I - Mostra-se inútil proceder à reapreciação da decisão de facto, quando não se extrai qualquer consequência jurídica da reapreciação dos factos impugnados.
II - Apenas os factos provados e não provados podem ser objeto de reapreciação, por ser com base em tais factos que se formou a decisão objeto de recurso. Factos essenciais que resultem da discussão da causa não podem ser atendidos na decisão, porque os factos essenciais têm de constar dos articulados, por constituírem o fundamento da ação ou da defesa (art.º 5º CPC).
III - No âmbito do regime previsto no DL 67/2003 de 08 de abril de 2003, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, não existe uma hierarquia nos direitos concedidos ao consumidor: reparação, substituição, redução do preço e resolução (art.º 4º).
IV - O direito à resolução do contrato tem como limite o abuso do direito, que não se verifica quando num contrato de empreitada, uma vez concluída a obra, decorridos cinco meses a contar da conclusão e após reparações, não foi alcançado o fim do contrato que consistia na reparação de humidade e infiltrações de água na casa de habitação.
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I. Relatório
Na presente ação que se iniciou com a apresentação de um requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções, deduzida oposição, passou a seguir como ação declarativa especial de cumprimento das obrigações pecuniárias, em que figuram como:
- AUTORA: A..., Lda., com sede rua ... – Amarante, ... AMARANTE; e
- RÉU: AA, residente na rua ..., Quinta ..., ... - Vila Nova de Gaia, ... VILA NOVA DE GAIA,
veio a autora pedir a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €14.999,97, acrescida do montante de € 172,25, a título de juros de mora e ainda, a taxa de justiça paga, no montante de € 102,00.
Alegou para o efeito que a Requerente constitui uma pessoa coletiva, organizada sob forma de uma sociedade por quotas que se dedica à empreitada de obras públicas, particulares estando para o efeito devidamente licenciada.
No âmbito da normal prossecução da sua atividade, no dia 17 de dezembro de 2019 a Requerente celebrou com o Requerido um contrato verbal de empreitada.
A Requerente obrigou-se a colocar à disposição do Requerido mão-de-obra especializada e materiais de construção.
Os pagamentos eram feitos de forma faseada por autos de medição, prática comum na atividade da construção civil.
O aludido contrato deu origem a três autos de medição, devidamente elaborados. O primeiro auto de medição de 17 de dezembro de 2019 até 7 de janeiro de 2020 totaliza o valor de 6.339,54 Euros. Auto que foi aceite pelo Requerido, não o contestando, pese embora apenas tendo pago 2.578 Euros (fatura n.º ...) remetendo os restantes 3.761,54 Euros para o final.
O segundo auto de medição de 3 de fevereiro de 2020 até 10 de fevereiro de 2020 perfaz o valor de 3495,86 Euros. Foi aceite pelo dono da obra e não contestado, pelo que o preço se tornou exigível.
O terceiro auto de medição de 18 de fevereiro até 12 de junho de 2020 no valor de 7.570,32 Euros, foi aceite pelo Requerido, não contestado tornando-se exigível.
Mais alegou que o período de celebração do contrato se situa entre 17-12-2019 a 12-06-2020.
A Requerente emitiu a fatura n.º ..., o requerido aceitou-a, não se opôs nem contestou a mesma, tornando-se o valor dessa fatura exigível. A Requerente interpelou o Requerido no sentido de colocar fim à mora, liquidando a obrigação que se encontrava vencida, mas sem sucesso.
A fatura n.º ... foi emitida em 18/06/2020 no valor de 14 827,72 €, acrescendo a este valor juros entre 18/06/2020 e 01/10/2020 (172,25 € (106 dias a 4,00%)), que se encontram vencidos e ainda, os que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
Alegou que em 2019, o Requerido adquiriu a BB uma moradia unifamiliar sita na rua ..., Quinta ..., ... Vila Nova de Gaia, em estado de uso, para aí fixar residência com o seu agregado familiar.
A aquisição foi intermediada pela agência imobiliária B..., com estabelecimento na Av. ..., ..., no Porto, sendo CC o colaborador da imobiliária com quem os assuntos foram tratados, inclusivamente após a escritura de venda.
Na operação de compra e venda foi devidamente identificado que o imóvel necessitava de trabalhos de isolamento na cobertura e claraboias existentes para obviar às infiltrações de humidade que eram visíveis nas paredes e tetos das seguintes divisões: WC principal; quarto ao lado do quarto principal (com colunas); teto e paredes na área da claraboia, que também seria necessária reparar. Ficou acordado que nos trabalhos que era necessário executar, correriam por conta do vendedor BB as despesas incorridas com a reparação da cobertura, tetos e paredes do quarto principal, no piso superior e as restantes pelo Requerido. O vendedor, indicou como pessoa idónea para executar os trabalhos, o Sr. DD, gerente da Requerente e com quem o Requerido e a sua mulher EE passaram a tratar dos assuntos relacionados com as
reparações antes identificadas, em articulação com CC, colaborador da identificada imobiliária. O Requerido confiou na indicação, aceitando tal indicação.
Os trabalhos consistiam em:
a. Impermeabilização do terraço.
b. Substituir os vedantes na claraboia do quarto principal.
c. Reparar paredes e teto do quarto do andar do piso superior e pintar.
d. Substituir os vedantes da claraboia da casa de banho principal, reparar a parede e pintar.
e. Substituir os vedantes na claraboia do quarto ao lado do quarto principal (quarto com colunas), reparar e pintar o teto e secção danificada nas paredes e na área dessa claraboia.
f. Corrigir o problema com as janelas da sala para impedir a entrada de água.
O pagamento dos trabalhos descrito sob a alínea a) ficariam a cargo do vendedor BB e os restantes correriam pelo Requerido.
Desde o início dos trabalhos, requerente e requerido, desentenderam-se quanto à repartição dos custos de trabalhos antes mencionados.
Além do que antecede o requerido encomendou os seguintes trabalhos: reparação da humidade nas paredes do quarto do 2º piso e quartos do R/C, bem como, infiltrações nas soleiras da porta da sala e pintura dos 2 quartos.
Os trabalhos iniciaram-se em 17-12-19 e era suposto terminarem em 30-12-19. Em 08-01-20, a Requerente enviou por mail um denominado auto de medição que totalizava a quantia de €3.994,10, mas é totalmente omisso quanto aos concretos trabalhos executados no período que indica – 17/12 a 03/01 – descrevendo apenas quantidade de mão de obra e materiais. A Requerente assumiu que, (i) da totalidade dos trabalhos executados e descritos pela Requerente, seria da responsabilidade do requerido a quantia total de 5.154,10€ e que (ii) os trabalhos ficariam concluídos em 5 dias.
Com este acordo, o Requerido aceitou pagar a quantia de 2.577,05€ e outra quantia igual de 2.577,05€ no final dos trabalhos e a requerente deu expresso assentimento. Em 23-01-20 a Requerente confirmava mantinha o término dos trabalhos para 29 de janeiro de 2020. Nesta altura já levava quase mais um mês sobre a data em que informara terminar os trabalhos. O Requerido efetuou em 24 janeiro 2020 o pagamento de 2.578,00€. Terminados os trabalhos, a própria Requerente verificou que continuava a haver infiltração de águas e tomou a iniciativa de eliminar o defeito de obra, o que fez por sua iniciativa e sem intervenção do Requerido e enviou novo auto de medição no valor de 2.842,16€, em 12 de fevereiro de 2020.
Nos meses de abril e maio de 2020, o Requerido continuou a denunciar defeitos de obra e a Requerente continuou a tentar eliminar os defeitos dos trabalhos que executara insistindo pelo pagamento. O Requerido que não via a obra terminada e não a recebera ainda, não efetuou o pagamento solicitado, porque não aceitou o auto de medição de fevereiro por se tratar eliminação de defeitos dos trabalhos mal-executados.
Em 18 de junho de 2020 a Requerente pretextando ter enviado novo auto de medição, passou a reclamar €14.827,59. O auto de medição dito “de 18 de fevereiro a 12 de junho de 2020”, foi fabricado, não corresponde a trabalhos compreendidos no contrato inicial aceite, mas quando muito, à eliminação de defeitos da obra que por esse facto nunca foi recebida pelo Requerido, o que indicia que a Requerida executou mal a obra e que não logrou eliminar os seus defeitos.
Resolvido o contrato, o Requerido solicitou a uma empresa especializada no sector, a “C...” análise às intervenções efetuadas no piso de cobertura não percorrível do imóvel intervencionado e do relatório realizado por esta empresa resulta que a técnica utilizada pela Requerente não é a adequada à finalidade que se propôs e que os trabalhos foram executados de forma deficiente, resultando evidente que por mais reparações que a Requerente se dispusesse a fazer, ainda assim os defeitos permaneceriam e continuariam a ocorrer infiltrações de água. O Requerido solicitou orçamentos e adjudicou a obra a outra empresa de construções para nova execução completa dos trabalhos, como sugerido no relatório.
Termina por impugnar o valor alegadamente em dívida, bem como que os trabalhos tenham sido concluídos.
Mais alegou que o último auto de medição foi fabricado e não aceites todos os demais com exceção dos dois iniciais que totalizam 5.144,10€. O Requerido, como confessado pela Requerente pagou 50% deste valor. Quanto ao demais, remanescente para perfazer 5.144,10€, ocorreu incumprimento flagrante da Requerente que não logrou eliminar os defeitos da sua obra, pese embora as sucessivas denúncia e intervenções ao longo do tempo.
Alegou, ainda, que os autos de medição que excedem aquele valor e que a serem reais são a consequência dos trabalhos da Requerente na eliminação dos defeitos da obra que executou mal e que por isso, o Requerido nunca teria de pagar.
Consequência da atividade da Requerente foi a despesa acrescida em que teve de incorrer para contratar nova empresa para executar novamente e sem defeitos a obra que a Requerente executou mal e nunca acabou.
Termina por pedir que se julgue a ação improcedente, absolvendo-se o Réu do
pedido.
“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, sendo o réu AA absolvido do pedido formulado pela autora A..., Lda.
As custas correm pela autora, considerando o vencimento (artigo 527.º, 1, do CPC)”.
(…)
(…)
1. Delimitação do objeto do recurso
Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, como determina o art.º 637º/1 CPC.
Dispõe, ainda, o art.º 637º/2, 1ª parte CPC que o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.
Nos termos do art.º 639º/1 CPC o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Prevê, ainda, o art.º 635º/4 CPC que nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.
No caso concreto, no requerimento de interposição do recurso e motivação do recurso, a apelante suscita a nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º /1, alíneas b) e d) CPC e a falta de fundamentação da decisão de facto, em relação aos factos provados e não provados, com fundamento no art.º 662.º, nos 2, d) e 3, alíneas b) e d) do CPC. Para além destas questões veio requerer a reapreciação da decisão de facto e ainda, a reapreciação da decisão de direito, com fundamento no exercício ilegítimo da resolução do contrato, invocando, ainda, a título subsidiário, o direito à indemnização, ao abrigo do regime previsto para a desistência da empreitada pelo dono da obra, da necessidade da realização de obras adicionais, com acordo do dono da obra e o enriquecimento sem causa.
Nas conclusões de recurso, a apelante restringiu o objeto do recurso, pretendendo apenas a reapreciação da decisão de facto (alíneas A) a O)) e da decisão de direito (alíneas P) a VVV)). Não suscita a nulidade da sentença, nem a falta de fundamentação da decisão de facto.
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, consideram-se apenas questões a decidir:
- a reapreciação da decisão de facto; e
- o mérito da causa (exercício ilegítimo da resolução do contrato e a título subsidiário, o direito à indemnização, ao abrigo do regime previsto para a desistência da empreitada pelo dono da obra, da necessidade da realização de obras adicionais, com acordo do dono da obra e o enriquecimento sem causa).
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1) A autora dedica-se à empreitada de obras públicas e particulares estando para o efeito devidamente licenciada.
2) No âmbito da normal prossecução da sua atividade, a autora celebrou com o réu um contrato de empreitada que tinha em vista a reparação de infiltração de água e de humidade em três áreas de uma moradia unifamiliar, que constituía a casa de morada de família do réu, sita na rua ..., Quinta ..., em Vila Nova de Gaia, concretamente na:
“a) COBERTURA: o valor é 2.792,10 EUROS.
Remoção de telas existentes nas paredes da cobertura e chaminé.
Impermeabilização de paredes da cobertura e chaminé com Sikabond T8, incluindo revestimento com chapas de Cappotto e argamassa Sikatop seal 107.
b) CLARABOIAS: o valor é 1.387 EUROS.
Retirar terra e plantas do jardim na zona envolvente das claraboias.
Limpeza das telas existentes.
Aplicação de rede fibra de vidro com duas demãos de sikatop seal 107 nas paredes e pavimento envolvente, com o objetivo de garantir a aderência do sikabond.
Aplicação de duas demãos de sikabond nas paredes das claraboias e pavimento envolvente.
Recolocação de roofmate, manta geotêxtil e colocação de terra vegetal.
Isolamento dos vidros das claraboias e respetiva caixilharia da mesma com silicone de cor branca.
c) QUARTO PRINCIPAL NA CAVE: 320 EUROS
Reparação de reboco na clarabóia;
Pintura das paredes da claraboia;
Reparação de reboco em teto;
Pintura de teto;
d) OUTRO QUARTO NA CAVE: 655 EUROS
Reparação de reboco na claraboia;
Pintura das paredes da claraboia;
Reparação de reboco em teto;
Pintura de teto;
Quarto do 2º piso – já começamos a reparar este quarto sem custos para AA, ou seja, este trabalho será pago pelo Eng.º BB conforme acordado na reunião da semana passada.
Nesse quarto iremos reparar o reboco em teto e paredes, aplicar primário e pintar paredes e teto.”, tudo conforme termos do email de 20/01/2020 que a autora enviou ao réu, junto com o requerimento eletrónico de 14/09/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Assumindo a autora a garantia pelo trabalho que executar pelo prazo de 5 anos, dizendo que se aparecer algum defeito no trabalho que executar nesse prazo seria reparado sem custos.
4) Ficando acordado que o réu pagaria 50% do valor dos trabalhos (valor de 2.577,05 EUROS) e pagaria os restantes 50% (valor de 2.577,05 EUROS) quando a autora terminasse os trabalhos.
5) O réu pagou a quantia de 2.578€ à autora a 24 de janeiro de 2020.
6) Depois dos trabalhos levados a cabo pela autora, mantiveram-se os problemas de humidade e infiltração de água na habitação do réu que aquela primeira se havia comprometido a resolver com o isolamento e impermeabilização.
7) A 25 de junho de 2020, o réu enviou à autora um email dizendo que tinha recebido a carta da autora a tentar faturar mais 14.827,72€, acrescentava que havia acordado pagar duas prestações de 2.577,05€, que o trabalho devia estar concluído a 29 de janeiro de 2020, que deu cinco meses para o fazer e que não foi concluído, pelo que utilizaria a segunda prestação para contrata ruma nova empresa que possa realmente fazer o trabalho, tudo conforme termos do email de 25/06/2020 que a autora enviou ao réu, junto com o requerimento eletrónico de 14/09/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) Em setembro de 2020, o réu adjudicou a obra a outra empresa de construções para nova execução completa dos trabalhos, que esta efetuou.
9) O que a autora se obrigou foi a colocar à disposição do réu de mão de obra especializada e materiais de construção.
10) Os pagamentos eram feitos de forma faseada por autos de medição.
11) O aludido contrato deu origem a três autos de medição, devidamente elaborados.
12) O primeiro auto de medição de 17 de dezembro de 2019 até 7 de janeiro de 2020 totaliza o valor de 6.339,54 Euros.
13) Auto que foi aceite pelo Requerido, não o contestando, remetendo os restantes 3.761,54 Euros para o final.
14) O segundo auto de medição de 3 de fevereiro de 2020 até 10 de fevereiro de 2020 perfaz o valor de 3495,86 Euros.
15) Foi aceite pelo dono da obra e não contestado, pelo que o preço se tornou exigível.
16) O terceiro auto de medição de 18 de fevereiro até 12 de junho de 2020 no valor de 7.570,32 Euros, foi aceite pelo Requerido, não contestado tornando-se exigível.
17) A autora emitiu a fatura n.º ..., o réu aceitou-a, não se opôs nem contestou a mesma, tornando-se o valor dessa fatura exigível.
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a O), a apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação aos pontos 9 a 17 dos factos não provados.
Na motivação do recurso requereu também a reapreciação dos pontos 2 a 8 dos factos provados.
Cumpre, pois, verificar se estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Considera, por sua vez, ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se, em alguma das seguintes situações:
“a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.º 635º/4 e 641º/1 b));
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º/1 a) CPC);
c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito);
d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[2].
Está subjacente a esta interpretação, que tem sido adotada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[3], a ideia que uma interpretação restritiva dos pressupostos pode constituir uma violação ao princípio da proporcionalidade com a consequente denegação da reapreciação da decisão de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou espírito do legislador.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023 (DR 220, 1ª série, de 14 de novembro de 2023) salientou este aspeto quanto se procede à verificação dos pressupostos de ordem formal previstos no art.º 640º/1 CPC.
Porém, não deixou de salientar:
“Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…]”.
5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada”.
No caso presente, nas conclusões de recurso, a apelante não indica expressamente os concretos pontos da matéria de facto que vem impugnar. Verifica-se que na motivação do recurso a apelante impugnou todos os factos provados (com exceção do ponto 1) e todos os factos não provados.
Porém, nas conclusões de recurso, circunscreve a reapreciação da decisão de facto aos factos não provados, que transcreve nas alíneas D) a N) das conclusões de recurso e conclui, sob a alínea O), que “[a] Autora provou tudo o que alegou na sua Petição Inicial e nos sucessivos requerimentos através dos documentos juntos aos autos, das declarações do seu legal representante, das testemunhas apresentadas, conforme as gravações das diversas sessões de julgamento bem o demonstram”.
Considera-se, assim, que a apelante cumpriu com o ónus de alegação em relação aos factos não provados e cuja decisão pretende ver reapreciada, pois indicou os factos impugnados transcrevendo os mesmos no texto das conclusões, indicou a prova e a decisão que sugere.
Não fazendo qualquer alusão aos factos provados, considera-se que restringiu o objeto do recurso, fazendo uso da faculdade prevista no art.º 635º/4 CPC. Com efeito, o facto de fazer referência na motivação do recurso aos factos provados, não dispensa o apelante de concretizar nas conclusões, os factos impugnados, por ser nesta sede que se delimita o objeto do recurso, mesmo em relação à reapreciação da decisão de facto.
Como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro Supremo Tribunal de Justiça: “[a]inda que no art.º 640º, não tenha sido utilizada uma enunciação paralela à que consta do nº2 do art.º 639º, sobre os recursos em matéria de direito, a especificação, nas conclusões, dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso”[4].
Esta é também a interpretação defendida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023 (DR 220, 1ª série, de 14 de novembro de 2023).
Conclui-se que apenas estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação dos factos julgados “não provados”, sob os pontos 09 a 17.
A apelante não extrai da impugnação da decisão de facto qualquer consequência jurídica.
A apelante não faz depender a impugnação dos fundamentos de direito da sentença da prova dos factos julgados não provados, factos que correspondem aos articulados pela apelante no requerimento de injunção. Em conformidade com o alegado a apelante pretendia obter o pagamento da quantia de € 15 101,97, porque a solicitação do réu colocou à disposição do réu mão-de-obra especializada e materiais de construção, acordando o pagamento (deduz-se do preço) faseado de acordo com autos de medição.
Não se provaram estes factos.
Em relação aos argumentos de direito, através dos quais pretende impugnar a decisão recorrida, não leva em consideração os factos julgados não provados, pois acaba por admitir que foi celebrado o contrato melhor descrito no ponto 2 dos factos provados (pontos Z a DD das conclusões de recurso).
A apelante sustenta a impugnação da decisão de direito, no facto de não assistir ao réu o direito à resolução do contrato, por não se ter dado a oportunidade ao empreiteiro para proceder à reparação, nos termos do art.º 1221º CC e a aplicar-se o regime previsto no DL 67/3003, não se poderia reconhecer validade à resolução do contrato, pelo facto da obra não estar concluída.
Numa segunda ordem de argumentos sustenta que ocorreram trabalhos adicionais, por serem necessários e por estarem acordados com o dono da obra, cujo pagamento é da responsabilidade do dono da obra.
Mais defende a desistência da obra, por parte do dono da obra, assistindo ao empreiteiro o direito ao pagamento do preço em relação aos trabalhos executados.
Por fim, invoca o abuso de direito e o enriquecimento sem causa do dono da obra, para com tal fundamento sustentar o direito à restituição da prestação.
A apelante não sustenta a impugnação da decisão de direito no cumprimento integral do contrato, tal como o configurou no requerimento de injunção e bem assim, na aceitação pelo dono da obra dos autos de medição que foram apresentados pela apelante/autora.
Revela-se inútil a reapreciação dos factos não provados, porque independentemente da decisão face à posição que a apelante assume perante a questão essencial em discussão nos autos, não extrai dos mesmos qualquer efeito útil para a decisão e por esse motivo improcede a reapreciação da decisão.
Acresce que a pretendida alteração da decisão assenta num conjunto de factos, que enuncia nas alíneas R) a CC), EE) a GGG), factos que não constam dos articulados e que não estão compreendidos nos factos provados e não provados.
O tribunal de recurso só pode reapreciar os factos provados ou os factos não provados alegados pelas partes nos respetivos articulados, porque são os factos que sustentam a decisão – art.º 607º/4 e art.º 5º CPC.
A consideração de factos complementares, que resultaram da discussão da causa, está sujeita ao regime previsto no art.º 5º /2 b) CPC, mas a apelante não fez uso de tal faculdade em sede de julgamento.
Como se observa no Ac. STJ 07 de dezembro de 2023, Proc. 2017/11.0TVLSB.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):
“O disposto no artigo 5.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil de 2013, corresponde essencialmente ao que constava do n.º 3, do artigo 264.º, do Código de Processo Civil de 1961, o qual havia sido introduzido pelo Decreto-lei n.º 180/96, de 25 de setembro, tendo a redação do código atual deixado de exigir a manifestação da parte interessada, para que integrem a factualidade relevante, os factos complementares ou concretizadores dos factos já alegados que apenas resultem da instrução da causa, podendo, por isso, a sua inclusão na factualidade integrante do objeto do processo ser da iniciativa do tribunal.
De modo a garantir o imprescindível exercício do contraditório, continua, no entanto, a exigir-se que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles. Essa possibilidade só pode ser proporcionada se o tribunal, antes de proferir a sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevante para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles, concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir, relativamente aos factos aditados ao objeto do litígio.
Como bem se explicou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.02.2017:”[a]dmitir-se que o juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado.
Crê-se que a disciplina prevista no art.º 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).
Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar. E só assim se assegurará um processo equitativo (art.º 547º do CPC), facultando-se às partes o exercício pleno do contraditório, requerendo – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam”.
Prosseguindo, no douto aresto, refere-se: “[a] sua invocação nas alegações do recurso de apelação, com a consequente possibilidade da parte contrária, na resposta, se pronunciar sobre a pretensão de aditamento de facto não alegado mas que sobressaiu na instrução da causa, não é suficiente para que encontre garantido o contraditório exigido na parte final da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do Código de Processo Civil, não sendo, pois, permitido ao tribunal da Relação, nos casos em que o contraditório não foi assegurado na 1.ª instância, valorar a prova aí produzida, e decidir que o mesmo se encontra provado, aditando-o à lista dos factos provados.
Nessas situações[…], deve a Relação, caso entenda que o facto é complementar dos factos já alegados, se evidenciou na instrução da causa e é relevante para o seu desfecho, utilizar o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto”.
No caso presente, porém, não se justifica proceder à anulação do julgamento, por não estarem em causa factos complementares porque a apelante assenta a sua pretensão apenas no contrato que celebrou com a ré, nos termos que constam dos factos não provados. Ao pretender reconfigurar a relação contratual, fazendo apelo a trabalhos adicionais que não estavam compreendidos no contrato inicial está a alegar factos essenciais. Os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes nos seus articulados, como determina o art.º 5º/1 CPC e na decisão não se podem considerar factos principais diversos dos alegados pelas partes (art.º 607º/4 CPC).
Desta forma, não podem tais factos ser considerados na decisão sob recurso, nem justificam a anulação da decisão para serem considerados na sentença como factos complementares, por se tratarem de factos essenciais.
Improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas A) a O) e R) a CC), EE) a GGG).
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas P) a VVV), a apelante insurge-se contra a decisão de direito, pretendendo a revogação da sentença e a condenação do réu no pagamento da quantia de € 14 999,94, acrescida de juros até integral pagamento.
Porém, para além de se insurgir contra o facto de ter sido reconhecido ao réu o direito à resolução do contrato, sustenta a sua impugnação em factos não alegados e em argumentos e fundamentos jurídicos que não foram de igual forma alegados nos articulados, o que configura uma questão nova e impede a sua apreciação pelo tribunal de recurso.
Passando a reapreciar dos fundamentos para a resolução do contrato.
A presente ação insere-se no âmbito da responsabilidade contratual, estando em causa apurar do exercício legítimo, por parte do dono da obra, à resolução do contrato.
Na sentença o contrato foi qualificado como contrato de empreitada, aceitando as partes essa qualificação e perante os factos apurados considera-se que tal enquadramento jurídico não merece censura.
Em tese geral, o contrato de empreitada consiste no acordo celebrado entre o dono da obra e o empreiteiro no sentido de proceder à realização de uma obra mediante o pagamento de um preço, ou seja, mediante a retribuição em dinheiro[6] - art.º 1207º CC.
No contrato de empreitada existem duas partes: o empreiteiro e o dono da obra.
Constituem obrigações do dono da obra: dar a colaboração necessária, receber a entrega da obra, verificar e aceitar a obra e pagar o preço.
Nas obrigações do empreiteiro, conta-se a obrigação de executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato - art.º 1208ºC.C..
Dispõe o art.º 406º CC que os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
O incumprimento do contrato importa a responsabilização do faltoso – art.º 798º e art.º 799º CC.
No caso concreto, provou-se:
2) No âmbito da normal prossecução da sua atividade, a autora celebrou com o réu um contrato de empreitada que tinha em vista a reparação de infiltração de água e de humidade em três áreas de uma moradia unifamiliar, que constituía a casa de morada de família do réu, sita na rua ..., Quinta ..., em Vila Nova de Gaia, concretamente na:
“a) COBERTURA: o valor é 2.792,10 EUROS.
Remoção de telas existentes nas paredes da cobertura e chaminé.
Impermeabilização de paredes da cobertura e chaminé com Sikabond T8, incluindo revestimento com chapas de Cappotto e argamassa Sikatop seal 107.
b) CLARABOIAS: o valor é 1.387 EUROS.
Retirar terra e plantas do jardim na zona envolvente das claraboias.
Limpeza das telas existentes.
Aplicação de rede fibra de vidro com duas demãos de sikatop seal 107 nas paredes e pavimento envolvente, com o objetivo de garantir a aderência do sikabond.
Aplicação de duas demãos de sikabond nas paredes das claraboias e pavimento envolvente.
Recolocação de roofmate, manta geotêxtil e colocação de terra vegetal.
Isolamento dos vidros das claraboias e respetiva caixilharia da mesma com silicone de cor branca.
c) QUARTO PRINCIPAL NA CAVE: 320 EUROS
Reparação de reboco na claraboia;
Pintura das paredes da claraboia;
Reparação de reboco em teto;
Pintura de teto;
d) OUTRO QUARTO NA CAVE: 655 EUROS
Reparação de reboco na claraboia;
Pintura das paredes da claraboia;
Reparação de reboco em teto;
Pintura de teto;
Quarto do 2º piso – já começamos a reparar este quarto sem custos para AA, ou seja, este trabalho será pago pelo Eng.º BB conforme acordado na reunião da semana passada.
Nesse quarto iremos reparar o reboco em teto e paredes, aplicar primário e pintar paredes e teto.”, tudo conforme termos do email de 20/01/2020 que a autora enviou ao réu, junto com o requerimento eletrónico de 14/09/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Assumindo a autora a garantia pelo trabalho que executar pelo prazo de 5 anos, dizendo que se aparecer algum defeito no trabalho que executar nesse prazo seria reparado sem custos.
4) Ficando acordado que o réu pagaria 50% do valor dos trabalhos (valor de 2.577,05 EUROS) e pagaria os restantes 50% (valor de 2.577,05 EUROS) quando a autora terminasse os trabalhos.
5) O réu pagou a quantia de 2.578€ à autora a 24 de janeiro de 2020.
6) Depois dos trabalhos levados a cabo pela autora, mantiveram-se os problemas de humidade e infiltração de água na habitação do réu que aquela primeira se havia comprometido a resolver com o isolamento e impermeabilização.
7) A 25 de junho de 2020, o réu enviou à autora um email dizendo que tinha recebido a carta da autora a tentar faturar mais 14.827,72€, acrescentava que havia acordado pagar duas prestações de 2.577,05€, que o trabalho devia estar concluído a 29 de janeiro de 2020, que deu cinco meses para o fazer e que não foi concluído, pelo que utilizaria a segunda prestação para contratar uma nova empresa que possa realmente fazer o trabalho, tudo conforme termos do email de 25/06/2020 que a autora enviou ao réu, junto com o requerimento eletrónico de 14/09/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) Em setembro de 2020, o réu adjudicou a obra a outra empresa de construções para nova execução completa dos trabalhos, que esta efetuou.
A apelante/autora e empreiteiro veio reclamar o pagamento do preço pela concreta obra executada. Por outro lado, verifica-se que o dono da obra não logrou provar que cumpriu a obrigação de pagamento integral do preço, pois apenas pagou metade do valor convencionado (ponto 5 dos factos provados).
Para justificar o incumprimento invocou a existência de infiltrações de água e o facto de decorrido cinco meses não ter a apelante logrado reparar e eliminar as infiltrações de água e desta forma pôs termo à relação contratual – ponto 7 dos factos provados.
O dono da obra recusou-se a cumprir com fundamento em defeitos da obra e inexecução do acordado por parte do empreiteiro.
Se a obra apresentar vícios ou defeitos, haverá em princípio incumprimento do contrato e o empreiteiro torna-se responsável pelo dono da obra.
Se a obra apresentar vícios ou defeitos que excluam ou reduzam o valor dela, o contrato considera-se não cumprido e o dono da obra tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos, a redução do preço ou a resolução do contrato e uma indemnização – art.º 1221º a 1223º CC.
Na situação presente o dono da obra optou pela resolução do contrato.
No domínio da responsabilidade contratual o devedor tem de realizar a prestação a que se encontra adstrito, cumprindo pontualmente a obrigação de forma integral e com obediência do princípio da boa fé (art.º 406º, 762º, 763º CC).
A resolução faz cessar a relação contratual que existia entre as partes e determina a extinção das respetivas prestações. Implica a destruição por decisão unilateral do vínculo contratual.
Constitui um ato jurídico unilateral e que apenas se torna eficaz depois de chegar ao poder ou ser conhecida pela contraparte (art.º 295º e 224º CC).
Quando se funda na lei, assenta num poder vinculado que se encontra relacionado com um dano causado pelo incumprimento do contrato[7].
PEDRO ROMANO MARTINEZ defende, quanto ao fundamento “[a] resolução justifica-se em razão da quebra do sinalagma contratual; em caso de incumprimento ou perdendo-se o equilíbrio contratual pode ficar frustrada a relação sinalagmática, permitindo-se que o lesado resolva o contrato”.
Em regra, a resolução pressupõe o incumprimento, com culpa do devedor de prestações contratuais. A resolução confere a uma das partes, “no exercício de um direito potestativo, o poder de fazer cessar o contrato e funda-se frequentemente no incumprimento culposo, pelo que assenta nos pressupostos da responsabilidade civil”[8]. O incumprimento é um ato ilícito, baseado num comportamento culposo que determina a responsabilidade pelo prejuízo causado.
Na resolução legal, por incumprimento, “a violação de qualquer das obrigações emergentes de um contrato viabiliza que o lesado recorra à resolução do vínculo. Exige-se que o incumprimento seja definitivo ou cumprimento defeituoso e que haja adequação entre a gravidade do incumprimento e a pretensão de extinção do vínculo”[9].
A gravidade do incumprimento do devedor é apreciada atendendo às consequências do incumprimento para o credor, a qual deve ser apreciada no caso concreto e face às concretas circunstâncias do negócio.
Como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ: “a resolução, além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual exige a gravidade da violação; no fundo, a resolução justifica-se porque, atendendo à relevância do incumprimento, não se permite a subsistência do vínculo”[10].
No incumprimento culposo integra-se o cumprimento defeituoso.
O cumprimento defeituoso concede ao credor o direito de resolver o contrato, quando se verifiquem os pressupostos do art.º 801º e 808º CC.
Nas alíneas III) a NNN) das conclusões de recurso, considera a apelante que “os direitos conferidos ao Dono de Obra ao abrigo do regime dos artigos 1220.º e seguintes não são alternativos ou aleatórios, e que devem respeitar a ordem e sequência de tais disposições legais (1221.º e 1222.º do Código Civil).
Porém da prova produzida resulta que o Réu não constituiu previamente a Empreiteira em mora, pois que não lhe concedeu prazo para a reparação e eliminação dos defeitos que alega ter verificado, passando de imediato para a resolução do contrato.
Nem tão-pouco se provou a existência de qualquer comunicação da Autora empreiteira da qual resultasse a intenção de não concluir as reparações a que se havia proposto, designadamente a eliminação de todas as infiltrações.
Reitere-se que a eliminação de infiltrações no interior de uma moradia pode não assumir um carácter linear, dado que não raras vezes são múltiplas as patologias que provocam o aparecimento de humidades e entrada de água, situação que se verificou no caso em apreço e que motivou a realização de trabalhos distintos como a substituição de telas e reparação da fachada, e em diversas zonas da habitação.
Assim se deduz que a comunicação referida no facto provado 7) e a substituição da empreiteira referida no facto provado 8) sempre consubstanciariam uma resolução ilícita não se tendo verificado o incumprimento definitivo da Autora nem a perda de interesse do credor, desrespeitando também a condição de exigência prévia da eliminação dos defeitos”.
Com efeito, ao abrigo do regime geral do contrato de empreitada, previsto no Código Civil, o dono da obra não pode optar pela resolução do contrato sem previamente requerer a reparação da obra executada e apenas o incumprimento definitivo (ou recusa injustificada em cumprir) e cumprimento defeituosos justifica a resolução do contrato.
Contudo, no caso concreto, o contrato celebrado beneficia do regime previsto no DL 67/2003 de 08 de abril de 2003, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, por ser o regime em vigor na data da celebração do contrato e quando o réu procedeu à resolução do contrato (em junho de 2020) e foi à luz deste regime que, na sentença, se reconheceu como legítimo o direito do dono da obra à resolução do contrato.
O DL 84/2021 de 18 de outubro revogou o DL 67/2003 de 08 de abril.
O DL 84/2021 de 18 de outubro entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2022 (art.º 55º do citado diploma). Contudo, de acordo com o art.º 12º/2 1ª parte do CC, este novo regime não tem aplicação à concreta situação dos autos, porque a resolução do contrato é anterior à entrada em vigor do novo diploma.
Desta forma, cumpre apreciar do legítimo exercício do direito ao abrigo do DL 67/2003 de 08 de abril de 2003, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.
O art.º 1º-A/2 DL 67/2003 de 08 de abril de 2003, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio previa a aplicação do regime dos bens de consumo com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
De acordo com o art.º 4º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Direitos do consumidor” previa-se:
1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem.
No caso concreto está em causa a execução de obra por uma sociedade que faz dessa atividade a sua profissão, obra essa a levar a efeito na casa de habitação do réu, que assume a qualidade de consumidor. A obra em causa consistia na aplicação de novos materiais e visava a reparação de infiltração de água e humidade em três áreas da moradia do réu. Constitui, pois, um contrato de empreitada que se enquadra na previsão do art.º 1º-A/2 DL 67/2003 de 08 de abril de 2003, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.
Conforme decorre do citado art.º 4º não existe uma hierarquia entre os direitos que assistem ao consumidor, em caso de desconformidade e tal opção cabe ao consumidor.
Acresce, como refere, CURA MARIANO que: “[o]s direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a desconformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra”[11].
Desta forma, mostra-se legítima a opção pela resolução do contrato.
Estabelece a lei como limite, o abuso do direito, mas que no caso não se verifica.
Argumenta o apelante que “mesmo que se considere a aplicação do regime mais favorável ao dono de obra, previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, sempre se dirá que a empreitada não havia ainda sido concluída nem a obra sido entregue, não se preenchendo o disposto no artigo 3.º do mesmo diploma, (a conformidade ou falta desta é verificada no momento da entrega ou posteriormente à entrega do bem), ora que por igual não foi concedida a oportunidade à Autora de terminar o serviço a que se havia proposto, pelo que a resolução imediata e precipitada levada a cabo pelo Réu, ainda no decurso dos trabalhos, violaria os princípios da boa-fé contratual, constituindo também um comportamento abusivo pois que o Réu havia previamente autorizado o prosseguimento dos trabalhos para a empreitada de reparação, sabendo que os mesmos serviços comportavam custos com mão de obra e materiais e que a falta de pagamento dos respetivos montantes causaria prejuízo à Autora, o que constitui abuso de direito na modalidade de omitio e venire e contra factum proprium”.
Resulta dos factos provados que a obra foi concluída, mas com defeitos, não se mostrava conforme com o acordado, porque subsistiam as infiltrações de água na habitação (ponto 6 dos factos provados).
Por outro lado, as despesas com a reparação são da responsabilidade do empreiteiro, pois como resulta do art.º 4/3 do citado diploma, “a expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material”.
Considera-se, ainda, que a resolução do contrato, apesar do dono da obra ter concedido previamente ao empreiteiro a faculdade de proceder à reparação, não configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprio.
O abuso do direito, nos termos do art.º 334º CC, consiste no exercício ilegítimo de um direito.
Considera-se ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA referem que: “[a] nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”[12].
ALMEIDA COSTA refere a este respeito que: “exige-se, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício[13].
Para apurar se as partes envolvidas no negócio agiram segundo os ditames da boa-fé cumpre ao juiz considerar: “as exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos. “De igual modo, “não se pode esquecer o conteúdo do princípio da boa fé objetivado pela vivência social, a finalidade intentada com a sua consagração e utilização, assim como a estrutura da hipótese em apreço”[14].
Com base no abuso do direito, o lesado pode “requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele”[15].
A conduta suscetível de integrar o venire contra factum proprium pressupõe, estruturalmente, duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo. A primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda. O óbice reside na relação de oposição entre ambas[16].
O venire é suscetível de configurar um comportamento abusivo e por isso merecedor de censura legal, à luz do abuso do direito, tal como se mostra configurado no art.º 334º CC, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Em termos dogmáticos o venire contra factum proprium constitui uma manifestação de tutela da confiança, que decorre do princípio da boa fé. Um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas[17].
Como se pode então considerar que um comportamento é suscetível de criar a confiança das pessoas, vinculando-as às obrigações assumidas.
MENEZES CORDEIRO propõe, como auxiliar ao intérprete, na concretização do conceito de “confiança”, “um modelo de quatro proposições” sem estabelecer qualquer hierarquia entre eles e sem caráter cumulativo:
“- uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
- uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível;
- um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
- a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu”[18].
No caso concreto, perante os factos provados, não se pode considerar que o apelado tenha criado a confiança fundada na apelante que não faria cessar o contrato pela via da resolução.
Cumpre ter presente, desde logo, que ficou convencionado o termo dos trabalhos para o final do mês de janeiro (29 de janeiro de 2020). Estava em causa executar obras de isolamento e impermeabilização em zonas exteriores e pintura no interior, na casa de habitação do apelado-réu. Em junho de 2020 depois da apelante ter executado obras de reparação, subsistiam as infiltrações de água no interior da habitação, sem se antever a conclusão das obras de reparação (ponto 6 dos factos provados). Por outro lado, apurou-se que em setembro de 2020 o apelado-réu adjudicou as obras a uma outra empresa que as efetuou (ponto 8 dos factos provados).
A desconformidade apontada à obra executada não era insignificante, pois ao fim de cinco meses e apesar das intervenções, mantinham-se os problemas de humidade e infiltração de água que levaram o apelado réu a celebrar o contrato com a autora/apelante. Como se referiu, o contrato celebrado tinha como escopo a reparação de infiltração de água e de humidade em três áreas da moradia unifamiliar que constituía a casa de morada de família do réu. As obras executadas não lograram alcançar o fim do contrato, não se provando que o réu tenha contribuído para tal situação.
Mostra-se, pois, justificado que o réu pretendesse obter a resolução dos problemas de infiltração e humidades na sua casa de habitação, não podendo ficar indefinidamente a aguardar a sua solução pela autora, que, além do mais, veio reclamar o pagamento do preço da obra, apesar de subsistirem as anomalias. Não resulta dos factos provados que o réu aceitou a obra com defeitos e assumiu pagar o preço convencionado, apesar dos defeitos que a obra apresentava e por esse motivo não se pode afirmar que criou uma situação de confiança.
Conclui-se que a opção pela resolução do contrato não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito e por esse motivo considera-se legítimo o seu exercício.
Por fim, a apelante impugna a decisão, sustentando que o réu desistiu da empreitada, assistindo ao empreiteiro o direito à indemnização, com fundamento no art.º 1229º CC (alínea PPP), TTT) das conclusões de recurso).
Sustenta que a realização de trabalhos subsequentes aos inicialmente acordados, aceites pelo dono da obra, constituíam alterações necessárias, nos termos do art.º 1215º CC (alínea QQQ) das conclusões de recurso).
Considera que a colocação de telas novas e reparação das fachadas a considerar-se trabalhos realizados por iniciativa do empreiteiro na medida em que foram autorizados pelo dono da obra, conferem ao empreiteiro o direito à compensação ou indemnização, nos termos do art.º 1214º CC.
Por fim, na alínea VVV) das conclusões de recurso, considera a apelante que com a colocação de novas telas, pinturas e reparação da fissura da fachada a habitação do réu sofreu uma beneficiação, enriquecendo o réu à custa da autora, sendo devida ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 473º CC, a restituição do indevido.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[19]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[20]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[21] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Os novos fundamentos de sustentação da pretensão da apelante constituem uma questão nova, sem sustentação nos factos alegados e provados e não foram objeto de apreciação na sentença.
Se os novos factos e os novos fundamentos de sustentação da pretensão da autora/apelante resultaram da discussão da causa, recaía sobre as partes ao abrigo do art.º 5º/2 b) CPC, suscitar junto do tribunal “a quo”, a sua consideração em sede de decisão, tratando-se de factos complementares, o que também não ocorreu.
Conclui-se, assim, nos termos do art.º 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que a apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua pretensão, pois os mesmos não foram invocados pela apelante como causa de pedir da ação, não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo” ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem” está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas HHH) a VVV).
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.