IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ART.º 412 N.º 3 AL. A) DO CPP
PROVA PROIBIDA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

I - Quando pretenda impugnar a matéria de facto torna-se essencial que o recorrente especifique claramente quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados nos termos do art.412 nº3 al.a) do CPP.
II - Os depoimentos dos agentes policiais que participaram na investigação, na parte em que relatam o que lhes foi dito pelos arguidos, na sequência ou no decorrer das diligências, que levaram a efeito durante a fase de inquérito, constituem prova proibida, que não pode ser valorada por efeito do disposto nos artigos 356 nº1 al.b) e nº7 e 355, todos do CPP, e nem deve ser produzida em audiência de julgamento.
III - O princípio da igualdade consagrado no art. 13 da CRP consiste em tratar de forma idêntica o que é essencialmente igual e em diferenciar apenas o que for desigual.
Quando vários arguidos são acusados do mesmo crime e os elementos de prova e as circunstâncias da atuação de cada um deles é diverso não ocorre violação do princípio da igualdade.

Texto Integral

Processo nº25/20.0PASJM.P1

1. Relatório
No processo comum com julgamento perante Tribunal Singular com o nº25/20.OPASJM do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de ..., Juiz 2, foi depositada em 20/03/2024 sentença com o seguinte dispositivo:
«… na procedência parcial por provada da acusação:
a) Condena-se o arguido AA, pela prática em co-autoria e em concurso de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1 e 218°, n°s 1 e 22°, 23°, n°s 1 e 2 e 73°, todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
b) Condena-se o arguido AA, pela prática em co-autoria em concurso de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
c) Condena-se o arguido AA, pela prática em autoria em concurso de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. d) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
d) Condena-se o arguido AA, pela prática em autoria em concurso de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, o que perfaz o montante global de 490,00€ (quatrocentos e noventa euros).
e) Operando em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condena-se o arguido AA, numa pena única de 20(vinte) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período e de uma pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de 490,00€ (quatrocentos e noventa euros).
f) Condena-se o arguido BB, pela prática em co- autoria em concurso de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1 e 218°, n°s 1 e 22°, 23°, n°s 1 e 2 e 73°, todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
g) Condena-se o arguido BB, pela prática em co- autoria em concurso de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
h) Condena-se o arguido BB pela prática em autoria em concurso de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal a pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 7(sete) euros, o que perfaz o montante global de 490,00€ (quatrocentos e noventa euros).
i) Operando em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condena-se o arguido, numa pena única de 15(quinze) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período e de uma pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de 490,00€ (quatrocentos e noventa euros).
j) Absolve-se o arguido CC, dos crimes de que vem acusado.
m) Mais se condena os arguidos AA e BB no pagamento das custas criminais que compreendem:
- 2 UC de taxa de justiça nos mínimos legais (cfr artigos 515°, n° 1, alínea d); 519°, n° 1, ambos do Código de Processo Penal art. 513, n°1 do CPP e art. 8, n°5 do Regulamento das Custas Judiciais.»
Inconformados com a decisão dela vieram interpor recurso o MP e o arguido AA.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso do MP:
«1 - Nos presentes autos, foi, além do mais proferida sentença que decidiu pela absolvição de CC, da prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1 e 218°, n°s 1 e 22°, 23°, n°s 1 e 2 e 73°, todos do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal e de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal.
2 - O Ministério Público impugna a douta sentença proferida, porquanto a matéria de facto foi incorrectamente julgada, considerando, assim, que o Tribunal a quo, incorreu em nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 374°, n° 2 e 379°, ambos do Código de Processo Penal, mais tendo incorrido no vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, no vício de erro notório na apreciação da prova - cfr. o disposto nos artigos 410°, n.° 2, als. b) e c), mais se impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento - cfr. o disposto no artigo 412.°, n.°s 3 e 4, do Código de Processo Penal.
3 - Desde logo, o Tribunal a quo na parte da motivação de facto, omitiu, o necessário exame crítico da prova, não elucidando a Mma. Juiz qual o processo de formação da convicção do tribunal, no que se refere aos ilícitos criminais pelos quais vinha o arguido acusado, e, mais especificamente, no que concerne ao crime de falsidade de testemunho, e o porquê da decisão que veio a tomar.
4 - Assim, e porque não contém a sentença as menções previstas no artigo 374°, n.° 2 do Código de Processo Penal, deve, nos termos do disposto no artigo 379°, n° 1, a) do Código de Processo Penal, ser, quanto a este arguido considerada nula, pelo que se impõe ordenar o suprimento nulidade verificada com a consequente revogação da decisão e determinação de prolação de nova sentença da qual conste a indicação especificada da prova documental e testemunhal fundamentadora da convicção e o exame crítico das provas.
5 - Verifica-se o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410°, n.°2, al. b) do Código de Processo Penal, quando existe incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
6 - Incorreu o Tribunal a quo no vício de contradição insanável da fundamentação, ao considerar, simultaneamente, como provado e não provado, que o arguido CC, sabendo que o veículo se encontrava escondido na sua oficina, decidiu guardar o veículo de marca Mercedes, de matrícula ..-MQ-.. na residência de DD, o que fez de forma a não ser visto, considerando, por outro lado, o seu contrário, ou seja, que não ficou provado que o arguido sabia que o veículo se encontrava escondido na sua oficina e que o transportou para a residência daquele de forma a não ser visto.
7 - O vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410°, n.° 2, al. c) do Código de Processo Penal, traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo» (acórdão do STJ de 98.07.09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77).
8 - A Mma. Juiz, pese embora tenha considerado os pontos 25°) e 26°) como factos provados, nos quais, em suma, se conclui que o arguido CC, agiu com conhecimento de todo o circunstancialismo dos ilícitos criminais enunciados - o que resulta dos verbos "decidiu'' e "retirou", e da frase "bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina e a fim de não ser visto por ninguém(...)" - decidiu, contrariamente ao ali dado como provado, absolvendo o arguido CC da prática dos mesmos.
9 - Na sentença sub iudice, são ainda considerados provados os factos descritos sob os pontos 59°), 60°), 61°), 62°), 63°), 64°), 65°), 66°) e 67°), factos esses que apenas teriam relevo para subsumir o comportamento ali demonstrado pelo arguido no cometimento do crime de falsidade de testemunho, o que, como bem sabemos, não veio a suceder, porquanto a Mma. Juiz decidiu pela absolvição do arguido da prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal.
10 - Com efeito, tratando-se de depoimento enquanto testemunha e, considerando que toda a prova tem de ser produzida em sede de audiência e julgamento, o teor do vertido naquele auto de inquirição, tendo sido decidida a absolvição do arguido, não deveria ter sido considerado nos factos provados, devendo, assim, tais factos, terem sido considerados como não provados.
11 - Assim, ao serem dados tais factos como provados e vindo o Tribunal a quo a absolver o arguido por aplicação do princípio "in dubio pro reo", porquanto não se apurou o que verdadeiramente sucedeu e qual o grau de comparticipação deste arguido no cometimento dos factos, consideramos que a sentença sub iudice se encontra ferida do vício de contradição insanável da fundamentação, ao considerar, simultaneamente, tais factos como provados e ao ter decidido de forma diferente, assim absolvendo o arguido CC.
12 - Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2011, in www.dgsi.pt, relator Jorge Gonçalves "Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
13 - Consideramos que o Tribunal a quo não deu a relevância necessária ao depoimento do Cabo da G.N.R. ..., EE, porquanto, segundo o mesmo refere, quando foram alertados pela testemunha e proprietário da habitação onde se encontrava estacionada a viatura, logo tentaram contactar o arguido CC, o qual se esquivou ao contacto com as autoridades, tendo, possivelmente, tentado contactar os demais arguidos, a fim de, com estes, delinearem uma estratégia de defesa conjunta.
14 - Ora, como resulta do depoimento da testemunha FF, se o propósito do arguido CC ao estacionar o veículo na habitação de DD, foi apenas o de arranjar um sítio para a viatura enquanto a sua oficina entrava em obras de reparação do telhado (ponto 25° dos factos provados), não é inteligível o comportamento deste ao esquivar-se ao confronto dos militares da G.N.R. e ao confronto do seu amigo, proprietário da habitação, a quem bastaria, sem hesitações, e face às insistências do mesmo explicar que apenas precisava, durante as obras na oficina, de um espaço para estacionar o veículo.
15 - Ora, sendo o arguido CC amigo da testemunha DD, depositando este, confiança no mesmo que resulta do facto de este lhe ceder a chave da habitação a fim de este tomar conta dos animais e plantas na sua ausência, não é verosímil que o arguido, com o propósito alegado pela sua esposa e que assim foi considerado assente pelo Tribunal, ali estacione um veículo sem dar conhecimento ao mesmo do que iria fazer e sem obter previamente a sua autorização para o fazer.
16 - Ora, revelando o depoimento da testemunha FF, parcialidade, não logrando, tal como é referido na sentença, convencer o Tribunal, não se alcança como pode o Tribunal a quo ter concluído que o arguido CC apenas se encontrava a retirar a viatura da oficina e a estacioná-la na residência de DD por causa das obras que ali iriam ser realizadas, sendo, assim, impossível concluir pelo total alheamento deste arguido no que se refere à dinâmica do plano engendrado entre todos os arguidos,.
17 - Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.° do Código de Processo Penal, princípio esse que, segundo Prof. Cavaleiro Ferreira, in «Curso de Processo Penal», 1986, 1° Vol., Fls. 211, refere que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório».
18 - Porém, o Tribunal a quo não analisou o conjunto da prova produzida em sede de audiência e discussão em julgamento à luz das regras de experiência comum, tal como prescreve o artigo 127° do Código de Processo Penal, apreciando-a arbitrariamente, incorrendo em erro logico com desrespeito das regras da experiência, impondo-se assim decisão diversa, in casu, de condenação do arguido CC.
19 - Na verdade, para além do já referido, importa ainda mencionar que o Tribunal a quo concluiu que o depoimento de GG, amigo do arguido CC, revelou, tal como o depoimento da testemunha FF, parcialidade, não logrando, pelas razões supra-expostas, convencer o Tribunal.
20 - De facto, o depoimento de ambas as testemunhas encontra-se em consonância com o segmento da fundamentação do Tribunal a quo, pelo que, sendo correcta a conclusão retirada pela Mma. Juiz no que aos seus depoimentos concerne, não serão os seus depoimentos alvos de impugnação em sede de recurso.
21 - Contudo, as ilações assim retiradas pela Mma. Juiz, no confronto com a demais prova coligida nos autos, deveriam ter conduzido a outra decisão que não a da absolvição deste arguido.
22 - Na verdade, é facto assente que este arguido conhecia o arguido BB o que, fazendo apelo às regras da experiência, e atento o acervo probatório coligido nos autos, logo faria suspeitar do acordo firmado entre todos os arguidos na prossecução do plano por eles gizado, só assim se compreendendo a hora tardia de entrega do veículo por aquele arguido na oficina do arguido CC, o facto do veículo ficar tantos dias na oficina deste e também o facto deste arguido, às 06h00m ter retirado, da sua oficina, o veículo que veio a estacionar na casa da testemunha DD.
23 - Pertinente é ainda a afirmação da Mma. Juiz quando refere "Mais se estranha que não soubesse o que continha o seu interior onde estavam pedaços de uma matricula, e que não procurasse ver os documentos onde constava uma matrícula distinta."
24 - Contudo, não alega a Mma. Juiz que, das fotografias retiradas ao veículo aquando da apreensão - cfr. fls. 10 a 14 do apenso A -, tais pedaços de matrícula se encontravam no banco da frente do veículo, veículo esse que aquele teve, por vários dias, na sua oficina e que conduziu, resultando, assim, de forma evidente, que o mesmo as viu ali depositadas, o que, sempre faria suspeitar que o mesmo soubesse da ilicitude do seu comportamento.
25 - Porém, pese embora o assim referido, a Mma. Juiz concluiu "que nenhuma testemunha convenceu da pertinente factualidade objectiva e subjectiva com toda a certeza para sustentar uma condenação criminal.
Perante tantas incertezas, foi o aludido princípio "in dubio pro reo", que imperou na decisão do julgador sobre a matéria de facto."
26 - De facto, o comportamento do arguido CC, plasmado no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência e discussão em julgamento, em confronto com a demais prova documental, revela, sem dúvida, o seu elevado grau de comprometimento no cometimento dos factos, tendo a prova sido, assim, analisada em contradição com as regras de experiência comum a que alude o artigo 127° do Código de Processo Penal, pelo que, outra conclusão não podemos tirar que não a de que a Mma. Juiz efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta e contraditória ao normal suceder, assim tendo decidido de forma contrária às regras da experiência.
27 - Ao não observar tudo o que aqui ficou dito, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 127°, 374°, n.°2, 379°, n° 1, a), 410°, n.° 2, als. b) e c) e 412°, n.° 3 e 4, todos do Código de Processo Penal e ainda os artigos 217°, 218°, n.° 1 e 22°, 23°, n.° 1 e 2 e 73° do Código Penal, os artigos 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal e o artigo 360°, n.° 1 e 3 também do Código Penal.»
Conclui o recorrente pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene o arguido CC pela prática, em co-autoria, de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1 e 218°, n°s 1 e 22°, 23°, n°s 1 e 2 e 73°, todos do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal e de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal, determinando-se a pena a aplicar ao mesmo.
É o seguinte o teor das conclusões de recurso do arguido A...:
«1. O artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, sobre os requisitos da sentença, prevê que: "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal."
2. É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que, o exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que a sustentou.
3. Ainda que não seja necessário descrever exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos ou intuições que fundamentam a convicção ou resultado probatório e não sendo exigível que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir, não basta apenas fazer uma referência superficial dos factos às provas, sendo imperativo estabelecer um correlacionamento entre os factos e as provas que os sustentam, de forma a concluir quais provas garantem que os factos ocorreram (ou não) da forma apurada.
4. In casu, em face de provas muito pouco concludentes, o Tribunal lançou mão a provas indirectas ou deduções para os factos essenciais, pelo que é exigível um esforço maior na fundamentação quanto ao exame crítico das provas, por haver necessidade de explicar o que não é notório, nem evidente.
5. A falta de exame crítico adequado das provas compromete a credibilidade da decisão de facto, especialmente quando se baseia em provas indiretas ou deduções.
6. Analisando a sentença proferida pelo Tribunal a quo constata-se que a motivação não explica o porquê da decisão e o processo lógico-formal que a embasa, o que conduz à falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão, desconhecendo-se as razões probatórias que determinaram que o Tribunal a quo formasse a sua convicção quanto ao apuramento da grande maioria dos factos provados.
7. O Tribunal a quo não fez o correlacionamento de todos os meios de prova entre si, e, sobretudo, não fez o correlacionamento dos meios de prova com os factos apurados, limitando-se a indicar de forma demasiado genérica os meios de prova em que se baseou.
8. A sentença recorrida não indica o processo lógico-formal que serviu de suporte à valoração da matéria de facto provada nos termos em que ficou assente, ou seja, não efectua o exame crítico das provas no sentido de objectivamente se poder credibilizar a decisão de facto tomada nos termos em que ficou decidida.
9. O que conduz à nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º n.°1, alínea a), do Código de Processo Penal, porquanto aquela não contém "as menções referidas no n.° 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374.".
10. A falta de fundamentação para os factos provados e não provados e respectiva motivação, através da qual o tribunal explica o processo de formação da sua convicção, com indicação clara das provas e o exame crítico que fez das mesmas, traduz-se simultaneamente numa ofensa dos direitos e garantias do arguido, consubstanciando uma violação do art. 32º, n.° 1, da CRP.
11. A falta de um exame crítico adequado das provas compromete a credibilidade da decisão de facto.
12. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-09-2015, processo 223/12.0PAVNF.G1, em que foi relatora a Desembargadora Manuela Paupério: "Quando o recorrente discorda da matéria dada por assente, impõe a lei, que especifique: os pontos de facto que considera incorretamente julgados; as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas - cfr. número 3 do artigo 412° do Código de Processo Penal. |
Também se pode impugnar validamente a matéria de facto assente quando o recorrente alegue e demonstre que não existe, no processo, nenhuma prova que sustente a matéria de facto provada.".
13. O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 1°), 2°), 4°), 6°), 9°), 10°), 11°), 12°), 13°), 14°), 15°), 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 22°), 24°), 26°), 32°), 33°), 34°), 35°), 36°), 37°), 40°), 41°), 46°), 47°), 48°), 49°), 50°), 53°), 54°), 55°), 56°), 57°), 58°), 61°), 62°), 63°), 64°), 65°), 66°), 67°), 68°), 69°), 70°), 71°), 72°), 73°) e 74°), que a sentença recorrida julgou provados e que devem ser declarados como não provados.
14. Os pontos 1°), 2°), 4°) e 6°) da matéria de facto julgada como provada carecem de prova documental, sendo necessárias certidões de registo comercial ou de registo automóvel para estabelecer direitos de propriedade ou usufruto sobre empresas (pessoas coletivas) e veículos, respetivamente.
15. Não há evidência no processo de certidões de registo comercial das empresas envolvidas nem de certidão de registo automóvel do veículo em questão.
16. A falta de certidões de registo comercial e automóvel relacionadas com as empresas envolvidas e o veículo em questão inviabiliza a prova desses pontos, levando à conclusão de que não estão provados.
17. Mesmo considerando o certificado de matrícula como prova equiparável à certidão de registo automóvel, este não confirma o direito de usufruto de HH sobre o veículo em questão.
18. Quanto aos pontos 9°), 10°) e 11°), não há evidência suficiente nos autos para sustentar que o veículo em questão permaneceu na oficina do recorrente para reparação por um período significativo, como indicado no ponto 10°), ou que foi entregue a outra pessoa enquanto estava lá para reparação.
19. As testemunhas não corroboraram os factos relatados nos pontos 9°) 10°) e 11°).
20. O depoimento da testemunha II não confirma a relação entre o veículo e a oficina do recorrente.
21. O depoimento da testemunha JJ (prestado na sessão de julgamento que teve lugar no dia 22-05-2023, com início Às 14H41M e termo às 14H51M, concretamente nas passagens do minuto 06:38 ao minuto 08:00 e do minuto 08:45ao minuto 08:57), indicando que a estadia do veículo ..-MQ-.. na oficina do recorrente foi breve e apenas para diagnóstico, contradiz a narrativa estabelecida pelo Tribunal a quo. A testemunha mencionou, ainda, que após ter sido realizado o diagnóstico, o veículo ..-MQ-.. foi levado de volta para o stand do arguido BB.
22. Não há prova de que a oficina do arguido seja a única em ..., nem se quer que se situa nas imediações da ....
23. Portanto, os pontos 1°), 2°), 4°), 6°), 9°), 10°) e 11°) da matéria de facto provada não podem ser considerados como tal, dada a falta de provas consistentes, pelo que devem ser considerados como não provados.
24. Não há nem foi produzida prova válida e suficiente para sustentar a convicção do tribunal, para além de uma dúvida razoável, em relação aos factos listados nos pontos 16°), 17°), 32°), 33°), 46°), 47°), 48°), 49°), 50°), 53°), 54°), 55°), 56°), 57°), 58°), 61°), 62°), 63°), 64°), 65°), 66°), 67°).
25. Não foi esclarecido com base em quais provas o tribunal considerou os factos como provados, pois a sentença não fornece essa informação.
26. Os factos só poderiam ter sido considerados provados se houvesse confissão dos arguidos ou reprodução/leitura de declarações prestadas no processo, durante a fase de inquérito.
27. Os arguidos optaram pelo silêncio, não havendo confissão de factos por parte deles.
28. Não houve reprodução ou leitura de declarações no processo durante as audiências de discussão e julgamento.
29. O Tribunal a quo só pôde dar como provados os pontos 16°), 17°), 46°), 47°), 48°), 49°), 50°), 53°), 54°), 55°), 56°), 57°), 58°), 61°), 62°), 63°), 64°), 65°), 66°), 67°), ancorando-se nos depoimentos prestados pelos arguidos AA, BB e CC, todos ainda na qualidade de testemunha, na sequência das diligências de inquérito. E quanto aos pontos 32°) e 33°), ancorando-se no depoimento prestado pela testemunha HH, quer no auto de denúncia, quer já no decorrer do inquérito.
30. Esses actos processuais (auto de denúncia e autos de inquirição de testemunhas) não foram lidos em audiência, pelo que não podem nunca valer para efeito de formação da convicção do julgador (cfr. artigo 355.°, n.° 1 e 356.°, n.° 9, do CPP), sendo que, em qualquer caso a sua leitura não era permitida, pois não se verifica o condicionalismo previsto nos artigos 356.° e 357.° do CPP.
31. O uso de prova proibida, como autos de declarações feitas durante o inquérito, não é permitido e não pode ser usado para fundamentar as conclusões do tribunal.
32. Os pontos 12°), 13°), 14°), 15°), 18°), 19°), 20°), 22°), 24°), 26°), 34°), 35°), 36°), 37°), 40°), 41°), 68°), 69°), 70°), 71°), 72°), 73°) e 74°) da matéria de facto provada, carecem de provas que os sustentem. A sentença recorrida não indica as provas que fundamentam esses factos, nem esclarece como essas conclusões foram alcançadas.
33. A análise das provas produzidas e ou examinadas, incluindo provas documentais e testemunhais, não demonstra uma ligação directa entre o recorrente e os eventos criminais mencionados.
34. Apesar da prova documental e testemunhal, não há evidência direta ligando o recorrente aos eventos criminais.
35. Nenhuma testemunha mencionou conhecimento sobre um suposto plano do recorrente para simular o furto do veículo e obter benefício ilegítimo.
36. Não há evidências de que o recorrente tenha ordenado a cópia das chaves ou placas de matrícula do veículo em questão, nem de que tenha preenchido a participação de sinistro.
37. A ausência de documentos comprobatórios reforça a falta de conexão direta do recorrente com os factos descritos.
38. O juiz pode formar sua convicção com base em presunções oriundas das regras da experiência, permitindo inferências sobre factos não diretamente demonstrados.
39. A prova indireta é admissível, mas exige-se rigor na sua apreciação, especialmente em processos penais, onde a comprovação dos factos deve ser feita além de toda a dúvida razoável.
40. O uso de presunções deve ser respaldado por uma análise lógica e intelectual que justifique a conexão entre os factos conhecidos e os factos inferidos.
41. A avaliação dos indícios deve considerar não apenas os indícios culpabilizantes, mas também aqueles que sugerem a inocência do acusado.
42. A convicção do juiz deve ser fundamentada em prova suficiente para alcançar a certeza jurídica, não bastando uma mera probabilidade ou convicção moral.
43. Os factos provados diretamente, seja por prova documental ou depoimentos de testemunhas, não sustentam as conclusões apresentadas.
44. Um indício só pode ser considerado como prova quando não há outras possíveis explicações para o mesmo, o que não é o caso aqui, onde diversos factos podem ter múltiplas causas.
45. Há imputações vagas e conclusivas por parte do Tribunal a quo, que o recorrente não teve oportunidade de refutar durante o julgamento, resultando em uma falta de convicção concreta por parte do tribunal.
46. A convicção do tribunal parece ter sido influenciada pelo depoimento do arguido BB, prestado como testemunha durante o inquérito, o qual não foi lido em audiência, pelo que não poderia nunca valer para efeito de formação da convicção do julgador (cfr. artigo 355.°, n.° 1 e 356.°, n.° 9, do CPP), sendo que, em qualquer caso, a sua leitura não era permitida, pois não se verificou o condicionalismo previsto nos artigos 356.° e 357.° do CPP.
47. Consequentemente, não há provas nos autos que justifiquem a condenação do recorrente pelos crimes de burla qualificada, tentativa de falsificação de documento e falsidade de testemunho.
48. O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), é um pilar fundamental do sistema jurídico, garantindo que todos os cidadãos sejam tratados de forma justa e equitativa perante a lei.
49. Este princípio está intrinsecamente ligado à dignidade humana e é essencial para combater discriminações arbitrárias em todos os ramos do direito, incluindo o direito penal e processual penal.
50. A proibição de discriminação implícita no princípio da igualdade não implica uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, mas sim que as diferenciações de tratamento sejam justificadas, proporcionais e fundamentadas legalmente.
51. A Jurisprudência Portuguesa, nomeadamente a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, conforme salientado, entre outros, nos Acórdãos n.°s 186/90, 187/90, 188/90 e 166/2010, tem reiterado que o princípio da igualdade proíbe tratamentos discriminatórios ou desiguais que não tenham uma justificação objetiva e racional.
52. O tratamento desigual de situações essencialmente iguais constitui uma violação flagrante do princípio da igualdade consagrado na CRP, comprometendo a justiça e a integridade do sistema judicial.
53. Uma justiça que não é aplicada de forma igual para todos os indivíduos, na medida do possível, não pode ser considerada verdadeira justiça, minando a confiança no sistema judicial e violando os direitos fundamentais dos cidadãos.
54. Na situação dos presentes autos, em que há três arguidos acusados por factos que são, na sua essência, iguais, em que o conteúdo da prova valorada na decisão recorrida é igual quanto a todos eles, não é concebível que essa mesma prova seja valorada de forma diferente em relação a um dos arguidos (no caso o arguido CC), em detrimento dos outros dois, nomeadamente, do arguido AA (o ora recorrente), levando a que os arguidos sejam tratados de modo diferente, sendo dois deles condenados (AA e BB) e o outro absolvido (CC).
55. Comparando os factos acusados, as provas valoradas pelo tribunal e os factos provados relativamente ao arguido AA, ora recorrente, e ao arguido CC, não se consegue perceber a diferença no tratamento dado pelo Tribunal a quo ao arguido CC, em detrimento do arguido AA, ora recorrente, designadamente, aplicando àquele o princípio da presunção de inocência, e já não o fazendo em relação ao arguido AA.
56. A sentença recorrida, ao condenar o ora recorrente e ao absolver o arguido CC, procedeu a um tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais, porque: i) as situações em julgamento iniciaram-se na mesma investigação; ii) os arguidos vinham acusados por factos que são, na sua essência, iguais; iii) o conteúdo da prova valorada na decisão recorrida é igual ou semelhante.
57. Portanto, a decisão do tribunal que, perante a mesma prova, aplica ao arguido CC o princípio da presunção de inocência, e já não o faz em relação ao recorrente, e, dessa forma, acaba por condenar o recorrente enquanto absolve o arguido CC, sem uma justificação objetiva e racional para tal diferenciação, representa uma clara violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
58. Dada a complexidade dos procedimentos legais, no que diz respeito ao crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal é essencial proceder com cautela na análise dos depoimentos de testemunhas, especialmente quando estes contradizem factos ainda por provar. No caso em apreço, onde uma pessoa que anteriormente depôs enquanto testemunha veio mais tarde a adquirir a qualidade de arguido no mesmo processo, torna-se fundamental examinar com rigor a veracidade desses depoimentos.
59. Impõe-se uma análise detalhada das circunstâncias, incluindo a análise das provas disponíveis, a investigação das intenções subjacentes aos depoimentos e a consideração do contexto global do processo legal, o que não se verificou no caso sub judice.
60. Assim, antes de se avançar com qualquer acusação pela prática do crime de Falsidade de Testemunho, é crucial estabelecer, para além de qualquer dúvida razoável, não só que o depoimento anterior foi deliberadamente falso, mas também que essa falsidade teve relevância para o desenrolar do processo, impondo-se a manutenção da presunção de inocência até que tais provas sejam apresentadas de forma clara e convincente em sede de audiência de julgamento.
61. Sempre se diga que o depoimento prestado, enquanto testemunha e ainda em sede de inquérito, pelo arguido AA não foi lido em audiência, pelo que não pode nunca valer para efeito de formação da convicção do julgador (cfr. artigo 355.°, n.° 1 e 356.°, n.° 9, do CPP), sendo que, em qualquer caso, a sua leitura não era permitida, pois não se verificou o condicionalismo previsto nos artigos 356.° e 357.° do CPP.
62. Ao atuar do modo descrito na motivação incorreu o Ministério Público, no que ao crime de falsidade de testemunho concerne, nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119º, al. d), do CPP] refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262º, n.° 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito.
63. Foram violados, entre outros, que V.Exas. doutamente suprirão, os artigos 32º e 13º, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 217° n.° 1, 218° n.° 1 e 2, 255° a), 256.° n.° 1 al. a) e d), 256° n.° 3 e 360° n.° 1 e 3 todos do Código Penal, e os artigos 119° al d), 120.°, 121.°, 125.°, 126.°, 127.°, 140.°, 147.°, 150.°, 343.°, 355.°, 356.°, 357.°, 358.°, 374° e 379.°, do Código de Processo Penal.»
Conclui pedindo que na procedência do presente recurso sejam declarados não escritos e eliminados do acervo de factos provados os factos constantes dos pontos:
1°), 2°), 4°), 6°), 9°), 10°), 11°), 12°), 13°), 14°), 15°), 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 22°), 24°), 26°), 32°), 33°), 34°), 35°), 36°), 37°), 40°), 41°), 46°), 47°), 48°), 49°), 50°), 53°), 54°), 55°), 56°), 57°), 58°), 61°), 62°), 63°), 64°), 65°), 66°), 67°), 68°), 69°), 70°), 71°), 72°), 73°) e 74°).
Seja revogada a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido ora recorrente em co- autoria e em concurso de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1 e 218°, n°s 1 e 22°, 23°, n°s 1 e 2 e 73°, todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão; em co-autoria em concurso de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; em autoria em concurso de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.° 1, al. d) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; iv) em autoria em concurso de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.° 1 e 3 do Código Penal na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, o que perfaz o montante global de 490,00€ (quatrocentos e noventa euros).
Ambos os recursos foram admitidos por despacho proferido nos autos em 21/05/2024.
Em primeira instância o MP respondeu ao recurso alegando, em síntese, que conforme resulta da análise da motivação de facto da sentença recorrida, se, relativamente ao arguido CC sobre o qual foi interposto recurso pelo Ministério Público, parca é a fundamentação elencada pela Mma. Juiz, já no que concerne ao arguido AA, a sentença encontra-se bem fundamentada, pelo que deve, nesta parte, improceder o recurso, não devendo ser considerada verificada a nulidade da sentença nos termos do que vem alegado pelo recorrente.
A prova documental indicada no despacho de acusação, não sendo posta em causa com uma eventual abertura de instrução, é analisada, juntamente com os demais elementos de prova, as regras da experiência e a livre convicção do julgador, em sede de audiência e discussão em julgamento.
No âmbito do processo penal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no artigo 127, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Assim, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que, sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados.
Na sentença ora objecto de recurso encontram-se plasmados os factos constantes da acusação considerados provados, os quais resultaram do decurso da audiência de julgamento e da análise crítica e ponderada dos elementos de prova, todos conjugados com a análise dos documentos e diligências efetuadas e ainda com as regras da experiência, quer documental quer testemunhal.
Não foram os autos de declarações por aquele prestados enquanto testemunhas, lidos em audiência, na medida em que os mesmos se encontram integralmente transcritos no despacho de acusação, assim dele fazendo parte como factos a provar. Assim, não era necessária a leitura e reprodução de autos que se encontra prevista nos artigos 356º e 357º do Código de Processo Penal, preceitos legais esses que não são de observar nos autos por não se encontrarem verificados os requisitos legais para serem aplicados.
Os agentes policiais que se encontram identificados nos pontos 16º), 17º), 32º), 33º), 46º), 47º), 48º), 49º), 50º), 53º), 54º), 55º), 56º), 57º), 58º), 61º), 62º), 63º), 64º), 65º), 66º), 67º), foram arrolados como testemunhas, tendo, além do mais, esclarecido que os arguidos, ainda enquanto testemunhas, foram devidamente esclarecidos e advertidos para as consequências da falsidade do depoimento, pelo que, vindo a concluir-se que os arguidos prestaram declarações falsas, encontra-se assim preenchido o crime de falsidade de testemunho.
Das diligências de inquérito realizadas, designadamente, de inquirições de testemunhas e prova documental junta, logrou-se apurar da participação das ali testemunhas no cometimento dos factos, pelo que foram tais testemunhas constituídas arguidas.
Não existiu qualquer falta de inquérito como alega o recorrente, pelo que, por não se verificar a nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP], consubstanciando-se esta na ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de atos de inquérito, também nesta parte, deve improceder o recurso pelo mesmo intentado.
Conclui face ao exposto que nenhuma censura pode, assim, ser imputada à sentença recorrida, cuja correção e manutenção defende no que respeita à condenação do recorrente.
Não foi apresentada resposta ao recurso interposto pelo MP.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto aderindo aos fundamentos do recurso interposto pelo MP emite parecer no sentido da respetiva procedência, e subscrevendo a resposta dada pelo MP em primeira instância ao recurso do arguido AA emite parecer no sentido da improcedência do mesmo e manutenção do decidido quanto ao arguido recorrente.
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.
2. Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão:
Pelo seu interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a transcrever a sentença recorrida no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação:
«II FUNDAMENTAÇAO DE FACTO
A) FACTOS PROVADO
1°) O arguido AA é proprietário da oficina de reparação de automóveis denominada "A..., Unipessoal, Lda.", com sede na Rua ..., ..., em ..., Santa Maria da Feira.
2°) O arguido BB é proprietário do stand "B...", sito na localidade de ..., Oliveira de Azeméis.
3°) Os arguidos AA e BB são conhecidos entre si.
4°) O arguido CC é proprietário do Stand de Automóveis "C..., Unipessoal, Lda.", sito na Estrada ..., ....
5°) Os arguidos BB e CC são conhecidos entre si.
6°) O pai do arguido AA, KK é proprietário do veículo de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-QR-.., sendo a companheira do arguido, HH, a sua usufrutuária.
7°) Em data não concretamente apurada, mas situada no início do mês de Dezembro de 2019, LL, porque pretendia trocar de veículo automóvel, dirigiu-se ao stand propriedade do arguido BB, ali tendo deixado, para venda, o seu veículo automóvel de marca Mercedes, de matrícula ..-MQ-...
8°) A partir dessa altura, foi este stand que ficou com o veículo de matrícula ..-MQ-.., nada mais sabendo LL do destino dado ao mesmo, o qual se destinava a ser vendido a quem o quisesse adquirir.
9°) Porém, por o veículo apresentar problemas de aquecimento de motor, ainda no mês de Dezembro de 2019, o arguido BB levou-o para a oficina do arguido AA para ser reparado.
10°) O veículo ficou, desde data concreta que não se logrou apurar, mas situada próxima do dia 28 de Dezembro de 2019 até inícios do mês de Janeiro de 2020, na oficina do arguido AA.
11°) A viatura de matrícula ..-MQ-.. foi, entretanto, em inícios de Janeiro de 2020, vendida a II, tendo a este sido entregue quando ainda se encontrava para reparação na oficina do arguido AA.
12°) Porém, durante o período de tempo em que o referido veículo de matrícula ..-MQ-.. esteve na sua oficina, o arguido AA, aproveitando a facilidade que a sua actividade profissional lhe conferia de aceder a vários veículos automóveis, designadamente, às respectivas chaves e às chapas de matrícula, engendrou um plano o qual consistia em simular o furto do veículo automóvel propriedade do seu pai, mas utilizado por si e pela sua esposa, participar o mesmo à seguradora e assim obter benefício patrimonial que não lhe era devido, ludibriando assim esta entidade.
13°) assim, na prossecução do mencionado plano por si engendrado e descrito em 12°), o arguido AA, aproveitando o facto de ter, na sua oficina, o veículo de matrícula ..-MQ-.., decidiu efectuar uma cópia das chapas de matrícula desta viatura.
14º) para o efeito, após retirar as chapas de matrícula da referida viatura, no dia 28-12-2019, dirigiu-se às instalações da empresa “D..., Lda.”, situada na Rua ..., ..., em ..., ali tendo solicitado uma cópia das chapas de matrícula referidas, o que ali foi efectuado.
15°) na medida em que o veículo era do seu pai e era utilizado pela sua companheira, o arguido, em data que não se logrou apurar, mas anterior ao dia 17 de Janeiro de 2020, retirou e levou consigo as chaves da viatura e efectuou uma cópia das mesmas.
16º) após, sempre na prossecução do plano por si engendrado, o arguido AA pediu ao arguido BB que lhe guardasse, durante algum tempo, o veículo de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-QR-.., propriedade do seu pai, KK, sendo a sua companheira, HH, a sua usufrutuária.
17°) O arguido BB, ao saber do plano engendrado pelo arguido AA - melhor descrito em 12°) - com o qual concordou e ao qual aderiu, assim acedeu, mais tendo dito ao arguido AA que, a fim da viatura não ser descoberta, iria levar a mesma para oficina do arguido CC, em ..., localidade.
18°) O arguido AA assim anuiu, no que, em data e hora não concretamente apuradas, mas que se situará depois das 21h00m do dia 17 de Janeiro de 2020 e até às 03h00m do dia seguinte, dirigiu-se ao veículo de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-QR-..,e retirou as chapas de matrícula que no mesmo se encontravam apostas.
19°) após, no lugar das mesmas, colocou as chapas de matrícula ..-MQ-.. cuja cópia havia mandado fazer e que pertenciam a um veículo que tinha sido propriedade de LL e que tinha sido já vendido a II.
20°) de seguida, conforme acordado entre ambos, após as 21h00m daquele dia, o arguido AA entregou ao arguido BB as chaves da viatura cuja cópia havia efectuado, no que este, bem sabendo que as chapas de matrícula que a mesma ostentava não eram as da viatura que se encontrava a conduzir, mas de outro veículo que já tinha estado na sua oficina e que por si havia sido adquirido para venda a terceiros, conduziu a mesma até ....
21°) O arguido CC, recebeu, pelas 03h00m do dia 18 de Janeiro de 2020, na sua oficina de reparação de automóveis, denominada "C... - Unipessoal, Lda.", sita na Estrada ..., ..., a viatura propriedade de KK, conduzida pelo arguido BB.
22°) O arguido BB conduziu a viatura desde ... até ..., bem sabendo que a mesma ostentava chapas de matrícula que não eram daquele veículo, mas de um outro que já tinha estado na sua oficina.
23°) O arguido BB ali deixou o veículo e a chave.
24°) O veículo assim entregue ao arguido CC era para ali ficar parqueado apenas por alguns dias, pelo menos durante o tempo necessário para ser accionado o seguro do veículo automóvel e a companhia de seguros ressarcir o prejuízo sofrido pelo alegado furto, no que o arguido BB depois o iria buscar.
25°) sucede que, na oficina do arguido CC houve necessidade de proceder ao conserto do telhado, no que o mesmo, sabendo que o seu amigo, DD, se havia deslocado para a Alemanha, encontrando-se, assim, ausente da sua residência, e, possuindo o mesmo as chaves da habitação para ali aceder e tratar dos animais daquele na sua ausência, decidiu ali guardar o veículo de marca Mercedes, modelo ..., no qual se encontravam apostas as chapas de matrícula ..-MQ-...
26°) Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pelas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020, o arguido CC retirou, da sua oficina, e estacionou o veículo referido nas traseiras da habitação de DD, o qual ali ficou até ao dia 26 de Janeiro de 2020.
27°) com efeito, no dia 06 de Fevereiro de 2020, pelas 20h00, DD chegou à sua residência e verificou que, no interior da sua propriedade, se encontrava o veículo de marca Mercedes, modelo ..., no qual se encontravam apostas as chapas de matrícula ..-MQ-...
28°) assim, logo alertou as autoridades que, de imediato, se deslocaram ao
local.
29°) No interior do veículo foram, além do mais, encontrados pedaços da matrícula original da viatura, contendo os mesmos, metade da letra "R" e um traço, o número "...", as letras "DGV" e os números "...".
30°) O veículo foi, em inícios de Julho de 2020, entregue ao seu proprietário, KK, pai do arguido AA.
31°) ao constatar que o veículo de matrícula ..-QR-.. não se encontrava estacionada no local onde a havia deixado, no dia 18 de Janeiro de 2020, pelas 09h05m, HH dirigiu-se à esquadra da P.S.P. de ... e participou o furto da viatura, tendo, pelas 11h09m desse dia, KK ratificado a queixa por aquela apresentada.
32°) HH mais ali fez constar que o veículo tinha o valor comercial de cerca de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), possuindo seguro na companhia de seguros "E...".
33°) Ainda ali fez, além do mais, constar que, "no local onde a viatura tinha estado estacionada, não havia vidros partidos nem qualquer outro vestígio do veículo."
34°) O arguido AA, bem sabendo da veracidade dos factos e que não havia ocorrido nenhum furto relativo ao veículo do seu pai e bem sabendo onde o mesmo se encontrava, preencheu a declaração de participação de sinistro, cuja cópia se encontra junta a fls. 189 e cujo teor damos por integralmente reproduzido.
35°) na referida participação que preencheu, o arguido AA ali fez constar que, no dia 17 de Janeiro de 2020, pelas 21h00m, o veículo tinha ficado estacionado na Rua ..., em ..., no que, no dia seguinte, pelas 07h30m, o veículo ali não se encontrava.
36°) mais ali fez constar que no local onde a viatura estava estacionada, existiam vidros partidos no chão.
37°) Após, o arguido AA apresentou a "participação de sinistro" ao seu pai, tomador do seguro, o qual a assinou no local respectivo, tendo, depois, entregue a mesma, ainda naquele dia, à companhia de seguros E..., mais tendo juntado as duas chaves da viatura.
38º) A apólice da viatura propriedade de KK, com o número ..., contempla, entre outras coberturas, responsabilidade civil e furto/roubo.
39°) O valor seguro por furto, à data do sinistro, era de € 20.089,29 (vinte mil e oitenta e nove euros e vinte e nove cêntimos).
40°) A participação de sinistro assim preenchida pelo arguido AA, foi assinada pelo seu pai, tomador do seguro e entregue na referida seguradora que abriu o competente processo e efectuou as diligências necessárias e reuniu os pertinentes documentos a fim de ressarcir o tomador do seguro do valor da indemnização devido.
41°) O arguido AA tinha conhecimento das condições da apólice e do valor do seguro devidos, sendo que, devido ao facto do proprietário do veículo ser seu pai e ser a sua companheira a sua usufrutuária, também iria beneficiar de parte ou da totalidade do valor de tal indemnização.
42°) Porém, a seguradora foi informada pelo D.I.A.P. de Arganil que o veículo havia sido recuperado, pelo que o processo foi encerrado sem que houvesse lugar a qualquer indemnização ao tomador do seguro.
43°) Face ao sucedido a queixa crime apresentada por HH e ratificada por KK, deu origem aos presentes autos de inquérito, onde, além do mais, foi o arguido A... inquirido como testemunha.
44°) assim, na sequência das diligências de inquérito que tiveram lugar no âmbito destes autos, foi o arguido AA inquirido, ainda na qualidade de testemunha, diligência essa que teve lugar no dia 08-02-2021, pelas 16h00m, nas instalações da esquadra da P.S.P. de ..., perante o agente da P.S.P. a exercer funções naquele Órgão de Polícia Criminal, MM.
45º) enquanto testemunha, foi o mesmo advertido das consequências penais em que incorria, caso faltasse à verdade, mormente do disposto nos artigos 359º e 360° do Código Penal, tendo das mesmas ficado ciente e que responderia com verdade às perguntas que lhe fossem feitas.
46°) Contudo, o arguido, bem sabendo das consequências penais da sua conduta, ali declarou que o veículo automóvel tinha sido alvo de furto, desconhecendo quem fossem os autores de tal ilícito criminal e de que modo o mesmo foi subtraído do local onde se encontrava estacionado.
47°) mais referiu que uma das chaves da viatura se encontrava na posse da sua esposa, encontrando-se a segunda chave na sua oficina.
48°) ainda ali referiu, além do mais, conhecer o arguido BB, o qual, como refere, prestou declarações falsas, porquanto nunca pediu ao mesmo que guardasse a viatura do seu pai, nem a tinha na sua posse após o furto.
49°) mais referiu que foi o seu pai quem efectuou a participação ao seguro e que foi quem se deslocou ao Posto da G.N.R. ... a fim de proceder ao levantamento da viatura, ali tendo constatado que a mesma não apresentava sinais de arrombamento ou estroncamento dos canhões das portas.
50°) ali ainda declarou não se recordar de alguma vez lhe ter sido entregue para reparação alguma viatura com a matrícula ..-MQ-...
51°) ainda na sequência das diligências de inquérito que tiveram lugar no âmbito destes autos, foi o arguido BB inquirido ainda na qualidade de testemunha, diligência essa que teve lugar no dia 26-01-2021, pelas 14h30, nas instalações da esquadra da P.S.P. de ..., perante o agente da P.S.P. a exercer funções naquele Órgão de Polícia Criminal, MM.
52º) enquanto testemunha, foi o mesmo advertido das consequências penais em que incorria, caso faltasse à verdade, mormente do disposto nos artigos 359º e 360° do Código Penal, tendo das mesmas ficado ciente e que responderia com verdade às perguntas que lhe fossem feitas
53°) contudo, o arguido, bem sabendo das consequências penais da sua conduta, ali declarou que o arguido AA, em dia que não se recorda, lhe havia solicitado que guardasse, durante algum tempo, na sua oficina, uma carrinha da marca Mercedes, modelo ....
54°) assim, e como ali refere, sugeriu àquele levar o veículo para ..., para a oficina de um amigo pois precisava de ir lá buscar um veículo que ali tinha deixado.
55°) como ainda ali refere, levou o veículo que AA lhe pediu para guardar, tendo-o deixado na oficina de CC.
56°) mais ali refere desconhecer qual a matrícula que o veículo ostentava.
57°) referiu que cerca de um mês depois, CC contactou-o dizendo- lhe que o veículo de marca Mercedes era furtado, o que desconhecia.
58°) mais refere que confrontou AA com o sucedido tendo este dito que ia averiguar o que se passava, nunca mais tendo, porém, lhe dito nada.
59°) ainda na sequência das diligências de inquérito que tiveram lugar no âmbito destes autos, foi o arguido CC inquirido na qualidade de testemunha, diligência essa que teve lugar no dia 16-02-2021, pelas 09h20, nas instalações do Posto da G.N.R. ..., perante o Cabo NN a exercer funções naquele Órgão de Polícia Criminal.
60º) enquanto testemunha, foi o mesmo advertido das consequências penais em que incorria, caso faltasse à verdade, mormente do disposto nos artigos 359º e 360° do Código Penal, tendo das mesmas ficado ciente e que responderia com verdade às perguntas que lhe fossem feitas.
61°) contudo, o arguido, bem sabendo das consequências penais da sua conduta, ali declarou que, no dia 18-01-2020, pelas 03h00m, o arguido BB deixou a viatura de marca Mercedes na sua oficina a fim de ali ficar parqueada.
62°) mais ali refere que, no dia anterior, o arguido BB lhe havia telefonado a dizer que ia passar em ..., vindo de Lisboa, e assim levava a viatura de marca Fiat, modelo ... que, em tempos lhe havia emprestado.
63°) assim, no dia seguinte, pelas 03h00m, BB chegou ao local acompanhado de uma senhora que ali se encontrava para também conduzir um dos veículos, o que não veio a suceder por se sentir demasiado cansada para conduzir.
64°) como refere, aceitou assim que o veículo de marca Mercedes ali ficasse guardado, o que seria por uns dias, razão pela qual não verificou os documentos do mesmo nem o seu interior.
65°) mais referiu ter transportado o veículo para casa de DD.
66°) ali declarou ainda que foram os militares da G.N.R. ... que lhe disseram que o veículo tinha chapas de matrícula não condizentes com a cor do veículo, no que contactou o arguido BB que lhe disse que o veículo ali estava devido a chatices de namorados.
67°) mais referiu que, mais tarde, ainda enviou uma mensagem a BB a pedir-lhe que o mesmo contasse a verdade, não mais tendo atendido qualquer telefonema do mesmo.
68°) Ao retirar as chapas de matrícula que se encontravam na viatura propriedade do seu pai e ao colocar na mesma as chapas de matrícula, ..-MQ-.. e ao permitir que o arguido BB assim circulasse com a mesma, agiu o arguido A... com o propósito concretizado de que tal veículo circulasse com uma matrícula que não era a sua, assim iludindo a fiscalização das autoridades policiais, o que representou e logrou conseguir.
69°) Ao conduzir o veículo no qual se encontravam apostas as chapas de matrícula ..-MQ-.., chapas essas que o arguido BB bem sabia não corresponderem àquele veículo e bem sabendo qual o objectivo de assim suceder, agiu o arguido BB com o propósito concretizado de iludir a fiscalização das autoridades policiais, o que representou e logrou conseguir.
70°) Ao ter o arguido AA retirado e aposto chapas de matrícula numa viatura que não correspondiam às que ali deveriam estar e ao circularem os arguidos BB com o veículo referido, bem sabendo que as chapas de matrícula não eram as daquela viatura e que as chapas de matrícula de uma viatura dizem respeito a documento autêntico ou com igual força, agiram os arguidos AA e BB com o propósito concretizado de pôr em causa o valor de tais documentos no tráfico jurídico probatório, e que com isso causavam prejuízo ao Estado, o que representaram e lograram conseguir.
71°) Ao assim actuarem, agiram os arguidos AA e BB com o propósito de, ao ficcionarem, como fizeram, o furto do veículo automóvel propriedade do pai do arguido AA, ocorrência essa que seria, como foi, comunicada à companhia de seguros, que, além do mais, contemplava na respectiva apólice, situações de furto/roubo, levaria a que esta ressarcisse o tomador do seguro da indemnização devida, assim obtendo, para si, uma quantia monetária a que sabiam não ter direito, mais causando um prejuízo económico de igual montante à companhia de seguros E..., o que só não lograram conseguir porquanto o veículo veio a ser encontrado, tendo a seguradora, ao disso tomar conhecimento, encerrado o processo, assim não liquidando a quantia indemnizatória prevista, orçada em 20.089,29 (vinte mil e oitenta e nove euros e vinte e nove cêntimos).
72°) Ao preencher a declaração "participação de sinistro", sabia o arguido A... que a mesma não correspondia à verdade, porquanto não tinha ocorrido nenhum furto da viatura e que no local onde a mesma se encontrava estacionada não existiam vidros partidos, como ali fez constar de forma a conferir maior credibilidade à verificação daquele ilícito criminal que bem sabia não ter ocorrido.
73°) Ao assim agir, actuou o arguido A... com o propósito de obter para si um benefício ou vantagem patrimonial a que sabia não ter direito e que só poderia ser obtido à custa de um prejuízo que sabiam ir provocar na companhia de seguros, o que representou.
74°) Ao serem inquiridos como testemunhas e conhecendo a reprovabilidade das suas condutas e as consequências penais da sua obrigação de dizer a verdade, agiram os arguidos A..., BB, de forma livre e com o propósito concretizado de, após prestarem juramento, oferecerem aos Órgãos de Polícia Criminal que efectuaram tais diligências, uma versão diferente e errónea do que verdadeiramente ocorreu relativamente aos factos que estavam em causa nestes autos, bem sabendo que o que estavam a declarar estava em contradição com a verdade, o que fizeram de forma a ocultarem a verdade, visando, dessa forma, eximirem-se de qualquer responsabilidade criminal, o que representaram.
Da contestação do arguido AA:
76°) O Arguido AA é considerado pessoa honesta, respeitadora e respeitada.
77°) Actualmente, trabalha por conta própria, sendo o único sócio e gerente da sociedade A..., Unipessoal, Lda., sediada em ....
78°)Está bem inserido familiar e socialmente, sendo considerado e respeitado nos meios de onde é natural, onde trabalha e onde reside.
79°)Vive com a companheira e a filha menor de ambos, mantendo com ambas um forte vínculo afectivo, bem como com os demais familiares.
80°)Não lhe sendo conhecido qualquer antecedente criminal.
Da contestação do arguido CC:
81°) O Arguido CC é considerado pela sua mulher como pessoa séria.
Mais se provou que:
82°) Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais.
83°)O arguido AA aufere mensalmente cerca de 1300 euros, na sua actividade profissional.
84°)Paga de credito bancário 280€.
85°)Tem uma filha 8 anos,
86º)O arguido CC vive com mulher e três filhos de 9, 6 e 4 de idade.
87° )Aufere mensalmente cerca de 800,00€ na sua actividade profissional e paga uma renda cerca de 280€.
88°)Paga de infantário um valor mensal de 120€.
89°)Pagou uma coima 250 até ao final do ano de 5000 ambiente
90°)O arguido BB vive com companheira.
91°)Paga uma prestação de 600,00€ de credito à habitação e outro crédito de 160€.
92°)Aufere na sua actividade profissional, mensalmente, cerca de 1600€.
Factos não provados:
Da acusação:
1°) o arguido AA actuou sem que pai e companheira se apercebessem e tivessem conhecimento, a, sem que a estes disso desse conhecimento ou solicitasse autorização, sem nunca dar conhecimento ao seu pai e à sua companheira do seu propósito.
2°) O arguido BB tinha de se deslocar à oficina do arguido CC para ir buscar uma viatura de marca Fiat, modelo ...
3°) o veiculo encontrava-se estacionado na Rua ..., em ..., em frente à residência onde o arguido AA residia .
4°) O arguido BB deu, entretanto, conhecimento ao arguido CC do plano engendrado por A... e que a necessidade de este lhe guardar uma viatura era para que não fosse descoberta pelas autoridades, de molde a ser accionado o pagamento do valor do seguro devido pelo alegado furto da mesma.
5°) O arguido BB ali deixou o veículo e a chave, tendo regressado a Oliveira de Azeméis a conduzir um veículo de marca Fiat, modelo ... que havia emprestado ao arguido CC.
6°) Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pelas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020,
7°)Tendo-o deixado na oficina de CC, tendo regressado a casa ao volante do veículo que ali tinha deixado em tempos.
8º) O arguido CC sabia do plano engendrado por A..., com o qual concordou e ao qual aderiu, tendo-se prontificado a guardar a viatura propriedade do pai daquele até que fosse reportada o alegado furto à Seguradora.
9°) Porém, quando inquirido como testemunha no âmbito dos presentes autos, bem sabendo da veracidade dos factos e das consequências penais da sua conduta, o arguido CC e BB omitiram os factos tal como eles sucederam.
10°) O arguido CC sabia que as chapas de matrícula não eram as daquela viatura e que as chapas de matrícula de uma viatura dizem respeito a documento autêntico ou com igual força, agiu este arguido com o propósito concretizado de por em causa o valor de tais documentos no tráfico jurídico probatório, e que com isso causava prejuízo ao Estado, o que representou e logrou conseguir.
11°)Ao assim actuar, agiu o arguido CC com o propósito de, ao ficcionar, como fez, o furto do veículo automóvel propriedade do pai do arguido AA, ocorrência essa que seria, como foi, comunicada à companhia de seguros, que, além do mais, contemplava na respectiva apólice, situações de furto/roubo, levaria a que esta ressarcisse o tomador do seguro da indemnização devida, assim obtendo, para o arguido AA, uma quantia monetária a que sabiam não ter direito, mais causando um prejuízo económico de igual montante .
12°)Ao ser inquirido como testemunhas e conhecendo a reprovabilidade da sua conduta e as consequências penais da sua obrigação de dizer a verdade, agira CC, de forma livre e com o propósito concretizado de, após prestarem juramento, oferecerem aos Órgãos de Polícia Criminal que efectuaram tais diligências, uma versão diferente e errónea do que verdadeiramente ocorreu relativamente aos factos que estavam em causa nestes autos, bem sabendo que o que estavam a declarar estava em contradição com a verdade, o que fizeram de forma a ocultarem a verdade, visando, dessa forma, eximirem-se de qualquer responsabilidade criminal, o que representaram.
13°) Sabia ainda o arguido CC que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Da contestação do arguido AA:
14°)Desde que deixou de estudar, o Arguido sempre trabalhou e viveu à custa dos rendimentos do seu trabalho.
15°)O Arguido é uma pessoa séria, honesta, respeitadora .
16°)O Arguido tem o 9.° ano de escolaridade.
17º)O Arguido tem procurado pautar a sua conduta em conformidade com a Lei e com o Direito.
Da contestação do arguido CC:
18°)É pessoa estimada e respeitada por todos quanto o conhecem e com ela lidam, gozando no meio social onde se encontra inserido, boa reputação e prestígio.
19°)Mantendo, quer antes, quer depois dos factos que lhe são imputados, um comportamento irrepreensível.
MOTIVAÇÃO
O tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em sede de audiência de julgamento, depois de criticamente analisados, à luz das regras da experiência comum e da verosimilhança.
Concretizando:, a prova documental:
Do apenso A:
termos de entrega de fls. 2, 89, 94
autos de apreensão de fls. 8, 92,
auto de exame directo e avaliação de fls. 10 a 14
"print" de fls. 19 a 21.
relatório de inspecção ocular e fotográfico de fls. 31 a 37 e aditamento de fls. 112 a 114.
auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 43 a 51 relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 100 a 102
auto de levantamento de fls. 124
Dos autos principais:
termo de entrega de fls. 271
cópia do certificado de matrícula de fls. 17 verso.
"prints" de fls. 183, 196, 213
informação de fls. 185, 191, 220 verso a 227, 239 a 243.
participação de sinistro de fls. 189, 190
auto de exame directo de fls. 234 a 235.
documentos de fls. 247, 293 a 298
Certificados de Registo Criminal de fls. 319 a 321.
Os arguidos remeteram-se ao silêncio optando por prestar declarações apenas quanto às condições pessoais.
As testemunhas KK e HH, pai e esposa do arguido AA respectivamente e OO, companheira do arguido BB, usaram da prerrogativa legal de recusar o depoimento prevista no art. 134°, n.°1 do Código de Processo Penal.
Os depoimentos testemunhais, no essencial, revelaram -se credíveis, com excepção das indicadas pelas testemunhas indicadas pelo arguido CC que não convenceram plenamente, conforme se analisará infra.
Vejamos:
EE, cabo da GNR ..., procederam à apreensão do veiculo na residência da testemunha, DD. Confirmou que através dos vídeos e que o amigo la estacionou o veiculo sem conhecimento.
Tomaram providencias, verificaram que a matrícula não correspondia que e a um que estava como furtado em denuncia no posto de ..., 20 dias antes também se recolheu as imagens da videovigilância, onde conta o arguido Março a entregar a carta confirmou a disparidade das matriculas sendo que uma correspondência a um veículo preto e outro cinzento.
Mencionou que no interior do veículo tinha pedaços de matriculas, e todos os pedaços juntos eram daquela matricula. A final o veículo foi entregue a proprietário.
PP, cabo da GNR ..., descreveu que na sua intervenção acompanhou o colega à referida habitação.
MM, agente da PSP de ..., referiu-se à averiguação que realizou e que apurou que as matriculas haviam sido mandadas fazer e a situação de seguros como furto contactou com o proprietário do veiculo e o filho, o arguido AA, a usufrutuária, sua companheira e, procedeu à respectiva inquirição como testemunhas.
Afirmou que efectuou as advertências para as consequências da falsidade do depoimento. Ao nível das diligencias, confirmou que foi ao local, descobriu onde as matriculas foram feitas e perceber quando foram feitas tendo depois conhecimento do alerta da GNR da localização da viatura
LL, confirmou que entregou a carrinha para venda ao arguido BB cerca de dois meses depois recebeu uma chamada da GNR a referir que tinham encontrado o carro.
II, confirmou que comprou essa carrinha ao arguido BB indicando o local do stand e foi buscá-la a uma oficina a ..., não sabendo quem era o proprietário dessa oficina, extraindo- se de demais factualidade, que se tratava da do arguido AA.
F..., empresário no ramo automóvel, cliente da oficina -do arguido AA, elogiou-o classificando-o como pessoa correcta e bom profissional.
QQ, que trabalha na oficina do irmão, o arguido AA, descreveu-o como pessoa honesta.
FF, mulher do arguido CC, administrativa no stand do marido, descreveu-o como pessoa trabalhadora, confiável, não é vigarista, ajuda os amigos até se prejudica, e que está muitas horas a trabalhar.
Relativamente aos factos, contou que o marido foi colocar o carro a casa do amigo DD, sendo que tinha as chaves da casa dele porque iam fazer obras e arrumações na oficina e não havia espaço porque tinha lotado.
Não explicou convenientemente os horários verificados para receber e levar o veiculo em causa, situações pontuais, quando há muito serviço faz um horário exagerado mencionado, aí sem convencer, precisava do carro para mulher,
GG amigo do arguido CC, confirmou que naquele foi levar o carro aquela hora da madrugada, pronunciando-se sobre o horário que o arguido CC efectuou. Não convenceu face ao seu teor contrario às regras de experiência comum, sendo que não seria horário de atendimento nem pela forma como prestou, transmitindo parcialidade.
DD, amigo do arguido CC, descreveu de forma sincera e em suma, que verificou que o arguido BB a quem deixou uma chave de sua casa, deixara o veiculo em causa lá, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e não o retirou pelo que chamou as autoridades policiais.
No que se refere à participação dos arguidos AA e BB nas actuações em causa nos autos, dado que os arguidos, optaram legitimamente, por não pretender prestar declarações, impõe-se algumas observações:
O artigo 127° do Código de Processo Penal, dispõe que "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".
Conforme escreve o Prof. Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, 1° Volume, pág. 203/205, este princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação motivável e incontrolável- e, portanto, arbitrária- da prova produzida".
Sendo que tal discricionariedade tem limites inultrapassáveis: "a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever- o dever de perseguir a chamada "verdade material" -, de tal sorte que a apreciação há-de ser em concreto, redutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo."
E continua: "a livre ou íntima convicção do juiz... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e, portanto, motivável".
Concluí que "Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável", isto é, "quando o tribunal tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse".
A ligação entre os arguidos BB e AA também se extrai plena indicação dada ao comprador do veiculo vendido pelo arguido BB reparado na oficina do arguido AA.
A denuncia ter sido efectuada pelo proprietário, pelo menos, formal o pai do arguido AA de furto do veiculo de que a sua companheira era usufrutuaria, que foi assinada após preenchimento sendo que o arguido proporcionaria e beneficiaria dada a ligação com a usufrutuaria do valor a obter ilicitamente da parte da seguradora.
Por outro lado, quanto ao arguido BB o facto de ter vendido um veiculo com as matrículas iguais as que estavam apostas no veículo diferente que circulou de madrugada pear a oficina de pessoa conhecida, indicia fortemente, de forma justa, razoável e fundada, sem recurso a mera intuição, impressão ou convicção já que se não vislumbra qualquer outra possibilidade razoável, nem tendo sido apresentada qualquer explicação.
Finalmente sempre se dirá, que embora sobre os arguidos não recaia o dever de provar a sua inocência (cf. artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República), e de o seu silêncio não os poder desfavorecer (cfr.artigo 343°, n.° 1 do Código do Processo Penal), ao recusar-se a prestar declarações, certo é, que os arguidos perderam a oportunidade de explicar e justificar-se perante a evidência de ter sido o identificado como autores dos crimes em causa, privando deste modo o tribunal da dúvida de qualquer dúvida razoável que a existir, seria, valorada "pro reo".
Ora, conjugados os actos praticados assumem pois, as características de indícios graves, precisos e concordantes e conjugados com a demais prova e regras de experiência comum poder considerar provados os factos vertidos na acusação e concluir sem margem de dúvidas, ter sido o arguido AA quem copiou as matriculas por estar perante um veiculo com tais matrículas na sua oficina inferindo-se ser a sua a oficina a que testemunha se refere em ... e não outra possivelmente ali existente.
A pertinente factualidade subjectiva foi retirada por via indirecta dos factos provados e de acordo com as regras de experiência comum.
No que respeita aos seus antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se no Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Relativamente às condições pessoais, valoraram-se as declarações dos próprios arguidos que se revelaram credíveis.
Quanto à factualidade considerada como não provada pelo Tribunal, cumpre referir que a prova produzida não permitiu a formação de uma convicção positiva quanto a ela, ou porque não foi objecto de qualquer corroboração, não tendo sido sustentada por qualquer outro tipo de prova, nomeadamente testemunhal, ou aquela prova não se mostrou segura e inequívoca, ou foi infirmada pela restante prova produzida.
Relativamente ao arguido CC, embora não seja compatível com as regras de experiência comum que o arguido CC tenha que receber o veiculo de madrugada e circular com o mesmo logo às 6.00h para o esconder, às regras da experiência comum e do normal acontecer, que bem sabendo que assim estava a encobrir alguma actividade de alguém mediante alguma contrapartida, senão não iria assumir esse encargo e até ter utilizado o especo de um amigo que lhe transmitiu que não o pretendia.
Mais se estranha que não soubesse o que continha o seu interior onde estavam pedaços de uma matricula, e que não procurasse ver os documentos onde constava uma matrícula distinta.
Mesmo tendo presente que a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe, antes, a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito, certo é que nenhuma testemunha convenceu da pertinente factualidade objectiva e subjectiva com toda a certeza para sustentar uma condenação criminal.
Perante tantas incertezas, foi o aludido princípio "in dúbio pro reo", que imperou na decisão do julgador sobre a matéria de facto.
E, à luz desse princípio se os factos relevantes para a decisão não podem ser subtraídos a dúvida razoável do Tribunal não podem ser considerados provados, actuando em sentido favorável.
Afirma-se pois, o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa.»
B – Fundamentação de direito
Atenta a jurisprudência constante dos Tribunais superiores o objeto do recurso delimita-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo daquelas que forem do conhecimento oficioso do Tribunal.
No caso concreto em apreciação os recorrentes suscitam as seguintes questões de que cumpre apreciar:
a) relativamente ao recurso do MP
1. a) Nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova e falta de fundamentação do sentido da decisão.
2. a) Vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova e impugnação da matéria de facto.
3. a) Violação do princípio da livre apreciação da prova.
b) relativamente ao recurso do arguido A...
1.b) Nulidade por falta de fundamentação.
2.b) Nulidade por falta absoluta de atos de inquérito no que respeita ao crime de falso testemunho.
3.b) Violação do disposto nos artigos 355 e 356 do CPP.
4.b) Impugnação ampla da matéria de facto.
5.b) Violação do princípio da igualdade.
Cumpre apreciar!
Recurso do MP
1.a) Nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova e falta de fundamentação do sentido da decisão.
Antes do mais convém salientar que o âmbito deste recurso é restrito à absolvição do arguido CC.
Considera o recorrente que a sentença recorrida não contém as menções previstas no art. 374 nº2 do CPP, pelo que, a mesma deve ser declarada nula.
O citado preceito do CPP dispõe:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
A explicitação de motivos e análise exigida pelos preceitos legais invocados pela recorrente, basta-se com uma exposição sumária, desde que seja percetível.
No caso concreto em análise a Sr.ª Juiz que presidiu ao julgamento esclarece na motivação que não ficou convencida da versão apresentada na contestação do arguido CC entrada em juízo e 16/05/2022, nem o depoimento das testemunhas da defesa logrou convencer da veracidade do aí afirmado, porquanto, se revelaram tendenciosas e parciais, o que veio a traduzir-se nos factos considerados não provados sob os pontos com os números 18 e 19.
Porém, e como bem afirma na sua motivação citando o Prof. Figueiredo dias a propósito da livre apreciação da prova: «Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”, isto é, “quando o tribunal… tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.»
E relativamente à factualidade não provada:
«… cumpre referir que a prova produzida não permitiu a formação de uma convicção positiva quanto a ela, ou porque não foi objecto de qualquer corroboração, não tendo sido sustentada por qualquer outro tipo de prova, nomeadamente testemunhal, ou aquela prova não se mostrou segura e inequívoca, ou foi infirmada pela restante prova produzida.
Relativamente ao arguido CC, embora não seja compatível com as regras de experiência comum que o arguido CC tenha que receber o veiculo de madrugada e circular com o mesmo logo às 6.00h para o esconder, às regras da experiência comum e do normal acontecer, que bem sabendo que assim estava a encobrir alguma actividade de alguém mediante alguma contrapartida, senão não iria assumir esse encargo e até ter utilizado o espaço de um amigo que lhe transmitiu que não o pretendia.
Mais se estranha que não soubesse o que continha o seu interior onde estavam pedaços de uma matricula, e que não procurasse ver os documentos onde constava uma matrícula distinta.
Mesmo tendo presente que a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe, antes, a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito, certo é que nenhuma testemunha convenceu da pertinente factualidade objectiva e subjectiva com toda a certeza para sustentar uma condenação criminal.
Perante tantas incertezas, foi o aludido princípio “in dúbio pro reo”, que imperou na decisão do julgador sobre a matéria de facto.
E, à luz desse princípio se os factos relevantes para a decisão não podem ser subtraídos a dúvida razoável do Tribunal não podem ser considerados provados, actuando em sentido favorável.
Afirma-se pois, o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.»
A senhora Juiz expressou de forma inequívoca as suas dúvidas sobre a participação com conhecimento e consciência da ilicitude dos atos praticados pelo arguido CC relativamente ao plano dos outros arguidos AA e BB; e perante essa dúvida insanável, face à incerteza do ocorrido e falta de apuramento de detalhes que lhe permitissem concluir pela participação dolosa deste arguido, aplicou e bem, em nossa opinião o princípio do in dubio pro reo, quanto a ele.
O referido princípio enquanto corolário da presunção de inocência constitucionalmente consagrada no art.32 nº2 da CRP, aplica-se sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal do agente, e estabelece que se decida no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, o qual deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão suscetível de desfavorecer, objetivamente, o arguido.
Ou seja, ocorre violação do referido princípio quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece ou quando, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objetiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios aplicáveis em matéria de direito probatório, resulte que as deveria ter tido...
No caso concreto tendo a Sr.ª Juiz explicitado a razão pela qual não pode formar uma convicção positiva quanto à autoria e participação do arguido CC nos factos no plano engendrado pelos outros arguidos, não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação arguida pelo recorrente.
2.a) Vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP e impugnação da matéria de facto.
Aqui chegados cumpre salientar que o recorrente também parece querer impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412 nº3 e 4 do CPP.
Porém, nas conclusões recursivas o recorrente não especifica relativamente a que factos entende que o Tribunal de julgamento incorreu em erro de julgamento, nem indica provas para alterar a matéria de facto insurgindo-se essencialmente contra a convicção do Tribunal de julgamento.
Refere os factos provados sobre os pontos 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66 e 67, mas não pretende que os mesmos sejam de algum modo alterados, apenas se insurgindo por não terem dado origem a condenação por falso testemunho, o que claramente é matéria de aplicação do direito aos factos e não de impugnação da matéria de facto.
Já quanto aos factos não provados o recorrente não indica quais os que considera incorretamente julgados e tendo a matéria de facto não provada vários itens fica-se sem saber a quais os que o recorrente considera incorretamente julgados, não cumprindo ao Tribunal identificá-los.
Por todo o exposto, e atenta a falta de cumprimento dos requisitos da impugnação ampla da matéria de facto, não se conhece do recurso relativamente ao erro de julgamento.
Passemos então ao conhecimento dos vícios do art. 410 nº2 invocados pelo recorrente, os quais também são do conhecimento oficioso deste Tribunal e podem dar origem à alteração da matéria de facto por via da revista alargada.
Entende o recorrente que a sentença incorre em vício de contradição insanável da fundamentação ao considerar, simultaneamente, como provado e não provado, que o arguido CC, sabendo que o veículo se encontrava escondido na sua oficina, decidiu guardar o veículo de marca Mercedes, de matrícula ..-MQ-.. na residência de DD, o que fez de forma a não ser visto, considerando, por outro lado, o seu contrário, ou seja, que não ficou provado que o arguido sabia que o veículo se encontrava escondido na sua oficina e que o transportou para a residência daquele de forma a não ser visto.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão enquanto vício previsto no art.410 nº2 al.b) do CPP, verifica-se quando a sentença se encontra estruturada em factos ou motivos logicamente inconciliáveis, ou seja, do texto da decisão constam posições antagónicas que mutuamente se excluem, não podendo coexistir na mesma perspetiva lógica da decisão, tanto na coordenação dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos da solução de direito.
Assiste razão ao recorrente na medida em que o facto provado sob o ponto 26: «Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pelas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020, o arguido CC retirou, da sua oficina, e estacionou o veículo referido nas traseiras da habitação de DD, o qual ali ficou até ao dia 26 de Janeiro de 2020.» e o facto não provado sob o ponto nº6: «Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pélas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020,»
Ora, esta contradição atenta a motivação da convicção onde a Sr.ª Juiz admite que o arguido CC estaria a encobrir alguma irregularidade pode ser suprida com a eliminação do ponto nº6 dos factos não provados.
Por outro lado, este facto provado sob o nº 26 também enferma de lapso e está em contradição com os factos também provados sob os pontos nº27 e 28 onde se refere:
«27°) com efeito, no dia 06 de Fevereiro de 2020, pelas 20h00, DD chegou à sua residência e verificou que, no interior da sua propriedade, se encontrava o veículo de marca Mercedes, modelo ..., no qual se encontravam apostas as chapas de matrícula ..-MQ-...
28°) assim, logo alertou as autoridades que, de imediato, se deslocaram ao local.»
Assim urge corrigir a redação do ponto 26 da matéria de facto provada que passa a ser a seguinte: «Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pelas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020, o arguido CC retirou, da sua oficina, e estacionou o veículo referido nas traseiras da habitação de DD, o qual ali ficou até ao dia 6 de fevereiro de 2020.»
Existe também contradição entre a fundamentação da decisão e a matéria de facto não provada constante do ponto nº9: «Porém, quando inquirido como testemunha no âmbito dos presentes autos, bem sabendo da veracidade dos factos e das consequências penais da sua conduta, o arguido CC e BB omitiram os factos tal como eles sucederam.», o que só pode dever-se a lapso no que se refere ao arguido BB que veio a ser condenado por crime de falso testemunho.
Porém, tal contradição pode eliminar-se retirando do ponto 9 dos factos não provados a referência ao arguido BB.
Entende também o recorrente que a prova dos factos constantes dos pontos 59 a 67 dos factos provados está em contradição com a absolvição do arguido CC do crime de falso testemunho pelo qual vinha acusado, porém, não se verifica esta contradição devido ao facto não provado sob o ponto 9, dado que não se demonstrou que CC tivesse omitido a verdade dos factos por si conhecida quando prestou declarações no inquérito desde logo porque nem ficou provado que este conhecesse essa verdade.
Considera também o recorrente que a sentença incorreu em vício de erro notório na apreciação da prova.
Este vício verifica-se apenas quando estamos perante um erro de raciocínio grosseiro que se denota do próprio texto da decisão, consistindo em dar como provado ou como não provado, determinado facto, contrariando as regras da experiência ou da lógica, - intolerância lógica -, de forma evidente e detetável pelo comum dos cidadãos. Tem de tratar-se de desacerto evidente e objetivamente percetível por todos, de acordo com as regras gerais da experiência; isto é, a decisão dá como provadas circunstâncias ou factos, que notoriamente não poderiam ter acontecido dessa forma.
Ora, a decisão recorrida não incorre nesse vício já que de forma lógica e coerente coordenou os vários elementos de prova que tinha ao seu dispor e procurou fazer o recorte lógico dos factos ocorridos de uma forma que se harmoniza com as regras da experiência.
3. a) Violação do princípio da livre apreciação da prova.
Considera o recorrente que a sentença recorrida efetuou uma apreciação manifestamente incorreta e contraditória ao normal suceder tendo decidido de forma contrária às regras da experiência que é violadora do princípio da livre apreciação da prova.
O princípio da livre apreciação da prova está consagrado no art.127 do CPP.
Nos termos do citado artigo, o tribunal é livre na formação da sua convicção, com algumas restrições legais ou condicionantes estruturais.
Tais restrições verificam-se no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, no efeito de caso julgado nos pedidos de indemnização cível, na prova pericial e na confissão integral, sem reservas – artigos 169, 84, 163 e 344 todos do CPP.
Este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas.
O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo.
No caso concreto em apreciação não foi violada nenhuma das regras relativas à legalidade da prova, e encontrando-se a decisão motivada e fundamentada, com análise critica das provas produzidas, que foi feita com detalhe, não se vislumbra qualquer obstáculo à formação da convicção do Tribunal recorrido, o qual com o privilégio da imediação, apreciou e valorou as provas de forma que não é posta em crise por qualquer regra de experiência, proferindo decisão em coerência com a convicção que formou sobre os factos imputados aos arguidos, ou seja, condenando quando teve prova segura da ocorrência dos factos e absolvendo quando assim não sucedeu.
Não ocorre, pelo exposto, qualquer violação ao princípio da livre apreciação da prova, nem de qualquer outro princípio basilar do processo penal.
Recurso do arguido A...
1.b) Nulidade da sentença por falta de fundamentação
Da leitura da decisão recorrida verifica-se que também quanto ao arguido AA a decisão se encontra motivada e fundamentada como resulta do texto da mesma:
«Os depoimentos testemunhais, no essencial, revelaram -se credíveis…
(…)
A ligação entre os arguidos BB e AA também se extrai plena indicação dada ao comprador do veiculo vendido pelo arguido BB reparado na oficina do arguido AA.
A denuncia ter sido efectuada pelo proprietário, pelo menos, formal o pai do arguido AA de furto do veiculo de que a sua companheira era usufrutuaria, que foi assinada após preenchimento sendo que o arguido proporcionaria e beneficiaria dada a ligação com a usufrutuaria do valor a obter ilicitamente da parte da seguradora.
Por outro lado, quanto ao arguido BB o facto de ter vendido um veiculo com as matrículas iguais as que estavam apostas no veículo diferente que circulou de madrugada para a oficina de pessoa conhecida, indicia fortemente, de forma justa, razoável e fundada, sem recurso a mera intuição, impressão ou convicção já que se não vislumbra qualquer outra possibilidade razoável, nem tendo sido apresentada qualquer explicação.
(…)
Ora, conjugados os actos praticados assumem pois, as características de indícios graves, precisos e concordantes e conjugados com a demais prova e regras de experiência comum poder considerar provados os factos vertidos na acusação e concluir sem margem de dúvidas, ter sido o arguido AA quem copiou as matriculas por estar perante um veiculo com tais matrículas na sua oficina inferindo-se ser a sua a oficina a que testemunha se refere em ... e não outra possivelmente ali existente.
A pertinente factualidade subjectiva foi retirada por via indirecta dos factos provados e de acordo com as regras de experiência comum.
No que respeita aos seus antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se no Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Relativamente às condições pessoais, valoraram-se as declarações dos próprios arguidos que se revelaram credíveis.»
A Sr.ª Juiz baseou-se, pois, nas ligações entre os arguidos e os veículos intervenientes nos factos de acordo com as regras do normal acontecer e da experiência, compreendendo-se o seu raciocínio e as razões que levaram à formação da sua convicção.
Não se verifica pelo exposto a invocada nulidade.
2.b) Nulidade por falta absoluta de atos de inquérito no que respeita ao crime de falso testemunho.
Entende o recorrente que quanto ao crime de falso testemunho ocorre a nulidade insanável por falta de atos de inquérito prevista no art.119 al d) do CPP.
Não assiste razão ao recorrente porquanto, tendo o arguido sido ouvido inicialmente como testemunha no inquérito instaurado pelo furto da viatura propriedade de seu pai, o decorrer da investigação veio a demonstrar que havia suspeitas da prática de atos ilícitos praticados pelo mesmo, que por esse motivo veio a ser constituído arguido nos autos. É, pois manifesto que no caso concreto não ocorre a invocada nulidade.
Daqui decorre que a investigação prosseguiu e levou a conclusões que foram vertidas na acusação elaborada pelo MP.
3.b) Violação do disposto nos artigos 355 e 356 do CPP.
Alega o recorrente que o depoimento prestado, enquanto testemunha e ainda em sede de inquérito, pelo arguido AA não foi lido em audiência, pelo que não poderia nunca valer para efeito de formação da convicção do julgador, sendo que, em qualquer caso, a sua leitura não era permitida, pois não se verificava o condicionalismo previsto nos artigos 356 e 357 do CPP.
Porém, o arguido foi acusado da prática de crime de falso testemunho relativamente às declarações prestadas em sede de inquérito 08-02-2021, pelas 16h00m, nas instalações da esquadra da P.S.P. de ..., perante o agente da P.S.P. a exercer funções naquele Órgão de Polícia Criminal, MM.
Tal factualidade foi vertida na acusação deduzida nos presentes autos e fazia parte dos factos que lhe foram imputados relativamente ao crime de falso testemunho, como tal o depoimento em causa tem natureza fundamental para efeitos do presente processo e enquadra-se no disposto no art.356 nº1 al b) do CPP, não sendo permitida a sua leitura em audiência para efeitos da prova dos factos.
No caso concreto foi ouvido o referido agente MM sobre a matéria em causa, porém o conteúdo desse depoimento não pode ser valorado no que respeita ao conteúdo das declarações prestadas perante a sua pessoa em inquérito face ao disposto no art.356 nº7 do CPP.
Em face do exposto temos de concluir que a sentença recorrida ao valorar do depoimento do agente da PSP que tomou as declarações alegadamente falsas viola o disposto nos artigos 356 nº1 al.b) e nº7 e 355 todos do CPP e fez uso de prova proibida pelo que teremos de retirar as devidas consequências desta afirmação em sede de apreciação da impugnação ampla da matéria de facto o que faremos em seguida.
4.b) Impugnação ampla da matéria de facto.
O recorrente considera incorretamente julgados e por isso pretende que sejam eliminados do acervo dos factos provados os factos dados como assentes sob os pontos:
1, 2, 4, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 24, 26, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 46, 47, 48, 49, 50, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73 e 74.
Como supra verificámos os meios de prova usados para dar como provados os factos relativos ao crime de falso testemunho não são passíveis de valoração em julgamento face ao disposto no art.355 do CPP, pelo que cumpre declarar como não provados, os factos 45, 46, 47, 48, 49, 50, 56, 57, 58 e 74, aqui se incluindo factos relativos ao arguido BB, não recorrente, atenta a acusação em coautoria, e o disposto no art.402 nº2 al. a) do CPP, que estabelece que o âmbito do recurso aproveita aos arguidos comparticipantes, ainda que não recorrentes.
Deste modo conclui-se pela procedência da impugnação da matéria de facto no que respeita aos factos que integram os elementos objetivos e subjetivos do crime de falso testemunho pelo qual os arguidos foram acusados.
Passamos de seguida a analisar o invocado erro de julgamento no que respeita aos restantes factos impugnados:
Relativamente aos factos considerados provados sob os pontos números 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 22, 24, 26, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 68, 69, 70, 71, 72, e 73, o recorrente insurge-se essencialmente quanto à convicção formada pelo Tribunal de julgamento considerando que a prova produzida não demonstra uma ligação direta entre o recorrente e os eventos criminais mencionados, concluindo que tais factos carecem de prova que os sustente.
Na verdade quanto ao plano e à fabricação das matrículas falsas, o que foi investigado pelo agente da PSP MM, não se tendo apurado exatamente quem as mandou fazer, mas tudo apontado de forma segura para que tenha sido o recorrente, porquanto, era quem mais retirava proveito do plano engendrado para enganar a seguradora e receber o valor do carro pretensamente furtado.
A conjugação de toda prova e eventos ocorridos leva à conclusão segura da autoria do recorrente e do seu coarguido na prática dos factos que lhes são imputados nos presentes autos.
Foi a denunciante do alegado furto HH, esposa do recorrente, quem se intitulou usufrutuária da viatura propriedade de seu sogro KK, pai do recorrente, a quem o veículo veio a ser entregue por ordem do MP exarada nos autos em 6/07/2020, dado que é a pessoa que efetivamente consta registada como proprietária da viatura com a matrícula ..-QR-... A qualidade jurídica de usufrutuária da esposa do arguido não é relevante para o apuramento da responsabilidade criminal dos arguidos, na medida em que a denunciante pretenderia intitular-se como tal, por ser a condutora habitual da viatura, - que aliás tinha sido indicada como condutora habitual, à companhia seguradora para quem havia sido transferida a responsabilidade por danos causados pelo veículo -, e quem a utilizava em benefício próprio, e por isso, seria usufrutuária de facto; mas tal condição não é determinante dos factos criminais em apreciação a não ser pela conexão com o arguido ora recorrente. Assim, nada obsta a que a esposa do arguido tenha sido considerada usufrutuária da viatura durante o processo em causa. – vejam-se o registo da viatura ..-QR-.. na CRCP ... junta aos autos em 20/11/2020 com a certidão do processo nº8/20.0GAAGN, que correu termos na Procuradoria do Juízo de competência genérica de Arganil que pertence à procuradoria de Coimbra e a participação de sinistro constante de fls. 189 e 190 dos autos, documentos que nunca foram impugnados nos presentes autos.
Da participação de sinistro efetuada à companhia seguradora resulta manifesto que o proprietário da viatura apenas se limitou a assinar a referida participação, atenta a diversidade da letra do preenchimento por comparação com a assinatura do proprietário.
A convicção formada pelo Tribunal de julgamento é razoável e está de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer, pelo que, não tendo o recorrente logrado apresentar prova que imponha decisão diversa como exigido pelo art. 412 nº3 al.b) do CPP, considera-se que a decisão de facto não merece censura que não seja na parte relativa ao crime de falso testemunho como supra já ficou referido.
5.b) Violação do princípio da igualdade.
Invoca, por fim, o recorrente, violação do princípio da igualdade consagrado constitucionalmente no art. 13 da CRP, o qual proíbe tratamento discriminatório e desigual. Entende que consubstancia a violação o facto de 3 arguidos terem sido acusados por factos essencialmente idênticos e um deles ter sido absolvido e os outros dois condenados, tendo por isso sido tratados de modo diferente sem qualquer explicação.
Vejamos!
O art. 13º da CRP tem o seguinte teor:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
Efetivamente o legislador constitucional pretende que se trate de forma idêntica o que é essencialmente igual e que se diferencie apenas o que for desigual.
Está proibido o tratamento diverso não fundamentado, mas permite-se que se estabeleçam diferenças de tratamento desde que justificadas por motivos lógicos e válidos.
No caso concreto o arguido CC foi absolvido porque o tribunal de julgamento não pode formar quanto a ele uma convicção segura e isenta de dúvidas quanto à sua participação nos factos ilícitos; mas isso não aconteceu relativamente aos outros dois arguidos relativamente aos quais perante a sucessão de eventos e as suas ligações aos veículos em causa, quer através de pessoas próximas, quer pelo trabalho que desenvolviam, o Tribunal de Julgamento pode estabelecer um fio condutor lógico que permitiu formar a convicção da respetiva autoria, sem que essa convicção fosse inquinada por dúvida razoável.
Assim, não houve tratamento desigual em igualdade de circunstâncias, desde logo porque as circunstâncias não eram as mesmas em relação aos três arguidos, apesar de os crimes pelos quais estavam acusados serem os mesmos.
Tudo visto conclui-se que não ocorreu violação do princípio da igualdade nem de qualquer outro preceito constitucional.
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado com base nos argumentos expostos acordam os Juízes na 1ª secção criminal da Relação do Porto em:
1º Relativamente ao recurso do MP e atento o vício de contradição declarado ordena-se a eliminação do ponto 6º da matéria de facto não provada, e consigna-se que a redação do ponto nº 9 da matéria de facto não provada passa a ter a seguinte redação:
«Porém, quando inquirido como testemunha no âmbito dos presentes autos, bem sabendo da veracidade dos factos e das consequências penais da sua conduta, o arguido CC omitiu os factos tal como eles sucederam.»
Por seu turno a redação do ponto 26 da matéria de facto provada passa a ser a seguinte:
«Assim, bem sabendo que o veículo de matrícula ..-MQ-.. se encontrava escondido na sua oficina, e a fim de não ser visto por ninguém, pelas 06h00m do dia 26 de Janeiro de 2020, o arguido CC retirou, da sua oficina, e estacionou o veículo referido nas traseiras da habitação de DD, o qual ali ficou até ao dia 6 de fevereiro de 2020.»
Porque estas alterações da matéria de facto não têm influência na decisão, negam provimento ao recurso do MP.
Conceder provimento parcial ao recurso do arguido A... e em consequência alteram a matéria de facto retirando dos factos provados os pontos com os números 45, 46, 47, 48, 49, 50, 56, 57, 58 e 74 que devem passar a ter-se como não provados.
Por via dessa alteração da matéria de facto deixam de subsistir os elementos objetivos e subjetivos do crime de falsidade de testemunho p.p. pelo art.360 nºs 1 e 3 do CP, pelo que, revogam a sentença recorrida no que respeita à condenação de AA e de BB pela prática em coautoria do crime de falsidade de testemunho e absolvem estes arguidos da imputação deste crime que lhes era feita pela acusação pública deduzida nos autos.
3º Confirmam a decisão recorrida no que respeita às penas parcelares e única por que foram condenados os arguidos AA e de BB, pelos crimes de burla qualificada na forma tentada, falsificação de documento p.p. pelo art.256 nº1 al a) e nº3, por referência ao art. 255 nº1 al a), falsificação de documento p.p. pelo art. 256 nº1 al d), todos do CP.
A pena única em que vai condenado AA é assim de 20,(vinte) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, e a pena única em que vai condenado BB é assim de 15, (quinze) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período.
Sem tributação.

Porto, 4/12/2024
Paula Guerreiro
Castela Rio
Pedro Afonso Lucas