DECISÃO INSTRUTÓRIA
RECORRIBILIDADE
CASO JULGADO FORMAL
Sumário

I - A questão instrutória que pronuncia o arguido pelos mesmos factos da acusação é irrecorrível, mesmo na parte em que decide sobre nulidades ou outras questões prévias.
II - A decisão instrutória que aprecia a arguição de nulidades reportadas à fase de inquérito suscitadas pelo arguido forma caso julgado formal.
III - A decisão instrutória que aprecia a arguição da excepção da prescrição do procedimento criminal invocada pelo arguido forma caso julgado formal se forem mantidos os mesmos fundamentos que estiveram na base da sua arguição.

Texto Integral

Processo 44/22.1T9MAI.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 2

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 20.05.2024 foi decidido:
“1. Declarar esgotado o poder jurisdicional para apreciar as excepções dilatórias nominadas da nulidade por falta de constituição de arguido, da nulidade por insuficiência de inquérito, da nulidade por violação do princípio do acusatório, do processo justo e da proibição do ne bis in idem e da excepção peremptória nominada da prescrição do procedimento criminal, atento o teor da decisão de pronúncia exarada em 14.07.2022 e o disposto no artigo 613.° do CPC ex vi artigo 4.° do CPP.
2. Julgar procedente, por provada, a acusação pública, e, em consequência:
A) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria com o arguido BB, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.°, n.° 2, do Código Penal e pelos artigos 6.°, 7.°, 105.° e 107.°, n.os 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo, com regime de prova a elaborar pela DGRSP;
B) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria com o arguido AA, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.°, n.° 2, do Código Penal e pelos artigos 6.°, 7.°, 105.° e 107.°, n.os 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo, com regime de prova a elaborar pela DGRSP;”
C) Declarar perdida a favor do Estado a quantia total de 53.415,29€ (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos), de que são os arguidos AA e BB solidariamente devedores, a título de perda de vantagens advenientes do facto ilícito típico;”

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I.2. Recursos da decisão
I.2.1. Do arguido BB (conclusões que se transcrevem integralmente, com exclusão dos rodapés):
“I. QUESTÃO PRÉVIA:
Da omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto às exceções de natureza excetiva suscitadas em sede de contestação crime
1) Entendeu o Tribunal recorrido que, se encontrava esgotado o poder jurisdicional (de 1a instância) de se pronunciar sobre as questões já decididas na decisão de pronúncia exarada em 14.07.2022.
2) No nosso humilde entendimento, o Tribunal de julgamento, pode e deve conhecer de questões sobre as quais já recaiu decisão judicial, em sede de instrução, até mesmo face ao quadro legal aplicável (o art. 310°, n° 1, do CPP, estabelece a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais (norma cuja conformidade constitucional já foi várias vezes afirmada pelo Tribunal Constitucional).
3) Em suma, a decisão instrutória, na parte em que julgou improcedente as questões prévias processuais/nulidades e exceção perentória da prescrição arguidas nos requerimentos de abertura de instrução, não faz caso julgado sobre as questões, delas havendo que conhecer pelo tribunal de julgamento, uma vez que foram suscitadas pelos arguidos na sua contestação.
4) Trata-se de questão emergente da jurisprudência e igualmente apreciada no Tribunal Constitucional, que entendem que a decisão instrutória, quanto a questões/exceções (formais ou de natureza mista) suscetíveis de influir no exame e decisão de mérito não preclude o direito de, na fase de audiência, poderem ser invocadas e obrigatoriamente decididas. (Neste sentido Nuno Brandão, "A nova face da instrução", ponto 3.2, "Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2 e 3 2008, p. 227-255. Acedido aqui: https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/455 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.0 482/2014);
5) Aliás, se não fizesse caso julgado, não tinha o Ministério Público necessidade de abrir um novo e autónomo processo...continuaria na situação de tentativa/erro...e se corresse mal, abria mais um.
6) Pelo que, a não apreciação pelo Tribunal a quo, das exceçõesde natureza excetiva, constitui vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 379o, n°1, c) do CPP), que se argui para todos os efeitos legais.
II. DO RECURSO DA DECISÃO INSTRUTÓRIA
i. Da nulidade do inquérito por falta de constituição de arguido e/ou insuficiência do inquérito
7) A "falta de inquérito" a que se reporta a alínea d) do artigo 119.° do CPP ocorre quando se verifica ausência absoluta de inquérito ou de atos de inquérito, situação que não se confunde com a "insuficiência de inquérito", reconduzindo-se esta figura à nulidade relativa prevista na alínea d) do n.° 2 do artigo 120.° do mesmo diploma legal, traduzida, não já na ausência total da dita fase processual, mas, tão só, na omissão de certos atos legalmente obrigatórios.
8) Nos termos do artigo 58°, n°1 al. a) do CPP, é obrigatória a constituição de arguido logo que corra inquérito contra pessoa determinada em relação à qual exista suspeita fundada da prática de crime.
9) No caso em apreço, o arguido foi notificado da acusação contra si proferida e, nessa medida, e só nessa medida, assumiu a posição processual de arguido.
10) Não obstante, nunca foi interrogado, constituído formalmente arguido ou sujeito a Termo de Identidade e Residência, como era legalmente obrigatório.
11) Durante o Inquérito, o Ministério Público nada determinou e nada fez em relação à constituição formal como arguidos e interrogatório dos mesmos, nem sequer se tendo tentado tal ato.
12) Pelo que, verifica-se uma nulidade insanável (art. 119o al. d) do CPP), ou se assim não se entender, nulidade por insuficiência do inquérito (art. 120o n°2 al. d) do CPP), as quais aqui expressamente se declaram, para todos os devidos e legais efeitos.
ii. Da exceção perentória de Prescrição
13) Nos termos do art. 118°, n°1, al. c) do CP, o tipo legal de crime extingue-se por efeito de prescrição, logo que sobre a prática tiverem decorrido cinco anos.
14) Ora, conforme resulta da acusação, a última cotização que alegadamente não foi entregue pelos arguidos, diz respeito ao mês de janeiro de 2015, pelo que o prazo de prescrição se iniciou em 15.02.2015.
15) Nos presentes autos não se verificou qualquer causa de interrupção de prescrição, pois como deles consta, nunca o arguido foi ouvido ou constituído arguido, pelo que a suspensão do prazo em causa apenas se operaria em 08.03.2022, com a notificação da "nova acusação", suspensão esta que não se verificou pois, naquela data, já os factos estavam prescritos criminalmente.
16) Na verdade, estamos perante uma verdadeira violação do caso julgado, o que significa que o anterior processo se extinguiu para todo e qualquer efeito, ficando o arguido despronunciado da prática do crime em causa nunca pensando que, em profundo desrespeito pela segurança jurídica e plenitude das garantias de defesa, iria ser confrontado com uma nova acusação num outro processo independente e autónomo, sem que qualquer ato processual de inquérito tenha sido praticado ou sequer a existência dada a conhecer ao arguido.
17) Decorre pois, com meridiana clareza, que o caso julgado e o seu efeito de autoridade preclusiva impedem que se aproveite um ato processual praticado num processo em que foi despronunciado para, através dele, ver interrompido um prazo de prescrição que ocorrera antes sequer de saber que contra si corria novo inquérito.
18) Não tendo o arguido sido formalmente constituído como tal, apenas assumindo essa posição processual por notificação da acusação nestes autos datada de 08.03.2022, e rececionada pelo arguido na sua caixa postal em 11.03.2022, o efeito preclusivo do caso julgado anterior obrigava à sua audição e constituição, só assim, academicamente falando, se podendo falar de eventual interrupção.
19) Pelo que, verifica-se o decurso do prazo prescricional de cinco anos, devendo ser decretada a extinção do procedimento criminal.
iii. Nulidade - violação do princípio do acusatório, processo justo e da proibição ne bis in idem
20) O arguido/recorrente não pode aceitar que o MP - garante da legalidade - tenha decidido violar os princípios constitucionais da estabilidade da instância; do objeto do processo e do "ne bis in idem", bem como os correspetivos normativos jurídico- penais, ao proferir contra o arguido, nos presentes autos, uma segunda acusação pública, pela alegada prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, depois de lhe ter sido imputado os mesmos factos, numa primeira acusação, a qual foi arquivada no âmbito dos autos de Instrução com o n.° 1324/19.9T9MAI, por douto despacho de não pronúncia, proferido em 21.01.2021. confirmado pelo Acórdão da Relação do Porto de 13.10.2021.
21) No caso, o Juiz de Instrução que rejeitou a primeira acusação deduzida, também a considerou manifestamente infundada, não se compreendendo, assim, o porquê dos presentes autos, que constituem uma inadmissível perseguição processual que a tipicidade do CPP não legitima e constitui violação do caso julgado formal (Veja-se a este propósito o Ac. do TRE, de 2008.12.16; FREDERICO ISASCA, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal,. p. 218 e 226.; VIVAS USSHER, G., Manual de Derecho Procesal Penal, Tomo I, Córdoba, Alveroni, 1999, p. 150, citado no Ac. RL de 13.04.2011, de RUI GONÇALVES, disponível em www.dgsi.pt e Eduardo Correia in A teoria do concurso em direito criminal, Caso Julgado e Poderes Do Juiz, Coimbra 1983, pág. 302).
22) Assim sendo, não pode o MP criar um novo processo, perante a insuficiência da acusação deduzida contra um arguido, quanto aos factos integrantes de um dado tipo legal, chegado o momento de sobre ela decidir - em conformidade, aliás, com a jurisprudência já fixada para o caso de insuficiência de factos no requerimento de abertura de instrução (AUJ do STJ n° 7/2005, de 12/05/2005, in DR I de 4-11-2005), cuja ratio, obviamente, se estende à acusação pública, à luz dos princípios que enformam o nosso processo penal.
23) Aliás, veja-se, igualmente, que o atual regime processual, em caso de alteração substancial, não possibilita a comunicação ao Ministério Público para que ele crie novo procedimento pelos novos factos, quando estes não são autonomizáveis em relação ao objeto do processo, pelo que por maior e reforçada razão, está vedada uma tal via para a situação a que os autos se reportam (V., ainda, a doutrina fixada pelo AUJ nº 1/2015 (DR I de 2015-01-27).
24) Como se reconheceu no acórdão da RC de 6-07-2011 «A possibilidade de, após a dedução da acusação pública, na qual não constam todos os elementos típicos do crime imputado, se poder reformular essa peça processual, seria manifestamente violadora do princípio do acusatório e das mais elementares garantias de defesa do arguido». (veja-se no mesmo sentido o Acórdão da mesma Relação de 23-05-2012 (P. 126/09.5IDCBR-B.C1 - Maria José Nogueira.)
25) É o que se passa nos presentes autos que o despacho anteriormente deduzido – que não foi objeto de recurso, nem tão pouco de abertura de instrução -, fez precludir a possibilidade de o MP ressuscitar a anterior acusação deduzida, pelo que se impõe, indeferir a nova acusação deduzida, determinando-se o arquivamento dos autos.
26) Na verdade, a interpretação segundo a qual, o Ministério Público pode deduzir uma nova acusação, pelos mesmos factos, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, contra o mesmo arguido e pela prática do mesmo crime, pelo qual aquele tinha sido anteriormente acusado num determinado processo de inquérito, o qual foi arquivado em sede de instrução, por inadmissibilidade legal – arquivamento confirmado por douto acórdão da Relação do Porto -, viola de forma ostensiva o estatuído nos artigos 277º, 283º e 308º, todos do Código de Processo Penal, e consequentemente o princípio constitucional do “ne bis in idem”.
27) Pelo que, a acusação proferida nestes autos é nula e não podia ser admitida, por inconstitucional e por falta de legitimidade do Ministério Público, por violação do princípio do acusatório e do princípio ne bis in idem, devendo ser rejeitada nos termos do art. 311º, nº2 al. a) do CPP, por manifestamente infundada, ou declarada nula, com a consequente anulação de todo o processado por se tratar de nulidade insuprível.
III. DO RECURSO DA SENTENÇA
A) Das nulidades
i. Da ausência de notificação do Administrador de Insolvência da empresa e do Administrador de Insolvência Pessoal
28) A notificação a efetuar, nos termos e para os efeitos previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT – aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social ex vi do artigo 107º, n.º 2 do mesmo diploma legal –, no caso de sociedades comerciais já declaradas insolventes, quando está em causa a responsabilidade criminal da sociedade, deve ser feita aos seus gerentes ou administradores, que a representam, para efeitos criminais e, concomitantemente, ao administrador da insolvência.
29) No sentido de que, no caso de sociedades comerciais já declaradas insolventes, quando está em causa a sua responsabilidade criminal, a aludida notificação pode ser efetuada ao administrador da insolvência, decidiu a Relação de Coimbra de 11/10/2017 (Proferido no proc. 2500/15.9T9CBR.C1, acessível in www.dgsi.pt.), acompanhando de perto os argumentos expendidos por Tiago Milheiro (Sobre a problemática vide Tiago Milheiro, “Crime de abuso de confiança fiscal”, in Revista Julgar, n.º 11, 2010, pág. 81), que defende que essa notificação tem de ser feita ao administrador da insolvência.
30) Releva, desde logo, por estar vedado ao insolvente a prática de atos de disposição do património (artigo 81º, n.º 1, do CIRE), não podendo fazer, já, atuar a sua vontade, pois que, todos os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, passaram a competir ao administrador e, nessa medida, só este, poderia responder afirmativamente à notificação do artigo 105º, n.º 4, alínea b) do RGIT.
31) No caso dos apresentes autos, o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do art. 105º, nº4, al. b) do RGIT, em 09.08.2019 (uma vez que na sequência da primeira notificação datada de 03.11.2017, aí não figurava qualquer referência à coima), sendo certo que, nessa data, a insolvência da sociedade já tinha sido decretada há muito tempo, mormente, em 11.03.2015, no âmbito do processo nº 711/15.6T8STS, que correu termos na Comarca do Porto, Santo Tirso – Instância Central – 1ª Secção de Comércio – J3, bem como a insolvência pessoal do arguido que já tinha sido decretada em 23.11.2015.
32) De todo o modo, cumpre referir que, já aquando da primeira notificação, em 03.11.2017, ainda que meramente parcial, o arguido, enviou um requerimento à Segurança Social (conforme consta de fls. 198 a 204), a informar que estava impossibilitado de pagar por estar insolvente, e portanto, não podia privilegiar determinados credores em detrimento de outros, dando aqui o mote, para que se procedesse à notificação do Administrador de Insolvência, o que não veio a acontecer.
33) Se o arguido, depois de notificado, procedesse ao pagamento à Segurança Social, sem ser através da sua massa insolvente, estaria agora a ser acusado/julgado pelo crime de favorecimento de credores, pois que, com a declaração de insolvência, não pode praticar qualquer ato de oneração ou disposição de bens, já que, quem o pode fazer é a massa insolvente, representada pelo seu administrador.
34) Não tendo sido notificado o administrador da insolvência do arguido, incumbia ao Ministério Público fazer constar da acusação factos essenciais à verificação do tipo legal, tais como a declaração de insolvência, a nomeação de administrador, a apreensão de todos os bens e contabilidade e a impossibilidade de os credores do insolvente fazerem qualquer pagamento ao mesmo.
35) Mais deveria o Ministério Público ter afirmado na acusação que, devidamente notificado o arguido e o administrador da insolvência, verificou-se que este último não procedeu ao pagamento por insuficiência da massa.
36) Destarte, na insolvência de pessoa singular e dado tudo quanto atrás se expôs, a notificação prevista no art. 105º, do RGIT, tem que ser feita ao administrador, pois só ele pode praticar actos de disposição (notificar um insolvente para pagar um crédito é inútil, pois o mesmo, deixou de ter qualquer poder sobre o seu património e, veja-se com especial acuidade, de acesso ao crédito.
37) No que concerne às pessoas coletivas, a notificação prevista na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT deve ser feita ao ente colectivo, à sociedade, na pessoa dos seus gerentes ou administradores, nesta mesma qualidade, e também, aos gerentes e administradores, agora na qualidade de pessoas singulares, ou seja, a notificação referida deve ser feita a todos os sujeitos processuais que tenham a qualidade de arguido.
38) Sendo certo que, há quem entenda que, a notificação em questão, no caso de sociedades comerciais já declaradas insolventes, quando está em causa, como é óbvio, a sua própria responsabilidade criminal, pode ser feita na pessoa da administrador da insolvência (cfr. Tiago Milheiro, Da Punibilidade nos Crimes de Abuso de Confiança Fiscal e de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, Julgar, Maio – Agosto de 2010, EASJP, pág. 81).” (Ac. R. C. de 11.10.2027, proc. nº 2500/15.9T9CBR.C1, in www.dgsi.pt)
39) Ora, a omissão da notificação do administrador da insolvência constitui uma nulidade que afeta a validade do ato/notificação do arguido, ora, recorrente, nos termos previstos no art. 120º, nº 2, alínea d) e nº 3, al. c) do CPP, pois que, se ao arguido, por omissão de notificação ao administrador da insolvência, não foi dada a possibilidade de através de uma obrigação de facere, excluir a punibilidade dos factos, pagando a dívida, não se pode ter como verificada (…) a condição de punibilidade (Ac. de 28.05.2015 - relator Ernesto do Nascimento- proc. n.º 557/13.6TBLSD.Pl).
40) Pelo que, deve ser declarada a nulidade por omissão da notificação do administrador da insolvência (art. 120º, nº2, al. d) e nº 3 al. c) do CPP), que expressamente se argui para todos os efeitos legais.
ii. Da ausência de notificação quanto à alteração substancial dos factos – art. 359º do CPP
41) Alteração substancial dos factos, segundo a alínea f) do artigo 1 do CPP é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
42) Ora, no caso em apreço, verificou-se a alteração substancial de factos pois que, a acusação constante dos autos, não previa a condenação do arguido pelo crime agravado nos termos do nº5 do artigo 105º do RGIT.
43) De salientar que, seria obrigatório na acusação para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime, teriam de ser indicadas as normas que estabelecem a respetiva punição, ou seja, a espécie e a medida das sanções aplicáveis (art. 283º, nº3, al. d) do CPP), o que não foi feito.
44) Veja-se, numa brilhante lição, que “como se afere no Acórdão da Relação do Porto de 12/1/2011, «há uma razão lógica e substantiva para o legislador impor a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e a alteração da qualificação jurídica dos mesmos: está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava.
45) No que concerne à alteração da qualificação jurídica, encontra-se atualmente ultrapassado aquele posicionamento de plena liberdade de qualificação jurídica sem haver comunicação prévia, pois impõe-se que esta se realize [Ac. TC 173/92; 279/95; 16/97, 445/97], tanto em 1.ª instância, aqui em audiência de julgamento, [Ac. TC 518/98; Ac STJ n.º 3/2000, de 15/12/1999], como nos tribunais superiores.
46) Tanto mais que atualmente a lei é expressa nesse sentido [358.º, n.º 3, 424.º, n.º 3].
47) Assim, incriminações cuja moldura penal abstrata da condenação era sempre mais grave do que aquela pela qual o arguido tinha sido acusado, a inobservância do contraditório resultava num manifesto e grave prejuízo para a defesa.” (Ac. R. C. de 10.11.2021, proc. 509/16.4GCVIS.C1, www.dgsi.pt).
48) Sucede que, da acusação não consta qualquer referência ao nº5 do artigo 105º do RGIT, e como tal, não podia o arguido prever que seria julgado e condenado pelo crime agravado, ao invés, estava plenamente convencido, que estava a ser julgado pelo crime simples previsto no nº1.
49) Pelo que, deve declarar-se a nulidade da sentença recorrida, por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do atrigo 379.º do CPP, com os devidos e legais efeitos.
B) Da não aplicação da pena
iii. Da inexistência do crime: da liquidação da dívida de 53.415,29€ na data da notificação nos termos do art. 105º nº4 b) do RGIT e na data da acusação
50) O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (art. 105º do RGIT) é composto pelos seguintes elementos típicos: (i) que o agente esteja obrigado a entregar ao credor tributário (administração fiscal) determinada prestação tributária de valor superior a € 7.500 e/ou 50.000,00€; (ii) que essa prestação tributária tenha sido deduzida nos termos da lei tributária e (iii) que o agente não proceda à entrega de tal prestação e que o faça dolosamente.
51) Para além dos elementos típicos do crime, o n.° 4 do artigo 105.° exige a verificação de duas condições objetivas de punibilidade: a) que o agente não proceda à entrega da prestação após terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação [alínea a]; b) que a prestação, que tiver sido comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, não seja paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito [alínea b].
52) Sucede que, quando o arguido/recorrente foi notificado nos termos do art. 105º, nº4, b) do RGIT, em 09.08.2019, bem como quando foi notificado da acusação datada de 08.03.2022, e rececionada pelo arguido na sua caixa postal em 11.03.2022, a dívida à Segurança Social no montante de 53.415,29€ já se encontrava paga na sua totalidade.
53) Resultou provado que, a sociedade em 11.01.2013, apresentou pedido de pagamento em prestações das dívidas inerentes aos processos de execução fiscal autuados sob os números ... e ..., no montante global de 176.200,65€, que foi deferido.
54) Por conta do aludido plano, a sociedade pagou uma prestação no valor de 2.986,45€.
55) Acresce que, também resultou demonstrado que, em 22.03.2013, a sociedade apresentou pedido de pagamento em prestações das dívidas inerentes aos processos de execução fiscal autuados sob os números ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de 176.200,65€, que foi deferido.
56) Por conta do plano deferido, a sociedade pagou vinte prestações mensais no valor cada uma de 4.405,02€, o que perfaz o total de 88.100,40€.
57) O que significa que os arguidos, mediante a celebração de acordos prestacionais, permitiram àqueles obter uma receita no valor total de 91.086,85€.
58) Ora, a quantia global de 53.415,29€, respeitante ao valor das quotizações retidas nos salários dos trabalhadores, bem como das quotizações retidas nos salários pagos aos membros dos órgãos estatuários, não entregues à Segurança Social, reportam-se aos primeiros processos executivos apresentados contra a sociedade.
59) Daí que, com o devido respeito, não restam dúvidas de que a dívida de 53.415,29€, aquando da notificação e da acusação já se encontrava totalmente liquidada.
60) Ora esta notificação da Administração Tributária, prevista alínea b) do nº 4 do art.º 105.° do RGIT, configura uma condição objetiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.
61) Assim, admitindo-se que a dívida de 53.415,29€, aquando da notificação e da acusação já se encontrava totalmente liquidada (como efetivamente estava), falta a condição objetiva da punibilidade do crime.
62) Se assim não se entender e, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, quando o arguido foi notificado parcialmente nos termos do art. 105º, nº4 b) do RGIT, em 03.11.2017, já havia sido decretada quer a insolvência da empresa (11.03.2015), quer a insolvência pessoal do arguido (23.11.2015), de tal forma que, estava o arguido impossibilitado de pagar tal quantia, pois não podia privilegiar determinados credores em detrimento de outros, o que foi explicado pelo arguido, em requerimento enviado à Segurança Social (conforme consta de fls. 198 a 204).
63) Assim, face à impossibilidade legal do arguido em efetuar pagamentos a quaisquer credores, falta a condição objetiva da punibilidade do crime.
64) Pelo que, deve o arguido ser absolvido do crime.
v. Da inexistência do crime: conflito de deveres
65) O crime de abuso de confiança contra a segurança social é um crime de omissão pura, que se consuma com a não entrega, no prazo legal, à Segurança Social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais (cfr. artigo 107º, n.º 1, do RGIT).
66) Ora, como vimos supra, dos factos resulta evidente que o arguido, enquanto administrador da sociedade, deixou de entregar à Segurança Social, como era devido, as importâncias retidas nos salários dos trabalhadores, importâncias que foram utilizadas no pagamento dos salários dos trabalhadores da empresa.
67) Trata-se, portanto, de uma situação de conflito de deveres, por um lado o pagamento dos salários aos seus trabalhadores, seja superior ao de cumprir obrigações fiscais.
68) O fundamento primeiro da causa de exclusão da ilicitude do conflito de deveres encontra-se na impossibilidade de cumprimento tempestivo ou simultâneo de deveres de agir que se demonstram em conflito - ad impossibilita nemo tenetur - e na consequente necessidade de dar prevalência a um e sacrificar o outro.
69) Como determina o artigo 36.º, a ilicitude do facto extingue-se unicamente quando, perante uma colisão, se satisfizer «dever [jurídico] ou ordem [legítima de autoridade] de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar», o que significa que o agente, para atuar ao abrigo desta circunstância justificativa, tem obrigatoriamente de dar prevalência ao bem mais valioso.
70) A Constituição da República Portuguesa parece tutelar os bens jurídicos referentes a ambos os deveres, pois, se, por um lado, nos seus artigos 103.º e 104.º, estabelece um dever de pagar impostos, também é verdade que nela se determina, por meio do artigo 59.º, que «Todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho [...], de forma a garantir uma existência condigna [...]».
71) Compreendemos, assim, que muitos dos direitos fundamentais dos trabalhadores - nomeadamente o direito à retribuição - deverão ser entendidos como equivalentes aos clássicos direitos, liberdades e garantias, com a mesma dignidade constitucional e axiológica de que estes gozam. (In Constituição da República Portuguesa Anotada, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 318)
72) O bem jurídico protegido por meio dos consagrados direito e dever de retribuição do trabalho prestado é, neste sentido, a dignidade da pessoa humana - na medida em que através deles se pretendem garantir as necessidades, mínimas que sejam, dos trabalhadores e das respetivas famílias, de forma a que ambos possam usufruir de uma existência condigna.
73) Por sua vez, o dever de pagar impostos é a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, a que se segue a justa repartição dos rendimentos e riqueza, de forma a alcançar-se «[...] a diminuição da desigualdade na distribuição social daqueles [...]» (In Constituição da República Portuguesa Anotada, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 457).
74) O bem jurídico primeiro em causa é justamente o património do Estado, e por via dele, ou seja, indiretamente, a proteção da existência humana.
75) Pelo que, não se pode afirmar que o dever de pagar impostos é superior ao dever de retribuir o trabalho prestado.
76) De facto, como defende A. Silva Dias (in «Crimes e contra-ordenações fiscais», Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, volume II, Coimbra Editora, pág. 463) «[...] havendo, por um lado, a obrigação de pagar os salários e a obrigação de entregar as prestações retidas ao Fisco, qualquer delas sujeita a um determinado prazo e a um cumprimento pontual mensal e comprovando-se, por outro lado, a impossibilidade do seu cumprimento simultâneo, isto é, que dada a situação financeira da empresa, o cumprimento pontual de uma daquelas obrigações só poderia ser efetuado à custa do incumprimento pontual da outra», encontra-se justificada, quanto a nós, a conduta típica e ilícita.
77) Pelo que, deve o arguido ser absolvido.
No caso de assim não se entender,
C) Da não atenuação especial da pena
78) Nos termos do artigo 22º, nº2 do RGIT, a pena deverá ser especialmente atenuada, se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.
79) Da redação da norma transcrita, resulta, a nosso ver, com meridiana clareza, que a mesma, diferentemente da lei geral, consagra a opção do legislador de conferir caráter de obrigatoriedade à atenuação especial da pena nos crimes fiscais, fazendo-a operar ope legis, desde que se encontrem verificados os pressupostos nela estabelecidos, a saber: a) Ter o agente reposto a verdade fiscal, tendo pago a prestação tributária e demais acréscimos legais; b) Ter o pagamento ocorrido até à decisão final ou no prazo nela fixado.
80) Ora, subsumindo o caso que agora nos ocupa ao citado artigo 22º, nº 2 do RGIT, dúvidas não podem restar de que se encontram verificados os requisitos para que o recorrente possa beneficiar da atenuação especial da pena aí prevista, conclusão a que, aliás, teria também chegado o tribunal recorrido, não fora a circunstância de ter decidido proceder à formulação de juízos de valor acerca da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, nos termos do artigo 72º do CP, preterindo dessa forma, indevidamente, a aplicação do regime especial estabelecido para os crimes de natureza tributária.
81) Assim, tendo resultado provado que o recorrente procedeu ao pagamento dos montantes em dívida à Segurança Social (cfr. factos 26 e 28), não pode deixar de concluir-se que repôs a verdade fiscal, o que fez até à decisão final, inexistindo, pois qualquer fundamento para afastar a aplicação do instituto da atenuação especial da pena nos termos previstos no artigo 22º, nº 2 do RGIT, pelo que se decidirá pela alteração da sentença recorrida nesta parte.
82) No que diz respeito aos termos da atenuação, face à ausência de norma especial no RGIT, por força do artigo 3º de tal diploma, aplicar-se-á subsidiariamente o preceito da lei geral regulador de tal matéria, concretamente o artigo 73º do C.P.
83) Assim, em conformidade com o disposto no artigo 73º, nº1, alínea c), do CP, o limite máximo da moldura da pena de multa aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social de acordo com a estatuição do artigo 105º, nº5 do RGIT (5 anos) será reduzido para 3 anos e 4 meses, mantendo-se o limite mínimo de 1 ano.
84) Aqui chegados, atenuada especialmente a pena nos termos acima explicitados, resta proceder à reformulação da concreta pena de multa aplicada ao arguido, o que faremos dando por reproduzidas as considerações tecidas pelo tribunal recorrido a respeito dos critérios a ter em conta na determinação da medida concreta da pena.
85) Nesta conformidade, ponderando-se a atuação do agente com dolo direto, o grau mediano da ilicitude dos factos associado ao facto de não ter existido a adoção de esquemas que deturpassem a perceção da decisão ao longo do tempo, a confissão integral e sem reservas, a inserção social do agente, a sua culpa, a ausência de antecedentes criminais e as exigências de prevenção que o caso reclama, entendemos que, tendo em conta a moldura abstrata especialmente atenuada – pena de multa de 1 ano a 3 anos e 4 meses – a medida concreta da pena deverá fixar-se no mínimo legal, ou seja, pena de prisão de 1 ano, suspensa na sua execução por igual período de tempo, por se entender adequada e proporcional.
Contudo e sem prescindir,
D) Da declaração de perda a favor do Estado da quantia de 53.415,29€
86) A perda de vantagens do crime não tem a natureza de uma pena criminal; trata-se de um instituto que constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, com intuitos exclusivamente preventivos e não punitivos.
87) No caso em apreço ficou provado (artigo 23) que o arguido, enquanto administrador da sociedade, deixou de entregar à Segurança Social, como era devido, as importâncias retidas nos salários dos trabalhadores, importâncias que foram utilizadas no pagamento dos salários aos trabalhadores da empresa e liquidar imposto junto da Autoridade Tributária.
88) É que na verdade, ao satisfazer as necessidades da empresa, o arguido satisfez necessidades próprias, de manutenção em funcionamento da empresa, e não de necessidades alheias.
89) Sendo a “finalidade do instituto da perda de vantagens (…) restaurativa/preventiva e não punitiva” e se com “o instituto da perda de vantagens, o legislador pretendeu consagrar um sistema que permitisse repor a situação que existia antes da prática do crime, impedindo que os seus autores retirassem algum proveito disso ou proporcionassem esses benefícios económicos indevidos a terceiros”, então, não se tendo provado a ocorrência de qualquer benefício económico para o arguido, é absoluta e inteiramente injusto que este tenha sido condenado, na perda de uma vantagem patrimonial (de que não usufruiu), ainda que no valor de € 53.415,29€.
90) E nada resultou dos autos que permita concluir que o arguido, à exceção da firma A..., S.A, tivesse obtido para si qualquer vantagem patrimonial;
91) Assim, se o agente do crime não tiver obtido para si qualquer benefício, a perda não deve ser decretada contra ele, mas apenas contra quem beneficiou da vantagem. (veja-se neste sentido acórdãos do Tribunal da Relação do Porto nos processos n.º 235/16.4IDPRT.P1, de 09/10/2019, 286/16.0IDAVR.P1 de 27/01/2021 e 8890/16.9T9PRT.P1, de 22/09/2021, e de 18.03.2023, Processo: 793019.4T9PRT.P1 (todos do mesmo relator WILLIAM THEMUDO GILMAN), de 30-04-2019 (processo 1325/17.1T9PRD.P1 (Élia São Pedro) e 10/11/2021, processo n.º 276/17.4IDPRT.P1 (João Pedro Maldonado);
92) Ao declarar a perda de vantagens do crime, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação do art.º 111º, n.º 2 do CP.
93) De todo o modo e, como se referiu supra, a quantia de 53.415,29€ à data da notificação ao arguido para pagamento nos termos do art. 105º, nº4 al. b) do RGIT e quando foi proferida acusação já se encontrava totalmente liquidada, pelo que é irrazoável que o arguido seja duplamente tributado.
94) Na verdade, reconhece-se que “quando o dano e a vantagem coincidam, a realidade é a mesma. Optando-se pelo ressarcimento do dano em sede própria e, cumulativamente, pela declaração de perda dessa mesma vantagem, nos termos do art. 110º, n.º 1, al. b), do Código Penal, tal redundaria numa dupla punição do agente. (Ac. R. C. de 12.07.2023, in www.dgsi.pt).
95) A utilidade da sanção da perda de vantagem carece, pois, de significado nas situações em que o lesado já se encontra devidamente ressarcido – como no caso dos autos -, não sendo a vantagem obtida com o crime superior ao ressarcimento, o decretamento da sua perda é processualmente inútil e decretá-lo mais não significaria do que a prática de um acto inútil, consabidamente proibido por lei. (Neste mesmo sentido e com paralela orientação se pronuncia a generalidade da doutrina alemã, de que é exemplo Jescheck (76 - I – 2)).
96) Assim é que, tendo o valor em dívida já sido totalmente ressarcido, o arguido, ao pagar, já repôs, na esfera do lesado – Segurança Social – a vantagem que alegadamente retirou da conduta, sendo por demais consabido que, nestes casos, já não há perda de vantagem; o inverso seria um injustificado enriquecimento sem causa do lesado que, como se vem defendendo, não é legalmente admissível.
97) Pelo exposto, entende-se que deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida, por outra que não declare a quantia de 53.415,29€ perdida a favor do Estado.
98) Se assim não se entender, da factualidade dada como provada não resulta que o arguido obteve uma vantagem patrimonial no valor de €53.415,29€.
99) Se assim é, nos termos do art.112.º do Código Penal, o seu pagamento pode ser diferido, realizado em prestações ou objeto de atenuação;
100) Perante as razões de política criminal contidas no instituto da perda de vantagens e a situação socioeconómica do arguido, a condenação em € 53.415,29 é no caso demasiado severa, pelo que, nos termos do art.112.º, n.º 2 do CP é razoável reduzir o seu montante e fixar equitativamente o valor que o arguido deve pagar ao Estado não superior a € 2.500,00.”
Pugna pela apreciação das invocadas nulidades e excepções nos termos sobreditos e pela revogação da sentença recorrida e substituição por outra que absolva o arguido ou atenue especialmente a pena e que declare não perdida a favor do Estado a quantia de 53.415,29€ ou que a mesma seja reduzida pelos fundamentos expostos.
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I.2.2. Do arguido AA (conclusões que se transcrevem integralmente):
“I. O Recorrente foi condenado na prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo art. 30.º, n.º 2 do Código Penal e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo, com regime de prova a elaborar pela DGRSP.
II. Sucede que, com o merecido respeito pela ciência jurídica da Merítissima Juiz a quo, a douta decisão não se poderá manter, porquanto:
a. É nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Penal, relativamente às questões invocadas na contestação pelo Recorrente;
b. É nula por falta de inquérito ou, sem conceder, insuficiência de inquérito, nos termos do disposto nos arts. 119.º, d) e 120.º, n.º 2, d) do Código do Processo Penal;
c. Decorreu o prazo de prescrição que deverá ser declaro para os devidos efeitos legais;
d. É nula por violação do princípio do acusatório, do direito a um processo justo e da proibição ne bis in idem;
e. É nula por omissão da comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação – art. 358.º, n.º 3 do CPP;
f. Enferma de erro notório na apreciação da prova, o abrigo do disposto no art. 410.º, n.º 2 alínea c) do CPP,, relativamente à matéria de facto dada como provada e à sua subsunção ao direito;
g. Incorre em errada aplicação do direito aos factos, preconizando uma solução jurídica que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, mormente o artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal.
III. Antes de iniciados os presentes autos, correu termos o processo n.º 1324/19.9T9MAI, com a mesma factualidade da acusação pública deduzida nestes autos, o qual foi arquivado por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que transitou em julgado, porquanto a acusação não mencionava a notificação do Recorrente na qualidade de pessoa singular e administrador da sociedade comercial para pagar no prazo de 30 dias, pressuposto objetivo e indispensável da punibilidade para preenchimento do tipo legal de crime, conforme preceitua o art. 105.º, n.º 4, alínea b) do RGIT.
IV. Os presentes autos iniciaram e assentaram numa mera certidão de todo o processado no âmbito daquele outro processo.
V. O Recorrente não foi constituído Arguido.
VI. Ao abrigo do disposto no art. 58.º, n.º 1 alínea a) do Código do Processo Penal, a constituição de arguido é obrigatória logo que ocorra inquérito contra pessoa determinada em relação à qual exista suspeita fundada da prática do crime.
VII. O inquérito nestes autos traduziu-se na mera distribuição da certidão ao DIAP, não tendo sido praticado qualquer outro ato de inquérito.
VIII. O Recorrente apenas assumiu a posição processual de arguido com a notificação da acusação, mas não lhe foi dada oportunidade de intervir na fase processual de inquérito como se impunha, tendo sido suprimidos os seus direitos, designadamente os previstos nos arts. 57.º a 61.º, 262.º, 267.º e 272.º do Código do Processo Penal e uma absoluta supressão do direito a todas as garantias de defesa constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
IX. Foram omitidos todos os atos próprios e obrigatórios da fase de inquérito.
X. O que tudo configura nulidade insanável que deverá ser oficiosamente declarada por a falta de inquérito e de constituição de arguido a que se reporta a línea d) do art. 119.º do Código do Processo Penal.
XI. O Recorrente vinha acusado pela prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, cuja moldura penal é de pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias (vd. art. 105.º, n.º 1 do RGIT).
XII. A última cotização alegadamente não entregue diz respeito a janeiro de 2015, o Recorrente não foi constituído arguido, antes apenas assumiu essa posição processual por notificação da acusação nestes autos em 16/03/2022 (depósito postal em 11/03/2022), pelo que se verifica decorrido o prazo prescricional que impõe que seja decretada a extinção do procedimento criminal.
XIII. Os efeitos da constituição de arguido no primeiro processo não se estendem aos presentes autos, porquanto a qualidade de arguido conserva-se apenas durante o decurso do processo (art. 57.º, n.º 2 do Código Processo Penal), pelo que os efeitos da constituição de arguido naqueloutro processo extinguiram-se.
XIV. Uma nova acusação retificada com o mesmo objeto processual viola o princípio do acusatório.
XV. Não é admissível no nosso ordenamento jurídico, após a fase de instrução, o processo ser devolvido ao Ministério Público para que retifique a acusação deduzida – vd. Acórdão TRG 19/06/2017, Maria dos Prazeres Silva, processo n.º 175/13.9TACBC.G1.
XVI. A dedução de nova acusação com o mesmo objeto processual após o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação é inconstitucional por violar a estrutura acusatória consagrada no art. 32.º, n.º 5, sendo vedado ao juiz convidar a aperfeiçoar ou dar sugestões ao órgão titular da ação penal (tal como não o pode fazer relativamente aos demais sujeitos processuais no processo penal) e o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, está vinculado ao princípio da legalidade e ao princípio da autonomia e independência das magistraturas (arts. 219.º da Constituição da República Portuguesa e 96.º, n.º 1 e 97.º, n.º 3 do Estatuto do Ministério Público) – vd. Ac. STJ de 27/04/2006, Pereira Madeira.
XVII. A dedução de uma nova acusação para suprir deficiências ou omissões configura uma duplicação da acusação e perseguição criminal pelos mesmos factos, em violação do princípio ne bis in idem e do princípio do processo justo e equitativo e da legítima confiança dos interessados na conformação das decisões, na segurança jurídica das decisões dos tribunais e do respeito pelo caso julgado.
XVIII. O que, em suma, determina que a acusação dos presentes autos não podia ser admitida por inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, do princípio da autonomia do Ministério Público e do princípio ne bis in idem, sendo a sentença proferida nos presentes autos uma segunda decisão sobre o mesmo objeto processual.
XIX. O Recorrente estava acusado da prática do crime de abuso de confiança à segurança social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias
XX. A sentença condenou o Recorrente nos termos do art. 105.º, n.º 5 do RGIT, contudo não estava acusado nesses termos e não foi comunicado ao Arguido qualquer alteração da qualificação jurídica, ao arrepio do previsto e exigido pelo art. 358.º, n.º 1 do Código do Processo Penal ex vi do número 3 do mesmo preceito legal, o que determinou a total e ilegal supressão do direito de defesa quanto a essa parte em nova violação do direito de defesa e do princípio do contraditório constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
Sem conceder:
XXI. Pese embora a matéria de facto dada como provada nos pontos 9 e 10, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a circunstância das cotizações respeitantes aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto e Novembro de 2013 terem sido entregues.
XXII. Considerou, assim, que a falta de entrega das quotizações por um período de vários meses, apesar de ter sido interrompida por um período de 7 meses seguidos, se tratou de uma única resolução criminosa e a prática de um crime de forma continuada.
XXIII. A sentença é totalmente omissa quanto a tal aspeto, concluindo, sem apresentar qualquer fundamentação, pela prática de um crime de forma continuada.
XXIV. Ora, por um lado, a falta de fundamentação importa a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto nos arts. 379.º, n.º 1, a) e 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal).
XXV. Por outro lado, atento o largo período de entregas de 7 meses seguidos, que interrompeu o período de não entregas, tem que se considerar que não houve prática de crime de forma continuada pelo período que foi considerado, não existindo uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, tal como é requisito para a existência da continuação criminosa.
Com efeito:
XXVI. Importa autonomizar dois períodos: entre outubro de 2012 e janeiro de 2013, no qual não houve entrega do montante global de 13.831,96€ e entre dezembro de 2013 e janeiro de 2015, no qual não houve entrega do montante global de 34.858,35€.
XXVII. Por tal circunstância, a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova e errada aplicação do direito aos factos, preconizando uma solução jurídica que viola o regime da prática continuada criminosa, previsto no art. 30.º, n.º 2 do Código Penal.
Sempre sem prescindir:
XXVIII. Nesta hipótese, poder-se-ia estar perante dois crimes de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. nos termos do art. 105.º, n.º 1 ex vi art. 107.º do RGIT.
XXIX. No que concerne ao primeiro período (out 2012 a janeiro 2013) estaria manifestamente prescrito pelo decurso do prazo de 5 anos.
XXX. Quanto ao segundo período, de igual modo, estaria prescrito porquanto sendo o último acto de janeiro de 2015 e levando em consideração que o Recorrente só assumiu a posição processual de arguido em março de 2022, também decorreu o prazo prescricional de 5 anos. Sempre sem prescindir:
XXXI. O recorrente foi condenado a uma pena de prisão de 2 anos, suspensa.
XXXII. Tal pena afigura-se manifestamente exagerada e desproporcional, atendendo que a moldura penal do tipo legal de crime é de pena de prisão de um a cinco anos.
XXXIII. Contudo, afigura-se que não foi feita uma correta valorização da matéria de facto dada como provada, designadamente, que o montante não entregue (53.415,29€) se situa muito próximo do limite pelo qual o legislador consagrou pena agravada (50.000,00€), tal como resulta do art. 105.º, n.º 5 do RGIT ex vi art. 107.º, n.º 1.
XXXIV. Por outro lado, a sentença a quo não relevou a colaboração e confissão do Recorrente que contribuiu de forma decisiva para a descoberta da verdade, nem levou em conta as favoráveis circunstâncias pessoais e sociais, previstas nos pontos 39. 41. 42. 43. 44. e 45. dados como provados, o que tudo deveria determinar a atenuação especial da pena ao abrigo dos arts. 72.º e 73.º do Código Penal ou, pelo menos, que a pena concretamente aplicada fosse fixada pelo mínimo.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente o recurso.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério público, na resposta aos recursos, sem formular conclusões, pronunciou-se
pelo seu provimento por entender se ter verificado o vício previsto no artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da irrecorribilidade da decisão instrutória e da total improcedência dos recursos.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- QUESTÕES PRÉVIAS
II.1. Da admissibilidade do recurso da decisão instrutória
§1. O arguido BB veio interpôr recurso da decisão instrutória de pronúncia, na parte em que apreciou as nulidades e a excepção da prescrição do procedimento criminal, no caso de ser julgada improcedente a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Importa, desde já, apreciar da sua admissibilidade.
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§2. O artigo 310º do CPP, na parte que aqui interessa, preceitua que:
1. A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao Tribunal competente para o julgamento.”
O Legislador ordinário adoptou um princípio-regra de recorribilidade das decisões em processo-crime (artigo 399.º do CPP), mas excepcionou (entre outras) a decisão instrutória de pronúncia, incluindo na parte que aprecia nulidade, outras questões prévias ou incidentais.
Esta solução legislativa foi já objeto de fiscalização constitucional por múltiplas ocasiões, tendo o tribunal constitucional decidido pela sua conformidade constitucional.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/2011 (acessível em tribunalconstitucional.pt) “a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação foi introduzida no nosso sistema processual pela Código de Processo Penal de 1987, o qual, ao suprimir um recurso com subida necessariamente imediata e com efeitos suspensivos de um despacho interlocutório, pondo fim a uma prática que foi considerada como um dos fatores responsáveis pelo crónico atraso no julgamento dos processos crimes na vigência do Código de Processo Penal de 1929, visou dar execução à norma constitucional que impõe que o julgamento penal deva ocorrer no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 2, in fine, da Constituição). Confessadamente, com as inovações introduzidas em matéria de recursos, visou o legislador de 1987 obter um duplo efeito: "potenciar a economia processual numa ótica de celeridade e de eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efetividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico" (preâmbulo do Decreto-Lei nº 78/87, III, 7, c)).
A constitucionalidade desta solução foi fiscalizada pelo Tribunal Constitucional que, apesar de ter presente os danos provocados pela sujeição a um julgamento penal, emitiu sucessivos juízos de não inconstitucionalidade (Vide os acórdãos n.º 265/94, 610/96, 468/97, 45/98, 101/98, 156/98, 238/98, 266/98, 299/98, 300/98, 463/2002, 481/2003 e 527/2003, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Entendeu-se, invariavelmente, que se encontrava dentro da margem de liberdade do legislador optar pela irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, enquanto despacho intermédio que se limita a determinar a necessidade de o arguido ser sujeito a julgamento, face aos indícios que existem de que ele cometeu um crime, como forma de, em nome dos interesses da celeridade processual, evitar uma demora na realização do julgamento.
Ora, sendo constitucionalmente admissível que o legislador possa determinar a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, quando opta por essa solução em nome da celeridade processual, revela-se perfeitamente coerente que essa opção se estenda às decisões sobre questões prévias a esse despacho, as quais apenas nele se repercutem, como sucede com a decisão em causa nos presentes autos.
Daí que não ofereça dúvidas que a solução da irrecorribilidade do despacho não possa ser qualificada como uma restrição desproporcionada do direito ao recurso em processo penal.
Por estes motivos conclui-se que a interpretação normativa acima analisada não viola o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, da Constituição, nem se vislumbra que infrinja qualquer outro parâmetro constitucional” (veja-se ainda, entre outros, acórdãos do TC n.ºs 266/98, 216/99, 387/99, 30/2001, 463/2002, 481/2003, 79/2005, 460/2008, 51/2010, 477/2011, 146/2012, 265/2012, 482/2014 e 799/2014, todos acessíveis em tribunalconstitucional.pt).
Assim, nos termos do disposto nos artigos 310º, n.º 1 e 399º, ambos do CPP rejeita-se o recurso da decisão instrutória por inadmissibilidade.
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II.2. Da rectificação dos lapsos materiais da sentença recorrida
§1. Lida a sentença recorrida detectamos que os segmentos “C3.1) DA(S) MEDIDA(S) CONCRETA(S) DA PENA” e a “III. DECISÃO-A) e B)” padecem de lapsos de escrita, conforme assinalado pelo Ministério Público no seu parecer, a saber:
i) No segmento “C3.1) DA(S) MEDIDA(S) CONCRETA(S) DA PENA” onde consta “prevê a aplicação de pena de prisão de 1 mês a 5 anos…”, deveria constar “prevê a aplicação de pena de prisão de 1 ano a 5 anos…”, tendo em conta a moldura penal abstracta prevista no artigo 105º, n.º 5 do RGIT;
ii) No segmento “III. DECISÃO – A) e B)” consta apenas “o artigos 6º, 7º, 105º…”, quando também deveria constar “artigos 6º, 7º, 105º, n.º 5…” tendo em conta a qualificação jurídica efectuada na decisão recorrida (cfr. o segmento C2) DE DIREITO).
Por serem manifestos, nos termos do artigo 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPP tais lapsos (sendo aliás de conhecimento oficioso) são susceptíveis de rectificação por esta Relação, não tendo qualquer relevância para a decisão da causa.
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§2. Pelo exposto, determina-se a rectificação dos referidos lapsos de escrita nos seguintes termos:
i) No segmento “C3.1) DA(S) MEDIDA(S) CONCRETA(S) DA PENA” da sentença a expressão “prevê a aplicação de pena de prisão de 1 mês a 5 anos…” passa a ficar com a redacção “prevê a aplicação de pena de prisão de 1 ano a 5 anos…”;
ii) No segmento “III. DECISÃO – A) e B)” da sentença a expressão “o artigos 6º, 7º, 105º…” passa a ficar com a redacção “o artigos 6º, 7º, 105º, n.º 5…”.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Objecto dos recursos
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões dos recorrentes extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
A) Recurso do arguido BB
1ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP;
2ª Nulidade por omissão da notificação do administrador de insolvência da sociedade e do administrador de insolvência pessoal – artigo 120º, n.º 2, al. d) e n.º 3, al. c) do CPP;
3ª Nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos descritos na acusação – artigo 379º, n.º 1, b) do CPP;
4ª Não verificação da condição objectiva de punibilidade prevista na al. b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infraccções Tributárias (doravante RGIT):
i) Por liquidação total da dívida;
ii) Por impossibilidade legal do arguido em efectuar pagamentos.
5ª Se ocorre a causa de exclusão de ilicitude de conflito de deveres – artigo 36º do Código Penal (doravante CP);
Subsidiariamente,
6ª Aplicação do instituto da atenuação especial da pena – artigo 22º do RGIT;
7ª Medida concreta da pena por excessiva;
8ª Insusceptibilidade da declaração da perda de vantagens:
i) Por o arguido não ter obtido qualquer vantagem patrimonial;
ii) Por a dívida já se encontrar totalmente liquidada.
Subsidiariamente,
9ª Redução do valor da perda de vantagens – artigo 112º do CP.
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B) Recurso do arguido AA
1ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP;
2ª Nulidade da sentença por omissão da comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação – artigo 358º, n.º 3 do CPP;
3ª Nulidade da sentença por falta de fundamentação – artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP;
4ª Vício decisório do erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP;
5ª Errada aplicação do direito aos factos – artigo 30º, n.º 2 do CP;
6ª Aplicação do instituto da atenuação especial da pena – artigo 22º do RGIT;
7ª Medida concreta da pena por excessiva.
*
Conheceremos os fundamentos comuns dos recursos em conjunto e pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
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III.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“II. FUNDAMENTAÇÃO
*
A – FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A sociedade “A..., S.A.” foi constituída em 29.07.2005 e encontrava-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Maia, sob a matrícula n.º ..., e o seu objecto social consistia em actividades de topografia, produção de cartografia e sistemas de informação geográfica, actividades de engenharia e afins; actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho; serviços de fiscalização e coordenação de obras, gestão de projectos, elaboração de estudos e projectos de arquitectura, corte e poda de arvoredo, tratamentos de resíduos e indústria de construção civil.
2. Os arguidos AA e BB foram, desde 03.03.2008 e respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da dita sociedade, cargos que mantiveram.
3. A sociedade referida em 1. obrigava-se com a assinatura conjunta do presidente e vicepresidente, ambos do Conselho de Administração; ou - com a assinatura conjunta do vicepresidente e do vogal, ambos do Conselho de Administração
4. A gerência de tal sociedade, desde 03.03.2008, esteve sempre a cargo dos arguidos e eram ambos os responsáveis pelo governo da sua actividade comercial, designadamente, pela gestão e movimentação das contas bancárias, contratação de trabalhadores, processamento dos respectivos salários, realização dos pagamentos aos credores da sociedade, em particular, os pagamentos a fornecedores, a entidades bancárias, e dos tributos devidos à Administração Fiscal e Segurança Social.
5. A mencionada sociedade laborou sempre com trabalhadores ao seu serviço, mediante o pagamento de retribuição mensal.
6. No decurso da sua actividade, a sociedade, representada pelos arguidos AA e BB procedeu, como legalmente lhe competia, ao desconto nas retribuições pagas aos seus trabalhadores das contribuições devidas à segurança social (taxa de 11%), bem como reteve as quotizações nos salários pagos aos administradores, membros dos órgãos estatutários (taxas de 9,3% e 11%), no período de entre Outubro de 2012 a Janeiro de 2013, Setembro, Outubro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 a Janeiro de 2015.
7. Tais cotizações são determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações pagas ou equiparadas, devendo ser descontadas nessas remunerações e pagas pela entidade empregadora juntamente com a contribuição própria.
8. Com efeito, no período de tempo compreendido entre Outubro de 2012 a Janeiro de 2013, Setembro, Outubro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 a Janeiro de 2015, os salários dos trabalhadores e administradores foram pagos regularmente pelos arguidos e estes, pessoalmente e em representação da sociedade que gerem, entregaram as correspondentes folhas de remunerações destinadas a mencioná-los, tendo descontado dos salários pagos as contribuições devidas à Segurança Social, quer relativamente ao “regime geral”, quer no que respeita ao regime dos “membros dos órgãos estatutários”.
9. Porém, os arguidos, não obstante terem deduzido, nos períodos compreendidos entre os meses de Outubro de 2012 a Janeiro de 2013, Setembro, Outubro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 a Janeiro de 2015, a quantia global de €53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos), respeitante ao valor das quotizações retidas nos salários dos trabalhadores, bem como das quotizações retidas nos salários pagos aos membros dos órgãos estatutários, não a entregaram nos Serviços da Segurança Social.
10. Assim, e conforme a seguir se discrimina, os arguidos retiveram e não entregaram à Segurança Social o valor global de €53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos) a que acrescem os juros de mora e que assim se discriminam:
a. Outubro de 2012 – cotizações retidas e não pagas: € 2822,24;
b. Novembro de 2012 – cotizações retidas e não pagas: € 3118,43;
c. Dezembro de 2012 – cotizações retidas e não pagas: € 5443,44;
d. Janeiro de 2013 – cotizações retidas e não pagas: € 2447,85;
e. Setembro de 2013 – cotizações retidas e não pagas: € 2306,09;
f. Outubro de 2013 – cotizações retidas e não pagas: € 2418,89;
g. Dezembro de 2013 – cotizações retidas e não pagas: € 3557,05;
h. Janeiro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2951,26;
i. Fevereiro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2524,03;
j. Março de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2667,28;
k. Abril de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2732,95;
l. Maio de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2966,91;
m. Junho de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 3034,36;
n. Julho de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2938,33;
o. Agosto de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 3798,15;
p. Setembro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2789,53;
q. Outubro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 2434,48;
r. Novembro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 1419,55;
s. Dezembro de 2014 – cotizações retidas e não pagas: € 682,83;
t. Janeiro de 2015 – cotizações retidas e não pagas: € 360,94.
11. Os arguidos bem sabiam que tinham o dever de enviar ao Instituto da Segurança Social as folhas de remunerações pagas, no mês anterior, aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários e, no caso de pagamento das mesmas, de proceder ao desconto prévio dos valores das contribuições por aqueles, legalmente devidas à Segurança Social, entregando-lhe tais quantias.
12. Porém, pessoalmente e enquanto gerentes da sociedade, decidiram não o fazer a partir do mês de Outubro de 2012, concretamente nos períodos compreendidos entre os meses de Outubro de 2012 a Janeiro de 2013, Setembro, Outubro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 a Janeiro de 2015, passando a integrar essas quantias no património da sociedade.
13. Durante os referidos períodos de tempo, a sociedade dispôs sempre de meios financeiros para cumprir as suas obrigações contributivas para com a Segurança Social e procedeu ao pagamento dos salários dos seus trabalhadores.
14. O pagamento de tais contribuições à Segurança Social deveria ter sido efectuado até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitavam, porém, para além de não serem entregues no referido prazo, também não o foram nos noventa dias subsequentes ao términus do prazo.
15. Os arguidos AA e BB, quer pessoalmente, quer enquanto legais representantes da sociedade A..., S.A. foram pessoalmente notificados, em 17.07.2019 e 09.08.2019, respectivamente, para procederem, no prazo de 30 dias, ao pagamento das cotizações retidas e não entregues à Segurança Social, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. Porém, nem no referido período, nem em momento posterior procederam ao pagamento das quantias em dívida.
16. Efectivamente os arguidos retiveram e não entregaram até à presente data à Segurança Social a quantia total de €53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos) referente às deduções por ambos efectuadas a título de cotizações para a Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, a qual ingressou no acervo patrimonial da sociedade, tomando-se coisa sua.
17. Ao não entregarem à Segurança Social o valor das cotizações supra descritas e ao integrá-las, ao invés, na esfera patrimonial da sociedade, os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, para assim ilegitimamente obterem para si e para a sociedade um benefício patrimonial a que não tinham direito, bem sabendo que o faziam à custa do património do Estado, nomeadamente, da Segurança Social
18. Os arguidos adoptaram um comportamento de não cumprimento sistemático de tais obrigações pois, mês após mês, reiteraram o desígnio de não proceder à entrega das contribuições efectivamente deduzidas nas remunerações pagas aos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários.
19. E ao não entregarem as cotizações estavam a actuar como se as mesmas lhes pertencessem, satisfazendo outros compromissos financeiros e integrando-as no giro económico da sociedade que geriam, estando plenamente cientes de que com tal conduta violavam a referida obrigação legal.
20. E a supra descrita conduta, foi facilitada pela circunstância de as entidades empregadoras actuarem como substitutos legais da Segurança Social, através do mecanismo da retenção da fonte, pois o próprio sujeito passivo da contribuição tem a obrigação de a auto liquidar e proceder ao seu pagamento.
21. Actuaram, assim, os arguidos com o reiterado propósito conseguido de, agindo em união de esforços e vontades, fazer da sociedade cada uma das importâncias devidas à Segurança Social e, destarte, com a intenção de obter para si e para a sociedade benefício ilegítimo no valor global de € 53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos).
22. Agiram os arguidos de forma livre, voluntária, concertada e conscientemente, de forma reiterada, essencialmente homogénea, com plena consciência de que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
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Mais se provou:
23. As quantias referenciadas em 1º foram utilizadas pelos arguidos para procederem ao pagamento dos salários dos trabalhadores da sociedade “A..., S.A.” e liquidar impostos junto da Autoridade Tributária.
24. Na secção de processos executivos do Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, I.P., correm por conta da sociedade identificada em 1., os seguintes processos:

25. A sociedade identificada em 1, em 11.01.2013, apresentou pedido de pagamento em prestações das dívidas inerentes aos processos de execução fiscal autuados sob os números ... e ..., no montante global de 176.200,65€, deferido, por despacho de 14.02.2013, em 60 prestações mensais, plano de pagamentos rescindido por falta de pagamento das prestações deferidas.
26. Por conta do plano deferido mencionado em 25, a sociedade identificada em 1 pagou uma prestação no valor de 2.986,45€.
27. A sociedade identificada em 1, em 22.03.2013, apresentou pedido de pagamento em prestações das dívidas inerentes aos processos de execução fiscal autuados sob os números ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de 176.200,65€, deferido, por despacho de 22.03.2013, em 60 prestações mensais, plano de pagamentos rescindido por falta de pagamento das prestações.
28. Por conta do plano deferido mencionado em 27, a sociedade identificada em 1 pagou vinte prestações mensais no valor cada uma de 4.405,02€.
29. As dívidas mencionadas em 24 reverteram para o aqui arguido AA, enquanto responsável subsidiário, em 30.11.2015, não tendo sido satisfeitas.
30. Por despacho exarado em 28.09.2023, a dívida inerente ao processo de execução fiscal autuado sob o número ..., e respectivos apensos, foi declarada prescrita quanto ao arguido BB.
31. Os arguidos enquanto elementos que integravam os órgãos societários de “A..., S.A.” eram considerados pelos trabalhadores e prestadores de serviços pessoas diligentes e responsáveis.

Mais se provou quanto à sociedade “A..., S.A.”:
32. Em 11.03.2015, no âmbito do processo autuado sob o número 711/15.6T8STS, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio de Santo Tirso (Juiz 3) da Comarca do Porto, foi declarada a insolvência de “A..., S.A.”, pessoa colectiva identificada fiscalmente pelo número ..., com sede na Rua ..., ..., Maia.
33. No âmbito do processo referenciado em 32 foram reconhecidos, por sentença exarada em 07.09.2018, entre outros, os seguintes créditos:
a. De natureza comum ao Instituto da Segurança Social no valor de 104.556,77€;
b. De natureza privilegiada no valor de 84.581,54€;
c. De natureza subordinada (por suprimentos) a BB no valor de 39.177,07;
d. De natureza subordinada (por suprimentos) a AA no valor de 20.102,12€;
e. De natureza privilegiada a AA no valor de 41.167,12€
34. Em 03.02.2020 as contas apresentadas pelo administrador de insolvência, em 08.07.2018, nomeado no processo 711/15.6T8STS foram julgadas validamente prestadas;
35. Em 24.09.2021, após realização do rateio, onde se apuraram receitas no valor global de 5.670,45€. Foi declarado encerrado o processo de insolvência da sociedade comercial “A..., S.A.” e a insolvência declarada fortuita.
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Mais se provou quanto ao arguido AA que:
36. Em 28.07.2016, no âmbito do processo autuado sob o número 2314/16.9T8STS, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio de Santo Tirso (Juiz 2) da Comarca do Porto, foi declarada a insolvência do aqui arguido AA.
37. No âmbito do processo referenciado em 36, em 28.10.2016 e em 25.01.2022, foram exarados despachos de exoneração inicial e final do passivo restante, respectivamente.
38. O processo referenciado em 36 em 27.09.2016 foi encerrado por insuficiência da massa insolvente.
39. O arguido AA trabalha como engenheiro informático num gabinete de contabilidade auferindo mensalmente 820,00€ (oitocentos e vinte euros).
40. O arguido AA reside com os pais em casa própria destes, contribuindo mensalmente para as despesas comuns com uma quantia variável entre os 100,00€ (cem euros) e os 120,00€ (cento e vinte euros).
41. O arguido AA tem dois filhos, um com 29 anos de idade e outro com cinco anos, ajudando mensalmente o mais velho com uma prestação na ordem dos 150,00€ (cento e cinquenta euros) e o mais novo com auxílio material na gestão das necessidades do dia a dia.
42. O arguido AA é licenciado em engenharia informática.
43. O arguido AA é portador da doença de crohn, além de insuficiente cardíaco que lhe demanda a necessidade de toma diária de seis diferentes comprimidos que mensalmente representam uma despesa medicamentosa na ordem dos 70,00€ (setenta euros) a 80,00€ (oitenta euros).
44. O arguido AA é considerado pelos seus conterrâneos uma pessoa empenhada e colaborativa atenta a sua cooperação com o “Grupo ...”.
45. O arguido AA não tem averbamentos no seu certificado de registo criminal.

Mais se provou quanto ao arguido BB:
46. Em 23.11.2015, no âmbito do processo autuado sob o número 7473/15.5T8GMR, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio da Instância Central de Guimarães (Juiz 1) da Comarca de Braga foi declarada a insolvência do arguido BB.
47. Em 10.01.2019, foi proferido, no âmbito do processo referenciado em 46, despacho inicial de exoneração do passivo restante e, em 17.06.2022, despacho de exoneração final do passivo restante.
48. Em 17.06.2022, no processo autuado sob o número 7473/15.5T8GMR, foi exarado despacho de encerramento da insolvência, após realização de rateio final.
49. O arguido BB é director geral na sociedade comercial que gira sob a firma comercial de “B... SA” e, desde Abril de 2024, administrador de acompanhamento da vida societária, auferindo mensalmente a quantia de 3.300,00€ (três mil e trezentos euros).
50. O arguido BB é perito avaliador da Autoridade Tributária e Aduaneira, mais concretamente na circunscrição territorial adstrita à Repartição do Serviço de Finanças ... para propriedade rústica, auferindo, em média mensal, a quantia de 75,00€ (setenta e cinco euros).
51. O arguido BB reside com a sua filha de 11 anos em casa arrendada pela qual suporta uma renda mensal de 400,00€ (quatrocentos euros).
52. O arguido BB despende com despesas em água e luz a quantia global de 300,00€ (trezentos euros).
53. O arguido BB tem o 12.º ano de escolaridade e um ....
54. O arguido BB é devedor do seu progenitor da quantia total de 40.000,00€ (quarenta mil euros) que vai pagando de acordo com a sua folga financeira.
55. O arguido BB é devedor da quantia de 30.000,00€ a qual está a liquidar em prestações mensais de 500,00€ (quinhentos euros).
56. O arguido BB é considerado pelos seus conterrâneos uma pessoa séria, educada, modesta, trabalhador e socialmente empenhado atenta a sua colaboração com a “C..., I.P.S.S.” e com a Associação Voluntária dos Bombeiros ....
57. O arguido BB não tem averbamentos no seu certificado de registo criminal.
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B) – FACTOS NÃO PROVADOS: inexistem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.
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Para além dos factos não referidos por irrelevantes, conclusivos, por conterem matéria de direito ou por se apresentarem em contradição com os factos provados, não se provaram, com relevância para a boa decisão da causa mais quaisquer factos.
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C – MOTIVAÇÃO
C1) DE FACTO
A convicção do Tribunal relativamente aos factos supra dados como provados resultou da apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Concretamente, com base na prova documental constante dos autos, pontualmente conjugada com as declarações quer dos arguidos, quer da prova testemunhal realizada, como infra se justificará, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 1 a 3., 6. a 9., 10., 15., 16., 24. a 30., 32. a 35., 36. a 38., 45., 46. a 48., 49e 57..
Concretizando.
Com base na certidão extraída do processo n.º 1324/19.9T9MAI, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a qual contém a certidão permanente da sociedade comercial “A..., S.A.” a fls. 608-614 dos autos, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 1. a 3..
Depois, com base na referida certidão judicial a qual também contém a participação crime datada de 19.12.2017, a fls. 2 a 52, os extractos de remunerações dos trabalhadores a fls.72 a 92. e o relatório preliminar datado de 06.05.2019, conjugadamente com as declarações dos arguidos, nos termos infra a consignar, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 6 a 10..
Analisadas as notificações constantes a fls. 140, 158 e 178-179 integrantes da referida certidão judicial considerámos provado o facto elencado em 15..
Após análise do teor do email remetido em 23.04.2024 pelo Instituto da Segurança Social, I.P., e compulsa da documentação anexa, deu o Tribunal como provados os pontos factuais elencados em 16 e 24 a 30.
Por sua vez, para prova dos factos referenciados em 32 a 35 considerou o Tribunal conjugadamente a petição inicial constante a fls. 220 a 502 da referida certidão judicial, com as informações processuais remetidas aos autos em 26.04.2024, pelo Juízo do Comércio de Santo Tirso – Juiz 6 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, enquanto para prova dos factos consignados em 36 a 38 e em 46 a 48 valorou o tribunal a informação junta aos autos em sede de audiência de julgamento.
Por fim, ainda com base nos elementos documentais juntos aos autos em 08.04.2024, valorou o Tribunal os factos elencados em 45 e em 57 (certificados de registo criminal) e em 49 (com base nas buscas obtidas após consulta da base de dados do Instituto da Segurança Social. I.P.).
Aqui chegados, a demais matéria factual dada como provada adveio, no que concerne aos factos elencados em 4 a 14, 16 a 21, 23, 31, 44 e 56 da conjugação das declarações prestadas por ambos os arguidos com a prova testemunhal realizada, e, quanto aos factos elencados em 39 a 43 e em 49 a 55, apenas, das declarações dos arguidos.
Vejamos.
Em sede de audiência de discussão e julgamento, os arguidos pretenderam de forma espontânea e manifestamente sincera prestar declarações, que se revelaram integrais e sem reservas, e que vieram, assim, reforçar a prova documental supra elencada.
Documentos permitem, de forma conjugada, apreender a dinâmica empresarial vivida pela empresa nos períodos referentes às cotizações deduzidas nas folhas de féria dos seus trabalhadores subordinados, e órgãos societários, não entregues pelos arguidos.
O que credibiliza a factualidade aduzida para sustentação da acusação e permite concluir que a sociedade comercial mencionada em 1., aquando do exercício da sua actividade comercial, através dos arguidos, conhecedores da sua obrigação legal enquanto membros de um órgão societário e enquanto entidade empregadora, de liquidarem na folha de vencimento a cotização devida por cada um dos seus trabalhadores, deduziram-na, mas não a entregaram no prazo legal, nem posteriormente, ao seu legitimo credor, o Instituto da Segurança Social IP.
Aliás, omitiram tal dever tantas vezes quanto o número de trabalhadores integrados nos seus quadros de pessoal, multiplicadas por cada recibo de vencimento emitido, cujo valor retiveram e não entregaram.
Conseguindo, assim, lesar os interesses patrimoniais daquele instituto público no valor elencado em 10., que se mantém por liquidar, como os próprios arguidos confessaram, que, em sede de audiência de julgamento, de forma objectiva e assertiva, e foi confirmado pela documentação junta em 08.04.2024.
Concretamente, confessaram os arguidos que até ao ano de 2012, conseguiram manter regularizada a vida económico-financeira da empresa “A..., S.A.”, de que eram respectivamente presidente e vice-presidente.
Cenário conjectural que se invertera com a crise bancária que grassou o pais em 2012 e que provocou dificuldades no funcionamento da referenciada empresa.
Problemas que redundaram no incumprimento, primeiro para com a Autoridade Tributária e Financeira e Segurança Social, e, numa fase posterior, para com os próprios trabalhadores e fornecedores, pois como referira a testemunha CC, técnica superior de contabilidade, funcionária da indicada empresa no período de 2010-2014, os “(…) funcionários estiveram sem receber, o dinheiro que entrava não era suficiente para suprir as necessidades de pagamento (…) houve funcionários em lay off (…)” (sic), isto porque, os clientes dos arguidos, sobretudo empresas conectadas ao tecido empresarial do Estado, não pagaram pontualmente os compromissos contratuais com aqueles firmados, provocando, assim, o descalabro financeiro desta.
Testemunha que referira, inclusive, que os arguidos sempre tentaram honrar os seus compromissos, revelando-se pessoas cumpridoras e rigorosas na gestão empresarial que desenvolveram em benefício colectivo.
Em igual sentido depôs a testemunha DD, ROC, e que exerceu funções de fiscal efectivo na identificada sociedade no período compreendido entre 2005-2014.
Esta testemunha que depusera de forma serena, objectiva e espontânea, também declarou que, da sua percepção regular da gestão empreendida pelos arguidos estes denotavam ser pessoas responsáveis no exercício da sua actividade, reconhecendo que “(…) houve problemas de tesouraria (…) sendo a postura dos administradores de grande preocupação em honrar os compromissos (…)” (sic), apesar das grandes dificuldades financeiras que reconheceu pautarem a realidade societária em que os arguidos estavam integrados.
Depoimentos que conjugados entre si, permitiram, ao tribunal, com as declarações dos arguidos, dar como provados os factos elencados em 23 e em 31.
Tal esforço de gestão em 2014 demonstrou-se inviável, tendo, então, os arguidos confessado,
de modo convergente, que deliberaram apresentar a sociedade “A..., S.A.”, à insolvência como se deu como provado em 32.
Isto porque, além dos não pagamentos verificados, o sector bancário pressionou a identificada sociedade comercial a cumprir as contas caucionadas que detinha, situação que aliada à referida conjectura contratual redundou na deliberação dos arguidos de relegarem os pagamentos devidos à Segurança Social para data posterior, canalizando os proveitos económicos para pagarem aos funcionários, aos bancos, e à Autoridade Tributária dado os expedientes administrativos de cariz quase automático que são accionados ante o incumprimento da liquidação dos impostos.
Pagamentos que reconheceram eram mês após mês retidos, após realização da folha de salário dos respectivos trabalhadores e órgãos societários, na qual observavam as prescrições legais ao nível de taxa contributiva, porquanto, a gestão da empresa devido à periclitante situação financeira demandava um concreto e pontual esforço de gestão realizada por ambos, conseguindo, inclusive, os arguidos, sobretudo o arguido AA, identificar os concretos factores ocorridos que justificaram os lapsos temporais elencados em 10., concretamente incumprimento contratual da REN, segundo período conexo com a apresentação à insolvência de vários clientes, e incumprimentos no pagamento de outros, e por fim, a falta de liquidez geral.
Declarações que demonstram que a acção criminal na origem dos presentes autos foi sempre a par e passo decidida em sintonia por ambos os arguidos, motivo pelo qual se deu como provado o facto elencado em 18, pois durante cerca de pelo menos dois anos acreditaram que conseguiriam reverter a situação económico-financeira da empresa, o que não veio a suceder.
Ante o exposto, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11 a 14., 18., 19., 21
Factos que conjugados com os vertidos em 10. e 16., com as regras da experiência comum e com a espontaneidade com que os arguidos prestaram declarações, evidenciam que as acções na origem dos presentes autos foram deliberadas conscientemente pelos arguidos, sendo eles sabedores das consequências, patrimoniais e criminais, que dai adviriam, motivos pelos quais se deram como
provados os factos elencados em 17., 20., e 22.
Entretanto, devido à realidade jurídico-económica dada como provada em 36 a 38 e em 46 a 48, confessaram os arguidos que até ao momento não tentaram regularizar o valor em dívida elencado em 10., motivo pelo qual se deu como provado aquele facto e o constante do ponto 16.
Depois, para prova da factualidade constante em 44 e em 56, valorou o Tribunal o depoimento das testemunhas arroladas pelas respectivas defesas.
Para prova do facto elencado em 44, valorou o Tribunal o depoimento da testemunha EE, engenheiro informático, que conhece o arguido há cerca de 30 anos por ambos estarem ligados ao identificado clube desportivo, contacto social que permitiu à testemunha, de forma objectiva, evidenciar o empenho e o espirito de colaboração social depositado pelo arguido em prol da comunidade, ainda que por intermédio do referenciado grupo desportivo.
Já com base nos depoimentos das testemunhas FF (irmão do arguido), GG (legal representante da entidade para a qual actualmente trabalha) e HH (amigo do arguido há mais de 30 anos), pode o tribunal alcançar, não só a imagem social do arguido (de teor manifestamente positivo) adveniente do seu empenho em instituições cujos fins revertem em prol da sociedade, bem como as qualidades pessoais que neles transparece de ser uma pessoa séria, responsável, que honra os seus compromissos, modesta e um trabalhador exemplar.
Por fim, ainda, com base nas declarações dos arguidos (e no que toca ao arguido BB com base também na informação obtida em 08.04.2024 junto do Instituto da Segurança Social, I.P.), que mantiveram sempre o mesmo registo de cooperação com a descoberta da verdade e de assertividade nas perguntas colocadas, deu o Tribunal como provados os factos constantes dos pontos 39 a 43 e 49 a 55 que mereceram, pelos motivos expostos, credibilidade, sendo, assim, valoradas.”
***
III.3. Apreciação dos recursos
III.3.1. Da nulidade da sentença – artigo 379º/1/c) CPP (questão suscitada pelos recorrentes BB e AA)
§1. O arguido BB sustenta que a decisão instrutória, na parte em que julgou improcedente as questões prévias processuais/nulidades e excepção peremptória da prescrição arguidas nos requerimentos de abertura de instrução, não faz caso julgado sobre as questões, tendo que ser conhecidas pelo tribunal de julgamento por terem sido suscitadas por um dos arguidos na sua contestação. E, não o tendo feito, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia.
Por seu turno, o arguido AA alega que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia relativamente às questões invocadas na sua contestação.
*
§2. Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os seguintes elementos factuais e ocorrências processuais que constam dos autos:
i) No âmbito do processo 1324/19.9T9MAI o Ministério Público deduziu acusação, entre outros, contra os ora recorrentes, imputando-lhes, em co-autoria, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelo art. 24°/1, conjugado com o art. 27°-B, do D.L. n° 20-A/90, de 15/01 (RJIFNA), com a redacção dada pelo D.L. n° 394/93, e pelos arts. 30°/2 e 79° do Código Penal, e actualmente previsto e punível pelo art. 107° do RGIT, com referência ao art. 105°/1 e 5 do mesmo diploma, e arts. 30°/2 e 79° do Código Penal;
ii) Nesse processo os ora recorrentes requereram abertura de instrução;
iii) Nessa instrução os ora recorrentes não foram pronunciados por não se verificar a condição objectiva de punibilidade por a acusação não fazer menção da notificação nos termos e para os efeitos do artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT;
iv) O Ministério Público interpôs recurso da decisão de não pronúncia;
v) Esta Relaçao proferiu decisão em 13.10.2021, confirmando a decisão instrutória de não pronúncia, afirmando que “nesta parte a decisão de não pronúncia é meramente procedimental”, “podendo o Ministério Público, se assim o entender, vir a formular nova acusação que não enferme do vício cometido”;
vi) Na sequência desse acórdão desta Relação, foi ordenada a extração de certidão completa dos autos 1324/19.9T9MAI a fim de ser remetida ao DIAP da Maia para ser deduzida nova acusação contra os ora recorrentes pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social;
vii) A referida certidão deu origem aos presentes autos nos quais o Ministério Público deduziu nova acusação contra os ora recorrentes, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do CP e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.os 1 e 2 do RGIT;
viii) O ora recorrente BB requereu abertura de instrução alegando, em síntese:
a) ao deduzir esta nova acusação, depois de lhe ter imputado os mesmos factos naquela que viria a ser arquivada no âmbito do Processo n° 1324/19.9T9MAI, o Ministério Público violou os princípios constitucionais da estabilidade da instância, do objeto do processo e do ne bis in idem;
b) nesta segunda acusação, o que o Ministério Público fez foi inserir no texto da acusação a referência à notificação pessoal dos Arguidos operada no contexto do art. 105°/4 b) do RGIT, com isso violando o caso julgado material estabelecido;
c) para a eventualidade de se entender que a segunda acusação não consubstancia uma violação do ne bis in idem, alega ainda o Arguido que a notificação de que foi alvo nada diz sobre os juros de mora e a coima aplicável, pelo que é imperfeita, o que gera a nulidade da acusação, ao abrigo do disposto no art. 283°/3 b) do Código de Processo Penal.
Conclui o Arguido BB requerendo, em primeiro lugar, a sua não pronúncia, por violação do princípio constitucional do «ne bis in idem». E, em segundo lugar, a sua não pronúncia por não se encontrar verificada na totalidade a condição objetiva de punibilidade prevista no art. 105°/4 b) do RGIT.
ix) O ora recorrente AA requereu abertura de instrução alegando, em síntese:
a) o Arguido, neste novo processo, não foi interrogado, nem teve lugar qualquer outra diligência, pelo que existe falta de inquérito e de constituição do Arguido, consubstanciando uma nulidade ao abrigo do disposto no art. 119° d) do Código de Processo Penal, ou pelo menos uma nulidade por insuficiência do inquérito, nos termos do art. 120°/2 d) do mesmo diploma;
b) no nosso ordenamento não é admissível uma nova acusação retificada com o mesmo objeto processual, a tanto se opondo os princípios acusatório, do processo justo e da proibição do «ne bis in idem»;
c) o trânsito em julgado da decisão de arquivamento não permite a reformulação da acusação num exercício de tentativa-erro até acertar na redação que cumpra os pressupostos legais que lhe são aplicáveis;
d) a acusação proferida é assim nula e o processo deverá ser arquivado;
e) desde a data dos factos até à notificação da acusação já decorreu o prazo de prescrição aplicável.
Conclui este Arguido pedindo que seja declarada a nulidade da acusação, por falta de inquérito ou por insuficiência do mesmo.
Subsidiariamente, pugna pela declaração de nulidade da acusação por violação dos princípios do acusatório, do contraditório, da legalidade, do processo equitativo e da proibição do «ne bis in idem».
E, ainda subsidiariamente, defende a declaração de prescrição do procedimento criminal.
x) Na instrução foi proferida decisão instrutória que julgou improcedente a excepção da prescrição do procedimento criminal invocada pelo ora recorrente AA, improcedentes as nulidades invocadas pelos ora recorrentes de violação de princípios constitucionais com a dedução da acusação dos presentes autos (principio ne bis in idem; princípio do acusatório; princípio do processo justo) e improcedente a nulidade invocada pelo ora recorrente AA de falta de inquérito e de constituição de arguido.
xi) Distribuído os presentes autos para julgamento, o arguido AA na sua contestação volta a alegar, em síntese:
a) desde a data dos factos até à notificação da acusação já decorreu o prazo de prescrição aplicável;
b) o arguido, neste novo processo, não foi interrogado, nem teve lugar qualquer outra diligência, pelo que existe falta de inquérito e de constituição do Arguido, consubstanciando uma nulidade ao abrigo do disposto no art. 119° d) do Código de Processo Penal, ou pelo menos uma nulidade por insuficiência do inquérito, nos termos do art. 120°/2 d) do mesmo diploma;
c) no nosso ordenamento não é admissível uma nova acusação retificada com o mesmo objeto processual, a tanto se opondo os princípios acusatório, do processo justo e da proibição do «ne bis in idem», devendo a acusação ser rejeitada por manifestamente infundada.
xii) Na sentença recorrida, no segmento “Questão Prévia” o tribunal a quo tomou posição sobre as nulidades e a excepção de prescrição invocadas pelo arguido AA nos seguintes termos (transcrição na parte que aqui releva):
“QUESTÃO PRÉVIA: das nulidades por falta de inquérito e de constituição de arguido, por violação do direito a todas as garantias de defesa, por insuficiência de inquérito, por violação do princípio do acusatório, processo justo e proibição do ne bis in idem e da verificação da excepção peremptória nominada da prescrição do procedimento criminal, invocadas pelo arguido AA, em sede de contestação criminal.
Compulsados os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos supra identificados arguidos, respectivamente em 23.03.2022 e em 04.04.2022, e a decisão instrutória proferida em 14.07.2022, verifica-se que as questões de natureza excepctiva, de cariz nominado e de natureza substantiva e adjectiva, suscitadas em sede de contestação crime, já foram objecto de apreciação de fundo por um tribunal de 1.ª instância, ainda que, em fase processual anterior à presente, sendo, por isso, indubitável qua quanto a tais questões já foi proferida decisão judicial.
Ou seja, tais questões dentro do presente processo, passaram a ser insindicáveis por tribunais de 1.ª instância.(…)
Assim, tendo presente o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (de 1.ª instância) de se pronunciar sobre as questões já decididas nos presentes autos – cfr. artigo 613.º do CPC aplicável ex vi artigo 4.º do CPP – nada mais há a determinar quanto às identificadas nulidades e excepção peremptória da prescrição do procedimento criminal, atento o teor da decisão de pronúncia exarada peremptória da prescrição do procedimento criminal, atento o teor da decisão de pronúncia exarada em 14.07.2022.”
*
§3. Apreciando a questão desde já adiantamos que não assiste razão aos recorrentes.
Em primeiro lugar, no que concerne às invocadas nulidades sobre idêntica questão já as aqui relatora e 2ª adjunta, no acórdão desta Relação do Porto de 23.11.2022, proferido no processo n.º 16687/22.0T8PRT.P1, tomaram posição no sentido de que se deve considerar que forma caso julgado no processo (caso julgado formal) a decisão do juiz de instrução que aprecie a arguição de uma nulidade suscitada pelo arguido (tendo inclusivamente a sua constitucionalidade sido fiscalizada por acórdão do Tribunal Constitucional n.º 605/2023, de 28.09.2023, acessível em tribunalconstitucional.pt e que decidiu Não julgar inconstitucional o disposto nos artigos 338.º, n.º 1 e 310.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que não pode ser apreciada e decidida pelo Tribunal de julgamento nulidade de inquérito por preterição de inquirição obrigatória de arguido até à conclusão desta fase, que tenha sido conhecida por decisão instrutória irrecorrível.”).
Em tal acórdão desta Relação, foi exarado o seguinte (transcrição parcial):
“A este propósito, transcrevemos o seguinte excerto do supracitado acórdão do TC n.º 482/2014:
“Ora, a questão da formação de caso julgado pela decisão instrutória de pronúncia não é pacífica, na jurisprudência do Tribunal Constitucional. A questão tem sido debatida a propósito da própria admissão do recurso de constitucionalidade, em face, designadamente, da provisoriedade da decisão instrutória.
Por um lado, no Acórdão n.º 95/2009, pode ler-se:
«o artigo 311º, nº 1, do Código de Processo Penal aponta, de facto, no sentido de a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público não constituir decisão final, também na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais. Neste preceito sobre o saneamento do processo na fase de julgamento permite-se, sem qualquer limitação, que o presidente do tribunal se pronuncie sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. Já no artigo 338º, nº 1, em audiência de julgamento, o tribunal só pode conhecer e decidir das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar; e no artigo 368º, nº 1, no momento de elaborar a da sentença, o tribunal só pode começar por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão. Numa palavra: os poderes de cognição do tribunal de julgamento em matéria de questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa estão limitados apenas quando a lei o determine expressamente».
Esta jurisprudência surge na linha do decidido, anteriormente, no Acórdão n.º 387/2008 e viria a ser secundada no Acórdão n.º 430/2010.
No entanto, esta orientação não tem recolhido um acolhimento pacífico na jurisprudência do Tribunal Constitucional, especialmente quanto à questão da elevação a pressuposto genérico dos recursos de fiscalização concreta da exigência de definitividade ou não provisoriedade da decisão recorrida (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 92/87, 267/91, 240/94, 151/85, 400/97, 664/97, 466/95, 221/2000, 369/2002). Tem-se decidido, maioritariamente, que não é possível recorrer para o Tribunal Constitucional de decisões meramente precárias que serão necessariamente “consumidas” por uma ulterior decisão, o que tem sido aplicado, designadamente, ao conhecimento de recursos de constitucionalidade de decisões proferidas em sede de procedimentos cautelares. Todavia, a extensão irrestrita desta às decisões proferidas no processo penal, nas fases preliminares ao julgamento, não pode deixar de suscitar maiores reservas, desde logo, em face dos princípios constitucionais convocáveis no seu âmbito de apreciação.
Como observado por Lopes do Rego, merece alguma reserva «a doutrina restritiva fixada no Acórdão n.º 387/2008 (…): na verdade, não resultando expressamente das normas que regem o processo constitucional a exigência de que a decisão jurisdicional recorrida seja “definitiva”, consideramos que a inadmissibilidade de acesso ao Tribunal Constitucional deveria depender da estrita “inutilidade” da decisão que se viesse a proferir em tal recurso – parecendo-nos que a apreciação de questões normativas, constantes do despacho de pronúncia, ligadas às “questões prévias” ou ao enquadramento jurídico dos factos imputados ao arguido, embora “antecipada” relativamente à decisão final, não se poderá propriamente perspetivar como desprovida de utilidade, por deixar assente, em termos de caso julgado formal, as questões de inconstitucionalidade normativa que aí viessem a ser decididas» (v. LOPES DO REGO, ob. cit., p. 25). Em especial, no que concerne às exceções com reflexo na própria subsistência da pretensão punitiva do Estado (amnistia ou prescrição do procedimento criminal), tem surgido discussão na doutrina, face à formulação do artigo 310.º, sobre em que medida se forma ou não caso julgado formal sobre a decisão que, na fase de pronúncia, as dirima (neste sentido, v. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem, em anotação ao artigo 310.º).
Na verdade, inevitável será considerar que a jurisprudência constitucional restritiva acima assinalada, que negou conhecimento de norma que prevê a irrecorribilidade da decisão instrutória com base na sua natureza provisória, não foi a seguida nos Acórdãos a que temos vindo a fazer referência nesta decisão, que conheceram da conformidade constitucional da norma contida no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, quer na parte referente à pronúncia, quer na respeitante às nulidades e outras questões prévias decididas na decisão instrutória.
Mais impressiva ainda para a questão agora em apreciação, será a circunstância de o Tribunal Constitucional ter tido, recentemente, ocasião de julgar uma norma que implicava o reconhecimento expresso da verificação de caso julgado da decisão instrutória de pronúncia.
No Acórdão n.º 520/2011, o Tribunal decidiu:
«Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto nos artigos 286.º, 288.º, 308.º, 310.º, n.º 1, 311.º e 313.º, n.º 4, do mesmo Código, quanto interpretadas tais disposições legais no sentido de que, tendo sido proferido despacho de pronúncia, na sequência de instrução, seguido de despacho emitido ao abrigo do artigo 311.º do Código de Processo Penal, está vedado ao Tribunal Colectivo, na fase introdutória da audiência de julgamento, declarar extinto o procedimento criminal e, em consequência, determinar o arquivamento dos autos, por falta de relevância criminal dos factos imputados aos arguidos».
Vale a pena recordar o cerne da fundamentação do assim decidido:
«(…) o que se proíbe é que o juiz de julgamento, nessa fase, possa sequer efetuar uma tal avaliação, devendo apenas decidir pela condenação ou absolvição do Réu, após realizada a produção de prova e alegações, e fixados os factos que se provaram na audiência de julgamento.
Esta limitação dos poderes do juiz de julgamento tem como fundamento um reconhecimento da autoridade do caso julgado formal. Tendo já sido decidido pelo juiz de instrução criminal, por decisão transitada em julgado proferida nesse processo, que o arguido deve ser submetido a julgamento pelos factos constantes do despacho de pronúncia, entende-se que o juiz do julgamento não pode reponderar a relevância criminal dos factos imputados ao arguido, com a finalidade de emitir um segundo juízo sobre a necessidade de realização da audiência de julgamento.
A autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insuscetíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a disciplina da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objetivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo».
De acordo com a doutrina expendida neste aresto, a decisão instrutória forma caso julgado formal, limitando, nessa medida, os poderes do juiz de julgamento quanto à submissão do arguido a julgamento pelos factos (e crimes) descritos na pronúncia.
De resto, só o reconhecimento da atribuição de autoridade de caso julgado formal às decisões proferidas pelo juiz de instrução permite compreender a ressalva introduzida no n.º 2 do artigo 310.º do CPP, pela revisão operada em 2007, ao passar a acautelar expressamente a possibilidade de o juiz de julgamento excluir provas proibidas, apesar da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação, mesmo na parte respeitante à decisão de nulidades e outras questões prévias ou incidentais (artigo 310.º, n.º 1 do CPP). Na verdade, aquele normativo mais não faz do que ressalvar do caso julgado formal da decisão instrutória a decisão do juiz de julgamento relativa à exclusão de provas proibidas. Se o caso julgado formal não se verificasse, não seria preciso consagrar expressamente esta exceção.
Ora, se se reconhece a intangibilidade do caso julgado formado pela decisão do juiz de instrução que decide o objeto do julgamento a realizar por outro juiz, por maioria de razão, não poderá deixar de se reconhecer a vinculação no processo (caso julgado) das decisões proferidas pelo juiz de instrução cujo conteúdo se apresenta como, material e formalmente, autonomizado da decisão instrutória (cujo escopo se esgota na definição do objeto do futuro julgamento).
Só o reconhecimento de autoridade de caso julgado formal às decisões do juiz de instrução cumpre o «“direito à instrução” da competência de uma entidade imparcial e independente titular do poder soberano de administração da justiça», direito também ele reconhecido na jurisprudência do Tribunal Constitucional (v. Acórdão n.º 527/2003).
Aliás, cumpre notar que a apreciação da competência material do Tribunal de Instrução Criminal onde teve lugar a instrução não faz parte do saneamento oficioso do processo, no momento previsto no artigo 311.º do CPP, já que a apreciação que então é pedida ao juiz (de julgamento) é que verifique se a acusação (ou pronúncia) proferida nos autos reúne todos os requisitos para abertura de uma nova fase do processo, em que terá lugar o julgamento. Os vícios que o juiz de julgamento é chamado a controlar são aqueles que impedem o prosseguimento dos autos (“nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa de que possa desde logo conhecer” – artigo 311.º, n.º 1). Trata-se, assim, de uma apreciação que se projeta no futuro dos autos, não no seu passado.
Respeitando a mesma lógica, o artigo 338.º, n.º 1 do CPP dispõe que, no início do julgamento, o tribunal conhece e decide «das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar» (destacado nosso).”.
As considerações acabadas de transcrever são válidas e encontram, no caso presente, plena pertinência e aplicação.
Ao que acresce ainda os argumentos explanados no citado acórdão do TC n.º 605/2023, de 28.09.2023 e que passamos a transcrever:
“Ora, compreende-se no objeto do controlo jurisdicional na instrução – para além da fiscalização da justificabilidade de uma audiência contraditória de julgamento destinada a apurar responsabilidade criminal, considerando os elementos probatórios recolhidos e factos que são aptos a comprovar (artigos 307.º, n.º 1 e 283.º, n.º 1 e 2, ambos do CPP) – a apreciação de irregularidades processuais do inquérito que devam ser suprimidas, quer importem, quer não, retrocesso processual (artigos 119.º, 120.º, n.ºs 1, 2, alínea d) e 3, alínea c), todos do CPP).
Inscrita nas atribuições de um juiz e integrando o objeto de uma fase de natureza jurisdicional, naturalmente que a decisão que recaia sobre a validade de atos praticados em inquérito adquire força de caso julgado formal (artigo 620.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP), estabilizando a título definitivo a relação de instância (criminal) a que respeitam. Apenas assim não sucede quanto a provas proibidas (artigo 126.º, do CPP), expressamente subtraídas do âmbito do caso julgado associado à decisão instrutória (cfr. artigo 310.º, n.º 2, do CPP), que é exceção entendida por justificável por tributo à ofensividade para com a ordem jurídica que representam, pelo facto de o efeito antijurídico da prova proibida se transportar para a audiência (incidência tanto mais grave quando se leve em conta a absoluta centralidade do elemento-prova para o juízo do Tribunal de julgamento) e porque, com benefício de uma visão panorâmica conferida pela fase de contraditório pleno, este órgão poderá estar em melhores condições para decidir sobre essa matéria.
No mais, a formação de caso julgado formal significará a irreversibilidade das decisões tomadas, qualquer que seja o juiz que presida às fases ulteriores do processo-crime. Isto, à semelhança do que sucede em qualquer outra forma de processo judicial, assim se oferecendo segurança ao procedimento pela implementação de um princípio aquisitivo sobre os atos praticados e de incorporação dos respetivos efeitos. A interdição imposta ao Juiz de julgamento de apreciar a irregularidade de inquérito antes julgada pelo Juíz de instrução é, pois, corolário da relação de horizontalidade que intercede entre ambos e tributa a segurança jurídica do procedimento jurisdicional. A revisão de decisões judiciais depende, genericamente, do acionamento (tempestivo) do sistema de recursos de acordo com a lógica de hierarquia estabelecida entre certos Tribunais e é de acordo com este paradigma que a Lei Fundamental estabelece o estatuto de garantias sobre a revisão e reversibilidade das decisões em processo-crime (artigo 32.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República Portuguesa), já que confrontaria a coerência deste sistema e introduziria um factor de grosseira instabilidade a permissividade legal a que Juiz que presidisse a fase diferente pudesse confrontar julgamento anterior, tornando volúvel e casuística a marcha do processo.
O Tribunal “a quo” justifica a decisão que alcança precisamente com base no exposto (“a decisão do juiz de instrução relativa à arguição decorrente da omissão de interrogatório da arguida A., SA em sede de inquérito produz de facto caso julgado formal”) e, esta, é uma solução absolutamente essencial ao ordenamento jurídico-processual português, conferindo estabilidade e previsibilidade à relação de instância, estabelecendo um parâmetro de segurança sobre o que podem as partes esperar sobre a forma como esta se concretiza e evolui – ingrediente necessário e injuntivo de qualquer disciplina de processo, enquanto estrutura normativa disciplinadora das fases procedimentais dirigida à obtenção de uma providência judiciária – e não se observa peculiaridade no domínio criminal que impusesse, ou sequer aconselhasse, solução diferente.”
E, mais à frente, podemos ler:
“Neste mesmo sentido, cabe agora ver que, in casu, está em causa a impossibilidade de reapreciar, durante a fase de julgamento, uma irregularidade específica referente ao inquérito, que se traduz na preterição de interrogatório da (administração da) arguida antes da prolação de despacho final. Trata-se de um direito processual reconhecido ao indiciado pelo disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPP, a que a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça conferiu a natureza de ato obrigatório de inquérito para efeitos de subsunção ao regime de nulidades previsto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2006, de 2 de janeiro).
Observa-se nesta interpretação do dispositivo a postulação de um direito, conferido ao arguido, a ser confrontado com os factos incriminatórios apurados na investigação (artigo 61.º, n.º 1, alínea c), do CPP) e, bem assim, de ser interrogado sobre eles, caso escolha não exercer o seu direito ao silêncio (artigo 61.º, n.º 1, alínea d), do CPP). Este, entender-se-á corolário do direito geral a contraditório numa fase do processo que, naturalmente, não se pode dizer enformada por esse princípio. É de sublinhar que o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, apenas sujeita à observância de um princípio de contraditório a audiência de julgamento: no que tange a fase instrutória, relega-se a aplicabilidade do princípio e respetiva extensão para o Legislador ordinário e, quanto ao inquérito, a Lei Fundamental não estabelece qualquer caderno de encargos a esse respeito.
Como se diria natural, tratando-se de uma fase de investigação e de recolha de prova, de natureza próxima à atividade policial, a possibilidade de um sujeito ser informado e de oferecer pronúncia sobre atos praticados não poderia constituir jamais um primado de base, sob pena de se comprometer o objetivo funcional desta fase (preliminar) do processo, tanto mais assim se se tratar do próprio indiciado pela prática criminal.
Já não será assim, como se concordará evidente, quanto a medidas em inquérito que constituam intrusão direta em direitos, liberdades e garantias, ou em direitos fundamentais análogos, em que a garantia de contraditório se entenderá compreendida no núcleo irredutível definido pelos princípios de processo justo e equitativo e de acesso a tutela jurisdicional (artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa; ainda que, quando na presença de interesse legitimador bastante, o exercício do direito a contraditação possa não anteceder o decretamento da medida). Será esse o caso da aplicação de medidas de coação que corporizem ingerência na esfera de direitos e liberdades do particular (artigos 197.º-218.º do CPP) ou de medidas de garantia patrimonial (artigos 227.º e 228.º, ambos do CPP), estas últimas intrusivas no direito ao património (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; faculdade consagrada, de resto, no artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
Sem prejuízo desta importante ressalva, quando se chega a julgamento, depois de esgotada uma fase sob tutela jurisdicional especificamente dirigida a assegurar direitos de defesa e a controlar a legalidade dos atos de investigação (maxime, a decisão de acusar), antecedida da prolação de despacho final com a inerente documentação (e notificação ao arguido – artigo 113.º, n.º 10, do CPP) dos factos penais apurados e das provas que os suportam (artigo 283.º, n.ºs 1 e 3, alíneas b) e e) a g), do CPP), estádio em que ao arguido é garantido direito de iniciativa processual, de pronúncia e de participação na produção de prova por voz própria (artigos 287.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, 2.ª parte, 288.º, n.º 2, 289.º, n.ºs 1 e 2, 292.º, n.º 2 e 302.º, n.º 2, todos do CPP), naturalmente que a preterição do direito a interrogatório que se haja verificado durante a fase inicial do processo, de inquérito – a irregularidade que de facto importa ao presente processo de fiscalização –, resulta absolutamente desprovida de relevância, também no plano das garantias processuais.”
Revertendo ao caso dos autos, a decisão do juiz de instrução relativa à arguição das nulidades reportadas à fase de inquérito – nulidade por falta de inquérito e de constituição de arguido e nulidades por violação do princípio do acusatório, do processo justo e da proibição do “ne bis in idem” – produz de facto caso julgado formal (no mesmo sentido, veja-se o acórdão TRL de 05.05.2022, relatado por Maria José Caçador e subscrito enquanto adjunta pela relatora do presente acórdão, acessível em www.dgsi).
E, atento o caso julgado formal resultante da decisão anteriormente proferida pelo juiz de instrução, à Mma. Juiz de julgamento estava, pois, vedada a apreciação das mesmas questões suscitadas pelo arguido AA na sua contestação.
Em segundo lugar, no que concerne à invocada excepção da prescrição do procedimento criminal, cremos que as considerações supra expendidas aplicam-se igualmente no caso concreto e, como tal, a decisão do juiz de instrução também faz caso julgado formal nos presentes autos.
Explicitemos.
A decisão do juiz de instrução fará caso julgado formal na parte em que aprecia a excepção da prescrição invocada pelo arguido AA se forem mantidos os mesmos fundamentos que estiveram na base dessa arguição.
Foi o que aconteceu no caso em apreço.
Os fundamentos invocados pelo arguido AA na fase de instruçãodesde a data dos factos até à notificação da acusação já decorreu o prazo de prescrição aplicável, dada a inexistência de qualquer outra causa de suspensão ou interrupção – são precisamente os mesmos que argumentou posteriormente na fase de julgamento.
Como refere o Ministério Publico no seu douto parecer (com sublinhado da nossa autoria) “tendo a prescrição do procedimento criminal como base a contagem do tempo, cuja dinâmica é evidente, e estando previstas causas de interrupção e suspensão cuja verificação pressupõem momentos processuais diferentes e muitas vezes distantes no tempo, sempre que verificadas novas circunstâncias que tenham influência nessa contagem de tempo poderá haver nova decisão, desta feita a ser proferida pelo tribunal de julgamento.”
Assim, não tendo o arguido AA alegado na sua contestação argumentos distintos daqueles que sustentou no requerimento de abertura de instrução, temos que concluir que a decisão do juiz de instrução – que determinou que a prescrição do procedimento criminal quanto aos ora recorrentes apenas ocorrerá no dia 15 de agosto de 2025 – também faz caso julgado formal.
Por todo o exposto, a Sra. Juiz de julgamento bem andou em não ter apreciado as questões acima elencadas suscitadas pelo arguido AA na sua contestação, pelo que, não se verifica a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Improcedem, nesta parte, os recursos.
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III.3.2. Da nulidade da sentença – artigo 379º/1/ b) CPP (questão suscitada pelos recorrentes BB e AA)
§1. O recorrente BB alega que a sentença deve ser declarada nula por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, tendo sido omitida a notificação quanto à alteração substancial dos factos nos termos do artigo 359º do CPP.
Por sua vez, o recorrente AA sustenta que não foi comunicada ao Arguido a alteração da qualificação jurídica, nos termos exigidos pelo art. 358.º, n.º 1 do Código do Processo Penal, ex vi do número 3 do mesmo preceito legal, não lhe tendo sido dada oportunidade para se pronunciar quanto a esta parte.
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§2. Com relevo para a decisão importa ter em conta que:
i) Os arguidos BB e AA foram pronunciados nos termos de facto e de direito descritos na acusação pública;
ii) O Ministério Público deduziu acusação contra BB e AA imputando-lhes os seguintes factos (transcrição no segmento com interesse para a apreciação da questão em apreço):
“10. Assim, e conforme a seguir se discrimina, os arguidos retiveram e não entregaram à Segurança Social o valor global de €53.415,29 (…)”;(…)
16. Efetivamente os arguidos retiveram e não entregaram até à presente data à Segurança Social a quantia total de €53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos) referente às deduções por ambos efetuadas a título de cotizações para a Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, a qual ingressou no acervo patrimonial da sociedade, tomando-se coisa sua.”;
iii) Nessa acusação foi imputado aos arguidos BB e AA, em coautoria, um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do CP e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.os 1 e 2 do RGIT;
iv) Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição dos factos relevantes para apreciação da questão em apreço):
“10. Assim, e conforme a seguir se discrimina, os arguidos retiveram e não entregaram à Segurança Social o valor global de €53.415,29 (…)” (…)
16) Efectivamente os arguidos retiveram e não entregaram até à presente data à Segurança Social a quantia total de €53.415,29 (cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e vinte e nove cêntimos) referente às deduções por ambos efectuadas a título de cotizações para a Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, a qual ingressou no acervo patrimonial da sociedade, tomando-se coisa sua.”;
v) Nessa sentença os arguidos BB e AA foram condenados, em co-autoria, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do CP e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º, n.º 5 e 107.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT.
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§3. De acordo com o princípio acusatório, a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão., traduzindo-se tal correlação na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal.
Depois de fixado na acusação, o objecto do processo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença – é o chamado princípio da identidade.
A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido.
Contudo, como refere Germano Marques da Silva, “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo” (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
O CPP distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial.
O artigo 1º, n.º 1, alínea f), do CPP, define alteração substancial dos factos como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359.º do CPP.
Como pode ler-se no acórdão do STJ de 21.03.2007, relatado por Henriques Gaspar (acessível em www.dgsi.pt): “”Alteração substancial dos factos” significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa.
É este o sentido da definição constante do artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal para «alteração substancial dos factos», que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
“Alteração não substancial” constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.”
Regime idêntico ao da alteração não substancial prevê a lei para a alteração da dimensão normativa dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Quando ocorre uma alteração da qualificação jurídica destes factos, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, deve comunicá-la ao arguido e, caso este o requeira, conceder-lhe prazo para a defesa, como preceitua o nº 3 do artigo 358º do CPP [aditado pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, e que veio pôr termo a uma querela doutrinária e jurisprudencial, que culminou com os assentos nºs 2/93, in DR, I-A, de 10 de Março de 1993 e 3/2000, in DR, I-A, de 11 de Fevereiro de 2000 e com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 279/95, de 31.05.1995, acessível in www.tribunalconstitucional.pt].
Desta forma, desde que assegurado o contraditório, o tribunal pode qualificar juridicamente os factos descritos na acusação ou na pronúncia, ainda que da alteração resulte a condenação do arguido pela prática de crime mais grave do que o ali imputado.
A sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver ou que qualifique juridicamente os factos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358º e 359º do CPP padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. b) do CPP.
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§4. Revertendo para o caso concreto, importa desde logo esclarecer que, ao contrário do que sustenta o recorrente BB, não estamos perante uma alteração substancial dos factos narrados na acusação.
Na verdade, como decorre claramente dos elementos dos autos acima elencados a condenação dos recorrentes assenta unicamente nos factos narrados na acusação.
Como vimos, os arguidos foram pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do CP e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º e 107.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT.
Na sentença recorrida a Mma. Juiz a quo entendeu que os factos descritos na acusação integravam a prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2 do CP e pelos artigos 6.º, 7.º, 105.º, n.º 5 e 107.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, por isso, estamos perante uma alteração da qualificação jurídica dos factos nos termos e para os efeitos do artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP.
Sendo inquestionável que estamos perante uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, é também verdade que dela poderia resultar um agravamento do sancionamento dos arguidos. Mas este agravamento que opera pela mera alteração da qualificação jurídica, ao contrário do que sustenta o recorrente BB, não significa uma qualquer alteração substancial dos factos imputados aos arguidos.
Já quanto à alegada omissão da comunicação dessa alteração da qualificação jurídica têm razão os recorrentes.
Compulsados os autos constata-se, pois, não ter havido a devida comunicação da alteração da qualificação jurídica conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 358º do CPP.
Isto significa, na esteira do que acima referimos, que a omissão da comunicação aos arguidos da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos no libelo acusatório é geradora da nulidade da sentença prevista no artigo 379º, n.º 1, al. b) do CPP, por não ter sido correctamente observado o disposto no artigo 358º, n.º 1 CPP.
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§5. Consequências da apreciação da nulidade da sentença
§1. A nulidade ora declarada torna inválido o acto processual decisório (sentença) apreciado (excepto no seu segmento “Questão prévia”) por força do disposto no artigo 122º, n.º 1 do CPP, devendo o mesmo julgador da primeira instância proceder à comunicação em falta nos termos do artigo 358º, n.ºs 1 e 3 do CPP, seguindo-se a demais pertinente tramitação processual, com a oportuna prolação de nova sentença.
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§2. O conhecimento das restantes questões suscitadas pelos recorrentes acima enunciadas fica prejudicado com a verificação e declaração da nulidade da sentença recorrida nos moldes acima descritos e a remessa do processo à 1ª instância para suprimento da referida nulidade.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Rejeitar o recurso da decisão instrutória interposto pelo recorrente BB por inadmissibilidade nos termos do disposto nos artigos 310º, n.º 1 e 399º, ambos do CPP.
Custas a cargo do recorrente BB, fixando a taxa de justiça individual em 4 UCS (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9 do RCP, com referência à Tabela III anexa a este último).
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b) Rectificar os lapsos de escrita constantes no segmento “C3.1) DA(S) MEDIDA(S) CONCRETA(S) DA PENA” e “III. DECISÃO-A) e B)” da sentença recorrida nos termos fixados no ponto II.2 que antecede e aqui se dão por reproduzidos.
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c) Julgar improcedente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista no artigo 397º, n.º 1, al. c) do CPP invocada pelos recorrentes BB e AA, mantendo-se nesta parte o segmento “Questão Prévia” da sentença recorrida.
d) Julgar parcialmente procedentes os recursos dos arguidos BB e AA e, em consequência, declarar nula a sentença recorrida (com excepção do segmento “Questão Prévia) nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, al. b) e 358º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPP, determinando-se que os autos retornem à primeira instância, onde o mesmo tribunal deverá proceder à comunicação em falta nos termos acima expostos, seguindo-se a demais pertinente tramitação processual, com a oportuna prolacção de nova sentença.
Sem custas nesta parte (artigo 513º, nº 1, do CPP).
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Porto, 04.12.2024
Maria do Rosário Martins
Raúl Esteves
Lígia Trovão