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EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
RESTITUIÇÃO DO PREÇO
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
Sumário
- Inexiste caso julgado sem a tríplice identidade prevista no art. 581º, do Código de Processo Civil. - Se não resulta do julgamento conexo alguma questão prejudicial obstativa do conhecimento ou deferimento da pretensão dos Autores nesta lide, inexiste autoridade de caso julgado e que possa ser excepcionado pelos Réus; - O prazo para pedir a restituição do que foi prestado, nos termos do art. 289º, do Código Civil, é o de 20 anos, decorrente do art. 309º, do Código Civil, quando a anulação do contrato em apreço foi declarado por sentença; - Essa pretensão também não é limitada pelo prazo de caducidade previsto no art. 287º, do Código Civil, e que se reporta ao pedido de anulação e não àquele, subsequentemente accionado, nesta lide. - A obrigação de restituir da recorrida não é uma dívida de valor mas uma obrigação pecuniária e deve-se ater ao seu valor nominal, de acordo com a moeda em curso, como determina o art. 550º, do Código Civil.
Texto Integral
Rel. – Des. José Manuel Flores 1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes 2º - Adj. - Des. Maria Amália Santos
Recorrente(s): - AA e BB; - CC; Recorrido(s): - CC, DD e EE; - AA e BB.
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Acordam os Juízes na 3ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. RELATÓRIO
CC intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA e esposa, BB, formulando o seguinte pedido: “NESTES TERMOS, melhor supra expostos, nos mais e melhores de direito, sempre com o douto suprimento, atento o teor da douta sentença e acórdão de fls., cuja reprodução aqui se dão, para os devidos e legais efeitos por integralmente reproduzidos, incluindo os respectivos documentos, no que concerne ao decreto da anulação do negócio jurídico entre as partes, e o prescrito na lei substantiva, atrás mencionada, requer a V. Ex.ª, porque provado e procedente, o seguinte: -Que os réus, sejam, solidariamente, condenados: a)-A restituir ao autor o preço indevidamente pago, de €58.113,87, que o Autor pagou pelo malogrado negócio jurídico da fracção ..., acima melhor identificada, acrescidos dos juros moratórios, que, sem prescindir, à data do 28 corrente, representam €15.246,53; b)- Em custas de parte e procuradoria condigna, a favor do Autor, e seja este c)-Ressarcido de demais danos que venham a ser reportados aos réus, até efectivo e integral pagamento, com os devidos efeitos e as legais consequências.”
Os Réus contestaram, alegando, em síntese, a existência de caso julgado uma vez que reclamaram aquela quantia numa acção executiva a qual foi considerada extinta. Invocam também a autoridade de caso julgado (a decisão proferida no âmbito do anterior processo já referenciado, reveste esta autoridade de caso julgado nos presentes autos, uma vez que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas é exactamente o mesmo que o Autor pretende ver apreciado nos presentes autos, existindo assim uma clara relação de prejudicialidade; O efeito preclusivo do caso julgado determina, assim a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva). Por outro lado, alegam a prescrição, incluindo os juros dos últimos 5 anos.
Acresce a caducidade.
Mais a mais, a obrigação de restituição do preço é uma obrigação pecuniária e não uma dívida de valor como peticionado.
Por fim, pede ainda a condenação do autor como litigante de má fé.
O autor exerceu contraditório e pediu que os réus fossem condenados como litigantes de má fé.
Por a autora no primeiro processo ter falecido (FF, sendo que a mesma era mulher do autor), determinou-se a intervenção principal de DD e de EE, como co-autores (autor e filhos são os únicos herdeiros daquela).
EE declarou seu o articulado apresentado pelo Autor.
No saneador foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Condenar os réus a pagarem, solidariamente, aos autores CC, DD e EE, a quantia de €12.968,74, acrescida de juros civis, a contar de 12-6-2020, até efectivo e integral pagamento; b) Absolver as partes do pedido de condenação como litigantes de má fé; c) Condenar autores e réus nas custas do processo, sendo aqueles na proporção de 75% e estes na proporção de 25%.”
Inconformados com esta decisão, os Réus recorreram, formulando as seguintes (1) Conclusões
1. A sentença em crise considera, que não existe caso julgado no que concerne às decisões tomadas pelos Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e pelo Supremo Tribunal de Justiça, que alteraram a decisão constante da sentença proferida no processo que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, porque consideraram a execução por “…extinta porque se entendeu que a sentença da primeira acção declarativa não configurava título executivo para a restituição do preço. Tratou-se, assim, de uma decisão formal relativa ao título executivo e não uma decisão de mérito quanto ao direito à restituição do preço.” 2. Contudo previamente a estas decisões, foi proferida sentença na ação de declarativa que correu termos Juízo Central Cível de Braga - Juiz ..., sob o n.º 4080/16...., e que não condenou os recorrentes a restituírem aos recorridos qualquer quantia. 3. Com a presente decisão pretende-se, agora, alterar aquela sentença, transitada em julgado. 4. Pelo exposto, dúvidas não restam de que se verifica, quanto aos recorrentes, a exceção dilatória de caso julgado – artigos 580.º e 581.º do CPC. 5. A decisão proferida no âmbito do processo que correu termos Juízo Central Cível de Braga - Juiz ..., sob o n.º 4080/16...., reveste esta autoridade de caso julgado nos presentes autos, uma vez que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas é exatamente o mesmo que os recorridos pretendem ver apreciado nos presentes autos, existindo assim uma clara relação de prejudicialidade. 6. A decisão proferida neste primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito que a fundamenta - seria posta em causa, de novo apreciada e até eventualmente decidida de modo diverso neste processo. 7. O efeito preclusivo do caso julgado determina, assim a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva. 8. A sentença proferida no primeiro processo não condenou os recorrentes ao pagamento de qualquer quantia aos recorridos, pelo com a presente decisão alterou-se e revogou nessa parte a decisão tomada em primeiro lugar, violando assim a autoridade de caso julgado. 9. A sentença em crise entende que não se verificaram a exceções de caso julgado e de autoridade de caso julgados, essencialmente, porque os recorridos no primeiro processo (proc. n.º 4080/16....) não haviam pedido a condenação dos recorrentes a lhes restituírem o preço do montante indicados na escritura de compra e venda ali anulada. 10. No fundo a sentença proferida pelo tribunal “a quo” permitiu que recorridos com a presente ação acrescentassem um novo pedido à ação que inicialmente intentaram, fazendo tábua rasa do preceituado no artigo 265.º do CPC. 11. Os recorridos tiveram muitas oportunidades na primeira ação para apresentarem os pedidos que entendiam como válidos para as suas pretensões e, livres e conscientemente, não o apresentaram qualquer pedido de restituição do preço. 12. Por um lado, a sentença em crise considera, que os recorridos apresentam um novo pedido, fundamento decisivo no seu entendimento para justificar o afastamento da aplicabilidade dos efeitos da primeira sentença no que concerne às exceções de caso julgado e de autoridade de caso julgados, por outro lado, entende antagonicamente que aquela primeira sentença produz agora os efeitos necessários fundamentar a não verificação das exceções de prescrição e caducidade. 13. Esta contradição lógica de fundamentos, permite que os recorridos apresentem um novo pedido, considera-o válido e colocando-o “fora” do alcance da primeira sentença, e pelo contrário entende que não se verifica a prescrição e a caducidade, porque estes estão abrangidos pela primeira sentença. 14. Deste modo e como dispõe os artigos 301.º e 287.º CC, devem a sentença em crise ser alterada por uma decisão que considere agora o novo pedido apresentado pelos recorridos ferido de prescrição e caducidade. 15. Basta, para a sentença em crise, que o contrato de compra e venda seja declarado nulo, para automaticamente e se mais, o vendedor ser obrigado a restituir o preço indicado no contrato de compra e venda. 16. É também este o fundamento para condenar os recorrentes ao pagamento de juros de mora civis desde a data da sentença proferida no primeiro processo e não desde a presente condenação. 17. Se assim o é, a apresente decisão é inútil, pois a decisão de anular o contrato de compra e venda, já foi proferida por sentença transitada em julgado no processo n.º 4080/16..... 18. A sentença agora proferida pretende dar aos recorridos aquilo que estes próprios decidiram não querer, ao nunca durante todo o primeiro processo, ter atempadamente pedido a condenação dos recorrentes à restituição do preço. 19. Os recorridos é que optaram, no momento e em sede própria, quando intentaram a primeira ação declarativa, em pedir a declaração de anulação da escritura de compra e venda celebrada em 23 de maio 1985, querendo que o efeito jurídico dessa declaração de anulação fosse a alteração da titularidade e registo a favor dos recorridos, da fração autónoma correspondente à segunda loja do ... andar, a contar do Sul, destinada a atividades económicas, designada pela letra ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...93, sita na Rua ..., da freguesia ..., ..., com o artigo matricial urbano sob o n.º ...09..., e não a restituição do preço constante da escritura. 20. Cabe ao autor, na sua petição inicial (isto sem prejuízo da sua posterior alteração quando for processualmente admitido), deve formular o pedido “dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção” (A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1). 21. Chegado aqui a questão fulcral em discussão, é saber se basta a declaração de anulação de um contrato de compra e venda para gerar automaticamente a obrigação do vendedor em restituir o preço, mesmo que o comprador, em devido tempo e pelos meios próprios, não tenha pedido a condenação deste à sua restituição. 22. Um dos efeitos da declaração de anulação de contrato de compra e venda é de facto a restituição do que os intervenientes tenham prestados à sua contraparte, contudo, este efeito só é judicialmente exigível se alguma destas partes, de forma processualmente adequada, o fizer, no tempo e perante as instituições competentes. 23. Entendem os recorrentes, que o juiz quando profere uma sentença, está condicionado pelo pedido formulado, só poderá condenar o réu ao pagamento de uma qualquer quantia e aos juros de mora vencidos e vincendos, se esta pretensão tiver sido formulada pelo autor na petição inicial ou, ao menos, em requerimento posterior, nos termos do art. 265.º, nº 2, do CPC. 24. Não ficou provados, nem nestes autos, nem nos primeiros, que o preço contante do contrato de compra e venda tenha sido pago pelos recorridos aos recorrentes, facto fundamental para que estes sejam condenados a restituí-lo. 25. Não há prova para fundamentar a condenação dos recorrentes a restituírem o preço do contrato de compra e venda, sem que se tenha previamente demonstrado que esse preço foi efetivamente pago pelos recorridos aos recorrentes Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações, farão inteira JUSTIÇA.
Os Recorridos não responderam ao recurso.
Por sua vez, o Autor CC, inconformado com parte da decisão proferida, interpôs também recurso, no qual formula as seguintes (2)Conclusões
I – O presente recurso recai sobre o despacho/sentença que decidiu condenar os réus a pagarem, solidariamente, aos autores a quantia de 12.968,74€, acrescida de juros civis, a contar de 12-06-2020, até efectivo e integral pagamento; II- assentando, aquela sentença, a sua fundamentação na tese que aponta para as obrigações pecuniárias; III- Os Recorrentes não se conformam com a aproximação do caso concreto a esta tese; IV – pugnando por outra que substitua a conclusão liminar que a obrigação de restituição aos aqui autores se traduz numa mera obrigação pecuniária pelo que há a restituir o valor de 12.968,74€; V – Na verdade, a quantia de 12.968,74€ não tem qualquer correspondência com o preço, enquanto valor aquisitivo efectivamente pago pelos autores a quando da compra em 1985, a não ser uma mera correspondência formal e caricatural das prestações efectivamente prestadas por ambas as partes no negócio realizado. VI - Atento o período volvido de mais de 39 anos, no decurso do qual se verificou uma grande inflação de preços, apenas a actualização do valor nominal de 2.600.000$00, segundo a correcção monetária estabelecida pela estatística da inflação de preços determinada pelo Instituto Nacional de Estatística, pode estabelecer a justiça contratual, enquanto equilíbrio equitativo das prestações efectivamente prestadas por compradores e vendedores neste negócio. VII- É o fim teleológico da norma - a necessidade de assegurar estabilidade e segurança nas relações contratuais- que justificou historicamente o princípio nominalista que no caso concreto exige a actualização do preço pago pelos autores; VIII – Neste sentido, e dado os períodos inflacionistas que se têm verificado na economia portuguesa, a actualização monetária segundo o índice de preços no consumidor, escreve MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 1.º Vol., AAFDL, 1994, p. 352, as cláusulas de indexação “encontram sérias dificuldades de aplicação, em Portugal, visto contrariar todo um sistema (ainda) não adaptado ao surto inflacionista que se iniciou em 1973”. IX- No presente caso dos autos, a não actualização do valor pago pelos autores introduz a tão indesejada injustiça social e contratual que ao abrigo do mesmo princípio nominalista se procura assegurar. X - Portanto, entende o Recorrente que a restituição do preço não é uma obrigação meramente pecuniária, uma vez que o valor do dinheiro apenas se traduz no seu poder aquisitivo, não tendo qualquer outro valor como coisa em si mesma; XI - O poder aquisitivo do valor que os Réus foram condenados solidariamente a pagar não apresenta atualmente, ou à data da anulação do negócio jurídico, o poder aquisitivo que apresentava aquando da celebração do contrato, que se remonta ao ano de 1985. XII - Na verdade, o valor do dinheiro apenas se traduz no seu poder aquisitivo, não tendo qualquer outro valor como coisa em si mesma; tanto assim é que, o dinheiro efectivamente pago pelos autores 2.600.000$00 escudos não é possível hoje ser restituído pelos réus ou sequer usado para aquisição de qualquer bem, pois já não goza de curso legal. XIII - Daí que, no presente caso, não possamos deixar de seguir o defendido entre outros pela doutrina de Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual negativo e interesse contratual positivo, II, Gestlegal, 2º edição, 2023, e de Clara Sottomayor, em “A Obrigação de restituir o preço e o princípio do nominalismo das obrigações pecuniárias”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de faria, Coimbra, 2003, pp. 548 e ss.; posições doutrinais estas aliás citadas na douta sentença proferida. XIV- Assim, entende o Recorrente ser credor, enquanto comprador, do dinheiro pago a título de preço e não o valor de 2.600.000$00 escudos que efectivamente prestou aquando da realização do negócio. XV – Aquele valor de 2.600.000$00 escudos corresponde atualmente à quantia de €58.113,87 (cinquenta e oito mil centos e treze euros e oitenta e sete cêntimos), declarado pelo Instituto Nacional de Estatística (Cfr. Doc. 5). XVI - Pelo que, a quantia em dinheiro a restituir, e a fim de restituir tudo quanto foi prestado como efeito do contrato inválido, nos termos do art. 289.º, n.º 1, ou seja, a repor a situação patrimonial anterior dos compradores, deve ser actualizada automaticamente de acordo com o índice do custo de vida, nos termos peticionados. XVII – Sem prescindir, é sabido que o legislador pretende com o disposto no artigo 289º, nº1 do Código Civil colocar as partes na posição em que estariam se o negócio não tivesse sido celebrado, XVIII – apenas tal se conseguindo, tendo em consideração a desvalorização da moeda e consequente diminuição do seu poder aquisitivo, o correspondente valor do imóvel no mercado à data da anulabilidade do negócio e a correspondência do valor da obrigação de restituir o preço com o valor da obrigação da restituição da coisa. XIX – Pela condenação dos Réus a pagar solidariamente o valor de €12.968,74 ao Autor, o aqui recorrente não é colocado na posição em que estaria se não tivesse sido celebrado o negócio, XX – já que o “poder de compra” do valor de €12.968,74 não permite adquirir imóvel igual àquele descrito na escritura de compra e venda. XXI - A propósito cita-se: "Se há fundamento para a nulidade, anulação, resolução ou revogação do negócio, não chega a pôr-se a questão da restituição baseada no enriquecimento injusto, porque a destruição do negócio envolve a eliminação retroactiva do enriquecimento que poderia repugnar ao sistema jurídico ..." (Antunes Varela, ob. e loc. cits., Autor que também apela, e bem, para a intenção do legislador, revelada pelos trabalhos preparatórios do artigo 289º).” (Cit. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de junho de 2001, Processo nº 01A809, disponível em www.dgsi.pt) XXII – Da citação resulta que os efeitos retroativos também respeitam ao enriquecimento que da invalidade poderá resultar. XXIII – A falta de correspondência do valor atual da obrigação de restituir a coisa com o valor de €12.968,74 da obrigação de restituição do preço permite um enriquecimento dos Réus à custa Autor, aqui Recorrente, XXIV – visto que o valor de mercado do imóvel aumentou em cerca de 10 vezes e a quantia da restituição de €12.968,74 em singelo nem sequer tem em conta a atualização com base no índice de preços no consumidor. XXV- Portanto, a considerar-se que o valor não se subjaz ao conceito de “dívida de valor”, dever-se-á atender à eliminação retroativa do enriquecimento gritante do vendedor – aqui recorrido - e restabelecendo-se o equilíbrio contratual pretendido pelas partes na realização do negócio, atendendo-se, pelo menos com base no alegado e nos factos que são notórios a este tribunal, à atualização daquele valor de €12.968,74 segundo o índice de preços no consumidor; XXVI - por forma a merecer provimento o peticionado pelo Autor, o aqui Recorrente, respeitando-se, desta forma, a tão almejada estabilidade e segurança nas relações contratuais e a igualdade entre as partes do negócio jurídico. TERMOS EM QUE, e no mais que V. Exa. Doutamente suprirá, deve a sentença ora em crise proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogada, e substituída por outra que condene os réus no pagamento do valor peticionado de 58.113,87€, acrescido dos respectivos juros civis devidos desde a citação em 09-02-2017 dos réus na acção nº 4080/16.... que declarou a invalidade do negócio de compra e venda celebrado entre as partes e até integral e efectivo pagamento,…
2. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Saber se a decisão violou o caso julgado e/ou a sua autoridade;
- Saber se ocorreu prescrição ou caducidade do direito peticionado pelo Autor;
- Saber se a obrigação de restituição imputada aos Réus deve ser nominal ou em valor actualizado a esta data.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. FACTOS A CONSIDERAR
Questão Prévia
É dito na apelação dos Réus (cf. conclusões 24. e 25.) que não ficou provado que o preço constante do contrato em causa foi “efectivamente pago”.
Na decisão em crise, ficou, a propósito, dito (p. 19) o seguinte: “Posto isto, o comprador tem direito à restituição do preço. Isto é, dois milhões e seiscentos mil escudos (preço que já recebeu como consta dessa escritura;(…).
Ora, embora este facto fundamental para a demanda em causa não conste do rol dos factos provados assim enunciados no ponto V., A, da sentença, não deixou de ser considerado pela mesma, de forma motivada.
Essa decisão, de facto, não foi devidamente impugnada por estes Apelantes, que incumpriram o disposto no art. 640º, nº 1, al. a) e b), do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita liminarmente a impugnação assim deduzida (se foi essa a intenção).
Sem prejuízo disso, sempre se dirá que esse facto está provado por documento autêntico junto pelos próprios (Doc. 1 da sua contestação), no qual consta declaração com o seguinte teor: “E Pelo Primeiro Outorgante Foi Dito que ele e sua mulher, que neste acto representa, (…) Que pela presente escritura e nas qualidades em que outorga vende a referida fracção (…) pelo preço de Dois Milhões e Seiscentos Mil Escudos, que já recebeu”.
Esta declaração, constante de documento autêntico (art. 369º, nºs 1 e 2, do Código Civil), como é a escritura pública em causa, faz prova plena dessa confissão (art. 352º, do Código Civil) dos Apelantes aí exarada, nomeadamente no que diz respeito a esse pagamento ou efectivo recebimento do mencionado preço (371º, nº 1, do Código Civil).
Essa confissão faz prova plena desse facto (cf. arts. 355º, nºs 1 e 4, e 358º, nº 2, do Código Civil), de modo que, não tendo sido posta em causa a validade desse documento, ainda que a primeira instância o não tivesse considerado, haveria esta instância de o atender, dando assim como provado esse facto essencial, alegado pelos aqui Autores no art. 8. da sua p.i., nos termos do art. 662º, do Código de Processo Civil.
É por todos esses motivos que, infra, se adita formalmente tal facto ao rol dos factos provados a considerar a fim de que não restem aqui dúvidas da sua consideração.
a) Factos provados
1) Correu termos o processo n.º 4080/16.... no Juízo Central Cível de Braga – J....
2) Os Autores nesse processo eram CC e mulher, FF.
3) Entre os réus encontravam-se AA e BB.
4) Nesse processo foi proferida sentença, a 21-3-2019, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e não qual se consideraram provados os seguintes factos:
Os Autores encontravam-se emigrados em ..., tendo sido representados pelo sogro e pai da Autora, GG, na celebração da escritura mencionada em 7;
Só aquando da resolução de problema relacionado com a Administração do Condomínio é que tomaram conhecimento de que possuíam parte da fracção ... e que eram titulares da fracção ...;
Os Autores nunca utilizaram nem deram qualquer uso ou fruição à fracção ..., sempre tendo usado, para actividades económicas, parte da fracção ..., onde instalaram o «HH», o que fizeram até 2007, tendo-a, depois dessa data, arrendado;
Antes da celebração da escritura mencionada em 7, ficou convencionado entre os Autores e o Réu marido que a fracção objecto da venda seria parte da fracção ... e não a «D»;
A fracção ... nunca lhes foi mostrada por quem quer que seja, não lhe foram entregues as chaves da loja e nunca fizeram qualquer uso ou proveito da mesma na exploração da sua actividade (artigo 34º, da resposta – cfr. fls. 345);
Por erro do Réu AA, foi escriturada e transmitida a fracção ...;
Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada a 23.05.1985, no ... Cartório Notarial ..., AA, por si e na qualidade de procurador de BB, declarou vender a CC e mulher FF, ali representados por GG, declarou vender, pelo preço de dois milhões e seiscentos mil escudos, a fracção autónoma ..., loja ..., a norte da loja ... e contígua a ela, destinada a actividades económicas, no ... com entrada pelo número ...1 (onze) de polícia da Rua ..., do prédio sito na rua..., com os números 33 (trinta e três) e 35 (trinta e cinco); Nessa mesma escritura foi declarado que o “Primeiro Outorgante”, AA, vendedor, naquela mesma qualidade (por si e na qualidade de procurador de BB), já “recebeu” esse preço[4], ou seja, o mesmo foi então pago aos aqui Réus.
A aquisição da fracção autónoma designada pela letra ... encontra-se inscrita a favor dos Autores através da AP. ...1 de 1985/03/27.
5) No dispositivo desta sentença consta o seguinte:
Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. Decreto a anulação do negócio de compra e venda celebrado através da escritura pública outorgada em 23.05.1985, determinando, em consequência, o cancelamento da inscrição da aquisição do direito de propriedade a favor dos Autores efectuada pela AP. ...1 de 1985/03/27 sobre a fracção descrita sob o n.º ...17...; b. Absolvo os Réus do demais peticionado.
6) Foi interposto recurso, no qual se decidiu, a 6-2-2020, pela improcedência do mesmo, mantendo-se a sentença proferida, a qual transitou a 12-6-2020.
7) Nessa sequência, os autores intentaram, a 30-4-2021, acção executiva (que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz ..., processo n.º 2646/21....) na qual, a final, se decidiu, por acórdão do STJ, de 8-11-2022, que Inexiste sentença condenatória que constitua título executivo que abranja a restituição do prestado quando apenas foi pedida a anulabilidade do negócio e do dispositivo condenatório conste “Decreto a anulação do negócio de compra e venda celebrado através da escritura pública outorgada em 23.05.1985, determinando, em consequência, o cancelamento da inscrição da aquisição do direito de propriedade”.
b) Factos não provados.
Não resultaram factos não provados.
3.2. DO DIREITO APLICÁVEL
Recurso dos Réus 3.2.1. Caso julgado ou autoridade de caso julgado (?)
Nas conclusões do seu recurso (itens 1. a 11.), os Réus discutem a desconsideração por parte da sentença em crise das excepções de caso julgado e autoridade de caso julgado.
Vejamos…
Como já dizia o Código Civil de Seabra de 1867, no seu art. 2502º (Do Caso Julgado), caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O actual Código de Processo Civil, dita nessa linha, no seu art. 619º, que (1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º..
Esse art. 580º, esclarece que (1) as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. (2) Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Concretiza-se nesse art. 581º (1) repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. (2) Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (3) - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. (4) Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Por sua vez, o seu artigo 621.º, reportando-se ao seu alcance, estipula que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Trata-se de um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional. O caso julgado está intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático e uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza. Não obstante, o respeito pelas decisões no poder judicial, já anteriores à república, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor máximo de justiça aliado ao princípio da separação de poderes[5].
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu.“.[6] “Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”.[7]
Dito isto, há que salientar que a abrangência do instituto do caso julgado tem sofrido evoluções jurisprudenciais e doutrinais.
Como salienta o Conselheiro Tomé Gomes, relator do recente Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.6.2017[8], desde há muito que tanto a doutrina[9] como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já quanto à autoridade do caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (excepção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[10]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[11].
No que respeita à tríplice identidade mencionada no citado art. 581º, menciona o mesmo texto que quanto à identidade de sujeitos, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade direitos e obrigações contemplados pelo julgado[12]. Todavia, a relatividade subjectiva do caso julgado não obsta a que este se possa estender a terceiros, mormente nos casos em que da lei resulte tal extensão[13]. Também, no que respeita à identidade do pedido e da causa de pedir, importa aferi-la não de um modo global, mas sim em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objecto das causas em confronto e dos correspectivos segmentos decisórios. (…).
Importa ainda, com especial relevo para este caso, e como refere Rui Pinto,[14]distinguir consoante aquela vinculação se refere ao objecto processual e aos sujeitos da própria decisão (efeito positivo interno) ou se se refere a objectos processuais que estejam em relação conexa com o objecto da decisão. O primeiro designamos por efeito positivo interno e pode ser feito valer por meio de execução de sentença; o segundo por efeito positivo externo e pode ser feito valer como facto constitutivo ou como excepção peremptória.
No caso presente, é patente que inexiste alguma dessas excepções nos moldes pretendidos pelos Apelantes, que se quedam em argumentos irrelevantes para criticar a abundante fundamentação da sentença.
Deste logo, os Recorrentes confundem de modo inconcebível e improcedente uma consequência do princípio da estabilidade intrínseca da instância (art. 260º, do C:P.C.), estabelecido no art. 265º, do mesmo Código, com os efeitos externos do caso julgado material estabelecido no art. 619º, nº 1, desse Código.
Por outro, lado, em sede de conclusões, não se percebe se, a final, os Apelantes consideram que está em causa caso julgado (art. 577º, al. i), do C.P.C.), excepção dilatória, ou a excepção peremptória inominada de autoridade de caso julgado (?).
No entanto, a questão é aqui de resolução simples.
Com é para nós evidente, não se verifica aqui a tríplice identidade pressuposta nos citados arts. 580º e 581º, do C.P.C., dado que o pedido de restituição do preço agora formulado pelos Autores não foi objecto da referida acção nº 4080/16, de modo que não existe caso julgado tal como ele está desenhado no nosso actual ordenamento processual civil.
Por outro, não alegam os Apelantes, nem resulta dos factos assentes, que a decisão desse processo nº ...6 configure alguma questão prejudicial obstativa do conhecimento ou deferimento da pretensão dos Autores, ou seja, que obste à procedência da sua pretensão, como é característica dessa excepção de autoridade de caso julgado em determinadas circunstâncias. Antes pelo contrário, o que existe é, positivamente, uma decisão anterior, proferida nesse processo, que se constitui como fundamento inabalável ou definitivo da pretensão pecuniária agora formulada, maxime quando anulou o contrato em apreço, determinando assim a aplicação do disposto no art. 289º, nº 1, do Código Civil.
Por fim, diga-se, que a confusão entre preclusão e caso julgado em que assenta alguma da argumentação dos Apelantes, carece de sentido.
O que se pretende com o caso julgado na sua actual configuração é evitar a contradição de decisões e não o de fazer precludir o direito de as pessoas agirem em juízo de modo a verem reconhecida a sua pretensão nos termos fundamentais do art. 2º, nº 2, do Código de Processo Civil.
De resto, não existe, nem os Apelantes o demonstram, v.g., mediante a citação de alguma norma de onde isso resulte, como era seu ónus (art. 639º, nº 2, do C.P.C.), qualquer preclusão de os Apelados/Autores formularem aqui pedido que não apresentaram naquela anterior acção, só porque, na opinião daqueles, o deviam ter feito então (item 11. das conclusões).
Improcedem, portanto, estas excepções, tal como bem decidiu a sentença.
3.2.2. Prescrição e Caducidade
Os Apelantes concluem ainda que o pedido formulado pelos Autores não deve proceder porque o seu direito à restituição do preço está prescrito.
Invoca-se a esse respeito, em sede de conclusões, unicamente o disposto no art. 301º, do Código Civil.
A sentença recorrida, por sua vez, entende que esse direito não está prescrito, invocando o disposto no art. 311º, nº 1, do Código Civil, que a argumentação dos Recorrente ignora por completo.
De acordo com essa norma, o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Ora, no caso, diversamente da primeira instância, julgamos que não é caso de aplicação desta norma.
A sentença proferida em 2019, no Proc. 4080/16, não declarou o direito dos Autores a verem restituído o preço em causa e, por isso, a situação em apreço não se enquadra nessa previsão. Aliás, não vemos obstáculo a que se invocasse aqui essa prescrição perante a objectiva inércia dos mesmos em terem aí formulado a pretensão pecuniária que agora se discute.
Porém, tem razão a instância recorrida quando argumenta que o direito em apreço (de restituição do preço) tem por fonte e surgiu na esfera jurídica dos aqui Autores com a referida sentença de 2019, em suma, com a decretada anulação, que na respectiva acção constitutiva estabeleceu, ex novo, entre as partes, uma relação de liquidação, nos termos do art. 289º, do Código Civil: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.[15]
Neste quadro, o prazo aplicável, é o de 20 anos, decorrente do art. 309º, do Código Civil (como concordam o Tribunal a quo e os Recorrentes) mas conta-se desde a declaração de anulação proferida em 2019, conforme determina aqui o disposto no art. 306º, nº 1, do Código Civil, não havendo sequer factualidade que importe outro termo inicial.
Deste modo, improcede a alegada excepção de prescrição.
Contudo, além disso, os Apelantes insistem nesta instância pela procedência de outra excepção material, a de caducidade do direito, com base no disposto no art. 287º, do Código Civil.
Decorre desta norma que, sic: 1. Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.
Neste ponto concordamos inteiramente com a sentença: tendo sido arguida e declarada na acção precedente, nº 4080/16, a anulação, do negócio que subsistia entre as partes, não pode agora voltar aqui a discutir-se esse julgado, transitado com os efeitos tão clamados pelos Recorrentes (cf. art. 619º, nº 1, do C.P.C.).
De resto, o que aqui está em causa é coisa diversa, uma consequência ou efeito dessa anulabilidade e não a anulação limitada por esse prazo de caducidade, já decretada, sem oportuna ou procedente excepção dos Réus.
Em suma, esse prazo não se aplica à reclamação do direito à restituição do que houver sido prestado, estabelecido no citado art. 289º, nº 1, razão pela qual improcede esta outra conclusão ou excepção.
Neste conspecto, deve improceder a apelação dos Réus.
Recurso do Autor
3.2.3. O valor da restituição
Na sua petição inicial o Autor, de modo singelo, alegou que o valor que pretendia ver restituído atingia “montante igual a: €58.113,87, declarado pelo Instituto Nacional de Estatística, (Doc. 5 - IPC_INE)”.
Agora defende que leitura do citado dispositivo do art. 289º, nº 1, do Código Civil, lhe confere o direito à restituição da prestação que entregou aos Réus, com actualização automática de acordo com o índice do custo de vida, repondo-se assim o equilíbrio original das prestações e evitando-se o enriquecimento dos Réus à sua custa.
Está assim em causa a melhor interpretação do art. 289º, nº 1, na parte em que se estabelece que deve “ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
O Tribunal a quo, por sua vez, entendeu que não estava presente uma dívida de valor mas sim perante uma obrigação pecuniária ou nominalista.
Nesse sentido citou, além de mais, a seguinte jurisprudência: “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 05B1494, de 3105-2005: Como ensina o Prof. Antunes Varela, R.L.J. 102- 253, citado no acórdão recorrido, « na fixação dos efeitos da nulidade, o Código afastou a ideia, ainda contida na 1ª revisão ministerial (art. 257º, 2) de pautar pelas normas do enriquecimento sem causa o regime do dever de restituir imposto às partes.» Como ensina o Prof. Leite de Campos, "A subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento", págs. 194 e segs., também citado no acórdão recorrido, « a lei recusa a um negócio ferido de nulidade, não só os efeitos jurídicos, como se nega mesmo a aceitar, em larga medida, o "statu quo" económico que o cumprimento do negócio acarretou, excluindo que a restituição se faça segundo as regras do enriquecimento sem causa.» A obrigação de restituir da recorrida não é uma dívida de valor mas uma obrigação pecuniária pois o seu objecto é directamente uma soma de dinheiro - o que a recorrida recebeu, a título de sinal. E, tendo de restituir tudo o que lhe foi prestado, são apenas as quantias recebidas que deve restituir pois foi "tudo" o que recebeu (no mesmo sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 01A809, de 05-06-2001).”
Este é o entendimento seguido noutros textos do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo, v.g., o Ac. de 13.2.1992[16], no qual ficou dito que: I - As regras do enriquecimento sem causa não são aplicáveis ao caso de um mutuo nulo por falta de forma. II - Por isso, nos termos do n. 1 do artigo 289 n. 1 do Código Civil, a prestação a restituir em virtude da declaração de nulidade do negocio não pode ser actualizada.
Veja-se ainda o Ac. de 5.6.2001[17], no qual ficou, em suma, dito que: I - A declaração de nulidade do contrato arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais, como se o negócio não tivesse sido realizado. II - A restituição aqui funda-se na nulidade e não no enriquecimento sem causa - neste não há restituição retroactiva mas apenas devolução daquilo com que alguém esteja locupletado à custa de outrem.
Outro elemento, desta feito histórico e teleológico nesse sentido, que devemos atender, é sublinhado pela decisão recorrida, citando Paulo Mota Pinto, que, em tese, defende a posição aqui invocada pelo Apelante mas, a final, conclui que o legislador pretendeu exactamente o contrário ao afastar as regras do enriquecimento sem causa, dado este que não pode ser ignorado à luz do disposto no art. 9º, nº 1, do Código Civil.
São ainda Pires de Lima e Antunes Varela que salientam que estamos perante efeito radicalmente distinto do que resulta do instituto do enriquecimento sem causa.[18]
Neste conspecto, julgamos, em sintonia com a decisão recorrida, que a reposição retroactiva do valor disposto pelo Recorrente aquando do negócio destruído pela anulação previamente declarada se deve ater, ao seu valor nominal de acordo com a moeda em curso, tal como determina o art. 550º, do Código Civil.
De acordo com este silogismo, deve improceder a apelação do Autor.
*
Com o exposto, fica prejudicado o conhecimento dos restantes argumentos de ambas as partes (cf. art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
As custas serão suportadas pelos Recorrentes, tendo em conta o disposto no art. 527º, do Código de Processo Civil.
4. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações dos Réus e do Autor, mantendo-se a decisão.
Custas das Apelações pelos respectivos Apelantes.
*
Sumário[19]: - Inexiste caso julgado sem a tríplice identidade prevista no art. 581º, do Código de Processo Civil. - Se não resulta do julgamento conexo alguma questão prejudicial obstativa do conhecimento ou deferimento da pretensão dos Autores nesta lide, inexiste autoridade de caso julgado e que possa ser excepcionado pelos Réus; - O prazo para pedir a restituição do que foi prestado, nos termos do art. 289º, do Código Civil, é o de 20 anos, decorrente do art. 309º, do Código Civil, quando a anulação do contrato em apreço foi declarado por sentença; - Essa pretensão também não é limitada pelo prazo de caducidade previsto no art. 287º, do Código Civil, e que se reporta ao pedido de anulação e não àquele, subsequentemente accionado, nesta lide. -A obrigação de restituir da recorrida não é uma dívida de valor mas uma obrigação pecuniária e deve-se ater ao seu valor nominal, de acordo com a moeda em curso, como determina o art. 550º, do Código Civil.
* Guimarães, 14-11-2024
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, SimasSantos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] Cf. Escritura/Doc. 1 junto com a contestação. [5] MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, in A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE), p. 18
AUTOR: [6] Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 306. [7] Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 705 [8] Inhttp://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/538df581632b09588025814c0049be53?OpenDocument [9]Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354. [10] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93. [11] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. [12]Neste sentido, vide, entre outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1981, pp. 97-99. [13]Vide Alberto dos Reis, ob. cit. p. 99. [14] In Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas Provisórias, Julgar Online, Novembro de 2018, P.17/18 [15] Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18.1.2024, in http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/e7b073ae8eba744980258aba0035dd4a?OpenDocument [16] In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/518E20769D212395802568FC0039710E[17] In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/87a52748d6e5d51180256b7a004e1b7e?OpenDocument [18] Cf. Código Civil Anotado, vol. I, p. 266 [19] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.