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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
VIOLÊNCIA DO ESBULHO
VEDAÇÃO
Sumário
I- A violência do esbulho, para efeitos de restituição provisória da posse, pode ser exercida sobre a própria coisa e manifestar-se dessa maneira, mas, nesse caso, a conduta terá que espelhar um comportamento suscetível de se qualificar como “violento” e não pode deixar de ter algum impacto na pessoa do esbulhado, impedindo-o de ter contacto ou acesso à coisa ou, pelo menos, constrangendo-o ou intimidando-o nesse desiderato, o que deve ser apurado em face das circunstâncias concretas. II- A colocação de uma vedação que não impede o acesso ao terreno e não foi (é) acompanhada de qualquer outro facto, mormente ameaças e intimidações sobre a requerente, não constitui esbulho violento.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I- Relatório
1- M… instaurou contra J… e A… a presente providência cautelar de restituição provisória de posse, pedindo que seja decretada “a restituição provisória da posse do prédio rústico para cultura arvense, com a área de 27.377 m2, denominado “Casal ...”, localizado na freguesia da …, concelho de Mafra, inscrito na matriz predial da freguesia da Encarnação sob o artigo … da Secção C, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra com o nº… do Livro B-…, determinando a imediata reintegração da Requerente na posse do referido imóvel e ordenando a desocupação do mesmo pelos requeridos” e que seja fixada “sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento da decisão de restituição provisória da posse, nos termos do artigo 377.º do CPC.”, alegando, em suma, que é proprietária do prédio por via de partilha efetuada em inventário; em data que não pode precisar o primeiro requerido, sem qualquer título legítimo, invadiu o imóvel e construiu um barracão com chapas de zinco, onde, posteriormente, colocou uma vacaria a funcionar, cultivando a terra e usufruindo dos frutos da mesma, impedindo a requerente de aceder à sua propriedade plena, ocupando o espaço da mesma, de forma ilegítima; a requerente teve conhecimento de que, em data que não consegue concretizar, o segundo requerido, sem qualquer título legítimo, também invadiu o imóvel e ocupou ilegitimamente o prédio, tendo construído uma vedação à volta do terreno; os requeridos não só proferiram ameaças verbais, como também ameaçaram e intimidaram a requerente com gestos e provocações que a intimidaram profundamente e inibiram de conseguir entrar na sua própria propriedade; alega, ainda, que a permanência dos requeridos no imóvel lhe causa graves prejuízos tanto de ordem material, dado o impedimento de utilização do seu próprio bem e à custa de um enriquecimento ilícito dos requeridos como de ordem moral e pessoal, dado o caráter ilegal e arbitrário da conduta dos requeridos, e uma vez que o imóvel constituía uma fonte de rendimento.
2- Sem audiência prévia dos requeridos, após produção da prova, foi proferida decisão que terminou com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, e com os fundamentos supra indicados, julga-se o presente procedimento cautelar, proposto por M... contra J… e A…, totalmente improcedente, e, em consequência, absolvem-se os Requeridos do peticionado.”
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3- É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela requerente, que termina com as seguintes conclusões: 1. A Recorrente é dona e legítima possuidora do prédio rústico denominado “Casal…”, como reconhecido nos autos. 2. O 1.º Requerido ocupou o imóvel sem qualquer título legítimo, nele construindo estruturas e instalando uma vacaria, que abandonou posteriormente e entregou ao 2.º Requerido, seu cunhado. 3. O qual, e de forma ilegítima ocupou o imóvel da Recorrente. 4. O Tribunal considerou provado o esbulho, mas não reconheceu a violência necessária para o deferimento da providência cautelar. 5. O que se discorda! 6. A Recorrente, sendo mulher, e em situação de vulnerabilidade emocional decorrente da perda da filha, não pode ser responsabilizada pela demora em agir judicialmente, pois a sua inação decorreu de medo legítimo fundado em retaliações e ameaças mais do que veladas, verbalizadas pelos Requerentes. 7. A vedação parcial do terreno e os atos intimidatórios configuram coação moral suficiente para caracterizar o esbulho como violento, em conformidade com a Jurisprudência dominante. 8. O conceito de violência deve, pois, ser interpretado de forma abrangente, incluindo situações que impeçam o possuidor de exercer livremente o seu direito, mesmo sem agressão física direta. 9. O prazo decorrido desde o esbulho não configura aceitação tácita da situação, mas sim uma consequência séria da intimidação sofrida pela Recorrente. 10. Ao indeferir a presente providência cautelar, o Tribunal a quo não garantiu a proteção cautelar necessária à Recorrente, deixando-a perpetuar em situação de vulnerabilidade e prejuízo irreparável. 11. Deve, por isso, ser reformada a decisão, deferindo-se a restituição provisória da posse ou, subsidiariamente, aplicando-se o procedimento cautelar comum para resguardar os direitos da Recorrente.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objecto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art.º 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir:
- saber se estão reunidos os requisitos legais de que depende a restituição provisória da posse à requente;
- não se verificando tais requisitos, saber se a posse deve ser restituída nos termos do procedimento cautelar comum.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na decisão objeto de recurso constam como provados os seguintes factos: 1 – Por óbito de JS e MS, pais da Requerente, correu neste Tribunal um processo de Inventário, ao qual foi atribuído o n.º …/10.9T2SNT. 2 – Nesse âmbito, todos os Interessados apresentaram Requerimento requerendo a homologação de transacção a que chegaram. 3 – Desse modo, o prédio rústico, denominado “Casal…”, com área de 27.377 m2, localizado na Freguesia da …, Concelho de Mafra, inscrito na matriz da freguesia da Encarnação sob o artigo … da Secção C, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra com o n.º… do Livro B-..., foi adjudicado, em comum e na proporção de 6/7 à Requerente e 1/7 a MC. 4 – Esta transacção foi, por sentença proferida em 29 de Novembro de 2013, homologada por sentença. 5 - O imóvel indicado em 3, sempre fez parte do acervo familiar da Requerente. 6 – Em data não concretamente apurada, mas certamente antes do indicado em 2 a 4, o 1.º Requerido, sem autorização e aproveitando-se da não utilização do imóvel indicado em 3, invadiu-o e aí construiu um barracão com chapas de zinco e um telheiro. 7 – Após, colocou uma vacaria a funcionar, cultivou a terra e passou a usufruir dos respectivos frutos. 8 – Também em data não concretamente apurada, mas há cerca de dez anos, o 1.º Requerido abandonou o imóvel. 9 – Aproveitando-se disso mesmo, em momento não concretamente apurado, mas pouco depois do referido em 8, o 2.º Requerido, também sem autorização ou sem informar a Requerente, invadiu o imóvel indicado em 3 e construiu, na estrema, uma vedação com paus e arame. 10 – Apesar da existência dessa vedação, é possível aceder ao imóvel indicado em 3.
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2.2- Nessa decisão consta como não provado o seguinte facto: I – Os Requeridos ameaçaram, intimidaram física e verbalmente e dirigiram gestos e provocações à Requerente.
2.2-Fundamentação de direito:
Pretende a requerente com a presente providência que lhe seja restituída provisoriamente a posse do prédio rústico que se mostra identificado nos factos provados.
Dispõe o art.º 377.º do C.P.C.: “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegandoos factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.”.
Concomitantemente o art.º 1279.º do C.C. estipula que “…o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.
Resulta claramente evidenciado pelas citadas normas legais que são requisitos da restituição provisória de posse a coexistência de uma situação possessória, o esbulho e a violência.
Assim, é indispensável que o requerente alegue e prove factos suscetíveis de revelar a posse, o esbulho e a violência.
Deste modo, a questão fundamental sub judice consiste em apurar se se encontram reunidos os requisitos supra referidos, como entende a requerente e, ao invés, do que foi entendido na decisão recorrida.
Apesar da recorrente nas alegações de recurso sob a epígrafe “Dos Factos Provados e não Provados”, dizer que “a decisão incorreu em erro ao não reconhecer os atos de intimidação como coação moral, não valorizando adequadamente os depoimentos das testemunhas e da própria Recorrente”, a mesma recorrente não impugna no recurso a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, pois sobre tal nada diz nas conclusões de recurso e são estas que balizam o objeto do mesmo, ou seja, traçam o âmbito das questões que são colocadas ao tribunal a quem. Não resulta de nenhuma das conclusões do recurso que a recorrente pretenda a alteração da decisão de facto, caso em que se lhe impunha que tivesse dado cumprimento aos ónus constantes do art.640.º do CPC, o que manifestamente não fez. De facto, não indica nessas conclusões os concretos factos impugnados (art.640.º n.º 1 a)), nem estão satisfeitos os demais ónus mesmo levando em conta a restante alegação da recorrente. Impõe-se, em decorrência, concluir que a recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, pelo que, as questões trazidas ao recurso haverão de ser decididas à luz da factualidade que vem provada. E, neste enfoque, ter-se-á em conta que o que vem dito na conclusão n.º6, ainda que revelasse, não tem nenhum suporte nos factos provados, não tendo sequer sido alegado no requerimento inicial nada de semelhante, pelo que, se mostra inócuo no âmbito do recurso, naquilo que daí poderia extrair-se em termos mais factuais. Por outro lado, não havia, também, sido alegado na p.i. e por isso não resulta provado que o prédio tenha sido entregue pelo 1.º requerido ao 2.º requerido como vem dito na conclusão n.º 2, não se patenteando por isso nenhuma ligação subjetivada entre a ocupação do 1.º requerido – entretanto cessada – e a ocupação do 2.º requerido, única que é agora relevante, ao nível da pretendida restituição, por ser a que subsiste, embora, a primeira ocupação possa importar quanto à perda da posse pela requerente, como melhor se verá infra. Assim, não resulta indiciado nenhum coluio, combinação, acordo, entre as duas ocupações sucessivas, pelo que, de antemão, se dirá que a providência não tem nenhuma virtualidade quanto ao 1.º requerido, porquanto, não persiste na atualidade qualquer ocupação do prédio pelo mesmo, como resultou provado, já que o abandonou há mais de dez anos (facto provado em 8). Ora a providência visa a restituição de posse pelo esbulhador, mas se o esbulho cessou não tem justificação legal nem nenhum efeito prático o pedido. Por conseguinte, relativamente ao 1.º requerido não se verificam manifestamente os requisitos legais que permitissem deferir o pedido quer no âmbito da providência específica de restituição de posse quer no âmbito do procedimento cautelar comum. Simplesmente porque se não pode condenar tal pessoa a restituir o que já não tem. E tanto assim é que o que se retira dos factos é que o 2.º requerido ocupou o prédio depois do 1.º requerido o ter abandonado, não havendo uma ocupação por ambos os requeridos, única situação que justificaria a demanda de ambos. Como é bom de ver não tem cabimento nem justificação decretar uma medida cautelar desta natureza por factos ocorridos há mais de dez anos e que não subsistem. Daqui decorre, outrossim, que os requisitos da restituição provisória de posse, haverão de ser aferidos em função da atuação do 2.º requerido que é aquela que se mantém e, por isso, a única que poderia requerer uma providência de urgência, mas, como já se aflorou, sem perder de vista a ocupação do 1.º requerido já que a decisão de 1.ª instância considerou não estar verificado, desde logo, o requisito da posse porque a requerente a perdeu em função, justamente, do tempo decorrido desde que o prédio foi invadido e ocupado.
A recorrente, corridas as suas conclusões de recurso, insurge-se essencialmente contra a decisão do tribunal a quo ao dizer, nas conclusões 4 e 5 que “O Tribunal considerou provado o esbulho, mas não reconheceu a violência necessária para o deferimento da providência cautelar.” discorrendo, em seguida, sobre a questão da violência, mas sem atacar, pelo menos expressamente, a conclusão tirada na decisão recorrida de que a requerente não tem posse, porquanto, a perdeu. Contudo, uma vez que para se concluir sobre a perda da posse por parte da requerente é necessário que não tenha ocorrido esbulho violento, caso em que o prazo da nova posse, determinante da dita perda, apenas se inicia após o fim da violência (art.º 1267.º n.º 1 d) e n.º 2 do C.C.), acabamos, no caso concreto, por ter uma interligação e interdependência dos três requisitos acima referidos, sendo necessário aferir se há esbulho violento para concluir também sobre se a requerente tem posse ou se a perdeu.
A decisão recorrida discorreu sobre a questão nos seguintes termos: “Segundo o artigo 1251.º do C.C, posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. A posse distingue-se da simples detenção. Assim, de acordo com o artigo 1253.º do C.C, são havidos como detentores ou possuidores precários: a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. E estatui o artigo 1263.º do C.C que a posse se adquire: a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor. E perde-se, de acordo com o artigo 1267.º do mesmo código: a) Pelo abandono; b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio; c) Pela cedência; d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano. Deste modo, para que exista posse é necessário o preenchimento de um elemento material – corpus – que se identifica com os actos materiais sobre a coisa; e um elemento subjectivo – animus – que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito correspondente aos actos praticados. No presente caso, como vimos, ficou sumariamente provado que o imóvel “Casal …” fazia parte do acervo familiar da Requerente, tendo, com a morte dos seus pais, sido partilhado no âmbito do processo de inventário n.º …/10.9T2SNT. Vimos, ainda, que, no âmbito de tal inventário, todos os Interessados chegaram a acordo em adjudicar o mesmo à Requerente e a MC, tendo o acordo sido homologado por sentença em 29 de Novembro de 2013. Acontece que se provou que, em data não apurada, mas certamente anterior a esta última, o 1.º Requerido, sem autorização e aproveitando-se da não utilização do imóvel, invadiu o mesmo, aí construiu um barracão com chapas de zinco e um telheiro e colocou uma vacaria a funcionar. Ou seja, esta ocupação do terreno da Requerente aconteceu há praticamente onze anos. Ora, como se viu, o possuidor perde a posse quando existe posse de outrem – mesmo contra a sua vontade -, se essa nova posse tiver durado por mais de um ano – cf. artigo 1267.º, n.º 1, d) do C.C. Diz também o n.º 2 que a nova posse conta-se desde o seu início se foi tomada publicamente ou desde que é conhecida pelo esbulhado (caso tenha sido tomada de forma oculta). E, se tiver sido adquirida por violência, apenas se conta a partir da sua cessação. Conforme explicam Antunes Varela e Pires de Lima (in Código Civil Anotado, Volume III, 4.ª Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Reimpressão, 2011, p. 56), “O prazo relativamente curto estabelecido para a proposição da acção (…) justifica-se não só pela necessidade de esclarecer rapidamente situações duvidosas (…) como ainda pela presunção de que o perturbado ou esbulhado, se não reage prontamente contra o autor da turbação ou do esbulho, é porque desiste das suas pretensões ou reconhece a posse de outrem. Relativamente à acção de restituição, ainda é de atender a que o esbulhado perde a sua posse decorrido um ano e um dia (art.º 1267.º, n.º 1, alín. d)), deixando de poder fundamentar o seu pedido.”. E ainda Marco Carvalho Gonçalves (in Providências Cautelares, Almedina, 4.ª Edição, E-book, p. 208), “Deste modo, a providência cautelar deve ser indeferida, porque injustificada, nos casos em que o requerente se tenha conformado com a situação de perigo que ameaça afetar o seu direito, assumindo uma conduta inerte e passiva perante esse facto.”. Como iremos ver adiante, não ficou provada a existência de violência por parte dos Requeridos, pelo que não faz sentido convocar o disposto no artigo 1267.º, n.º 1, d) do C.C quanto esse aspecto. Não há ainda qualquer evidência de que o esbulho perpetrado tenha sido feito de forma oculta, tanto mais que ficou provado que, há cerca de dez anos o 1.º Requerido deixou o imóvel, tendo o 2.º Requerido passado a ter a posse do bem. Ou seja, o esbulho do imóvel aconteceu há, pelo menos 10 anos, sem qualquer violência e sem que haja sido feito às ocultas. Logo, o prazo da nova posse deve contar-se desde o acto do esbulho. Perante o exposto, ao esperar todo este tempo, a Requerente perdeu a posse do bem, não estando, como tal, preenchido o requisito da posse. Só por isso, já o presente procedimento cautelar teria de ser julgado improcedente.”. E a decisão será acertada se for de concluir que o esbulho não foi violento.
Resultando dos factos que antes de 29.11.2013 (factos 6 e 4), o 1.º requerido invadiu o terreno e aí montou uma vacaria e passou a explorar o terreno o que fez até há cerca de dez anos (facto 8), e, em seguida, também há cerca de dez anos, o 2.º requerido, com a saída daquele e aproveitando-se disso, invadiu o terreno, há a concluir que a requerente vem pedir a restituição da posse “afetada” ou de que foi esbulhada há mais de dez anos, posto que durante todo esse tempo o prédio tem estado ocupado pelos requeridos. Relativamente à conduta do 1.º requerido, vista isoladamente, não logramos aqui poder afirmar que a mesma durou mais de um ano, pois embora se saiba que se iniciou antes de 29.11.2013 não consta a data mais precisa, pelo que, não temos elementos suficientes para concluir que a requerente perdeu a posse por via do disposto no art.º 1267.º n.º1 d) do C.C, com essa ocupação e já a havia perdido aquando da ocupação do segundo requerido. Note-se que em relação à ocupação do 1.º requerido não é possível, em face dos factos, associar-lhe qualquer violência, seja esta vista enquanto violência sobre as pessoas ou sobre a coisa, pelo que, tivesse tal posse um ano e 1 dia determinava a perda da posse pela requerente. Vejamos, então, no que concerne à conduta do 2.º requerido a qual sucede à do 1.º e dura há mais de dez anos, sem que se tenha provado nenhuma anterior reação da requerente.
O tribunal a quo considerou haver esbulho, dizendo “De acordo com Antunes Varela e Pires de Lima (op. cit., p. 49), “O esbulho (…) supõe a privação, total ou parcelar, da posse. O anterior possuidor é desapossado, não sendo, todavia, essencial que o autor do esbulho se apodere da coisa.”. Ou seja, há esbulho quando o possuidor do bem foi dele privado por terceiro, deixando de poder exercer a posse ou os direitos que detinha sobre o mesmo. Deste modo, ele pressupõe a privação total ou parcial da posse. In casu, ficou sumariamente provado que o 1.º Requerido, antes de 29 de Novembro de 2013, sem autorização e aproveitando-se da não utilização do imóvel, o invadiu, aí levantando construções e colocando animais. Depois deste ter abandonado o imóvel – o que sucedeu há cerca de dez anos -, o 2.º Requerido, também sem autorização e sem informar a Requerente, invadiu-o e aí construiu, na estrema, uma vedação em com paus e arame. Assim sendo, entendemos que o requisito do esbulho se encontra preenchido.”. Embora nem sempre seja fácil distinguir as situações de esbulho de situações de perturbação da posse, e se nos afigure que no caso concreto, não seja uma situação manifesta já que a requerente, como se pode inferir dos factos, não vinha exercendo poderes de facto sobre o prédio, tendemos a considerar, tal como o tribunal a quo e tendo em conta as razões por este avançadas, que a invasão do terreno nos termos provados, constitui esbulho, tanto mais que é idóneo a afirmar que daí decorre o início da posse por outrem e, se verificados os demais requeridos, a perda da posse pela requerente.
Impõe-se, então, saber se o esbulho deve ser considerado violento. E para tanto importa a conduta do 2.º requerido.
Está apenas provado que o 2.º requerido, há cerca de dez anos, aproveitando-se do facto do 1.º requerido ter abandonado o prédio, sem autorização ou sem informar a requerente, invadiu o imóvel e construiu, na estrema, uma vedação com paus e arame. Prova-se ainda que apesar da vedação é possível aceder ao imóvel. Não resultou provado que os requeridos ameaçaram, intimidaram física e verbalmente e dirigiram gestos e provocações à requerente. Note-se que os “atos intimidatórios” mencionados na conclusão 7, ou a “intimidação sofrida pela recorrente” referida na conclusão 9, ou, ainda, a “situação de vulnerabilidade” mencionada na conclusão 10, não têm nenhum respaldo nos factos que vieram a ser dados como provados, pelo que, são inócuos para a avaliação a fazer sobre se resulta indiciada a violência do esbulho.
Não refere a lei o que seja esbulho violento, mas diz-nos, por contraposição, no art.º 1261.º do C.C., que a posse pacifica é a que é adquirida sem violência, considerando-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física ou moral nos termos do art.º 255.º do CC, resultando deste último que a ameaça (o mal) pode respeitar à pessoa, honra ou fazenda do declarante (ou seja, o visado, o possuidor esbulhado), pelo que, aponta a lei para que o esbulho com violência possa existir em casos em que a violência é diretamente exercida sobre a coisa e não diretamente exercida sobre a pessoa do possuidor ou só sobre este; mas, mesmo naquela primeira situação, não é unânime o entendimento sobre se basta a violência física sobre a coisa ou se esta violência terá ainda que espelhar alguma associação à pessoa do esbulhado, em termos de o intimidar ou constranger a suportar o esbulho.
No Ac. STJ de 19.5.2020 (rel. Henrique Araújo) considerou-se: “Para a decretação da restituição provisória de posse, só releva a violência sobre coisa se essa violência implicar que o possuidor fique coagido a permitir o desapossamento. Já quanto ao conceito de violência, há duas correntes na doutrina e na jurisprudência. Para uma, largamente maioritária, a violência pode ser exercida sobre as pessoas ou sobre as coisas. Para outra corrente, o esbulho a considerar na providência cautelar de restituição provisória de posse é apenas aquele que resulte de violências ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse. Aderimos à primeira. A violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas (por exemplo, ocupação de casa alheia, mediante arrombamento da porta de entrada)[5], como parece indicar a parte final do n.º 2 do artigo 255º (ameaça contra a fazenda), na medida em que não pode deixar de relacionar-se a coisa objecto de violência com o possuidor que reclama a restituição da posse. Todavia, a violência contra as coisas, na simples expressão da sua materialidade, não significa, só por si, coacção física ou moral. Se assim fosse, e uma vez que qualquer acto de esbulho traz normalmente associada alguma violência, correr-se-ia o risco de confundir esbulho com violência. Por isso, como defendido por Orlando de Carvalho [6], a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretender intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor. Deste modo, como bem se afirma no acórdão-fundamento, “se a acção recair sobre as coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana”. Esta parece-nos ser a perspectiva mais compatível com a norma do artigo 1261º, n.º 2, o que nos afasta da posição seguida no acórdão deste STJ de 19.10.2016[7], em que se arrimou a decisão da 1ª instância. Recorde-se que nesse aresto decidiu-se que “não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse”. O entendimento expresso nesse acórdão parece ser também o defendido por Lebre de Freitas[8], para quem a construção ou destruição duma coisa, ou a sua alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a abster-se dos actos de exercício do direito correspondente. Vejamos com mais detalhe a posição desse autor. Aceitando a orientação de que a violência directamente exercida sobre as coisas constitui meio indirecto de atingir as pessoas, na medida em que cria no possuidor um estado psicológico de insegurança, receio ou intimidação, Lebre de Freitas afirma que essa orientação é incompleta, dizendo: “ao lado da coacção moral, há a coacção física e, em domínio que não é o do negócio jurídico, esta pode consistir num obstáculo material que impossibilite a posse, independentemente de qualquer ameaça ou outro comportamento susceptível de afectar a segurança do possuidor. Basta que a acção física exercida sobre as coisas seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade”. Para logo concluir: “É, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída, em consequência dos meios usados pelo esbulhador”. Como dissemos, discordamos deste entendimento, mais amplo, sobre a caracterização do esbulho como violento. Contrariamente ao defendido por alguma jurisprudência[9], aceita-se que a violência contra as coisas não implique necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Mas também não basta que ela se traduza numa actuação constritiva, equivalente à privação não consentida da posse. É preciso mais: é preciso que, pela forma como essa constrição é efectuada, o possuidor se mostre coagido a permitir o desapossamento, ficando colocado numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento. Conforme defende Teixeira de Sousa[10], “só este conceito de violência pode justificar verdadeiramente que esta providência cautelar possa ser decretada sem citação nem audiência do esbulhador, o que constitui uma excepção ao princípio basilar do contraditório. Não pode ser qualquer violência a justificar este enorme benefício que é concedido ao possuidor”.” (acessível em https://juris.stj.pt)
E no Ac. do STJ de 9.11.2022 (rel. António Barateiro Martins), acessível no mesmo local, expendeu-se o seguinte: “É conhecida a divergência, na doutrina e na jurisprudência, sobre o exato sentido do conceito de “violência” (no esbulho) e as duas respostas (divergentes) referidas pelas Instâncias: a que considera que para haver violência tem a mesma que ser exercida sobre a pessoa do possuidor; e a que considera que basta a violência exercida sobre a coisa, quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral.E também alinhamos pela resposta menos exigente e restritiva, ou seja, que igualmente preenche o conceito de violência a que, em certos termos e circunstâncias, for exercida sobre a coisa.A tal propósito – para justificar em que termos a violência seria relevante – escrevia o Prof. Manuel Rodrigues (in a posse, pág. 365 e ss):“(…) pode perguntar-se se, em face do direito português, só é de atender à violência contra as pessoas ou também à violência contra as coisas; se só à violência física, ou também à violência moral.A violência tanto pode ser contra as pessoas como contra as coisas. A história do art.º 494.º do CPC de 1876, permite-nos fazer esta afirmação.O projeto de Seabra não definia violência nem indicava os seus elementos; mas no primeiro projeto da Comissão Revisora, art.º 366.º: «quer fosse exercida contra as coisas quer contra as pessoas».(…)O pensamento que dominava os redatores do Código era, pois, o que podia haver violência em qualquer dos casos. É certo que aquelas declarações foram depois suprimidas, mas a supressão foi apenas provocada pelo temor das definições.Também o novo CPC nada diz, sendo de manter o pensamento tradicional.A violência, porém, há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras. (…)A violência tanto pode consistir no emprego da força física, como em ameaças.Efetivamente, embora o Código não o diga expressamente, não parece poder duvidar-se que a violência moral é suficiente para dar direito à ação de esbulho violento.Em primeiro lugar, desde muito cedo se considerou a ameaça como suficiente para a violência; em segundo lugar, é o próprio Código Civil que ao definir coação no art.º 666.º diz que esta pode consistir em fortes receios (de danos)” Em função de tais ensinamentos, passou a considerar-se na jurisprudência que mudanças de fechaduras e substituições de cadeados para impedir a utilização de prédios – na medida em que pressupõem a destruição (e o inerente emprego de força física) de coisas (as anteriores fechaduras e cadeados) que constituíam obstáculo ao esbulho – preenchem o conceito de violência relevante[2]; mas também se considerou que a mera colocação (sem qualquer prévia destruição e sem que qualquer obstáculo haja sido vencido) de fechaduras e cadeados não integra o conceito de violência[3].E é neste ponto da discussão/divergência que o critério proposto pelo Prof. Lebre de Freitas – segundo o qual “é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador” (in CPC anotado, Vol. II, 2 ª Ed., pág. 78) – se nos afigura inteiramente pertinente; e consentâneo com a ideia de que também a coação moral – tendo presente que também é posse violenta a que foi obtida com coação moral (cfr. 1261.º/2 e 255.º do C. Civil) – preenche a violência, ou seja, integrará atuação violenta tanto aquela que se dirige diretamente à pessoa do possuidor como a que resulta duma ameaça que lhe é feita indiretamente (podendo tal ameaça respeitar à “pessoa, honra ou fazenda” – cfr. art.º 255.º/2 do C. Civil).”
Não se enjeita, por isso, na senda da jurisprudência que, cremos, maioritariamente, o vem admitindo, que a violência do esbulho pode ser exercida sobre a própria coisa e manifestar-se dessa maneira, mas, nesse caso, a conduta terá, naturalmente, que espelhar um comportamento suscetível de se qualificar como “violento” e não pode deixar de ter algum impacto na pessoa do esbulhado, impedindo-o de ter contacto ou acesso à coisa ou, pelo menos, constrangendo-o ou intimidando-o nesse desiderato. Não se bastará, por isso, com qualquer intervenção física na coisa, que, contudo, não obste ou dificulte o contacto com ela, o acesso a ela. Nestes termos, afigura-se-nos que a conclusão sobre se estamos em presença de um esbulho violento - concordando-se, inteiramente, nesse aspecto, com o que é dito a respeito na decisão recorrida - haverá de ser feita em concreto, face às circunstâncias do caso, não se podendo, antecipadamente, concluir que, em toda e qualquer circunstância, certo comportamento que é comumente associado ao exercício de força física sobre a coisa, determine sempre e necessariamente um esbulho com violência. Pense-se, a título de exemplo, num caso em que há arrombamento de um cadeado, mas não é colocado nenhum outro, passando o portão a ficar aberto; tratar-se-á, só por causa do arrombamento do cadeado, que encerra alguma “violência” direta sobre a coisa, de um esbulho violento?
Isto dito, vejamos o caso dos autos.
O tribunal recorrido, citando diversos acórdãos sobre o tema, conclui que: “Somos, por isso, da consideração de que para que exista violência, para efeitos de deferimento da providência de restituição provisória da posse, não é imprescindível que a mesma seja exercida sobre pessoas por meio de ameaças ou agressões, bastando que se impeça em absoluto o esbulhado de contactar com a coisa possuída. O que se torna imprescindível é que essa violência exista no momento do esbulho ou através da prática de actos que impeçam que o possuidor de, doravante, continuar a exercer a posse (…) Ora, face à factualidade supra, não nos afigura estar preenchido este requisito. É que não vislumbramos na actuação de qualquer dos Requeridos uma acção violenta – nos termos indicados -, mas sim um aproveitamento de uma situação de quase abandono em que o terreno se encontrava. Além disso, a actuação dos Requeridos não impedia – nem impede – a Requerente de aceder ao terreno. É que, como vimos, ficou provado que antes da partilha o 1.º Requerido, aproveitando-se da não utilização do mesmo, invadiu-o e aí construiu um barracão com chapas de zinco e um telheiro. Após, colocou uma vacaria a funcionar, cultivou a terra e passou a usufruir dos respectivos frutos. É evidente que o 1.º Requerido esbulhou o imóvel, mas não se verifica da sua parte uma actuação violenta – mas sim o aproveitamento da situação -, nem as construções impediam a Requerente de aceder ao imóvel. Vimos, também, que há cerca de dez anos o 1.º Requerido abandonou o imóvel, tendo o 2.º Requerido, novamente se aproveitado da situação para o ocupar e aí construir, na estrema, uma vedação com paus e arame. É verdade que a construção desta vedação poderia constituir uma situação de violência. Porém, também ficou provado que, apesar da mesma, é possível aceder ao imóvel. A isto acresce que não se provou que os Requeridos ameaçaram, intimidaram física e verbalmente e dirigiram gestos e provocações à Requerente. Perante o exposto, consideramos também que este requisito não está preenchido, razão pela qual não poderia ser decretada a providência requerida.”.
Concordamos com tal entendimento, afigurando-se-nos, de igual forma, que na situação sub judice não merece a qualificação de esbulho violento a colocação da vedação e que não impede o acesso ao terreno; nada mais se tendo provado que permita concluir que a colocação de tal vedação foi (é) acompanhada de qualquer outro facto, mormente as alegadas ameaças e intimidações sobre a requerente ou qualquer outra conduta por parte do requerido, não temos por suficientemente demonstrada nem uma impossibilidade ou impedimento da requerente contactar com a coisa, aceder a ela e até praticar actos materiais próprios da qualidade de possuidora que se arroga (v.g. se a requerente pode aceder ao prédio, pode colher os frutos etc.), pelo que, a colocação da vedação, só por si, não traduz uma situação de violência sobre a coisa que leve à qualificação do esbulho como violento. Tal conduta isolada não pode ser considerada uma conduta violenta sobre a coisa, por forma a integrar a violência do esbulho exigida por lei para a decretação da restituição da posse, nem permite extrapolar ou inferir que dela deriva, necessariamente (posto que, nada mais se provado, teria que se considerar uma consequência necessária, o que se não tem por certo nem evidente) o constrangimento da requerente em ter ou reaver o domínio sobre a coisa. É certo que a colocação de vedações do género da que está em causa (diferente, por exemplo, da construção de um muro e fecho de todas as entradas) além de delimitarem o terreno, podem ter a intenção de evidenciar que o acesso é reservado, e com isso desincentivar a entrada, mas não são um verdadeiro obstáculo, posto que como se veio a provar nos autos, apesar da vedação é possível aceder ao prédio; ademais, estando o terreno, como é dito na decisão, “praticamente ao abandono” - o que se infere da conjugação de toda a factualidade - e foi o aproveitamento por parte dos requeridos (ilícito é certo) dessa situação que está na origem da invasão e ocupação do prédio, o esbulho, para se considerar violento, salvo o devido respeito por opinião diferente, teria que ser acompanhado de outros elementos de facto, de onde ressaltasse, no mínimo, mas em termos objetivos, que era natural e justificado que a requerente se sentisse constrangida, receosa, amedrontada e, nessa medida, impossibilitada de exercer os seus poderes sobre a coisa; mas nada disso se prova e a colocação da vedação, em termos objetivos, quanto a nós, não tem essa virtualidade.
Em função do que fica dito, não havendo um esbulho violento, a requerente perdeu a posse nos termos do art.º 1267 n.º 1 d) e n.º 2 do C.C., em virtude de ter decorrido mais de dez anos sobre a constituição da nova posse a favor do 2.º requerido, o que independe da vontade da requerente e ocorre mesmo contra a sua vontade. A restituição provisória de posse tem como pressuposto uma situação possessória e não o direito de propriedade, pelo que, não cumpre atender a este. De todo o modo, ainda que a posse se mantivesse sempre falecia o requisito do “esbulho violento”, o que, igualmente, impedia o decretamento da providencia requerida.
Resta avaliar se pode ser deferida a requerida restituição com base no procedimento cautelar comum (conclusão 11 do recurso), uma vez que o art.º 379.º do CPC estabelece: “Ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377.º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum.”
Dispõe o art.º 362.º do C.P.C., no que concerne ao procedimento cautelar comum que: “1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. 2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor. 3. (…)”
E o art.º 368.º n.º 1 do CPC diz-nos que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.”, cabendo ao requerente, o ónus da prova dos factos integrantes dos requisitos legais exigidos para o decretamento da medida cautelar, sabido que o art.º 365.º n.º 1 do CPC determina que “Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão.”, e, nos termos do n.º2 do mesmo artigo, “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.”
Assim, a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão - art.º 368.º n.º 1.º do C.P.C.
Conforme se retira dos preceitos legais citados para que a providência seja decretada necessário se torna que o requerente logre demonstrar, em termos de forte probabilidade, a existência do direito que pretende ver efetivado e a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável.
A lei exige para que se desencadeie a proteção antecipada e urgente do direito, que o requerente demonstre, por via da alegação e consequente prova, factos suscetíveis de, objetivamente, se concluir com séria probabilidade pela lesão grave e dificilmente reparável do seu direito e receio justificado dessa lesão. Falando a lei em justificado receio e lesão grave e dificilmente reparável, acentua claramente que não se trata de um qualquer receio, nem de uma qualquer lesão e que mesmo que haja lesão e seja grave, a providência só se justifica se for dificilmente reparável tal lesão. São, pois, insuscetíveis de justificar o receio de lesão grave as meras conjeturas, possibilidades ou impossibilidades derivadas de eventos futuros e incertos, frustração de meras expectativas pessoais, etc.. Por outro lado, ainda, a lei exige, como se disse, que a lesão seja grave e sendo-o pode ou não ser de difícil reparação, donde ainda que grave se não for de difícil reparação não se encontra protegida nesta sede. Necessário se torna, então, que o requerente demonstre que a lesão do direito será grave e de difícil reparação. Mais uma vez quer a gravidade da lesão quer a dificuldade da sua reparação têm que se extrair de factos objetivos que os demonstrem. Como se sumaria no Ac. TRP de 20.6.2024 (Isoleta de Almeida Costa) “I - São requisitos cumulativos do procedimento cautelar comum previsto no artigo 362º do Código de Processo Civil: (i) a existência do direito tutelado ou do interesse juridicamente protegido (ii) fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável (iii) adequação da providência à situação de lesão iminente (iv)não ser o prejuízo da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar (v) não existência de providência específica que acautele a lesão do direito. II - O fundado receio, do requerente da providência, há-de ser objetivo apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou de repetição iminente. III - A providência a decretar visa afastar a lesão na demora da ação que não se confunde com a lesão do direito.”
Por conseguinte, no caso concreto, vindo o pedido assente na posse da requerente, tendo-se concluído acima que a requerente não é possuidora porque perdeu a posse pela posse de outrem que dura há mais de um ano, não se lhe pode reconhecer o direito à restituição com base na verificação de justo receio de lesão grave e dificilmente reparável daquela posse, como, também, foi entendido na decisão recorrida. E por outro lado, mesmo que persistisse a posse da requerente, resulta, em todo o caso, evidente que não estão preenchidos os demais requisitos posto que, no que igualmente se concorda com a 1.ª instancia, a situação de onde decorreria o periculum in mora, subjacente ao procedimento cautelar comum, ocorre desde há dez anos, não se vislumbrando, nem havendo factos provados que o demonstrem, qual o receio actual que justificaria o decretamento da medida de urgência sob pena de lesão grave e dificilmente reparável, na certeza de que nada se provou quanto à fruição e uso que a requerente dava ao prédio rústico e que deixou dar por via da ocupação, ou qualquer outro facto que permita ajuizar sobre a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, que deva ser prevenida cautelarmente e se não compadeça, pela demora, com o recurso à ação principal que se revele adequada. Assim, a decisão recorrida não merece censura e deve ser mantida.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 27.2.2025
Fátima Viegas
Amélia Ameixoeira
Vítor Manuel Leitão Ribeiro