I – A convenção de arbitragem consiste numa manifestação de vontade das partes no sentido de atribuir a decisão a árbitros de um litígio presente (compromisso arbitral) ou de litígios futuros decorrentes da relação jurídica que as vincula (cláusula compromissória).
II - A convenção de arbitragem produz um efeito positivo e outro negativo. O efeito positivo consiste em facultar a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento de litígios previstos em convenção de arbitragem. O efeito negativo consiste na exclusão dos tribunais do Estado do conhecimento desse litígio.
III - A convenção de arbitragem está sujeita às regras gerais de interpretação do negócio jurídico, nos termos dos arts. 236º e 238º do Cód. Civil, devendo relevar na sua interpretação o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer.
IV – Face ao princípio consagrado no art. 18º, nº 1 da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação.
Recorrente: AA
Recorrida: “A..., Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadoras Alexandra Pelayo e Lina Castro Baptista
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor AA, residente na Rua ..., ..., intentou a presente ação declarativa comum contra a ré “A..., Lda.”, com sede na Av. ..., ..., tendo pedido que esta seja condenada:
a) a restituir-lhe a quantia de 26.673,82€, ou quantia mais elevada caso se prove no decurso da ação a verificação de danos e prejuízos adicionais, acrescida de juros de mora vencidos desde 15.11.2023, que se liquidam em 233,85€, e vincendos até integral pagamento;
b) a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 42.600,00€, acrescida de juros vincendos após a citação;
Subsidiariamente, caso não seja procedente integralmente o pedido de indemnização identificado em b), pede a condenação da ré no pagamento de todas as despesas e custos a incorrer pelo autor, relativos à contratação a terceiros das demolições, construções, reconstruções e demais obras que vierem a apurar-se como as necessárias para a finalização dos trabalhos contratados com vista à reabilitação da “Casa ...”, bem como os relativos ao pagamento de todas as taxas, emolumentos e outras despesas administrativas que vierem a ser devidos pelo autor e referentes a novo procedimento de licenciamento da obra junto da Câmara Municipal ..., a apurar em liquidação de sentença.
A ré, devidamente citada, apresentou contestação, na qual principiou por invocar a exceção de preterição de tribunal arbitral alegando que no contrato de empreitada em crise, estipularam que os litígios emergentes do contrato deveriam ser resolvidos através da livre negociação de boa-fé, ou, em alternativa, submeteriam “todas as questões a Tribunal Arbitral, que funcionará na sede”.
O autor respondeu a esta exceção, alegando que decorre do teor literal do clausulado que quer o recurso à negociação, quer à arbitragem, estão previstas com natureza eventual e condicional, definidas como faculdades das partes.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de preterição de tribunal arbitral e, em face da sua incompetência absoluta, absolveu a ré da instância.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o autor que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) O saneador-sentença julgou procedente exceção de preterição de tribunal arbitral determinando a incompetência absoluta do Tribunal recorrido e a absolvição da instância.
B) A cláusula 13ª do contrato de empreitada celebrada entre Autor e Ré, com o seguinte teor: “1.A resolução de todas as divergências ou questões emergentes do contrato, a sua interpretação e aplicação, procurarão ser resolvidas por ambas as Partes através da livre negociação de boa fé. 2. No caso de a faculdade prevista no artigo anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução a contento das partes, as Partes podem ainda, se assim o entenderem, submeter todas as questões a Tribunal Arbitral, que funcionará na sede da SEGUNDA CONTRATANTE” não foi objeto de efectiva interpretação de acordo com as regras aplicáveis ao negócio jurídico, nos termos definidos no regime dos artigos 236º/1 e 238º/1 do C. Civil.
C) A sentença limita-se a remeter e transcrever teoricamente fundamentação de Acórdão que versou sobre a interpretação de uma convenção de arbitragem composta por 12 números, dos quais 10 (dez) números desenvolviam pormenores sobre o modo de funcionamento de um Tribunal Arbitral; convenção sem qualquer afinidade com a cláusula do contrato de empreitada objeto destes autos.
D) A convenção de arbitragem (no seu ponto 8.2) utilizada como fundamentação da sentença, não apresenta ainda conteúdo literal ou de sentido mínimos que a possam identificar com a cláusula 13ª do contrato de empreitada objeto destes autos, nomeadamente quanto à declaração exposta nesta, segundo a qual “ (…) as Partes podem ainda, se assim o entenderem, submeter todas as questões a Tribunal Arbitral.”
E) Sobre a declaração das partes, a sentença não conhece em concreto a interpretação da oração “podem, ainda, se assim o entenderem”, questão que foi delimitada na sentença como relevante.
F) Decorre do teor literal da cláusula 13ª, quer quanto ao recurso à negociação, quer à arbitragem, que a respetiva previsão tem natureza eventual e condicional, definidas como faculdades das partes e não, por si só, como deveres ou obrigações vinculativas das mesmas: (i) a negociação prévia é definida pelas partes como faculdade; (ii) o recurso à arbitragem é referido a uma possibilidade: “… As partes podem …”; (iii) remete-se ainda o recurso à arbitragem à manifestação de uma vontade a revelar em concreto, ainda em formação “… se assim o entenderem …”
G) A cláusula 13ª não comporta ainda um conteúdo de sentido mínimo inequívoco correspondente ao texto nele expresso quanto à exclusão da ordem jurisdicional estadual, devendo ser afirmada a regra interpretativa expressa no artº 238º/1 do C. Civil.
H) De todos os elementos literais existentes da declaração, resulta uma cláusula referente à arbitragem de enunciado e sentido não definido quanto: (i) à vontade vinculativa das partes de se terem obrigado ao recurso a Tribunal Arbitral e sem definição das respetivas regras; (ii) indefinido quanto à vontade de exclusão dos tribunais estaduais.
I) Interpretação e sentido da vontade das partes, que devem ter em conta ainda a posição do Autor/Recorrente neste contrato de empreitada, na qualidade de consumidor e da Ré como prestador profissional, do que resulta improvável ser vontade real do consumidor a renúncia - por mera via interpretativa ou tácita – da possibilidade de recurso à ordem jurisdicional estadual.
J) É ainda inequívoco serem previstas como faculdades das partes as disposições da cláusula 13ª e ser esse o sentido da vontade expressa, quando se analisa os termos descritos para a negociação, no nº 1: em caso algum seria legal que se convencionasse a realização de negociação como obrigação vinculativa prévia para o recurso aos meios contenciosos.
K) A natureza eventual e facultativa da previsão do recurso à arbitragem, resulta ainda corroborada pela ausência de previsão expressa quanto à resolução de “litígios”, na formulação legal expressa de forma constante nos artºs 1º e 2º da LAV, mas da previsão de recurso à arbitragem, apenas genericamente, quanto à resolução de “questões”, tendo por referência, nomeadamente, o dever de especificação da relação jurídica a que os litígios respeitem. Artº 2º/6 da LAV.
L) No que diz respeito à submissão a Tribunal Arbitral, a mesma é mencionada genericamente, sem a previsão de um qualquer programa mínimo obrigacional quanto a regras aplicáveis à forma de designação, composição ou funcionamento da arbitragem, o que além do mais, limita a respetiva efectividade e consequentemente o direito constitucional de acesso aos tribunais.
M) Previamente à instauração da acção, o Recorrente/Autor interpelara a Ré/Recorrida por carta registada com aviso de recepção de 15.11.2023, que a Ré recepcionou em 17.11.2023, e na qual, entre outros, lhe comunicou: “c) findo o prazo indicado, instauraremos acção judicial para cobrança coerciva do valor a restituir, bem como de indemnização por todos os atrasos, danos e prejuízos causados e custos a incorrer para a conclusão da obra que se venha a verificar.”
N) Sendo do perfeito conhecimento da Ré/Recorrida a vontade do Recorrente/Autor em instaurar a presente acção em tribunal judicial, interpelação a que a Ré não se opôs ou sequer respondeu, e sobre o teor da qual também na Contestação optou por guardar silêncio, não lhe fazendo sequer referência.
O) A cláusula 13ª do contrato de empreitada, no que diz respeito, quer à negociação, quer à arbitragem, não comporta elementos literais que afirmem de forma inequívoca o seu carácter obrigatório, vinculativo ou a exclusão do recurso à ordem jurisdicional estadual.
P) A questão da exclusão dos tribunais estaduais não pode ser resolvida sem que se afirme por interpretação da declaração ser essa a vontade autêntica, inequívoca e completa dos declarantes, tratando-se de direito constitucional de matriz fundamental. Artº 20º da CRP.
Q) As cláusulas de arbitragem patológica são as que revelam uma indefinição no seu enunciado ou no programa contratual, apresentando-se como uma declaração vaga, de modo a que não se possa aferir um nítido afastamento da jurisdição dos tribunais estaduais.
R) Sendo nulo o clausulado, no que diz respeito ao efeito de preterição da ordem jurisdicional estadual, se for manifesta a ambiguidade ou ininteligibilidade do declarado.
Normas jurídicas violadas:
- Artºs 236º/1, 238º/1 do C. Civil.
- Artº 1º e 2º/6 e 3º da Lei de Arbitragem Voluntária.
- Artº 20º/1 da CRP.
Pretende assim a revogação da decisão recorrida.
A ré apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões:
A. Os fundamentos e conclusões aduzidos pelo Recorrente são insubsistentes e infundados, não merecendo a Decisão a quo qualquer censura.
B. O Recorrente visa induzir em erro os Exmos. Srs. Desembargadores ao apresentar um argumentativo eivado de falácias, omitindo as reais e essenciais circunstâncias que estiveram na base da contratação e que suportam in totum o entendimento do Tribunal a quo.
C. Alega o Recorrente – pelo menos parece alegar - existir uma natureza facultativa do recurso à arbitragem, alegação essa que distorce as negociações das partes e a sua vontade real e declarada aquando da contratação. Mais invoca o Recorrente que a cláusula compromissória é nula, havendo os autos de prosseguir os seus termos nos tribunais judiciais.
D. Para tanto, argumentou o Recorrente que a convenção de arbitragem “…utilizada como fundamentação da sentença, não apresenta ainda conteúdo literal ou de sentido mínimos que a possam identificar com a cláusula 13ª do contrato de empreitada objeto destes autos”. Defendeu, ainda, que tanto quanto à negociação como à arbitragem previstas na referida cláusula, as mesmas têm natureza facultativa, mais referindo que não existe qualquer referência “…à exclusão da ordem jurisdicional estadual”, referindo, por fim, que o Autor é consumidor devendo ser isso tido em consideração na interpretação da sua declaração negocial.
E. Todos os citados argumentos verte ignorando a disciplina que os rege e que, efectivamente, não lhe assiste qualquer razão, importando, portanto, salvaguardar-se que a douta posição do Tribunal a quo não merece qualquer tipo de censura, tendo sido exímia e devidamente fundamentada.
F. Assim, são questões a dilucidar e a resolver, como decorre da formulação das Conclusões – por onde se afere e delimita processualmente o thema decidendum - vide artigos 634.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: a validade e efeitos da cláusula compromissória constante do contrato de empreitada celebrado entre o Recorrente e a Recorrida.
DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA:
G. O acordo das partes, sobre que se funda a competência do tribunal arbitral, é denominado de convenção de arbitragem, esta, por seu turno, comporta duas modalidades, a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, distinguindo-se pela eventualidade e actualidade do litígio, respectivamente (cfr. art.1.º, n.º 2 da LAV).
H. A cláusula compromissória é um pacto de “cometer à decisão de árbitros a solução de um litígio eventual entre as partes de um contrato”, decisão esta que formará caso julgado e é susceptível de ser executada.
I. A cláusula compromissória poderá assumir uma natureza genérica – isto é fazer referência à obrigatoriedade genérica de arbitragem, como pode, ab initio, precisar o seu percurso e metodologia. Da mesma forma, esta poderá ser estabelecida de forma genérica e global para todo o contrato a que respeita, como poderá subordinar apenas determinadas temas/litígios emergentes do mesmo.
J. Trata-se de opções, nomeadamente contratuais, e que em nada influem na validade da convenção arbitral.
K. Os requisitos de validade essenciais da convenção de arbitragem, concretamente da cláusula compromissória, são a arbitrabilidade da controvérsia, a capacidade dos sujeitos, a forma e o conteúdo da convenção, aqui se incluindo a natureza vinculativa e voluntária da mesma.
L. No caso vertente, não sobram dúvidas acerca da capacidade dos sujeitos.
M. Em matéria de arbitrabilidade do litígio, atendendo ao objecto dos autos e à natureza do contrato, não se suscitam dúvidas, cumprindo-se integralmente o disposto no artigo 1.º da LAV.
N. Em matéria de forma, a cláusula compromissória em análise nos presentes autos encontra-se reduzida a escrito, está enquadrada no contrato e é expressa, tendo sido negociada.
O. A cláusula compromissória é individualizada, inequívoca e vinculativa, respeitando ao contrato em que está inserta e a todos os litígios que possam/pudessem emergir do mesmo.
P. A referência genérica aos litígios e âmbito da cláusula compromissória decorrem da respectiva natureza: a previsão do recurso à arbitragem para dirimir litígios futuros. Assim, a não ser que as partes estipulem concretamente que tipo de controvérsias ficam sujeitas a arbitragem, sendo incorporada uma cláusula genérica, como a do contrato em causa nos autos, considerar-se-á exclusiva a arbitragem e excluído o recurso aos tribunais estatais.
Q. É precisamente por assim ser, atendendo também á dinâmica dos negócios jurídicos em causa, que a LAV define que o objecto a ser referido na cláusula compromissória é a relação jurídica e não a divergência específica surgida entre as partes. (artigo 2.º n.º 6 da LAV). Nesse tipo de casos é somente no curso do procedimento arbitral que será definido o objecto específico do litígio abrangido pela cláusula compromissória.
R. Nesse sentido, é claramente admissível a natureza genérica da cláusula de arbitragem ínsita num qualquer contrato como o dos autos, tal sucedendo precisamente para conter as inúmeras possibilidades de litígios que possam emergir da relação contratual.
S. Ademais, dúvidas não surgem, por um lado, quanto à vontade das partes e, por outro lado, quanto à natureza vinculativa da cláusula compromissória.
T. Neste ponto é crucial sinalizar que, por um lado, o contrato foi negociado, tendo as partes querido e debatido os seus termos e condições; e que, por outro lado, as partes escolheram claramente o recurso a medidas alterativas para a resolução dos seus conflitos. Por um lado, a negociação e, quando essa se frustrasse, o recurso à arbitragem, resultando manifestamente excluída do teor do contrato qualquer menção à via judicial (porque assim as partes o quiseram); e ainda a cláusula compromissória em causa nos presentes autos tem por epígrafe “Litígios e Contencioso”, sendo que expressa a opção pela negociação e, em caso de frustração/insuficiência, a arbitragem.
U. Tendo por base estes elementos que, se não forem considerados literais, são extraídos do contrato com evidência e certeza, nos termos dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, resulta evidente o animus das partes na fixação da forma de resolução dos seus conflitos/litígios no âmbito do contrato celebrado: a arbitragem.
V. A declaração é expressa e facilmente compreensível: as partes pretendiam uma livre negociação (resolução amigável e sem intervenção de terceiros) e, caso esse meio fosse infrutífero, a resolução com recurso à arbitragem.
W. A cláusula compromissória constante do contrato de empreitada sub judice tem o seguinte teor: “1 – A resolução de todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e aplicação procurarão ser resolvidas por ambas as Partes através da livre negociação de boa fé. 2 – No caso de a faculdade prevista no artigo anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução a contento das partes, as Partes podem ainda, se assim o entenderem, submeter todas as questões a Tribunal Arbitral, que funcionará na sede da SEGUNDA CONTRATANTE.”
X. A cláusula é inequívoca quando à vontade das partes em proceder a uma resolução extrajudicial de qualquer diferendo emergente do contrato em que referência.
Y. Efectivamente, como sublinha Raul Ventura, “É relativamente frequente prever em contratos que, antes de alguma das partes recorrer à arbitragem, sejam feitos esforços para se encontrar uma solução amigável do litígio. A variante de tais cláusulas é grande; por exemplo e esquematicamente:
«se não for possível solucionar o litígio amigavelmente, será ele decidido, etc.»; «antes de alguma das partes recorrer à arbitragem, devem ambas, e durante X dias, tentar resolver o litígio por acordo»; «antes do recurso à arbitragem, haverá uma fase de conciliação (confiada a certas pessoas ou a uma instituição especializada)»; «a parte que invocar violação do contrato notificará a outra para no prazo de …, remediar essa violação e se esta não o fizer, haverá recurso arbitragem”
Z. O seu n.º 1 da cláusula contempla a obrigatoriedade de uma fase conciliatória prévia à arbitragem. O que significa que apenas após a tentativa de solução amigável é que as partes podem recorrer à arbitragem. Por sua vez, o n.º 2 da cláusula, ao referir que as partes “podem” e “se assim o entenderem” recorrer à arbitragem refere-se à abertura da via contenciosa (tribunal arbitral) por força da frustração da tentativa de solução amigável, e não a uma alternativa aos tribunais judiciais. Trata-se da voluntariedade da acção, não da via de reacção!
AA. Em semelhante sentido ao presente, veja-se o que refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1, relatado por Álvaro Rodrigues, que: "É que o termo podem, inserto na falada cláusula contratual, não se conexiona directamente com a opção pela competência jurisdicional clausulada, mas apenas com a condição (constante do aludido ponto 8.2) de as partes tentarem uma via conciliatória (acordo amigável, como consta do texto) antes de enveredarem pela contenciosa, e só em caso de frustração de tal via, ficarem livres para (poderem) enveredar pela via contenciosa por recurso à arbitragem, como linearmente se colhe da expressão: “Caso não seja possível encontrar uma solução amigável…ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos abaixo descritos” (…)”.
BB. Posição idêntica é acolhida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 193098/09.7YIPRT.L1-2, relatado por Jorge Amado e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 13 de Março de 2012, proferido no âmbito do Processo n.º 3062/10.9TJVNF.P1, relatado por Márcia Portela e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1, relatado por Pedro de Lima Gonçalves.
CC. Relevante é ainda de referir, em contradição com a argumentação carreada pelo Recorrente, que é distorcido e irrelevante para a interpretação da cláusula compromissória fixada o facto de não se terem definido ab initio especiais regras e condicionalismos a que ficará sujeita a arbitragem.
DD. Tais factores não inculcam qualquer (des)pretensão da arbitragem como via de resolução de litígios, mais não sendo qualquer formalismo atinente à cláusula compromissória.
EE. Não existe nenhum programa mínimo obrigacional ou regras que tenham ou devem ser fixadas na cláusula compromissória. Um tal argumento é, aliás, contrário aos termos da nossa LAV.
FF. Sinalizando-se ainda que, sendo convencionada (como foi), o recurso à arbitragem é de natureza exclusiva (ressalvados os quais em que as partes convencionem que certos diferendos não ficam abrangidos por tal pacto).
GG. A argumentação do Recorrente surge ainda como sendo manifestamente enviesada, misturando a constitucionalidade do acesso aos tribunais, com a sua inultrapassável vinculação a uma forma de resolução de litígios que – agora – decidiu (quiçá por razões financeiras ou de tipo de litigância) ignorar. Não só é deturpada como assume uma nota quase-abusiva.
HH. O Recorrente refere ainda ter remetido uma carta registada com aviso de recepção à Recorrida na qual alegadamente refere que iria recorrer à via judicial, tentando inculcar que uma eventual não resposta da Recorrida seria a sua conformação com o recurso a tal via.
Destituído de sentido e senso é tal alegação. Deve a Recorrida alertar para o erro da conduta da parte com a qual possui um litígio? Teria de o fazer? Não é possível extrair uma tal conclusão, muito menos alegar que a falta de resposta tem um qualquer efeito de reconhecimento de quase-revogatório da convenção firmada. Seria abusiva uma tal consideração.
II. Salvo melhor opinião, parece à Recorrida que o Recorrente manifestamente olvidou a convenção que celebrou; ou, alternativamente, pretendia embustear a Recorrida fazendo perpassar a ideia de que o recurso à via judicial era lícito. Efectivamente, tal comunicação surge até enviada através de uma forma que não é a que está prevista para efeitos das comunicações no âmbito do contrato de empreitada (cláusula 14.ª do contrato) o que denota a natureza e fins abusivos do seu envio.
JJ. Sobre uma alegação – que não consta das conclusões – acerca da alegada falta de informação acerca da alteração da sede da Recorrida - diga-se apenas, ser irrelevante para interpretação dos formalismos e teor da cláusula compromissória nos presente autos.
KK. Acrescenta-se, ademais, por um lado, que a alteração não comprometia as vias de comunicação convencionadas pelas partes, ou a execução do contrato, inclusivamente a fase negocial da dirimição de qualquer litígio; e que, por outro lado, aquando da apresentação da contestação da Ré, o pedido de registo estava ainda pendente.
LL. O Recorrente desesperado com certeza da incompetência do Tribunal em que propôs a sua acção, invoca e deturpa factos para tentar pintar uma tese surrealista, não podendo olvidar quando mais lhe convém as negociações e convenções firmadas com a Recorrida.
MM. Tudo compulsado, dúvidas não sobram acerca da manifesta validade e suficiência da cláusula compromissória.
NN. Sem prejuízo de se entender ser literal e sem margem para dúvidas o convencionado pelas partes no contrato livremente negociado e celebrado, sempre se dirá que a mesma conclusão (a da vinculação e voluntariedade da cláusula) se chegaria com recurso ao regime dos artigos 236º nº 1 e 238º nº 1 do Código Civil, não sobram dúvidas acerca da validade da cláusula arbitral contante dos presentes autos.
OO. Em duas palavras quando à alegação de que o Autor é consumidor: O Autor na sua petição inicial não invoca que é consumidor, nem caracteriza, seja com elementos de facto ou de direito, o contrato de empreitada nos presentes autos como sendo de consumo, sendo seu o ónus de alegação.
PP. Estranha-se que, destituído de factos, venha o Recorrente verter infundadas conclusões.
Em todo o caso, e mesmo que assim não fosse, não existem elementos que permitam concluir pela falta de conhecimento e consentimento com o teor de objectivos da referida cláusula, que foi pretendida e negociada pelas partes, que com ela se conformaram de forma conscienciosa e voluntária.
QQ. Isto dito, posto que não é manifesta a invalidade, nulidade ou inexequibilidade da cláusula compromissória, o tribunal judicial/estatal está vedado desde logo ao seu conhecimento, sempre devendo qualquer ulterior questão ser conhecida por um tribunal arbitral.
O PRINCÍPIO KOMPETENZ-KOMPETENZ
RR. Atendendo ao disposto nos artigos 5.º e 8.º da LAV, bem assim à jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, o princípio kompetenz-kompetenz tem como corolário lógico a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência.
SS. É jurisprudência assente que os árbitros são os primeiros juízes da sua própria competência, e consequentemente, antes de o tribunal arbitral se pronunciar, os tribunais estaduais devem abster-se de intervir.
TT. Nesse sentido, referem os doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2011 proferido no âmbito do processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1, de 20 de Março de 2018 proferido no âmbito do processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 e de 12 de Novembro de 2019 proferido no âmbito do processo n.º 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1, que: “[f]ace ao princípio, ínsito no [art. 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária], segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam — validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem — os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”.
UU. Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1, refere que os tribunais estaduais só devem declarar-se competentes, como primeiros juízes do litígio desde que a inaplicabilidade da convenção de arbitragem possa determinar-se “mediante juízo perfunctório” e desde que, mediante juízo perfunctório, “[seja] patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada”.
VV. Dessarte, sempre que haja dúvida deve considerar-se plausível que o actual litígio corresponda ainda a um litígio relacionado com o contrato.
WW. Nesse sentido vide o que refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1: “[s]uscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio”.
XX. Quer isto dizer que, mesmo que houvesse dúvida, há um dever de o Tribunal julgar proceder a [exceção] dilatória de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral.
YY. No caso concreto, pese embora não se suscitem dúvidas acerca da aplicabilidade da cláusula compromissória, ainda que as mesmas surgissem o Tribunal a quo estaria vinculado a respeitar o princípio kompetenz-kompetenz. Assim, uma vez que a ineficácia, invalidade ou inexequibilidade da convenção de arbitragem não é MANIFESTA, está vinculado a declarar-se incompetente.
ZZ. Por todos os argumentos expostos, merece confirmação integral, no âmbito do presente Recurso, a Sentença recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
Apurar se a cláusula 13ª do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, que corresponde a uma convenção de arbitragem, deve ser havida como nula, face à sua ambiguidade.
- Entre o autor e a ré foi celebrado em 23.10.2019 contrato de empreitada do qual consta a cláusula 13ª, com a epígrafe “litígios e contencioso” e o teor que se passa a transcrever:
“1. A resolução de todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e aplicação, procurarão ser resolvidas por ambas as Partes através da livre negociação de boa fé.
2. No caso de a faculdade prevista no artigo anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução a contento das partes, as Partes podem ainda, se assim o entenderem, submeter todas as questões a Tribunal Arbitral, que funcionará na sede da SEGUNDA CONTRATANTE.”
1. Conforme flui do art. 96º, al. b) do Cód. Proc. Civil a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, não sendo, porém, de conhecimento oficioso, como estabelecem os arts. 97º, nº 1 e 578º do mesmo diploma legal.
A exclusão da incompetência absoluta decorrente de violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário da possibilidade de conhecimento ex officio compreende-se, uma vez que, se as partes puderam livremente celebrar aquele pacto ou uma convenção de arbitragem, também os podem livremente revogar, tal como podem não os fazer valer através da não arguição da incompetência proveniente da sua violação.[1]
Ocorre preterição de tribunal arbitral voluntário se a ação é proposta em tribunal estadual quando, face ao seu objeto e ao teor da convenção de arbitragem celebrada, deveria ter sido intentada em tribunal arbitral convencionado pelas partes.
A convenção de arbitragem, que deve adotar a forma escrita, pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – cfr. art. 1º, nº 3 e 2º, nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária [doravante LAV][2].
Acresce que o compromisso arbitral deve determinar o objeto do litígio, ao passo que a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam – cfr. art. 2º, nº 6 da LAV.
Sucede que a convenção de arbitragem é nula se celebrada em violação do disposto nos arts. 1º e 2º da LAV - cfr. art. 3º.
Assim, «[o] tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, ou se tornou ineficaz ou é inexequível.» - cfr. art. 5º, nº 1 da LAV.
As questões da nulidade, ineficácia e inexequibilidade de uma convenção de arbitragem não podem ser discutidas em ação de simples apreciação proposta em tribunal estadual nem em procedimento cautelar instaurado perante o mesmo tribunal, que tenha como finalidade impedir a constituição ou o funcionamento de um tribunal arbitral – cfr. art. 5º, nº 4 da LAV.
2. Constata-se, pois, que a convenção de arbitragem consiste numa manifestação de vontade das partes no sentido de atribuir a decisão a árbitros de um litígio presente (compromisso arbitral) ou de litígios futuros decorrentes da relação jurídica que as vincula (cláusula compromissória).
A convenção de arbitragem produz, por isso, um efeito positivo e outro negativo.
O efeito positivo consiste em facultar a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento de litígios previstos em convenção de arbitragem, faculdade essa que constitui um direito potestativo a que corresponde a inerente sujeição da outra parte à atribuição do julgamento do litígio ao tribunal arbitral.
O efeito negativo consiste na exclusão dos tribunais do Estado do conhecimento desse litígio. Com efeito, uma vez que, com o beneplácito do estado, os interessados criaram, pela sua convenção, um tribunal para o conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se, como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio.[3]
Daí que, a violação de convenção de arbitragem, com a consequente preterição de tribunal arbitral voluntário, constitua exceção dilatória que, todavia, não é de conhecimento oficioso, determinando a absolvição da instância.
No que toca ao conteúdo da convenção de arbitragem esta tanto pode fazer apenas uma referência à obrigatoriedade genérica de arbitragem (convenção de arbitragem branca), como pode precisar o seu processo e metodologia (convenção de arbitragem completa).[4]
3. Há, no entanto, que ter em atenção que por vezes as cláusulas de arbitragem são irregulares ou defeituosas, falando-se a este propósito em “cláusulas patológicas”, expressão atribuída a F. EISEMAMM (“Les Clauses Compromissoires pathologiques”, in Arbitrage Commercial: Essais in Memoriam Eugenio Minoli”, U.T.E.T., 1974, 120)[5], para designar aquelas cláusulas ambíguas ou de elementos errados, mas que não afetam a validade da estipulação de submeter certa matéria a árbitros.
Nas situações de incorreção, ambiguidade ou contradição de uma convenção de arbitragem procurar-se-á salvar a validade da mesma, através de interpretação da declaração negocial, fazendo prevalecer uma cláusula sobre outra, ou atribuindo a duas cláusulas aparentemente contraditórias campos de aplicação distintos, conforme os litígios previstos, sendo a convenção nula, sempre que não for possível desfazer a contradição nela verificada.
É o que ocorre, por exemplo, com uma cláusula em que se submente o mesmo litígio a arbitragem e a um certo tribunal estadual, visto não se poder averiguar a vontade das partes.[6]
Em suma, “cláusulas de arbitragem patológica” são aquelas que revelam uma indefinição no seu enunciado, a qual se repercute no seu âmbito, assim como no correspondente programa contratual, levando a que a opção pela convenção de arbitragem seja vaga ou mesmo indeterminável, de tal modo que não se possa aferir se houve um nítido afastamento da jurisdição dos tribunais estaduais.[7]
4. Regressando ao caso concreto, há então que apurar se a cláusula 13ª do contrato de empreitada, que se configura como cláusula compromissória, deve ser havida como nula, conforme sustenta o autor/recorrente.
É o seguinte o seu teor:
“1. A resolução de todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e aplicação, procurarão ser resolvidas por ambas as Partes através da livre negociação de boa fé.
2. No caso de a faculdade prevista no artigo anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução a contento das partes, as Partes podem ainda, se assim o entenderem, submeter todas as questões a Tribunal Arbitral, que funcionará na sede da SEGUNDA CONTRATANTE.”
Ora, a convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico, no que se deverá ter em conta o disposto nos arts. 236º e 238º do Cód. Civil.
Por conseguinte, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida – cfr. art. 236º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade – cfr. art. 238º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
Atendendo a que a convenção de arbitragem deve adotar a forma escrita, estamos perante um negócio jurídico formal e como tal, face aos já referidos arts. 236º e 238º do Cód. Civil, vale esta com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento – cfr. MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, 2ª ed., pág. 169.
Terá que se relevar assim, na interpretação da cláusula compromissória, o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer – cfr. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª ed., pág. 444.[8]
5. Prosseguindo.
Da leitura da cláusula 13ª, acima transcrita, resulta que nesta, depois de uma referência genérica, no seu nº 1, à livre negociação de boa fé entre as partes como forma de resolução preferencial de todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e execução, surge depois o nº 2, onde se estipula que, não sendo resolvidas dessa forma as questões ou divergências emergentes do contrato, podem ainda as partes, se assim o entenderem, submetê-las a tribunal arbitral.
Sendo sabido que o efeito negativo da convenção de arbitragem consiste na exclusão dos tribunais do Estado do conhecimento do litígio, impõe-se indagar se através do nº 2 da cláusula 13ª se visou, de forma inequívoca, excluir a presente causa dos tribunais estaduais.
Entendemos que a resposta a esta questão deverá ser afirmativa.
Com efeito, se a lermos com cuidado teremos que concluir que as partes envolvidas no presente litígio nela convencionaram uma cláusula compromissória no sentido da exclusividade da competência do tribunal arbitral.
É certo que no texto da cláusula se escreveu no nº 2 que “as Partes podem ainda, se assim o entenderem[9], submeter todas as questões a Tribunal Arbitral”, mas este segmento não se relaciona diretamente com a opção pela competência arbitral clausulada, antes se liga à condição prevista no seu nº 1 de as partes procurarem resolver as questões por via conciliatória, através da livre negociação de boa fé.
Só uma vez frustrada a via conciliatória, que sempre terá de ser tentada, é que as partes ficam livres para trilhar a via contenciosa com recurso à arbitragem.
Na verdade, é o que resulta da conjugação dos dois números da cláusula 13ª. Em primeiro lugar, as partes procuram resolver as suas divergências de forma amigável, através da negociação. Em segundo lugar, não conseguindo resolver dessa forma as suas divergências, poderá qualquer uma das partes, se assim o entender, recorrer ao tribunal arbitral.
A utilização de expressões como “podem” e “se assim o entenderem” não significa que, neste caso, se tenha previsto convencionalmente a arbitragem como uma alternativa aos tribunais judiciais.
É, aliás, sintomático que nesta cláusula compromissória, que tem a elucidativa epígrafe de “Litígios e contencioso”, nenhuma alusão se faça à possibilidade de recurso à via judicial.
Assim, terá de se concluir que a intenção das partes, na cláusula 13ª, foi a de uma vez malograda a resolução amigável do litígio, através da livre negociação e sem a intervenção de terceiros, passando-se à via contenciosa tal será feito com recurso à arbitragem e não à ordem jurisdicional estadual.
A ausência de qualquer referência, na cláusula, aos tribunais judiciais, torna, a nosso ver, clara a vontade das partes no sentido de procederem à resolução extrajudicial de qualquer divergência surgida relativamente ao contrato de empreitada entre ambas celebrado.[10]
Não se ignora que a cláusula compromissória tem um cariz genérico e nela nada se previu, de específico, quanto às regras aplicáveis à composição e funcionamento do tribunal arbitral.
Porém, tal circunstância é irrelevante no que concerne à sua interpretação, nada impondo que se fixem, desde o início, as regras e os condicionalismos a que ficará sujeita a arbitragem, sendo que o seu funcionamento sempre será definido através da aplicação subsidiária das regras previstas na LAV.
Deste modo, tomando como critérios orientadores os que se acham estabelecidos nos arts. 236º e 238º do Cód. Civil, da interpretação da cláusula 13ª teremos que concluir que nela se consagrou a competência exclusiva do tribunal arbitral para o presente litígio, com a correspondente exclusão dos tribunais estaduais.
Assim, ao contrário do sustentado pelo autor/recorrente nas suas alegações, tal cláusula não se mostra ambígua, equívoca ou contraditória, não podendo ser qualificada como cláusula compromissória patológica e, por esse motivo, nula.
Soçobra consequentemente a argumentação explanada pelo autor/recorrente no sentido da nulidade da cláusula e donde este extraía a impossibilidade do tribunal “a quo” se declarar absolutamente incompetente para o presente litígio.
6. Neste contexto, não sendo manifesta a nulidade da cláusula compromissória, como aqui sucede, sempre caberia ao tribunal arbitral apreciar, com prioridade, da sua própria competência.
É o que flui do art. 18º, nº 1 da LAV, onde se consagra a regra Kompetenz-Kompetenz, com o seguinte teor:
«O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.»
Ora, o STJ vem entendendo que face ao princípio consagrado nesta norma, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação.[11]
Não sendo a cláusula compromissória aqui em análise inválida, ineficaz ou inexequível, é ao tribunal arbitral que cabe pronunciar-se sobre a sua própria competência, donde decorre, no caso “sub judice”, e sem necessidade de outras considerações, a procedência da exceção de preterição de tribunal arbitral, com a consequente confirmação do decidido em 1ª Instância.
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Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo do autor/recorrente.
Porto, 11.12.2024
Eduardo Rodrigues Pires
Alexandra Pelayo
Lina Castro Baptista
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[1] Cfr. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 226/227.
[2] Lei nº 63/2011, de 14.12.
[3] Cfr. RAUL VENTURA, “Convenção de Arbitragem”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, vol. II, págs. 379/380, disponível in portal.oa.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 25.3.2021, p. 26292/19.1 T8PRT.P1, relator JOAQUIM CORREIA GOMES, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Referência feita no Ac. Rel. Lisboa de 17.12.2013, p. 659/13.9 YRLSB-2, relatora ONDINA CARMO ALVES, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. RAUL VENTURA, ob. cit., págs. 367/368.
[7] Cfr. o já referido Ac. Rel. Porto de 25.3.2021.
[8] Cfr. também Ac. STJ de 12.11.2019, proc. 8927/18.7 T8LSB-A.L1.S1, relator PEDRO LIMA GONÇALVES, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Sublinhado nosso.
[10] Cfr. em situações com alguma similitude Ac. STJ de 20.1.2011, p. 2207/09.6 TBSTB.E1.S1 (ÁLVARO RODRIGUES) e Ac. Rel. Porto de 13.3.2012, p. 3062/10.9 TJVNF.P1 (MÁRCIA PORTELA), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Cfr., por ex., o já referido Ac. STJ de 12.11.2019 e também Acs. STJ de 7.3.2023, p. 3868/20.0 T8PRT-A.L1.S1 (NUNO PINTO OLIVEIRA), de 20.3.2018, p. 1149/14.8 T8LRS.L1.S1 (HENRIQUE ARAÚJO) e de 21.6.2016, p. 301/14.0 TVLSB.L1.S1 (FERNANDES DO VALE), todos disponíveis in www.dgsi.pt.