão.
- O Recorrente provou a existência de um acidente de trabalho, não obstante este ter ocorrido no primeiro dia, nas primeiras horas dessa relação laboral, acidente que não poderá deixar de estar abrangido pela Lei em vigor.
Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Revertendo ao caso dos autos, a principal e essencial questão dos autos prende-se com a questão da eventual relação laboral existente entre Autor e Ré na altura do acidente. O Autor invocou uma relação de trabalho subordinado entre Autor e Ré (trabalhador por contra de outrem, neste caso da Ré).
Nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro:
“1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
3 - Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e actualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à actividade do empregador.”
Primeiro é necessário aferir da existência da alegada relação de trabalho.
Este aspecto importa apelar ao já referido artigo 12.º do Código de Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
O contrato de trabalho definia-se como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (art.º 11.º do Código do Trabalho).
Em suma, a subordinação jurídica consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respetiva prestação (neste sentido, o Ac. da RC de 17 de Novembro de 2017, relatado por Ramalho Pinto).
(…)
Todavia, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos de aproximação tipológica, baseados na interpretação de indícios.
(…)
E incumbe a quem invoca um contrato de trabalho, como fundamento da sua pretensão, o ónus de prova dos elementos que o integram (vide, neste sentido, o Ac. do STJ, de 17.04.1996, acessível em http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, impõe-se, ainda, atentar na presunção de laboralidade consagrada no art.º 12.º do CT, aplicável atenta a data de início da relação jurídica em apreço.
Estipula este preceito legal que presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem alguma das seguintes características (n.º 1):
a) a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa;
No caso em apreço, não obstante as presunções de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código de Trabalho, não se provou qualquer um dos indícios acima expostos, excepto que o Autor estava em "local pertencente ao seu beneficiário” (instalações da Ré).
No caso não estão verificados os elementos determinantes – as situações de facto elencadas nas mencionadas alíneas – para que funcione a presunção estabelecida na lei, pelo que não se pode presumir a existência do contrato de trabalho.
Acresce que nenhuma outra relação foi invocada ou provada.
Não se verificam-se, pois, os elementos que definem legalmente o acidente de trabalho, do qual resulta para o Autor o direito à reparação nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Nesta decorrência, não se provando os factos constitutivos do direito a que se arrogou nesta acção, conduz, destarte, à improcedência in totum desta acção, sendo a Ré ser absolvida dos diversos pedidos contra si deduzidos pela Autor.”
Apreciando a pretensão do recorrente:
Como se extrai do elenco dos factos provados o Autor não logrou provar, como lhe competia (n.º 1 do artigo 342.ºdo CC), a existência de uma relação laboral com a Ré.
Na verdade, da mesma matéria não resulta a existência de qualquer relação entre o Autor e a Ré, nomeadamente, que o Autor se encontrava a prestar uma atividade para a Ré, pelo que, nem sequer se impõe o recurso à presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do CT, posto que, “presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem alguma das seguintes características: (…)”.
Acresce que, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro:
“1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
3 - Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e actualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à actividade do empregador.”
E, <<a lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.>> - artigo 10.º, n.º 1, da LAT.
Ora, como já ficou dito, o Autor não logrou provar a existência de uma relação laboral com a Ré, pelo que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o mesmo não beneficia da presunção a que alude o n.º 1 do artigo 10.º da LAT.
Na verdade, esta presunção apenas liberta o sinistrado da prova do nexo de causalidade entre o evento/acidente e as lesões, mas já não do ónus de provar a verificação do próprio evento, sendo certo que este há de resultar da relação de trabalho.
Assim sendo, não tendo o Autor logrado provar os factos constitutivos do direito que invoca, inexiste o direito à reparação do acidente prevista na Lei n.º 98/2009, de 04/09, tal como consta da sentença recorrida.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo Autor recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário[2]
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V - DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas, a cargo da A. recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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(Paula Maria Roberto)
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(Mário Rodrigues da Silva)
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(Felizardo Paiva)