EMBARGOS DE EXECUTADO
FIADORES
TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
PRESTAÇÕES FUTURAS
FORÇA PROBATÓRIA
Sumário

I - Fundando-se a execução em escritura notarial em que são convencionadas prestações futuras para além dos requisitos previstos no artigo 703º, o art.º 707.º, ambos do CPC, exige ainda que esses documentos sejam acompanhados da demonstração de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, devendo essa prova ser feita em conformidade com o estipulado no contrato base ou, sendo este omisso nessa parte, por documento revestido de força executiva própria.
II - Não pode ser considerado, para efeitos do disposto no art.º 707.º do CPC um documento unilateral, epigrafado de “EXTRACTO MOVIMENTOS”, sem indicação de autoria, quer da exequente, quer da primitiva credora, e sem qualquer confirmação ou confissão de dívida, quer por parte dos recorridos fiadores, quer parte da devedora originária, não goza de qualquer força probatória como documento particular, no confronto dos fiadores, nos termos do art.º 376.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Civil, nem vindo complementado com quaisquer outros em que os pretensos devedores tenham intervindo.

Texto Integral

Processo n. 776/21.1T8LOU-A.P2– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A..., S.A move a AA e outros, veio este executado deduzir oposição por embargos, em síntese invocando a extinção da obrigação exequenda, por prescrição, nos termos do art. 310.º do Código Civil, e a exequibilidade do título executivo, por falta de certeza e exigibilidade da obrigação exequenda, uma vez que não resulta da escritura notarial mútuo em que se baseia a Exequente qual é a parte do capital e a parte dos juros que estão em| causa nas prestações em que a obrigação se fraccionou, nem resulta, quer da escritura, quer do requerimento executivo, quais os valores das prestações que já se venceram até à data da entrada em juízo da execução, e que não foram pagas, nem qual o valor da parte de capital e de juros das prestações que se venceriam a partir de tal data, ou seja, qual o valor de capital que ficaria por restituir, sem juros.
Notificada, contestou a exequente, no essencial pronunciando-se pela improcedência da invocada prescrição, e sustentando a suficiência do título e certeza e a exigibilidade da obrigação, porquanto a liquidou no requerimento executivo, indicando a data do cálculo, sem prejuízo de a mesma poder ser demonstrada através dos extractos de conta emitidos, os quais protestou juntar no prazo de 10 dias, porquanto teve de os requerer ao Banco cedente Banco 1....
Por requerimento veio a embargada juntar aos autos o extracto bancário que protestou juntar na sua contestação, cujo alcance probatório o embargante impugnou.
Foi proferido saneador-sentença, que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada e improcedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da acção executiva.
Mediante recurso de apelação interposto pelo embargante, por Acórdão desta Relação do Porto datado foi julgado parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidiu-se:
a) Revogar a decisão recorrida
b) Julgar prescrito o crédito da exequente/recorrida, na parte respeitante às prestações vencidas desde 02.05.2014 até 17.03.2016 e, consequentemente, declarar a correspondente extinção da execução;
c) Determinar o prosseguimento da oposição por embargos, “tendo em vista a cabal liquidação da obrigação exequenda nos termos supra expostos, convidando-se previamente a exequente/embargada a explicitar os factores e a fórmula de cálculo das verbas de capital e juros vertidas no requerimento executivo, assim como a esclarecer o que for considerado útil em razão do teor do documento complementar apresentado nos autos (extracto de conta), e ainda a juntar aos autos documentos complementares, na medida em que possam revestir utilidade para o dito fim”;
Baixados os autos à 1.a instancia foi proferido despacho, convidando a exequente/embargada a explicitar os factores e a fórmula de cálculo das verbas de capital e juros vertidas no requerimento executivo, assim como a esclarecer o que for considerado útil em razão do teor do documento complementar apresentado nos autos (extracto de conta), e ainda a juntar aos autos documentos complementares, na medida em que possam revestir utilidade para o dito fim.
Na sequência do convite, veio a exequente informar que efectuou o cálculo dos juros conforme contrato celebrado e de acordo com o respectivo valor para efeitos de registo, a saber: 1. A hipoteca registada sobre o imóvel dos autos por via da AP. ... de 2005/05/19 (certidão predial junta como Doc. 4 no Requerimento Executivo) estabelece como juro anual 5,9040% acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal. 2. A responsabilidade peticionada no requerimento executivo tem o montante de capital em dívida € 139.530,49, com referência à data do incumprimento e conforme extracto bancário já junto aos autos. 3. o plano prestacional do contrato em causa, a fim de se aferir o valor das prestações julgadas prescritas, no período compreendido entre 02/05/2014 e 17/03/2016 consta do extracto bancário já junto aos autos (número da prestação na segunda coluna do extracto).
O embargante respondeu, impugnando o Extracto/Movimentos, referido pela exequente quanto aos factos dele constantes e aos efeitos e conclusões que a exequente dele pretende retirar, porquanto o embargante não teve qualquer intervenção na elaboração do referido documento, não tendo por ele sido emitido, nem directa, nem indirectamente, desconhecendo a respectiva autenticidade, autoria, proveniência, justificações, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob o qual foi composto. Mais refere que do mencionado documento não se consegue inferir quando ocorreu a interrupção dos pagamentos das prestações mensais: Janeiro, Fevereiro ou Maio de 2014, não se podendo aceitar que a "responsabilidade peticionada no requerimento executivo tem o montante de capital em dívida €139.530,49, com referência à data do incumprimento e conforme extracto bancário".
Foi proferido despacho-saneador, prosseguindo com a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando os embargos totalmente procedentes e declarando a inexigibilidade do título executivo, determinando, em consequência, a extinção da execução.
Inconformada, interpõe a exequente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. Veio o Tribunal a quo decidir, da seguinte forma, ".. .julgo os presentes embargos totalmente procedentes e declarando a inexigibilidade do título executivo, determino, em consequência, a extinção da execução.".
2. Ressalvando-se o devido respeito pela opinião do Ilustre Julgador a quo, vem a Recorrente interpor recurso da Sentença proferida, porquanto crê que a sua decisão, assenta num pressuposto errado, não resultando a correcta aplicação da Lei ao caso dos presentes autos.
3. A presente execução foi iniciada em 12.03.2021.
4. Em 06.04.2021, foi penhorado o bem imóvel dado em garantia à aqui Recorrente.
5. Tendo a execução prosseguido os seus habituais trâmites, designadamente prosseguindo para Citação dos Executados.
6. Em 11.05.2021, foram deduzidos Embargos pelo Executado AA, alegando para tanto que a dívida se encontrava prescrita e que a obrigação exequenda não era líquida e exigível.
7. Nessa conformidade, foi apresentada a respectiva Contestação a 06.06.2021, tendo sido alegado, em suma, pela ora Exequente o seguinte: "Face ao exposto, não se verifica a prescrição da dívida, quer pela interpelação efectuada para pagamento, quer por se aplicar o prazo geral de 20 anos, pelo que deverá a excepção invocada ser liminarmente apreciada, julgando-se a mesma improcedente por falta de fundamento legal".
8. Em 17.06.2021, a aqui Reclamante procedeu à junção aos autos do Extracto Bancário a que faz referência na s/ Contestação.
9. Posteriormente, a 30.06.2021, vem o ora Executado impugnar o documento junto, alegando desconhecimento da autenticidade do mesmo.
10. E, a 26.10.2021 realiza-se a Audiência Prévia, tendo sido julgada improcedente a excepção de prescrição invocada e improcedentes os embargos de executado, determinando-se a prossecução da acção executiva.
11. Sucede, porém, que a 29.11.2021, o aqui Reclamado vem interpor Alegações de Recurso do Saneador-Sentença que havia sido proferido, mantendo a fundamentação dos Embargos deduzidos em Maio daquele ano.
12. A Exequente Contra-Alegou, em 14.01.2022.
13. A 04.05.2022 foi proferido Acórdão pelo douto Tribunal da Relação do Porto a julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, decidindo: "a) Revogar a decisão recorrida; b) Julgar prescrito o crédito da Exequente/Recorrida, na parte respeitante às prestações vencidas desde 02.05.2014 até 17.03.2016 e, consequentemente, declarar a correspondente extinção da execução; c) Determinar o prosseguimento da oposição por embargos, tendo em vista a cabal liquidação da obrigação exequenda nos termos supra expostos, convidando-se previamente a Exequente/Embargada a explicitar os factores e a fórmula de cálculo das verbas de capital e juros vertidas no requerimento executivo, assim como a esclarecer o que for considerado útil em razão do teor do documento complementar apresentado nos autos (extracto de conta), e ainda a juntar aos autos documentos complementares, na medida em que possam revestir utilidade para o dito fim; d) Condenar as partes no pagamento das custas deste recurso e dos embargos, em conformidade com a responsabilidade que venha a ser apurada a final, na proporção do respectivo decaimento (arts. 527.º, n.º se 1 e 2, e 1.º do RCProcessuais)."
14. A ora Exequente deu cumprimento ao ordenado, tendo especificado por Requerimento datado de 02.12.2022.
15. No dia 09.01.2023 foi proferido Despacho Saneador, tendo sido designado o dia 14.02.2023 para realização de Audiência de Julgamento.
16. A diligência em apreço foi regularmente realizada, continuando e tendo o seu término a 14.03.2023.
17. Sucede que, no passado dia de 27 de Abril de 2023, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte Sentença, da qual agora se recorre: "Conclui-se que a presente execução esta baseada num título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não foi - apesar do convite efectuado - oferecida e efectuada prova complementar do título, pelo que é manifesta a insuficiência do título impondo a extinção da execução".
18. É com espanto que a Exequente é notificada da decisão supra referida, porquanto a Escritura junta como Título Executivo e o Extracto Bancário, que se juntou posteriormente, são documentos bastantes para prova da dívida.
19. Foram prestados todos os esclarecimentos necessários a uma cabal interpretação do extracto bancário que se juntou.
20. Entende, assim, a Recorrente que não estão verificados os requisitos que consubstanciam a insuficiência do título executivo.
21. Razão pela qual não se aceita a Sentença recorrida.
22. O Tribunal a quo sempre devia ter considerado o Extracto junto aos autos, analisado em conjunto com a Escritura dada à Execução.
23. Decisão que não se aceita e que viola o direito de crédito da Recorrente.
24. Razão pela qual se recorre da presente decisão.
25. Em suma, ao decidir o Tribunal a quo, em julgar a instância extinta, declarando a inexigibilidade do título executivo, não fez a correcta interpretação e aplicação da letra da lei ao caso concreto.
26. Entende a Recorrente que esta decisão de qual aqui se recorre, violou o sentido do artigo 9.º do Código Civil.
27. E bem assim, os artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 7.º, n.º 1 e 547.º do C.P.C e o artigo 20.º da CRP, entre outros.
28. Imperando a necessidade de revogação da Sentença de que aqui se recorre.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, todos do C.P.C.), as questões a decidir consistem em saber se existe título executivo contra o recorrido e se a obrigação exequenda é líquida e exigível.
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A 1.a instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
A. Factos provados:
1. Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 27.12.2018, a Banco 1..., S.A. cedeu à B... DAC os créditos decorrentes da operação executada nos autos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos junto como doc. 1 com o req. executivo, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
2. Posteriormente, a 12.04.2019, a B... DAC cedeu à A... SA, os créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos e respectivo anexo, junto como doc. 2, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. A Banco 1..., anterior Banco 2..., S.A., por Escritura Pública denominada de Mútuo com Hipoteca e Fiança, celebrada em 01 de Julho de 2005, emprestou a BB, a importância de Euros 150.000,00, pelo prazo de 30 (trinta) anos a liquidar em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, e nas demais condições constantes do referido título, junto como doc. 4, que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Os Executados AA e CC, confessaram-se e constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas no mútuo, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo.
5. Para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e respectivos juros, foi pela mutuária BB, constituída, a favor do Exequente, hipoteca voluntária sobre o seguinte imóvel:
Prédio urbano, composto de casa destinada a habitação de dois pisos e quintal, sito no lugar ..., na freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
6. A hipoteca encontra-se registada a título definitivo a favor da Exequente sob a AP. ... de 2005/05/19, cuja transmissão do crédito a favor da Exequente já se encontra devidamente averbado.
7. A mutuária BB foi declarada insolvente, por douta sentença proferida em 23.04.2015, no processo 467/15.0T8AMT, a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, juízo de Comércio de Amarante Juiz 3.
8. a Embargada procedeu em 05.02.2021 à interpelação do Embargante, solicitando a regularização do incumprimento, a fim de a Embargada não ser forçada a ter que proceder à execução judicial da dívida, conforme doc. 1 a doc. 3, juntos com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 27.12.2018, foi comunicada a cessão da Créditos da Banco 1... à B... Company - Doc. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. A Embargada, comunicou a cessão de créditos da B... Company para a A..., S.A., bem como o direito a accionar judicialmente a dívida cedida, conforme carta datada de 15.04.2019.
11. As Executadas DD e EE são donas e legítimas possuidoras e proprietárias do indicado prédio dado em hipoteca a favor do Exequente, em virtude da aquisição registada pela Ap. ... de 2011/09/27, tendo como título a doação efectuada pela mutuária BB, que àquela data reservou para si o direito de uso e habitação.
B. Factos Não Provados::
A) A mutuária BB interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo referido em 3) a 02.05.2014.
B) A quantia referida em 3) foi efectivamente disponibilizada à mutuária BB, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco cedente com o n.º ... que a movimentou e utilizou em proveito próprio os valores resultantes daqueles créditos
C) No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a € 139.530,49.
D) Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias, calculadas à taxa de 4%, desde 02.05.2014 até 22.02.2021:
- Juros vencidos, no valor de € 15.917,61
- Juros de mora, no valor de € 12.216,67
Perfazendo o valor global em dívida a quantia de € 167.664,77, sem prejuízo dos juros vincendos, contados a igual taxa, até integral reembolso e respectivo imposto de selo
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Toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (art.º 10º, n.º 5, do CPC).
É o n.º 1 do art.º 703º que enumera os títulos executivos que podem servir de base à execução; na sua alínea b) menciona documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Por sua vez, dispõe o artº 707.º, sob a epígrafe de Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticado” que “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.
São pressupostos processuais do título executivo, a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, assumindo um carácter substancial da acção executiva. “Fundando-se a execução em documento autêntico ou autenticado, sendo convencionadas prestações futuras ou a previsão da sua constituição, para além dos requisitos previstos no artigo 703º, a norma em análise exige ainda que esses documentos sejam acompanhados da demonstração de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, devendo essa prova ser feita em conformidade com o estipulado no contrato base ou, sendo este omisso nessa parte, por documento revestido de força executiva própria. Neste caso estamos perante um título de natureza complexa, integrado por um conjunto de documentos, pelo que a falta de um deles inquina a validade do outro para fundamentar a instauração da execução” (cfr. Acção Executiva Anotada e Comentada, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, 2ª edição, comentário ao artº 707º do CPC. “Nos casos em que o título executivo é complexo ou compósito, porque está corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos assegurarem eficácia a todo o complexo documental como título executivo. Essa complementaridade resulta, por norma, do cotejo dos documentos apresentados, deles resultando a força executiva susceptível de assegurar que o devedor assumiu aquela sua obrigação pecuniária.” (cfr. Ac do STJ de 13.05.2021, Proc.º nº 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1, in dgsi.pt).
No caso vertente, a exequente deu à execução uma escritura pública denominada de mútuo com hipoteca e fiança, sendo certo que a mesma apenas se considera completa com os documentos adicionais que consubstanciem o montante em dívida, porquanto a escritura corporiza uma obrigação futura. E como se notou na douta sentença recorrida, “No caso concreto, a Exequente limitou-se, com o requerimento executivo, a juntar a dita escritura de mútuo com hipoteca e fiança, desacompanhada de qualquer documento complementar, tendente a fazer prova, nos termos do cit. art. 50.º (do CPC de 1961). Por seu turno, em sede da presente oposição mediante embargos, o Executado AA invocou a falta de certeza e exigibilidade da obrigação exequenda, em face dos documentos dados à execução. Por requerimento de 17.06.2021, a Embargada veio juntar aos auto "extracto de conta", conforme havia protestado fazer em sede de contestação (Ref.ª Citius 7180803).
Aquele documento foi objecto de impugnação pelo Embargante, pondo em causa o respectivo conteúdo e alcance probatório do mesmo, tendo ainda solicitado ao Tribunal a notificação da Embargada para esclarecer certos aspectos relacionados com a amortização da dívida, bem assim para juntar documentos complementares, tudo com o intuito "de se aferir, com algum grau de razoabilidade, a que é que se refere a quantia exequenda peticionada pela Exequente, nomeadamente quanto a capital e juros de mora".
(…)
Neste momento, em face da impugnação feita pelo Embargante ao documento complementar apresentado pela Embargada, mantém-se controvertido o montante devido à data da instauração da execução, tanto a nível de capital como de juros. No que concerne especificamente a juros, a Exequente liquidou o montante global de 28.134,28€, alegadamente vencidos entre 02.05.2014 e 22.02.2021, considerando duas verbas: a) "Juros vencidos, no valor de € 15.917,61"; b) "Juros de mora, no valor de € 12.216,67". Ora, se a segunda verba corresponde a juros de mora, a que tipo de juros corresponde a primeira? Juros remuneratórios? No que concerne especificamente a juros remuneratórios, importará, em todo o caso, que se tenha presente a jurisprudência resultante do AUJ, de 7/200922: "No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados". No caso dos autos, por via do vencimento automático de todas as prestações decorrente da declaração de insolvência da mutuária, em 23.04.2015, desde esta data não poderão ser contabilizados quaisquer juros remuneratórios.
Assim, mantendo-se controvertida a matéria da liquidação efectuada pela Exequente no requerimento executivo, no respeitante ao capital remanescente em dívida, juros e demais encargos, terão os presentes embargos de prosseguir para instrução e julgamento, tendo em vista o acerto da liquidação da obrigação exequenda".
O certo é que essa liquidação da obrigação não se logrou efectuar com o prosseguimento dos autos, pois que os elementos disponíveis não elucidam com suficiente clareza o quando e demais circunstâncias do invocado inadimplemento contratual.
A obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida - ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação.
Ora, no caso concreto deu-se como não provados os factos descritos em A) e seguintes porque falta, de todo, o extrato de conta com a necessária descrição dos créditos concedidos, as suas datas e montantes, o conjunto de movimentos justificativos de um saldo final de conta corrente, sem o qual, falta a segurança necessária inerente à suficiência do título executivo relativamente à constituição da obrigação.
(…)
É insuficiente como complemento do título executivo a existência de um documento de onde constam vários movimentos e um saldo de conta corrente em determinada data mas sem qualquer referência aos concretos movimentos de crédito que a ela conduziram no âmbito do contrato que constitui título executivo.
Aqui chegados, resta concluir que, nos termos e para os efeitos do art.º 703º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, o documento dado à execução ainda que complementado pelo extracto de saldo bancário junto pela embargante, não constitui titulo executivo suficiente, por não importarem tais documentos, em conjunto, por si só, a constituição ou o reconhecimento da obrigação exequenda
Conclui-se que a presente execução esta baseada num título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não foi apesar do convite efectuado -oferecida e efetuada prova complementar do título, pelo que é manifesta a insuficiência do título impondo a extinção da execução.
Contra o expendido pela 1.ª instância insurge-se a exequente, ora recorrente, sustentando que foram prestados todos os esclarecimentos necessários a uma cabal interpretação do extracto bancário que se juntou, e que o tribunal a quo sempre devia ter considerado o extracto junto aos autos, analisado em conjunto com a escritura dada à Execução, como título executivo bastante para basear a execução que corre termos nos autos principais. Com o devido respeito, sem razão. O documento que a recorrente juntou em 4-7-2022, na sequência do convite de 22-6-2022, é um documento unilateral, epigrafado de “EXTRACTO MOVIMENTOS”, sem indicação de autoria, quer da exequente, quer da primitiva credora, e sem qualquer confirmação ou confissão de dívida, quer por parte dos recorridos fiadores, quer parte da devedora originária. Por si só não goza de qualquer força probatória como documento particular, no confronto dos recorridos, nos termos do art.º 376.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Civil, nem vem complementado com quaisquer outros em que os pretensos devedores tenham intervindo, que possam certificar os factos nesse “extracto” mencionados. Não pode ser considerado, para efeitos do disposto no art.º 707.º do CPC, como documento passado em conformidade com as cláusulas constantes de autênticos ou autenticados, ou revestido de força executiva própria, que prove que “alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”. E sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objecto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação ou de simples apreciação (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, p. 354).
Em face do exposto, não tinha o Tribunal a quo elementos para considerar que o título complexo dado à execução consubstanciasse uma obrigação líquida e exigível. Assim sendo, terá de improceder o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que confirmam a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 14/1/2025
João Proença
Lina Baptista
Alberto Taveira